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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 25 de setembro de 2024
 

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Mensagem: BRUACAS E BRUAQUEIROS<br><br>Quem não se lembra do nosso antigo Mercado Municipal, que durante anos dominou a Praça Dr. Carlos?<br>Por alguns, era considerado um prédio feio, grotesco e mal construído. Mas, para outros, ele era o máximo! Considerando as dificuldades em que fora construído, ele merecia um voto de louvor.<br>Em 1897, quando então presidente da Câmara o Dr. Honorato Alves, comerciantes daquela Praça fizeram ofício pedin¬do-lhe a construção de um mercado moderno que satisfizesse as necessidades da nossa sociedade.<br>O pedido foi atendido, a planta foi feita por um engenheiro da época, e João Fróis, um ´prático´ curioso, apressado e com muita vontade de servir, achou por bem não fazer alicerces de pe¬dra (como projetara o engenheiro) resolvendo, por sua conta, fa¬zer o travamento de madeira (aroeira). E, para andar mais depres¬sa suprimindo algumas exigências da planta.<br>Como em` todos os acontecimentos existem os ´prós´ e os ´contras´ com o mercado aconteceu o mesmo.<br>Na cidade já existiam dois partidos: o ´de baixo´ e o ´de cima´ e, iniciando a construção, começou uma ´guerrinha´. Os ´de cima´ aplaudindo a idéia e os ´de baixo´ fazendo forte pressão. A construção foi rápida e, uma certa noite, toda a cidade acordou com um forte estrondo. O mercado, que já estava até de cumeeira inaugurada (com cerveja e tudo mais), havia desabado, felizmente sem vítimas. Com isto, os ´de baixo´ ficaram conten¬tes e os ´de cima´ se lastimavam. Mais tarde, o coronel Antônio dos Anjos, grande batalhador pelos problemas da cidade, embora desapontado, não perdeu a calma e trabalhou muito apoiado pelos amigos, para recomeçar a obra. Foi feito um abaixo assinado para levantar, novamente, o Mercado, mas desta vez seguindo as instruções do engenheiro. Em pouco tempo conseguiu-se o dinheiro, as adesões se multiplicavam. E em setembro de 1899, sendo presidente da Câmara Simeão Ri¬beiro dos Santos, o, mercado foi inaugurado solenemente. Um enorme casarão branco (tipo chalé) com quase 30 metros de frente e 32 de fundos, com sete cômodos de cada lado, para vendas, onde se instalaram os comerciantes daquela época. Ao centro, uma enorme área vazia onde os tropeiros e bruaqueiros espalhavam suas bruacas. Mais tarde, ampliaram-no, com uma torre de 17 palmos, onde colocaram um Regulador Público, que foi inaugurado em 1906, com muita festa, já no Governo do Dr. Honorato Alves.<br>- Esse mercado foi, por muitos anos, o ponto vital da nossa ci¬dade, onde os encontros se repetiam diariamente, os bate-papos, conversas políticas, negócios, decisões sobre as famílias, até problemas de casamento, tudo era discutido no mercado.<br>Aos sábados, tornou-se hábito de todos, era o dia da feira, ou ´procissões dos aflitos´, como diziam, todos os moradores da nossa cidade antiga, dirigiam-se ao mercado para fazerem suas compras. Era feira de verdade, onde se encontrava de tudo, mercadorias muito simples, sem a industrialização e sofisticadas embalagens dos mercados modernos.<br>Encontrava-se de tudo: arroz com casca ou socado em pilão, açúcar mascavo bem ´moreninho´, rapadura cerenta gostosa, doce de cidra, laranja em formas embrulhadas nas palhas de bananeiras, batida de Santo Antônio, bem clara. Café em grão (torrado em casca) tão saboroso. Ainda me lembro, na Rua de Baixo, onde morava, que quando a Maria Flora (mãe de Alcebíades Santos) torrava o café, estendia-se a toda a rua aquele, cheirinho quente e gostoso!<br>Os bruaqueiros, com enorme variedade de mercadorias, iam com suas mercadorias, chegando desde a madrugada e enchendo o mercado: farinha de milho bem amarelinha e torrada, 9ueijos, re¬queijão, farinha de mandioca, a famosa do ´Morro Alto´, beiju de goma, tão clarinhos. As carnes de porco, carne de sol de ´dois pelos´ em grandes mantas colocadas em giráus pequenos. Muita lingüiça feita em casa com muito tempero, cheirosa. . . Muita fru¬ta: bananas roxa, mulata, caturra, prata, enormes, lima da Pérsia (que hoje não se vê), côco azedinho, muita manga-rosa, sapatinha, umbú, espada, tão bonitas! Melancias aos montões, verdinhas e lustrosas, ´cabeça-de-negro´, panãs, araticum, gravatás, pitombas, tamarindos e o nosso célebre pequi. Os ´roseírios de côco´ (eu me lembro ainda, enrolava-os no pescoço e ia para casa comendo. . . despreocupadamente). Muito caldo de cana, tabuleiros enormes de bolo de arroz, que delícia! Doce de mocotó de boi, daquele es¬curinho, gostoso sem tapeação.<br>Os bruaqueiros ofereciam suas mercadorias naquela simplici¬dade do caipira:´Compra, minha dona, é feijão novo catadô, cuzi¬nha só com uma água; arroz do bão mesmo, culhido agora, socado no pilão, sem quebrá, os ovo fresquinho, culhido de manhãzinha, ovo de galo bão mesmo´.<br>A frente, o fundo e o centro do mercado ficavam cheios, não havia lugar para passar, a gente entrava empurrando, esbarrando-se nos outros, pulando por cima das bruacas cheias de mercadorias.<br>Um zum-zum provocado pelas conversas de todos punha a gente zonza, mas era tão bonito aquele espetáculo colorido!<br>As mocinhas da roça, que vinham vender suas verduras culti¬vadas na beira dos regos (abóboras, quiabos, chuchu, maxixe, alfa¬ces, couves, tomatinho para molhos, salsa e cebolinha verdes) eram bem bonitinhas, de vestido novo de chita meio amarrotado com um rouge muito vermelho, boquinha de coração, brincos e colares de contas coloridas, e quando riam mostravam sempre falhas de dente, na frente. Era uma pena. De boca fechada até que passa¬vam, mas mesmo assim, faziam suas conquistas, com os moços da cidade que Ihes davam uma ´colher de chá´.<br>No fundo do mercado, do lado de fora, ficavam os animais, e também bruacas espalhadas pelo chão. Muito fumo de rolo e ca¬chaça em ´banquinhas´ atrás do mercado. Era o paraíso dos rocei¬ros.<br>Um cheiro forte de pinga e fumo se espalhava em todo o mer¬cado e, para comprovar a fatura da feira, no final do dia, haviam sempre bruaqueiros ´escornados´ no chão, dormindo com chapéu no rosto, protegendo-se do sol. Na maioria das vezes nem este cuidado tinham, e com a boca aberta, lambuzada, roncavam alto,en¬quanto os mosquitos passeavam saboreando, entrando e saindo, escondendo-se nos bigodes molhados de pinga e saliva.<br>Os animais eram tão mansos que não se espantavam nem davam coices. Eram mesmos treinados para transportar bruacas pesadas e bruaqueiros folgados e pacientemente esperavam que seus donos fizessem bons negócios, dessem suas ´voltinhas proibidas´, bebessem à vontade; não tinham hora certa para voltar para casa. E o dia inteiro era aquele movimento no Mercado Municipal.<br>Era comum vê-los, à tardinha, voltando para casa, alguns montados e tocando cargueiros; outros muito bêbados, procuran¬do se equilibrar em cima do cavalo, tombando de um lado para ou¬tro, conversando sozinhos... Outros, a pé, com alpercatas de couro cru, chapéu desabado pelo tempo e pela chuva, cigarro de palha no canto da boca, tocando seu burrinho lerdo, as bruacas vazias, os ´cobrinhos´ no bolso. Iam felizes da vida, já pensando na feira no próximo sábado para tomarem outra bebedeira.<br>Este espetáculo durou anos. A cidade cresceu e, aos poucos, tudo foi se modificando por causa da civilização. Estas lembranças simples ficaram guardadas em nossa mente e em nossos corações.<br>O Mercado Municipal, anos depois, foi demolido. A Praça Dr. Carlos perdeu seu companheiro. A cidade assistiu, tristemente, aquele espetáculo como se fosse o enterro de um amigo.<br>E, com isto, a cidade vai se descaracterizando, perdendo seu encanto natural, os casarões e sobrados, que nos lembram histórias do passado, estão desaparecendo.<br>O relógio antigo, do Mercado Municipal, está hoje silencioso, na Catedral. Era ele que, durante anos, quebrava a monotonia daquela Praça, com suas fortes e compassadas badaladas, cujo eco levava para longe, desaparecendo por trás dos montes. Quantas vezes acordaram as crianças para a Escola e os homens para o trabalho, com seu badalar amigo e pontual?!<br>Ele hoje deveria estar ainda funcionando, para ver e sentir o progresso desta cidade que viu engatinhando e dando os primeiros passos!<br>Agora, resta-nos a saudade e a esperança de que a cidade acor¬de, grite, proteste contra a demolição dos monumentos do nosso passado e preserve nossas tradições e nossa história!

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