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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 19 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Cine São Luiz, meu Cinema Paradiso UCHO Ribeiro A maior diversão da minha infância era o cinema. Fonte de riso e alegria. Queria ver todos os filmes, porém, a rotina de escola, deveres escolares, catequese-cruzadinha, intermináveis missas e a pouca idade para assistir a certos filmes, impediam-me de realizar o sonho. Tudo precedia ao cinema: - Você só vai à matinê depois de estudar... - Se não tirar nota boa, nada de filmes... - Cinema, só depois de ouvir missa e comungar... O pior castigo era ser privado do prazer de sonhar e deliciar-me com as histórias cinematográficas. Hoje, com a tecnologia do ´streaming´ e ´download´, os meninos veem os filmes que quiserem, a qualquer tempo, sem nenhuma restrição ou censura. Fico a imaginar se, nos velhos tempos, tivéssemos à mão a ´Netflix´, ´Amazon Prime´, o ´You Tube´, as redes sociais, o que seríamos atualmente? Para termos acesso a uma putariazinha mínima, tínhamos que conseguir algum exemplar do catecismo do Carlos Zéfiro, coisa das mais difíceis e sigilosas do mundo. Atualmente, a criançada tem tudo, o possível e o inimaginável, na palma da mão, através de seus celulares e ´tablets´. As sessões do São Luiz aconteciam às 16 e às 20 horas. Nos finais de semana, havia as seções extras de 14 e 22 horas e, especialmente, aos domingos, passavam filmes às dez e meia da manhã, para pegar a garotada saindo das missas. Lembro-me na igreja, o corpo presente, mas a mente mirabolando longe, no tiroteio dos faroestes, no futebol do Canal 100 ou nos outrora filmes bíblicos Ben Hur, Sansão e Dalila... A entrada dos cinemas era inundada de crianças a espera do espetáculo. Umas teatralizavam o que veriam, com todos os gestos, uivos e bang-bangs; outras trocavam figurinhas do último álbum e algumas expunham nas calçadas os seus gibis, já lidos, para serem comercializados. Vendiam apenas o suficiente para obter o dinheiro do ingresso. Terminada a missa, eu saía da Matriz direto para o São Luiz. Não desviava um passo do trajeto. Tinha uma ´permanente´, entrada franqueada concedida às famílias sócias dos cinemas. Subia correndo a escada lateral, que levava ao segundo piso, onde ficava a sala dos mistérios - o recinto da projeção era um útero pra mim. Ali, sentia-me protegido, confortavelmente instalado, observando e descobrindo detalhes no que eu mais amava, a mágica cinematográfica. Ao adentrar a ilha, cumprimentava Osmar, o projecionista do filme, que era o meu Alfredo do Cinema Paradiso. Ele, quase sempre calado, me respondia com leve aceno de cabeça e continuava a revisar os rolos do filme a ser projetado. Naquela época, um filme de quase duas horas, ocupava entre cinco a seis rolos de fita. A sala de projeção possuía normalmente dois projetores, que se revezavam. Colocavam-se os dois primeiros rolos nas máquinas e, à medida que um terminava, era logo substituído pelo seguinte. Enquanto um rolo era projetado, o outro era carregado pelo operador. Ficava encantado com Osmar tirando o filme da bobina e colocando-o no projetor. Os furinhos nas laterais da película se encaixavam nas rodas dentadas da máquina, que iam puxando a fita e fazendo cada fotograma do filme parar diante da luz e se tornar imagem. Era tudo ligeiro e misterioso. E o mais incrível foi entender a explicação de Osmar: - A cada segundo, 24 fotogramas passam pelas lentes e essa é a velocidade que faz com que a imagem pareça estar em movimento. Bingo! Ali estava a mágica. Para quem assistia ao filme, sentado nas poltronas, era tudo fantasia: luz, som e sonho. Mas eu, na sala de projeção, via a luz passar pelo obturador, a plaquinha de metal que, segundo Osmar, antes de iluminar o filme, girava e bloqueava a luminosidade durante a passagem de um quadro a outro. Assim, durante a fração de segundo em que o fotograma ficava parado, era iluminado por uma forte luz emitida pela queima de um lápis de carvão, que se consumia incandescentemente. A fita entrava na máquina de cabeça para baixo e, ao ser iluminada, passava por uma lente, onde a imagem era invertida e então projetada na tela. Descobri também que, durante a projeção, um aparelho lia o som a partir de uma faixa magnética afixada na lateral da película, semelhante a uma fita cassete. Esse equipamento convertia as informações em um sinal elétrico enviado a um amplificador que, por sua vez, mandava-o para os alto-falantes do cinema. Para entrar em sincronia com a imagem, o som ficava entre 19 a 20 frames adiantado. Daí que aprendi a diferença entre a velocidade da luz e a do som. Ao final de cada rolo, o filme era colocado em outra bobina, disposta em uma bancada, e então eu ajudava o Osmar a rebobiná-lo, girando a manivela para voltá-lo ao começo. Nessa bancada, utilizada também para cortes e remendos das fitas, era onde eu tinha acesso aos meus maiores tesouros: os pequenos pedaços das películas. Eram tiras com vários fotogramas que o Osmar me dava ou eu sorrateiramente surrupiava. De posse dessas preciosidades e dos tocos dos bastões de carvão queimados, me sentia o tal. Recordo muito das quebras das fitas, do barulho das máquinas, flaup-flaup-flaup, do clarão da projeção na tela, das vaias dos espectadores, dos gritos “Ô Jacó!”, pois nesses momentos dos remendos dos filmes era que sempre sobravam umas tirinhas de película para eu guardar e deliciar-me mais tarde. Meu sonho era aprender a colocar a fita no projetor, mas isso o Osmar não deixava, e permitia apenas que, após deixar o cinema à meia-luz e recolher as cortinas, eu rodasse, no simplório projetor lateral, o disco com slides de propaganda das lojas comerciais, ao som do prefixo musical “Love Letters”, by Victor Young(*). Com o tempo, essa tarefa tornou-se sem graça, mas, mesmo assim, sentia-me um assistente da arte cinematográfica. Hoje, mais velho, revejo sempre o filme “Cinema Paradiso”. É uma carta de amor ao cinema e assisti-lo é sempre uma alegria. Muitos amantes da sétima arte classificam esse filme como o seu favorito, pelo enorme charme da história, pela visão nostálgica dos vários filmes mostrados na película e pelo efeito que eles têm na vida de um garoto (Toto), que certamente é o roteirista/diretor Giuseppe Tornatore. O menino cresce dentro da cabine do projecionista Alfredo e ao redor do cinema da cidadezinha italiana. Entretanto, o mais encantador do filme está nas reminiscências de Toto, que registra a vulnerabilidade de nossos sonhos e memórias. Ele lembra que o padre da cidade, o proprietário do cinema, por questões morais e religiosas, censurava todos os filmes a serem exibidos, exigindo que todas as cenas de beijo fossem cortadas pelo operador Alfredo, tidas como obscenas pelo sacerdote. Trinta anos depois, Toto, já homem feito, cineasta famoso, vai até a sua cidadezinha, ao velório de seu amigo Alfredo, que lhe deixou um pequeno presente em uma lata de filme. A história se encerra com a projeção da singela montagem de todos aqueles beijos proibidos recortados das películas. Uma cena repleta de momentos de paixão e sensualidade. Para mim, o mais belo e emocionante final de filme. The End. (*) Obs: Prefixo musical do Cine São Luiz (Década de 60): “Love Letters”, by Victor Young (https://www.youtube.com/watch?v=7JlKWWJdY7U). Prefixo musical do Cine São Luiz (Década de 50): “Jurame”, de María Grever (https://www.youtube.com/watch?v=dZb8W-ln-jU). Prefixo musical do Cine Fátima: “Doucement”, by Jean Paques (https://www.youtube.com/watch?v=4kR8TjHx8I8)

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