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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: MINHA ESCOLA ERA ASSIM...<br><br>Quem, ainda hoje, depois de longos anos, já com as têmporas esbranquecidas, as rugas sulcando-lhe as faces, outrora tão belas, há de se lembrar da sua primeira professora, do seu primeiro dia de aula?<br>Com que saudades recordamos aquela figura maravilhosa, que conosco conviveu longos anos, perdoando nossas peraltices, desculpando nossas falhas, com o coração cheio de amor e abnegação, debruçada sobre nossas carteiras, ajudando-nos a decifrar os símbolos, abrindo nossas mentes, mostrando-nos horizontes mais belos à custa de tantos sacrifícios e grande desgaste físico!<br>Chegara o dia de ir à Escola, completara sete anos. Amanheci eufórica, preocupada, uma vida nova surgia para mim.<br>Mamãe lavou meus cabelos, cortou-os curtinho (para não pegar piolho), cortou minhas unhas e me fez uma série de recomendações: mostrar que era educada, bem comportada, não falar nomes feios, obedecer os mais velhos...<br>O grupo escolar Gonçalves Chaves foi minha escola. Funcionava no sobradão da rua Cel. Celestino, onde é hoje a Fafil. Aquela rua tão aconchegante, pequena, escondida atrás da matriz, era movimentada no período das aulas.<br>Em frente à Escola, na esquina das ruas Cel. Celestino com Dona Eva, havia uma ´venda´ onde podíamos comprar doces, balas, biscoitos. Em cima do balcão tosco ficava uma vitrine pequena, em que podíamos contemplar, através do vidro, embaçado pela poeira, pães, roscas, doces de mocotó e pedaços de queijo cortados em triângulos, onde alguns mosquitos passeavam tranqüilamente.<br>Nas prateleiras, rapaduras, garrafas de aguardente, maços de fósforos e, no canto do balcão, um grande rolo de ´fumo da mata´. Espalhados pelo chão de tábuas corridas e gastas pelo tempo, sacos de sereais e latas de querosene. Na porta, cavalos amarrados, dos roceiros que vinham comprar gêneros de primeira necessidade e esquentar a garganta com uma boa pinguinha...<br> Eu morava perto da venda e mamãe me recomendava quando ia para a Escola:<br>- Passe com jeito, olha o coice do cavalo.<br>Enquanto aguardávamos o horário, os meninos se ajuntavam na porta da venda e faziam enorme algazarra. Alguns mais levados cotucavam os animais com varinha (com prego na ponta), só para vê-los levantar o rabo e soltar uma ´barrela´ e, espantado, arrebentar o cabresto procurando acertar o pé em alguém. O dono saía à porta, passava uma descompustura nos meninos e procurava acalmar o animal.<br>A sineta tocava e corriam todos para o pátio. As aulas, num só turno, eram de 12 às 16 horas, meninos de um lado, meninas de outro, num enorme salão com carteira duplas.<br>Na minha escola já não existia a palmatória (famosa no tempo de nossos avós) pendurada no prego, enfeitando a parede da sala de aula. Entretanto, ainda havia os castigos, ficar de pé, lá na frente, com braços para cima; puxões de orelha e ´coque´ que deixavam os alunos desnorteados. Para os mais rebeldes, havia ainda o ´quarto escuro´ (pavor da criançada) aonde seu Carlos Câmara, um velhinho de cabeça branca, porteiro da escola, levava o aluno indisciplinado, pelo braço, trancava-o na ´escuridão´ até o final da aula.<br> O nosso rio Vieira, hoje o sujo esgoto da cidade, era, naquele tempo, de águas cristalinas, margens verdejantes, livre da poluição, a tentação da meninada da Escola. Ficava pertinho e era para lá que os alunos fugiam. Largavam o uniforme na beirada e pulavam ´peladinhos´ nos poços mais fundos e escondidos atrás das grandes moitas. Seu Carlos ia buscá-los, era ordem do diretor. Muitos fugiam, pelados mesmos, para os fundos das chácaras vizinhas, tapeando o velho porteiro, e os ´capturados´ iam se esquentar no ´quarto escuro´. Esta ´diligência´ era quase todos os dias, pois os meninos não resistiam ao convite das águas cristalinas do rio Vieira.<br> Tudo era difícil para professores e alunos. Sem comunicação, as distâncias se multiplicavam. O comerciante pedia o estritamente necessário. O material escolar era escasso, não sei mesmo como as abnegadas mestras conseguiam ensinar.<br> Lembro-me, levava o meu material escolar numa caixa de sapatos, não tinha pretensão de ter uma pasta de couro, aliás ninguém a tinha. Dentro, eu coloca a célebre ´cartilha de Thomaz Galhardo´, um livro simples (com gravuras preto e branco) com frases já bastante conhecidas e decoradas por várias gerações anteriores. Os livros eram sempre os mesmos. Ainda me lembro da primeira lição daquela cartilha:<br>- Vovô vê a ave.<br>- Olhe a uva do vovô.<br>- A ave pia e vôa.<br>- O dedo da vovó dói.<br> Levava ainda dentro da caixeta 3 cadernos de 20 folhas cada:<br>´Nº. 1´ para caligrafia; ´Nº. 2´, para cópia e ditado; ´Nº. 3´, para geometria, lápis preto e borracha.<br> Não tínhamos as gostosas merendas de hoje: lanche Mirabel, Danoninho, Iogurte, Coca-Cola, mil sanduíches, sucos e chicletes.<br> Ninguém se preocupava em levar merenda, comprávamos os doces de dona Antoninha, única servente daquela escola, uma velhinha esperta, já beirando os 60, e que dava conta de tudo sozinha: varrer os enormes salões, tirar poeira, coar café para as professoras, tirar água na cisterna para abastecer toda a escola, lavar os pátios e colocar água nos filtros. Ainda sobrava tempo para fazer tachos de doce de mamão ralado, com rapadura, que nos vendia por 40 réis cada (cobre caiano).<br> Dona Antoninha era uma figura interessante, até bonita, de cabelos alourados, puxados para trás, presos à nuca em coque, olhos azuis, muito tranqüilos. Arrastava um chinelo de liga o dia inteiro, subindo e descendo escadas, levando recados, giz, café para as professoras, sempre de cara boa, era nossa amiga e defensora, nunca nos ´dedurava´. Tinha seus prediletos, para quem levava, debaixo do chale preto, que sempre usava, um doce, uma fruta, um pedaço de queijo.<br> Quando tocava a sineta para o recreio, começavam os ´negocinhos e berganhas´. Os doces de dona Antoninha eram tão grandes que os partíamos ao meio, trocando a metade por fruta que as colegas traziam dos seus enormes quintais.<br> Naquele tempo, o governo nem sabia como as crianças dessa escola (nem das outras) merendavam nem como aprendiam. Hoje, vivem todos preocupados: ´menino com fome não aprende´, e procuram suprir as cantinas das escolas.<br> Naquele tempo, como aprendiam? Havia muita criança caren­te, e nas despensas das escolas, nada, nem para os ratos.<br>Mesmo assim, com a carência de material e merenda, o aluno aprendia a ler, a escrever, a contar, e tudo o mais existente nos pro­gramas, e ainda decoravam poesias enormes como ´Pássaro Cativo´, de Olavo Bilac, ´Meus oito anos´, de Cassimiro de Abreu, para demonstrar sua cultura nas visitas do inspetor escolar.<br> Quando este chegava, era um sufoco! Éramos obrigados a comparecer com uniforme completo, as meninas com laço de ´organdi engomado´ no cabelo, que mais parecia hélice de avião.<br> Quando o inspetor nos olhava, nos encolhíamos, procurando esconder-nos atrás das colegas mais altas. Jazon de Morais foi, du­rante muito tempo, nosso inspetor escolar, e nos visitava 2 a 3 ve­zes por ano. Muito educado, bem vestido, elegante, falava baixo e compassadamente, esforçando-se para não nos encabular. Aos pou­cos, ia nos argüindo, fazendo perguntas sobre: Tiradentes, Padre Anchieta, Pedro Álvares Cabral, Dom Pedro I, Dom Mat1°el, José Bonifácio, os Inconfidentes, Princesa Izabel, etc. Aquilo, para nós, era quase um vestibular.<br> No último horário, cantávamos hinos carinhosamente ensaia­dos (por D. Laínha, nossa professora de canto), reunidos no pátio, perfilados, meninas de um lado, meninos de outro, deixando no meio um espaço reservado para seu Álvaro Prates, que passeava pa­ra lá, para cá, revistando a turma como um general à sua tropa.<br> Essa era a melhor hora, pois era oportunidade de vermos os meninos de todas as classes - os namorados... só de longe, troca de presentes e bilhetes.<br> Certa vez, durante o ´canto´, o Filó de Sílvio Teixeira me de`u uma ´cantada´. Mandou-me um ´bilboquê´ todo incrementa­do de presente e um bilhete me pedindo para namorar. Fiquei ra­diante! Eu já estava na 3ª série e ele na 4ª, e o coração já começava a bater pelo sexo oposto. Mas nosso romance não chegou a flo­rescer. a ´complô´ foi descoberto e chegou ao ouvido do diretor. a pobre enamorado foi para o ´quarto escuro´ de castigo... e eu tive que devolver-lhe o presente.<br> Hoje, as crianças das nossas escolas têm um materia1 maravi­lhoso, as vantagens do rádio, da televisão, dos gravadores, ´slides´, projetores, cadernos e livros, que são verdadeiras obras de arte, com variedade incrível de capas, tipos, tamanhos, gravuras lindíssi­mas. Lápis de mil cores e tipos. Borrachas e apontadores sofisticados e até perfumados. Assistência total dos pais e professores par­ticulares. As pastas de tal luxo e esnobação! Entretanto, com tudo isto os alunos saem da 4ª série, ou mesmo da 8ª, totalmente despreparados, na maioria.<br> Hoje, encontramos na rua crianças com aquela ´mochila´ às costas, tão cheias de apetrechos escolares, ela envergada com o pe­so mal pode andar e, triste, já pensando no ´interminável dever de casa´.<br> Os pais exigem, os professores apertam e cobram, tirando-lhes os intervalos para o lazer. . .<br> Desde cedo impingem-lhes aulas de dança, balé, inglês, piano, violão, natação, flauta. Ela cresce nervosa, tornando-se um adulto precoce, convivendo quase só com adultos e, portanto, adulta an­tes do tempo. Mais tarde surgem as frustrações e, com estas, o ana­<br>lista, que é a ´coqueluche´ do soçaite.<br> Não sou contra o aprimoramento do corpo e do espírito, pelo contrário, o estimulo, mas tudo a seu tempo e sem exageros, dei­xando espaço para a criança ser criança e brincar. É brincando que ela adquire as melhores experiências de vida. Tirar-lhe cedo o brin­quedo, é tirar-lhe a vida, é castrá-la.<br> Podem dizer que sou extremamente saudosista, mas tive uma grande infância, da qual me recordo com muita alegria.<br> Trepar nas árvores, jogar bola na rua, pular maré, empinar pa­pagaio, pescar, nadar nos rios, brincar de ´cow-boy´ montados em cavalos de pau, fantasiar de super-homem, vestir as roupas da ma­mãe, calçar salto alto e andar pela casa toda, pisando torto, fanta­siada de gente grande, brincar de ´casinha´, ´pai e mãe´ com os ´filhinhos´ ao colo é o seu mundo encantado, o mundo da criança. E as crianças de hoje tem infância? Talvez 80 por cento são vítimas da sociedade, das contingências do meio, da vaidade dos pais.<br> Crescem sacrificadas, confinadas entre as paredes de um apartamento de 10º ou 20º andar, engaioladas como passarinhos,<br>Lá dê cima, com o rostinho colado à vidraça, olhos tristes, contemplam as luzes da cidade piscando, maliciosamente, num convite:<br> Você, menina, que só anda de carro e não pode nunca ser criança, venha brincar na Praça, deixar seus pezinhos ao contato da terra. Venha ver as flores que se abrem e enfeitam os jardins num colorido digno dos pincéis de um Renoir ou um Boticelli... Venha correr, saltar, sentindo a maciez do gramado verdinho e fôfo, pular maré na calçada, com os cabelos soltos ao vento, sentindo a delícia da liberdade!<br> Cuidado senhores pais! Olhem os pequeninos à sua volta. Dêem-lhes o melhor presente, o mais belo e precioso. Dêem-lhes in­fância, e eles serão felizes.

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