
O BAR DO SINVAL
A rua Quinze era tão diferente (foto)! Não existia, nela, um só prédio grande, todas as casas, mesmo as comerciais, eram baixas, estilo colonial pobre e antigo. Os telhados escurecidos pelo tempo, mofo e lodo, se emendavam, e as casas, agarradas umas às outras, como se fossem cair, e com medo, pareciam cochichar... As portas e portais altos, com o tempo, expostos ao sol e à chuva, acabavam-se entortando, o que era muito comum naquelas construções de adobes. Situado bem no centro do quarteirão, onde é hoje o edifício Jabbur, ficava o Bar do Joaquim da Pretinha, que atendeu por muito tempo nossa cidade e era onde se tomava uma cerveja quente (não existia geladeiras). O gelo era comprado em barras na fábrica de gelo do Cel. Luís Pires, mas nem todos os dias ele conseguia satisfazer a freguesia. Qualquer problema nas máquinas paralisava tudo, e os bares ficavam sem gelo por alguns dias. Mas os fregueses não eram exigentes... Nestas condições precárias, foi este bar vendido mais tarde, a Sinval Amorim, que o transformou no melhor da cidade. Com ares de "gentleman", ele sabia cativar a freguesia e, com sua diplomacia, achava solução para tudo e para todos. Muito alinhado, terno branco de linho, gravatinha borboleta vermelha, impressionava bem a todos e era, além disto, um excelente comerciante. Vendia de tudo no seu bar e caprichava nos artigos: a melhor cerveja e a mais gelada, a "pinga" mais pura, o melhor conhaque e o sorvete mais gostoso. Além disto, as vitrines eram cheias de bolos, biscoitos, doces, sonhos, caçarola italiana, pastéis, que sua mãe, Dona Anália, fazia com perfeição. Era de lá, comodamente assentados, que a rapaziada podia apreciar o "footing" da rua Quinze, e com os olhos melosos "chocar" de longe, como jacarés, tentando conquistar as moças faceiras e dengosas daquele tempo. Durante o dia, o bar era familiar, mas depois das dez horas, era um perigo para as nossas donzelas. Nesse horário, as "mariposas" da "Rua dos Marimbondos" para lá se deslocavam, aos bandos, com seus longos vestidos de "soirée", rostos exageradamente pintados, bocas muito vermelhas, em forma de coração, cabelos oxigenados e enormes saltos "Luis XV" que batiam fortemente na calçada - e o pacato Bar do Sinval, nesse horário, transformava-se em cabaré... Morríamos de vontade e de curiosidade de saber o que se passava ali, altas horas, mas ai daquela que ousasse passar, naquele horário, ao menos do outro lado da rua... Assentar-se naquelas mesinhas, tomar um sorvete ou um refrigerante, era o desejo de todas nós que éramos assíduas freqüentadoras da Rua Quinze. Mas tudo pegava mal, as famílias eram excessivamente preconceituosas. O bar do Sinval era também o ponto de encontro dos boiadeiros e marchantes dos grandes frigoríficos do Rio e de São Paulo. Ali se faziam os melhores negócios de compra e venda do boi gordo e os comentários eram notórios. As esposas ficavam em casa, inocentemente, acreditando que seus maridos eram "santos" e que iam àquele bar mais tarde, por necessidade, uma vez que tais boiadeiros só realizavam negócios ao som da música, das risadas e deboches daquelas "mulheres mundanas", no Bar do Sinval. Alegavam, certos senhores, que o gado estava passando da hora de vender e, embora contrariados, o jeito era ir... mas quando caíam lá dentro, se esbaldavam e o negócio era outro... Nossos fazendeiros, grandes invernistas como Antônio Athayde, Niquinho Teixeira, Ilídio dos Reis, João Câmara, Athaydinho, Nozinho Colares, Mauro Moreira, Levi Peres, Dr. Santos, Argermiro e Elpídio da Rocha, Lopinho, Filomeno Ribeiro, João Mendonça e muitos outros, nesta época se deixavam levar pelo "bico" de certos "marchantes", e um dia a cidade se estremeceu com o tombo dado pelo Miguel Oliver. São coisas que acontecem, infelizmente, no mundo dos grandes negócios, mas muitos dos nossos ingênuos fazendeiros foram prejudicados, ao ponto de hipotecarem suas fazendas. A eterna boa fé dos sertanejos. Havia compradores de boi honestos, como o Benjamim Veiga, da Anglo, que era bom comerciante e nunca prejudicou a ninguém. O Bar do Sinval teve muita importância, economicamente, nessa ocasião, para os montes-clarenses. Por outro lado, nossos fazendeiros, principalmente os mais controlados pelas esposas, tiveram por muito tempo um "álibi" para suas escapulidas noturnas, sem despertar ciúmes ou desconfianças. O Bar do Sinval, tão querido, desapareceu, mas ele teve sua época de sucesso, e juro que muita gente ainda se lembra dele com saudade. A Rua dos Marimbondos, também desapareceu, virou rua séria, de gente fina. Não existe mais uma rua própria para as mulheres mundanas, as "mariposas" do Bar do Sinval. Por onde andam estas mulheres extravagantes, mal pintadas e mal amadas? Elas se afastaram, ou afastaram-nas? Talvez sofram, sentindo a miséria, a desilusão, vítimas da desigualdade social. E, quem sabe? Talvez ainda têm um pouco de esperança e batem os saltos "Luis XV" nas calçadas de ruas escuras de bairros distantes, vendendo sua carne envelhecida, mendigando amor. Os fazendeiros, hoje, não precisam mais do Bar do Sinval, nem de ninguém para vender sua boiada. Hoje tudo mudou muito. A cidade evoluiu e cresceu demais. As oportunidades se multiplicaram com a civilização. O comércio hoje não é só boi. Surgiram milhares. Surgiram as "piranhas". Dizem que andam por aí em cardumes, e é difícil escapar de suas redes. E com as facilidades dos motéis que se multiplicam, dia a dia, não há "piranha" que chegue para o "banquete" dos tubarões...
|