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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 19 de abril de 2024

Leia na íntegra a decisão judicial - que "se aplica a todos os munícipes em situação análoga à do impetrante". No caso, o juiz de direito Isaías Caldeira (foto). Ele se insurgiu contra decreto em M. Claros (que seria aplicado a partir de hoje), e recebeu "salvo conduto" para circular livremente

Sexta 10/12/21 - 6h12

Decisão

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Justiça de Primeira Instância
Comarca de MONTES CLAROS / 1a Vara Empresarial e de Fazenda Pública da Comarca de Montes Claros
PROCESSO No: 5021327-06.2021.8.13.0433
CLASSE: [CÍVEL] AÇÃO CIVIL COLETIVA (63)
ASSUNTO: [Ato Lesivo ao Patrimônio Artístico, Estético, Histórico ou Turístico] AUTOR: FARLEY SOARES MENEZES e outros
RÉU/RÉ: PREFEITO MUNICIPAL DE MONTES CLAROS
DECISÃO
Farley Soares Menezes e Jenilson Soares de Oliveira impetraram em favor de ISAÍAS CALDEIRA VELOSO a presente ordem de Habeas Corpus, com pedido de Liminar, contra o Prefeito Municipal de Montes Claros/MG, Humberto Guimarães Souto, contra quem alega ter praticado ato ilegal e abusivo, capaz de restringir-lhes a liberdade de locomoção, ao editar o Decreto Municipal no 4.325/2021, no qual consta a exigência de proibição, a vigorar a partir de 10/12/2021, de frequência, permanência, em locais públicos e privados, proibição de embarque e desembarque no aeroporto e rodoviária locais, salvo para aqueles que apresentarem “esquema vacinal completo” ou apresentação de teste negativo de RT-PCR, com antecedência de 72 horas.
Discorre acerca da pertinência da medida jurisdicional pleiteada e fundamenta sua pretensão alegando que, após contrair a doença, adquiriu imunidade natural, comprovada através da realização de três “TESTES DE NEUTRALIZAÇÃO SARS-COV-2/COVID19, ANTICORPOS TOTAIS”, com índices percentuais apurados de 59%, 39% e 47%, o que tornaria desnecessário, no seu caso pessoal, a submissão a qualquer esquema vacinal que, ao fim e ao cabo, teria por objetivo sua imunização, já ocorrida naturalmente.
DECIDO.
O habeas corpus tem natureza de ação popular penal constitucional, porque provoca o Poder Judiciário a solucionar um conflito entre a pessoa que tem sua
Número do documento: 21120919551239800007403210410 https://pje.tjmg.jus.br:443/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21120919551239800007403210410 Assinado eletronicamente por: MARCOS ANTONIO FERREIRA - 09/12/2021 19:55:12
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liberdade de locomoção ameaçada ou violada e o agente ou órgão constrangedor dessa liberdade de locomoção.
Segundo o disposto no artigo 5o, inciso LXVIII da Constituição da República, tem cabimento " sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Nesse sentido, tem-se que o HC é a ação constitucional penal garantidora da liberdade de locomoção da pessoa humana constrangida em face de ilegalidade ou abuso de poder.
O artigo 648 do Código de Processo Penal estabelece as hipóteses de ilegalidade da coação:
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I - quando não houver justa causa;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
No caso dos autos, verifica-se que, os Decretos Municipais impugnados, no 4.325/2021, 4.328/2021 e 4.330/2021, estabeleceram as seguintes restrições à liberdade:
Decreto no 4.325/2021: proibição de entrada e permanência em lojas de conveniência, bares, restaurantes e similares, casas de festas e eventos, clubes de lazer e serviço, reuniões maçônicas, cinemas, shows artísticos, teatros e eventos desportivos para aquele maiores de 18 anos que não exibir o comprovante do “esquema vacinal completo, a ser comprovado mediante apresentação do cartão de vacinação ou aplicativo digital oficial, acompanhado de documento de identidade com foto”; a ausência poderá ser suprida pela apresentação de teste negativo de RT-PCR, com antecedência de 72 horas. E proibição de embarque e desembarque de passageiros na Rodoviária Municipal e Aeroporto Municipal.
O Decreto no 4.328/2021: amplia a “proibição para a entrada e permanência em academias de práticas esportivas, atividades físicas e centros de prática esportiva”;
Posteriormente ao ajuizamento do Habeas Corpus, a Municipalidade local editou o terceiro Decreto no 4.330, de 06/12/2021, no qual amplia as vedações, passando a restringir a liberdade de entrada e frequência em agências bancárias, casas lotéricas e similares, bem como serviços de barbearia, salões de beleza ou similares e prédios públicos do Poder Executivo local.
Não se discute no caso dos autos os efeitos da vacinação sobre o vírus da COVID/19 – com a simples redução de adjetivação de negacionista (para quem não defende a imunização vacinal) e o contrário (para quem defende outros métodos de combate à doença), mas a conformação dos atos jurídicos impugnados com o ordenamento pátrio.
De início, pontuo que, ao que me parece, os operadores do Direito, de cima a baixo, talvez pelo ineditismo de uma situação de epidemia de alcance global, com inúmeras baixas de concidadãos, se divorciaram quase que por completo do ordenamento jurídico na aplicação das mais diversas e espetaculosas medidas, administrativas e jurisdicionais, sempre com o objetivo nobre de “salvar vidas”, como se isso fosse possível ao sabor da pena, ainda que ignorando a garantia do próprio Estado
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Democrático de Direito, que é fundamento da República. Buscou-se combater o vírus, que em muitíssimos casos é letal, ainda que a custo de morte do que ainda nos resta de democracia e de Estado Democrático de Direito, muitas vezes sob a falsa premissa de que direitos coletivos seriam mais importantes que aqueles afetos à individualidade dos brasileiros, como se a coletividade não fosse nada senão a coletânea de direitos individuais agregados.
O próprio STF, ao julgar a ADPF 672, relatoria do Min. Alexandre de Moraes, julgada em 13/10/2020, simplesmente esclareceu o que já consta no Texto Constitucional, e não poderia ser diferente, porque nem o STF têm competência constitucional originária ou derivada, mas a única função de velar pelo Texto Constitucional, explicitando que a Constituição atribuiu competência concorrente entre UNIÃO e ESTADOS/DISTRITO FEDERAL para LEGISLAR sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), permitindo aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II, da CF); e prescrevendo ainda a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 7o da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da execução de serviços, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6o, I, da Lei 8.080/1990).
Nem o Supremo Tribunal, nem o ordenamento jurídico brasileiro permitem ao Município legislar originariamente sobre o tema, mas em caráter suplementar, desde que justificados por algum interesse local específico.
E as medidas restritivas previstas na Lei Federal no 13.979/2020 foram transcritas na Lei Local no 5.252 de 19/03/2020, sendo certo que não houve na lei municipal NENHUMA suplementação ou necessidade local que justificasse a suplementação da Lei Federal que regulamenta a matéria, a qual é taxativa ao determinar no parágrafo 1o do artigo 3o, que as medidas restritivas nela descritos SOMENTE podem ser determinadas “com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.
No caso específico da Cidade de Montes Claros, NENHUM dos três Decretos impugnados traz em suas considerações, fundamentos ou razão de existir, a base ou a evidência científica em que são embasados, conforme determina a Lei Federal que regulamenta a matéria, o que, por si só, os tornariam sem qualquer validade jurídica.
Ao contrário, nos “considerandos” que arrimam o Decreto no 4.325/20210, o próprio Poder Executivo local admite a existência de estabilidade dos índices epidemiológicos da COVID-19 no Município, além da disponibilização, a quem o desejar, o esquema vacinal completo e em um dos “considerandos” do Decreto no 4.328/2021 reconheceu expressamente sua (in)competência é limitada a “estabelecer normas complementares”, nunca normas originárias, de competência legislativas Federal e Estadual.
Não bastasse isso, os “Decretos Municipais”, oferecem apenas duas alternativas ao cidadão: submissão ao esquema vacinal ou apresentação de teste negativo de RT-PCR, neste último caso, não indica o equipamento público onde poderão ser
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realizados os exames, o que deveria ter feito, nos termos da Lei Municipal no 5.252/2020, que impõe a gratuidade no tratamento e realização de exames relativos à COVID/19.
As normas são ainda omissas em pelo menos duas outras situações: a primeira referente aos cidadãos que não podem ser inoculados com a vacina por restrição médica e daqueles que já foram contaminados, curados e tem em seus corpos os anticorpos neutralizantes contra a COVID/19, e que pode ser comprovado através de exames laboratoriais específicos, que é o caso do impetrante, e que, em última análise deveriam servir até mesmo para a comprovação da eficácia da vacina, que é a produção de imunização, detectável através da produção de anticorpos neutralizantes no organismo dos vacinados.
As restrições impostas nos três Decretos Municipais, sem embargo de terem em si a intenção de “forçar” a imunização coletiva pela vacinação em massa da população local – ao retiram do cidadão outras formas de comprovação do mesmo resultado e ao não lhes fornecer o equipamento público necessário para a realização dos exames cuja eficácia admite, incorrem em vícios sanáveis através da intervenção do Poder Judiciário.
Há de ser considerado ainda, que os Decretos Municipais extrapolam sua própria competência legislativa: PRIMEIRO porque a Constituição NÃO conferiu ao MUNICÍPIO a competência para regular as atividades do sistema educacional, financeiro, muito menos sobre as diretrizes da política nacional de transportes; o regime dos portos, a navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; o trânsito e o transporte e a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões. O artigo 22 da Constituição Federal atribui a competência privativa da União Federal legislar sobre esses caros temas, todos de interesse nacional.
SEGUNDO porque a questões postas no processo NÃO SE REFEREM à COMPULSORIEDADE ou OBRIGATORIEDADE de vacina ou outro lindo termo semântico que queiram usar em substituição, MAS APENAS e tão somente à NÃO CONFORMAÇÃO dos Decretos com o ordenamento jurídico, suas omissões e evidentes ilegalidades.
ILEGALIDADE por obvia e evidente incompetência legislativa – Friso, o STF não deu e nem poderia ter dado ao Município ou ao Estado uma competência não prevista na Constituição, daí a norma local, que deveria ter apenas e tão somente caráter suplementar – na parte que lhe cabia, ultrapassou essa competência legislativa, implantando direito originariamente não previsto e legiferando sobre matéria que não era de sua competência originária (e nem tinha poderes para tal - ainda deve haver Poder Legislativo Municipal).
ILEGALIDADE porque invadiu competência legislativa que a Constituição Federal atribuiu à União Federal (e não ao Município), na matéria referente à regulamentação do funcionamento do sistema educacional, as bases da educação, o sistema financeiro, a respeito da exploração da navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros e sistema educacional - – artigo 21, XII, “c, d, e” e artigo 22, VI, IX, X, XI, XVI, XXIIV.
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Nesse sentido, não se mostra razoável exigir do impetrante o cumprimento de obrigação que pode ser feita de outra forma, notadamente a apresentação do “teste de Neutralização SARS-COV-2/COVID19”, juntado no Id 7367523019, e que comprova estar o paciente já imunizado contra a terrível doença.
Pelo exposto, DEFIRO o pedido de liminar, para deferir ao paciente ISAÍAS CALDEIRA VELOSO SALVO CONDUTO, a fim de que o Município e a Autoridade Coatora se abstenham de impedi-lo de adentrar, circular, permanecer em todos os locais de acesso permitido, não se lhe aplicando as vedações impostas nos Decretos Municipais no 4.325/2021, no 4.328 e no 4.330/2021.
A presente decisão, assinada eletronicamente, tem aplicação imediata e efeito geral e se aplica a todos os munícipes em situação análoga à do impetrante.
Notifique-se a autoridade coatora para que preste, no prazo legal, as informações que entender necessárias.
Intime-se o autor.
Montes Claros, 09 de dezembro de 2021.
Marcos Antonio Ferreira
Juiz de Direito
Rua Raimundo Penalva, 70, Vila Guilhermina, MONTES CLAROS - MG - CEP: 39401-010

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