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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 4 de outubro de 2024

 

PREFÁCIO  

  Ruth Tupinambá Graça

“Montes Claros era Assim...” é um passeio por esta cidade do meu passado. Um passado cheio de saudades, daquela terra de gente simples, sem luxo, preocupada apenas em viver, progredir, sem contudo prejudicar alguém – uma comunidade pequena, pouco civilizada, mas alegre como uma só família de mineiros...

 

Sua história começou assim :

  Muitos anos se passaram desde que um grande bandeirante e desbravador do sertão, Antonio Gonçalves Figueira, se transformou em colonizador, ao receber uma sesmaria

(com três léguas de comprimento e légua e meia de largura) como prêmio dos serviços prestados ao Governador Geral.

  Chegando Figueira às margens do Rio Verde, vendo a fertilidade das terras, pastagens nativas, onde até o sal gratuito aparecia nas baixadas salobras dos barreiros, sentiu que era ali o lugar ideal para fazer fortuna. Não só com o ouro e pedras preciosas, que era o sonho dos bandeirantes, mas com a agricultura e principalmente pecuária, que até hoje é o expoente máximo da economia desta região.

  Ali ele plantou a “Fazenda dos Montes Claros”.

  Mais tarde, visando alcançar melhores preços para o seu gado, Figueira sentiu a necessidade de abrir estradas, desbravando extensas matas, ligando-se à Tronqueira, na Bahia, e também ao São Francisco, mantendo grande comunicação e comércio com amigos, parentes e outros fazendeiros mais antigos.

Através desta comunicação a notícia da “Fazenda dos Montes Claros” corria, e a vinda de índios acuados, negros foragidos, companheiros expulsos de outras minas, a região foi se povoando, e à medida que sua ambição e os negócios cresciam, multiplicavam-se cada vez mais os currais de gado e os pontos estratégicos para negócios, prolongando-se a linha Montes Claros ao Rio das Velhas, ligando-se a Sabará e ainda ao Serro e Pitangui.

  Tudo isto era feito com grande sacrifício, esforço e bravura, próprios de um bandeirante, com seu espírito audacioso e aventureiro.

  Sempre ambicioso Figueira já se comunicava com várias cidades mineiras, levando a carne para alimentação das minas, tornando essa Região o maior centro comercial de gado. Durante anos Figueira trabalhou como um bravo conquistador, acumulando fortuna e desenvolvendo comércio desta região que se tornara conhecida e cobiçada por fazendeiros de São Paulo e Bahia, que por aqui passavam.

  Um dia, Figueira,  já velho e cansado, quis rever sua terra natal e vendendo suas terras e bens ao Alferes José Lopes de Carvalho, retornou a São Paulo, onde residia sua família.

  Com o novo proprietário, nova vida surgiu na “Fazenda dos Montes Claros”.

  Nesta altura o Figueira já havia transferido a sede da fazenda para as margens do Rio Vieira (nas imediações onde hoje é a Escola Normal Prof.Plínio Ribeiro) por causa das febres palustres das margens do Rio Verde. A sede antiga já estava danificada - assim como os currais - e José Lopes resolveu transferi-la para um lugar mais aprazível, na mesma margem do Vieira, bem mais abaixo, tendo à frente da sua residência, a uns duzentos metros, uma bonita lagoa que muito embelezava a nova sede. Esta lagoa, com o tempo, desapareceu.

Era no local onde é hoje a Praça de Esportes e a casa do Alferes José Lopes de Carvalho foi a primeira casa construída em Montes Claros no local onde é o início da Rua Dona Eva, demolida há alguns anos, para tristeza nossa.

  José Lopes era muito católico e sentindo a necessidade de uma Capela  para sua família e os moradores dos arredores assistirem os sacramentos (missas, batizados, casamentos, etc.), uma vez que a Capela mais próxima era em Bocaiúva (a dez léguas), fez uma proposta. Com a promessa de doar um bom patrimônio para a referida paróquia (légua e meia de terra de comprimento, uma légua de largura e mais cinqüenta novilhas ferradas), conseguiu a licença do Visitador Geral de Jurisdições e Dispensas (sertão de Minas Novas de Araçuaí) Revmº Sr.Dr. Silvestre Silva Carvalho. Tudo legalmente resolvido - escritura passada - e José Lopes , de posse da autorização, mandou construir a Capela, em frente à sua casa.

  Com a Graça de Deus, o esforço de José Lopes e as vantagens do patrimônio da nova Capela, os fazendeiros da vizinhança começaram a construir suas casas à sua volta e aos domingos vinham com suas famílias fazer compras, bater papo com os amigos, saber os boatos e notícias da província e, mensalmente, receber os santos sacramentos da missa, pagar alguma promessa e, atendendo a amizade dos compadres, levar à pia batismal os afilhados e, ao altar, os casais enamorados.

A população foi crescendo assustadoramente, apareceram casas melhores, os primeiros sobrados, dos fazendeiros mais ricos e mais civilizados, vendas e lojas foram surgindo, tudo em volta da Capela, formando assim um Grande “Largo” (onde é hoje a Praça Dr.Chaves). Este povoado passou a se chamar Arraial de Montes Claros, das Formigas, tornando-se aí, o mais forte ponto comercial de gado bovino, cavalos, salitre, couros, etc.

  A notícia da riqueza do solo desta região atraiu muitos fazendeiros, de várias regiões e, fazendas de criação de gado, enormes, se localizaram aqui nos arredores do “Arraial das Formigas” e a cultura do feijão, milho, algodão, mamona, já se fazia em grande escala crescendo os negócios e a população.

  Comunicação escassa, longe da civilização, o lombo do burro (com sus intermináveis tropas) era a via de comunicação e transporte, também os carros de boi transitavam, dificilmente, nas péssimas estradas, esburacadas, desprovidas das técnicas de engenharia, onde os tocos persistiam em atravancar e deslizar das pesadas rodas de madeira nas curvas estreitas e mal delineadas, num arroubo de coragem e persistência do homem do sertão.

  E assim este “Arraial” tornou-se conhecido e respeitado, e sessenta e dois anos depois, pela lei de 3 de outubro de 1831 foi elevado a Vila de Montes Claros das Formigas.

  Um ano depois, ao som do repicar alegre do sino da Capela de Nossa Senhora e São José e uma salva de vinte e um tiros, após uma missa solene, tomava posse o primeiro Presidente da Câmara, eleito naquela vila, o Coronel José Pinheiro Neves que, naquela manhã festiva de 16 de outubro de 1832, entrava na Câmara Municipal acompanhado pelos vereadores.

  Todas a Vila vibrava com o acontecimento tão importante e o Largo da Igreja estava cheio de fisionomias alegres que aguardavam este momento. Após os discursos de praxe, juramento de cumprimento do dever de cidadão e Presidente da Câmara, foi servido bebidas a todos os presentes, ali mesmo no Largo, pois a casa da Câmara era minúscula.

 

À noite, houve animadíssimo baile na residência do Presidente, onde é hoje o Palácio Episcopal.

  A Vila ia de “vento em popa” e quando a  3/07/1857 pela lei nº 812 foi elevada à categoria de cidade – Cidade de Montes Claros -  a Vila já desfrutava de todas as regalias de cidade propriamente dita.

 

A população aumentara, possuía cartórios, escolas, muitas casas comerciais, várias ruas se abriram na parte de cima, inclusive um outro “Largo” que é hoje a Praça Dr.Carlos, e se chamava Largo de Cima, e a cidade crescia.

  Enfim Montes Claros, esta “gema” maravilhosa dormiu tranqüilamente durante anos, com toda beleza e riquezas naturais, nas entranhas deste sertão mineiro, esquecida dos favores de nosso governo.

  A vida desta cidade era tão simples como sua própria gente, onde ricos e pobres se misturavam, sem preconceitos de raça e de cor...Ela já se libertara em política e na administração, mas continuava sem estradas  de rodagem, sem esperança de ferrovias, sem luz e energia que muito atravancavam o seu progresso. Nem por isto ela deixava de crescer e sua população, como verdadeiras formigas, trabalhava incansavelmente, dia e noite, com a fé do sertanejo, certo de que dias melhores viriam para aquele formigueiro humano.

  Em 1912 surgiram os lampiões assentados em pequenos postes de candeia, protegidos contra chuva e vento, com iluminação de azeite, iniciativa da Câmara Municipal, e só na parte comercial, dando muito trabalho e pouco resultado.

  A população continuava aflita e sem liberdade para transitar nas ruas, à noite.

O Coronel Francisco Ribeiro dos Santos idealizou dotar Montes Claros de luz elétrica com a energia do Cedro. Foi uma tarefa difícil e árdua, uma vez que nossa terra não possuía estrada isolada no interior de Minas.

E a 20 de janeiro de 1917, às vinte horas, uma luz forte e brilhante, fazendo inveja à presunçosa lua, clareava nossa cidade.

  A alegria se apossou de toda a população que se aglomerava em frente à Câmara Municipal.

  Os “vivas”, palmas, repicar de sinos e pipocar de foguetes se faziam ouvir com entusiasmo pela população.

  A festa continuou com um grande “baile”, onde a fina flor da sociedade montes-clarense compareceu, levando o seu apoio e homenagem a este grande homem que dotara Montes Claros de uma luz que nos serviu durante muitos anos, apesar de todas as dificuldades que enfrentava numa cidade longe dos centros civilizados.

  Com sua morte, em 1923, o Coronel Luís Pires comprou de sua viúva a usina do Cedro, continuando por muitos anos a fornecer luz à população, com muito dinamismo e eficiência, ao lado de sua esposa Dona Vidinha Pires, mulher de grande inteligência, muito tino comercial, muita visão e que muito o auxiliou nesta grande tarefa de iluminar nossa cidade.

Em 1882, começou nossa indústria, mais pelo arrojo dos nossos antepassados, a obstinação dos cometas e tropeiros, sendo todo o transporte feito em lombo de burros. A primeira fábrica instalada no Cedro (a uma légua e meia da cidade), com a firma Rodrigues, Soares & Bitencourt Veloso.

  Em 1889 esta fábrica foi incendiada, sendo adquirida, mais tarde, pelo Coronel João Maia, Antonio Augusto Spyer e José Bonifácio. Os sócios insatisfeitos venderam-na para a firma “Cedro e Cachoeira” . E, finalmente, foi comprada pelo Coronel Francisco Ribeiro dos Santos, de sociedade com o Coronel João Maia.

  Em pouco tempo, o Cel. Francisco Ribeiro adquiriu a parte do seu sócio, tornando-se o único proprietário, até sua morte em 1923. Sua viúva a vendeu a Jaime Rebello e Luís Pires.

Sempre amigos, dissolveram a sociedade sem constrangimento, ficando com toda a empresa o sócio Luís Pires. A 7 de julho de 1914, homens de visão e grandes comerciantes inauguraram, à Avenida Coronel Prates, a Fábrica de Tecidos (de algodão) pertencente à Costa e Cia. (Joaquim José da Costa, José Antonio da Costa Júnior, Deputado Camilo Prates, João Catoni e João Ribeiro da Silva) que funcionou durante muito tempo, com sucesso total.

  Esta fábrica passou, mais tarde, às mãos do Cel.Luís Pires e Francisco Ribeiro e depois às mãos do Dr.Plínio Ribeiro (1950). Durante muito tempo somente a lua clareava, periodicamente, as ruas de Montes Claros.

  Enquanto vários projetos de estradas de ferro, ligando esta cidade a vários pontos do Estado, fracassavam, a Central do Brasil vinha chegando devagarzinho...

  Em Bocaiúva a população delirava, a sua estação ia ser inaugurada com a presença do Ministro da Viação, Dr.Francisco Sá, o grande mineiro e amigo de Montes Claros. Foi a nossa salvação e a nossa sorte. Chegando à Bocaiúva, atendendo o convite dos montes –clarenses que o esperavam, com grande festa, veio até Montes Claros.

  Viu e gostou desta terra, que ficou tanto tempo esquecida pelos estadistas e reconhecendo o seu valor e a grande aspiração do seu povo, prometeu e cumpriu.

E num dia bonito de setembro de 1926 uma locomotiva apitava estridentemente e soltava baforadas de fumaça, anunciando que a Estrada de Ferro Central do Brasil estava chegando à nossa terra. Foi um delírio total da população a chegada deste grande ministro que nos trazia o progresso.Graças a ele, nossa Montes Claros teria mais transporte, melhor comunicação e maiores oportunidade, facilitando seu desenvolvimento sócio-econômico.

  Foi uma nova etapa de progresso e a cidade crescia em todas as áreas, mas ainda era pouco para aquela ente dinâmica.

 

 Faltavam-nos a água canalizada e uma luz e energia elétrica que suprissem as necessidades da população.

  Em 1938, no governo de Benedito Valadares e prefeito da nossa cidade Dr.Antonio Teixeira de Carvalho (Dr.Santos), foi inaugurado o serviço de água em Montes Claros. Foi um grande melhoramento, mas a cidade crescia e era escura. Em 1944, Dr.Benedito Valadares veio, pela segunda vez, à nossa terra, inaugurando oficialmente a Central Hidrelétrica de Santa Marta. O Dr.Cyro dos Anjos, chefe de seu gabinete, batalhou muito para esta realização.

 

Foi então que o Dr.Juscelino Kubitschek (entre 51 e 53) voltando os olhos para Montes Claros sentiu o problema, iniciando o serviço para aproveitamento da queda d’água de Santa Marta, que não era o ideal mas deu algum resultado.

  A cidade crescia e a energia era pouca. O milagre maior veio em 15 de dezembro de 1959, criando a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, pela lei 3.692, que abrangia 42 municípios do Norte de Minas, tudo em convergência com a cidade de Montes Claros, que por sua situação privilegiada se tornou o pólo de desenvolvimento da área. A situação da cidade mudou e contando com a boa vontade da cúpula governamental, forças políticas e elementos prestigiosos, com força e coragem, conseguiram que em 1965, Montes Claros se ligasse ao sistema CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais) com o fornecimento da energia procedente de “Três Marias”.

  Estava resolvido o nosso grande problema. Em julho de 1965 o escritório da SUDENE foi instalado em Minas, sediado em Montes Claros, sendo o seu 1º Chefe o economista Dr. Mário Peres Caldeira, montes-clarense e hoje, o seu  atual chefe, em nossa cidade, é o Dr.Marcelo José Martins Furtado de Souza. A exemplo do que ocorre em todas regiões onde a SUDENE atua, o Norte de Minas tem experimentado, nos últimos anos, indícios promissores de desenvolvimento. Em decorrência, o homem dessa área soube desfrutar o empenho governamental de todas as esferas. A área mineira da SUDENE dispõe hoje de crescente infra-estrutura econômico social e tornou-se o ponto de atração de grandes investimentos. Em Montes Claros, os Distritos Industriais em plena expansão, e em outras cidades da região, oferecem oportunidades para inúmeras empresas, as quais trouxeram para nossa cidade um grande desenvolvimento sócio-econômico.

  O progresso, propriamente dito, chegou em Montes Claros com a SUDENE. Com as indústrias aqui instaladas, milhares de empregos beneficiam a população que cresceu 100 por cento contando a cidade com mais de 180 mil habitantes, mais de 30 projetos agro-pecuários e mais de 80 industriais.

Montes Claros hoje é servida por grandes linhas aéreas e também estradas asfaltadas, tornando-se o grande pólo de desenvolvimento desta região norte mineira.

  Não poderemos deixar de ressaltar o esforço do jornalista José Carlos de Lima, com a ajuda do Dr.José Bonifácio, os políticos montes-clarenses, os deputados Dr. Milton Prates, Dr.Plínio Ribeiro, Dr.Teófilo Pires, Dr.José Esteves Rodrigues, no sentido de resolver os problemas angustiantes de Montes Claros daquela época.

  Hoje ninguém mais segura o seu desenvolvimento e, como numa implosão, ela se explode e cresce assustadoramente em todos os sentidos : cultura, saúde, pecuária, indústria, agricultura e urbanismo.

  É com muita razão que no seu pout-pourri o povo canta :

 

           

Montes Claros, Montes Claros,

Terra de grande beleza

Começou no Arraial de Formigas,

Transformou numa linda princesa.