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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 24 de setembro de 2024
 

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Mensagem: (Carta para o jornalista Oswaldo Alves Antunes, diretor do legendário ´O Jornal de Montes Claros´ e autor do livro ´A Tempo´:)

Belo Horizonte, 22 de fevereiro de 2009

Meu caro Oswaldo

Shalom!

Perdoe-me que só agora venha à sua presença para comentar o seu livro “A Tempo”, com o qual fui distinguido, há mais de ano, com uma dedicatória que muito me honra.
Fiquei em falta com o nobre parente, porque desejava fazer uma avaliação desse seu memorial com mais vagar e profundidade.
Mas isso, para mim, valeu a pena. Viria a dar-me uma visão mais ampla dessa obra de caráter histórico e autobiográfico, realmente meritória, e a oportunidade de conhecer melhor o autor. Por sorte e ao acaso, acabei observando o preceito nela contido: O livro que se leu e não releu, é livro que não se leu...
De fato, lembrando o nosso saudoso amigo Hermes de Paula (ele falou da gostosa feijoada dos tropeiros, que é bem melhor no dia seguinte), o repasse de uma boa leitura é sempre mais agradável e proveitosa do que da primeira vez
Pois foi o que afinal me aconteceu, há poucos dias, lá na fazenda da Jurema, no meu velho e legendário Lençóis do Rio Verde. Sem pressa e sem compromissos imediatos, deliciei-me com a releitura do seu livro, no qual tanto me diverti quanto aprendi.
Em vários trechos, cheguei a me surpreender com algo quase despercebido na leitura anterior, feita de raspão, provavelmente por conta da avidez provocada pela expectativa do seus depoimentos e observações sobre fatos significativos ou pitorescos ocorridos em Montes Claros, quando lá morei e me casei, entre 1946 e 1951, e ainda por sua incursão genealógica dos descendentes do Macabeu Heitor Antunes e Ana Roiz, que mais ainda me interessava.
Dentre outras revelações, só depois nitidamente percebidas e apreciadas, lá estavam a simbologia das duas cadeiras e a revelação do poeta não assumido, cuja veia lírica aos 18 anos foi capaz de produzir o excelente soneto da estrela cadente. E mais as ternuras e idílios do noivado, com belas cartas de amor. E ainda o curioso lance poético de Drumond sobre a dançarina espanhola - retrato falado de Montes Claros de fato não muito lisonjeiro para a cidade, mas de uma penetrante acuidade. Não foi tão exagerado o apodo de gente encardida, extravasado pela sogra...
São enternecedoras as lembranças nítidas da infância de Vadim, o menino solitário, com os brinquedos que ele mesmo fazia, como a espingarda de cano de guarda-chuva, e outros.
Mais crescido, trabalhou em loja e ajudou o padre a celebrar missa. No seu pequeno mundo, o trem de vida corria como Deus é servido, com os altos e baixos da vida simples do sertão. Sua mãe Zulmira, uma autêntica hebréia, valorosa e forte; a Casa Brazília, a vitrola de corda, o cavalo castanhinho, que ele montava em pelo, e tanta coisa mais, tudo lhe voltou à tona, numa névoa de saudade Mas houve também alguns dramas pungentes e até episódios sangrentos envolvendo membros de sua família, dos quais recorda com natural amargura, com reflexos nos rumos que veio a seguir.
Depois de tudo isso, a cidade grande, os estudos no colégio e na faculdade, e a atuação no “O Diário”, que me proporcionou um curso prático de jornalismo, com aulas de Tristão de Athayde, José Mendonça e tantos outros.
Atuou como advogado, mas foi como jornalista, combativo e autêntico, que potencializou-se. Fez do jornalismo uma missão. Sua experiência foi muito laboriosa e rica. Sempre bem informado, muito teve para revelar a seus leitores. Na imprensa - que tem no jornal o veículo de maior impacto - coroou a sua vida.
Era preciso ter muita fibra para resistir, com fôlego, à onda do emaranhado de boatos, duvidas e mal-entendidos, na questão dos grileiros. Em boa hora o seu livro esclareceu tudo.
Como profissional consciente, com determinação e coragem, fez jus à admiração e ao respeito dos concidadãos e leitores. Sua vida e suas lutas compõem uma página de bravura e civismo. O JMC calou, mas tudo quanto disse ao longo dos 38 anos de sua atuação, ficou indelevelmente gravado, não apenas no papel, mas nas mentes e nos corações de um povo pelo qual tanto lutou. Ao ensarilhar das armas, o fim da batalha não foi uma capitulação, mas uma decisão serena e independente do comandante, que deve ser respeitada.
Como um Antunes, identificou-se com as boas causas, destacando-se o gosto instintivo da luta contra o erro e a inconformidade com a injustiça.
Impressionou-me a semelhança de fatos que marcaram as nossas vidas, notadamente na infância, e a lucidez de seus conceitos, de caráter filosófico, tanto na Nota do Autor como no Texto de Apoio, lembrando Bergson.
“As experiências e histórias que parecem novas acontecem em razão de vidas passadas. Raramente a tradição natural dos atributos genéticos é reconhecida e valorizada...(todavia) A ocorrência continuada desses fenômenos leva a um despercebido esboço de imortalidade...”
E mais adiante: “Intuíam-se idéias, princípios, valores e tendências, mas sem a constatação de que todo o conhecimento atual fora armazenado e repassado, de cérebro para cérebro, por homens e mulheres que antes nem sequer os valorizavam devidamente”.
De fato, deduz-se que na posteridade a herança genética, graças ao fenômeno da interação do espírito com a matéria, é enriquecida de maneira sutil e aleatória pelo patrimônio psíquico/cultural pretérito, (a plenitude cósmica anterior ao nascimento) que aos poucos, guiado pela intuição, vai se revelando nas gerações novas, até mesmo por atavismo.
Suas observações na Procura da Graça, como cursilhista que também fui (talvez do mesmo grupo!) e o trecho lapidar que a seguir transcrevo dão a medida do seu caráter, da sua inteligência , da sua cultura e sobretudo da sua sensibilidade.
“Nesta volta ao passado que estou experimentando agora, retomo o exercício da escrita, a fim de fixar recordações supostamente perdidas, mas que na verdade vêm de tempos imemoriais no consciente.
O que enternece mais nesse esforço é a maravilhosa capacidade de ouvir, dentro do grande silêncio que se avizinha, as vozes de muitas manhãs que parecem voltar misturadas aos sons do entardecer. E, diante da vespertina estrela, a mesma estrela do alvorecer, peço como o discípulo de Emaús -“ Senhor, já é tarde, fica comigo” - pois me é pedida a reconstituição da vida que aos poucos se vai desvanecendo para ser recolhida, talvez porque não seja somente minha.
Nesse entardecer de que fala com naturalidade, há um toque de suave nostalgia, ao trazer de volta os fatos memoráveis do seu passado de lutas, com saldo positivo de venturas e desventuras. É a síntese da própria vida de quem soube cumprir a sua missão com dignidade e altivez.
Sobretudo o menino, como se intitula, - o pequeno Macabeu, indômito e idealista - soube honrar a herança dos ancestrais ao preservar e enriquecer memória dos Antunes,
Segundo Drumond, o grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho de sua história.
Sem dúvida a imortalidade do homem se efetiva na sucessão das gerações. Só perece aquele que não gerou filho.Você e Inilta, na continuidade do ninho que formaram, no doce mistério da vida, podem se orgulhar do que realizaram e dos filhos que suscitaram.
É pena que o nosso contato pessoal tenha sido tão tardio.
Bem, meu caro, desejava apenas cumprimentá-lo, uma vez mais, pela qualidade de suas narrativas, em linguagem amena e cristalina e reafirmar-lhe o meu apreço, que se estende especialmente a Inilta. Mas, como se vê, na extensão desta fala, pequei pelo excesso.

Grande abraço,

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