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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 21 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Um Casamento Planejado

Ruth Tupinambá Graça

Nossa cidade progredia. O trem de ferro trazia, diariamente, gente nova e como a cidade era pequena, os visitantes eram bem vindos e a moçada, cheia de sonhos e esperanças aguardava a vinda do “Príncipe Encantado” para tirá-las do “barricão”.
Certa vez, com a graça de Deus, o trem de ferro (hoje já extinto) trouxe dois viajantes muito alinhados e interessantes, para nós “casadoiras:
Armênio Graça e Aluízio Pinto.
Vindos da capital eram protótipo da elegância e diplomacia.
As moças se alvoroçavam e cada qual se empenhava mais em conquistá-los e as mães também interessadas em casar suas “donzelas”.
Houve muita disputa e também decepções, mais como é certo aquele ditado:
“O que é do homem o bicho não come”, os visitantes recém-chegados, abandonando todo cortejo das interessadas “caíram de para quedas” nos braços de duas fortes concorrentes: Ruth e Luiza.
Houve muita reação das candidatas, ate ameaças, mas o cupido estava do nosso lado e a nosso favor.
O meu escolhido Armênio Graça era um “gentleman” educadíssimo.
Elegante e bonito, moreno de olhos azuis (um pedaço de mal caminho) que não resistiu aos encantos da “índia” montes Clarense. Ele possuía uma rural azul e branca (naquele tempo em que os carros eram escassos em nossa cidade) e motorizado subia e descia a rua Dr. Veloso (onde eu morava) milhares de vezes, buzinava e eu corria para vê-lo.
Certa noite (bendita noite) escutei a buzina. Eu e Luiza chegamos à janela e ficamos assustadas. O carro estava parado poucos metros abaixo da minha casa e os rapazes, Armênio e Aluízio vinham subindo a rua, e de repente, paravam para nos cumprimentar. Houve um “clima especial” e o Armênio calado e desapontado (ele era tímido) não conseguia disfarçar, enquanto o Aluízio foi logo se explicando: “O carro enguiçou, temos que providenciar um mecânico”.
Começamos aquele bate papo e o Aluízio foi logo dizendo que estava adorando nossa terra e pretendia ficar, pelo menos enquanto durasse a gestão de seu irmão Dr. Orlando Ferreira Pinto, primeiro prefeito de Montes Claros.
O Armênio, mais calado de vez enquando se arriscava a dizer alguma coisa e o Aluízio ajudava “bancando o padrinho”. No final deram a entender que queriam aproximação.
A Luiza, antes de ir para casa disse-me: “Acho que o “grandão” (Armênio) está caído por você” e eu retruquei-lhe: Eu acho que o “pequenino” (Aluízo) esta tentado conquistar-lhe.
Foi nosso primeiro encontro, daí por diante, outros vieram, o amor tomou conta em breve ficamos noivos.
Só mais tarde, meses depois, ficamos sabendo que tudo aquilo foi planejado. O enguiço do carro foi apenas uma desculpa para aproximação, pois o Armênio não tinha coragem de fazê-lo sozinho.
O destino se encarregou de promover os acontecimentos. Por coincidência, a Luiza estava comigo naquela noite e o Aluízio não resistiu ao seu jeito simples de sertaneja e formosura em pessoa, logo se apaixonaram.
Os noivos logo se oficializaram e os casamentos demoraram um pouco... é que os dois solteirões, já mais velhos não queriam perde a liberdade e iam adiando o casório. Nenhum deles queria se casar primeiro, enquanto o outro permanecesse solteiro. Mas na vida “há sempre um dia” e abrindo a folhinha de 1939, os dois foram passando a página e chegando ao mês de junho contornaram o dia “15 de junho” (em vermelho) chegando finalmente a conclusão: Seria naquela data 15/06/39 os nossos casamentos, no mesmo dia, na mesma igreja.
Eu e Luiza começamos os preparativos para o grande acontecimento: Convites, organização da festa, decoração da igreja, musica, bufê, flores e o celebre vestido de noiva, com tudo a que tínhamos direito: Véus, grinaldas com flores de laranjeira (símbolo da virgindade e tabu daquela época) contando os dias com muita ansiedade.
O Armênio não tinha férias naquela data, (era funcionário de uma empresa americana), portanto não viajaríamos na nossa lua de mel.
O contrario se deu com o Aluízio, conseguiu uma licença com o irmão na prefeitura.
Luiza e Aluízio se casaram pela manhã, fomos padrinhos dos e a Luíza estava lindíssima no seu vestido de noiva e os dois não escondiam a felicidade de estarem vivendo aquele momento inesquecível.
Mas quando o trem de ferro já estava bem longe, o casal de pombinhos, desfrutando o grande momento (emfim sós) o Aluízio teve aquele estalo e de repente disse: “E se o Armênio não se casar hoje”?...
A Luiza, com muito jeitinho disse-lhe: _ “Agora é tarde meu amor. Estamos amarrados para sempre, no católico e no civil... até que a morte nos separe.
À noite, chegou a nossa vez, (trato é trato) na mesma Igreja do rosário entrei pelo braço do meu pai. E modéstia á parte estava linda e feliz, ao lado do meu eleito, muito elegante no seu traje especial: calça listrada e palitó de mescla inglesa, o traje mais chique da época.
No altar sob bênçãos do saudoso Padre Marcus Van In, juramos eterno amor, e acreditem, não foi um juramento falso.
Dois meses se passaram. Finalmente o casal chegou. Apesar do enjôo da Luiza os dois estava feliz com a vinda da cegonha (que não brinca em serviço) e a perspectiva da chegada do primeiro herdeiro que no batismo recebeu o nome de José Aluízio, tenho como padrinhos eu e Armênio.
Logo depois a cegonha bateu a nossa porta e foi com muita alegria que eu também ia ser mãe, e o Armênio todo orgulhoso ia ser papai...
E a “cegonha” continuou trazendo outros filhos: Norma, Márcia, Ana Ester, Nara, Alberto e Armênio Filho.
Filhos queridos que nos deram muita alegria e se multiplicaram, ate hoje, em 16 netos e 15 bisnetos que são nossa alegria e felicidade.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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