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Mensagem: Sobre esta avenida coronel Prates, vou contar. Éramos meninos. Os postes passavam pelo meio da rua, onde hoje ficam as árvores, que eu vi plantar. Um dia, o caminhão esbarrou no poste, na esquina da rua padre Augusto, e fogo saiu comendo a fiação, que era toda encapada. Foi bonito de ver. Pela rua, quase toda tarde, passava a boiada que vinha da malhada dos Santos Reis para o frigorífico Otany, perto de onde hoje fica o prédio da Prefeitura. Fechávamos as portas, correndo. Quem atrasava, permitia que uma outra vaca brava entrasse dentro das casas, com os vaqueiros correndo atrás. Era uma festa. A gente subia nos muros e esperava o peão sair de lá puxando a vaca pelo rabo. Era assim a avenida coronel Prates, ou rua da “fábrica”, em 1960. O prefeito Simeão Ribeiro, que morava na avenida, mandou colocar paralelepípedo e fez o canteiro central. Eram lindas touceiras de uma planta, um lírio, que, depois, muito depois, soube chamar-se Caetés. Nós brincávamos no meio delas, dos caetés. Não havia medo de ladrão, e ficávamos nas ruas até tarde. A luz, a luz era uma mixórdiazinha, mas éramos felizes. Muito felizes. (Como os meninos são, menos agora, quando não podem brincar na porta de suas casas.) Do outro lado, Jandira – ah! Jandira – contava história, e nos ensinava a olhar para o céu, fonte de todo encanto. Foi Jandira quem me ensinou a olhar para o céu, e para o céu olho até hoje, embasbacado, vendo as constelações, as 3 Marias, o Cruzeiro do Sul – toda estrela é minha irmã. Apenas as estrelas não mudam. Sim, de tanto olhar, subíamos para as estrelas. Morávamos lá, junto delas, pois Montes Claros permitia isto, queria isto. Eu menino. Neste tempo, a avenida tinha, completa, apenas a pista que passava ao lado do prédio da prefeitura. A outra era interrompida na igrejinha do Rosário, tão linda ali parada, e onde fazíamos fogueiras. Hoje, triste, leio e penso: o prédio do seminário acabou, vai virar supermercado, hipermercado; o canteiro central, meu Deus!, o que farão com o canteiro central e com as tipuanas ? As vacas que entravam pelas casas, as vacas bravas desapareceram, se foram, e não serão mais arrastadas pelo rabo; o matadouro se foi, as crianças se foram, as meninas internas do Colégio Imaculada também resolveram partir, uma e depois as outras. Por que so eu fiquei ? Acho que está na hora de partir também. As velhas árvores que vi plantar e crescer, minhas amigas, amiguíssimas, confidentes, algumas agora estão sendo levadas pela garra de aço do trator, dependuras na lâmina, e não posso despedir-me delas, como é do meu feitio, de menino antigo, tímido. O que faço? Tenho vontade de pedir para ir junto, de encarapitar-me junto delas e com elas seguir, para onde ?, não sei. Talvez não aceitem. Penso em resistir. Como resistir, se a trincheira que disponho são lírios, touceiras rubras inexistentes de um certo Caetés que viceja agora apenas na rua chamada saudade, que talvez desemboque numa outra, onde a Esperança fez sua morada. Vicejam estes meus caetés apenas no miradouro da memória, e em nenhum outro lugar. Esta noite, que é a última da avenida que vi erguer-se, que me empurrou para ser homem, esta noite verei o que posso fazer por ela, e quem sabe também por mim, nesta circunstância mais indefeso do que ela. Visitarei e consultarei o menino que eu fui. Talvez ele, com os outros, me ensine o que fazer na noite de despedidas. Boa noite, minha avenida. Seguiremos juntos. Iremos no meio de Caetés que por certo rebrotarão; teremos a companhia das estrelas vindas de um de nossas noites de maior esplendor, e Jandira afastará suas doenças, e suas dores (seu pão de dores), e lentamente virá, para contar as histórias que só Jandira sabe contar. Esta avenida não morrerá.
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