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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: OS ´COMETAS´<br><br> Hoje, vivemos numa sociedade puramente capitalista. As pessoas andam numa ansiedade indiscutível.<br>O desequilíbrio sócio-econômico causa-Ihes tamanha angústia que, sem sentirem, começam a comprar como se isto fosse uma válvula de escape.<br> As butiques vivem cheias e, quanto mais sobem os preços,<br>mais a freguesia aumenta. <br>Os vendedores de jóias, com suas sacolas disfarçadas, cheias de ouro e prata, percorrem as ruas, visitando as famílias, escolas, oferecendo facilidades de pagamento, onde os juros se multiplicam assustadoramente.<br>As grandes lojas, com seus crediários ´esfolantes´, dominam o comércio e é tão grande a ´neurose´ de comprar que, não se falando de classe alta, a média e a baixa, mas também os mais pobres, que moram mal, em favelas, barracões cobertos de tábuas, capim e até papelão, não têm dinheiro suficiente para o arroz e o feijão. Entretanto, a maioria possui televisão a cores, com, geladeira, fogão a gás, aparelhos eletrodomésticos, tudo adquirido pelo crediário.<br>Vivem espremidos, numa promiscuidade nojenta, soltam os filhos na rua, pedindo esmolas, se sacrificam para possuírem os eletrodomésticos tão propalados e endeusados nas propagandas fantásticas da televisão.<br>Sem sentir, vão aderindo ao chamado irresistível do consumismo e, como autômatos, vão fazendo tudo que a TV ordena, mesmo sem necessidade, arrependendo-se muitas vezes, de compras inúteis.<br>Hoje existe muito conforto, desde a cozinha à sala de visitas, e em todos os setores. Estamos na era da cibernética. Máquinas para tudo e para todos.<br>Se recuarmos algumas décadas, veremos com espanto, como a civilização modifica uma sociedade e, embora seja muito bom, prático, agradável e necessário, nós pagamos um preço muito alto. Tudo é mais fácil, confortável e apaixonante. Eu não sou contra. O meio nos obriga a agir assim. Mas, em decorrência disto, surgem as ´neuroses´, angústias, depressões, ´stress´, analistas e adeus tranqüilidade.<br> Voltemos ao passado e nos deleitemos com a calma e a sabedoria dos comerciantes do tempo dos nossos avós.<br>A população, embora simples, despretenciosa, gostava, também dos artigos bons, finos, que na maioria eram importados, pois nossa indústria era muita precária.<br>Mas, para felicidade daquela gente, existiam os ´cometas´ (viajantes representantes de grandes firmas comerciais idôneas) que traziam tudo do bom e do melhor do Rio, São Paulo, Bahia, para nosso comércio, em tropas, nos lombos dos burros, pois vivíamos aqui quase incomunicáveis, pela falta das ferrovias e rodovias.<br>Esses valentes ´cometas´ atravessavam vastas extensões desertas, dentro da mata virgem, ouvindo apenas o piado choroso do zabelê e o canto triste do ´fogo pagô´, num sol e calor estafantes, e muita poeira, até encontrarem uma pousada menos agreste, com água, onde pudessem arranchar com sua tropa..<br>Ao se aproximarem das cidades, a ´madrinha´ da tropa, à frente dos outros animais, toda enfeitada, com peitoral de prata luzente e o tilintar dos guizos, anunciava sua chegada.<br>Era uma novidade. Soltavam até foguetes, e a cidade os recebia com festas. Os ´cometas´, estes valentes pioneiros das estradas, eram geralmente viajantes traquejados, com alguma cultura, inteligentes, espirituosos, contadores de anedotas e piadas, educados, e traziam grandes novidades das capitais tão distantes da nossa cidade.<br>Eram, portanto, recebidos com muita alegria e não faltavam, para eles, convites para jantarem em casas das principais famílias, onde leitão, frango assado e carne de sol eram caprichosamente preparados para os ilustres visitantes.<br>Os ´cometas´ tornavam-se grandes amigos e ´compadres´, pois os afilhados se multiplicavam nas tradicionais famílias de nossa cidade.<br>Havia, é certo, ´aquela preferência´ por certos ´cometas´ mais distintos e educados, que tinham diplomacia para negociar e cativar a confiança e simpatia dos sertanejos. Não pensavam só em arrancar o dinheiro suado daquela gente simples, mas tinham, so­bretudo, muita consideração, acreditando na sua honestidade onde a palavra era respeitada (o fio de cabelo da barba valia como documento), dispensando as promissórias e a duplicatas que hoje enforcam os comerciantes.<br>O comércio era pequeno e eles poderiam percorrê-lo e fazer os ´negócios´ em 2 ou 3 dias, mas os ´cometas´ não tinham pressa em sair de Montes Claros. Era como se estivessem em casa. Já tinham as eleitas do coração, namoradas que aguardavam a chegada deles, durante meses, olhando a estrada poeirenta, na esperança de ouvir o barulho característico da ´tropa´ e à frente, seu bem amado.<br>Aqui chegando, ficavam totalmente à vontade e se demora­vam meses. Faziam ´pião´ aqui. Corriam a praça e seguiam para Brasília de Minas, São Francisco, Januária, Pirapora, Coração de Jesus, Bocaiúva e para o Norte afora, Francisco Sá, Pedra Azul, Salinas, Araçuaí, voltando à pacata e hospitaleira Montes Claros. Geralmente, nunca se hospedavam em hotéis ou pensões. Na maior mordomia, alugavam uma casa bem situada, onde poderiam espalhar as enormes malas cheias de mercadorias.<br>Casa era então muito fácil e barata, e muitos deles nem pagavam aluguel. Eram tão queridos que os senhorios (possuíam casas fechadas na cidade) se sentiam felizes em cedê-las pois os consideravam tão importantes que a cidade tinha a lucrar com sua presença.<br>Eles traziam de tudo das capitais: tecidos, ferragens, armarinho, louças, calçados, artigos de cama e mesa, bijouterias, chapéus, perfumes. Como não havia clubes sociais, os grandes sobrados, comemorando a chegada dos ´cometas´, abriam suas portas para os saraus, com piano, flauta, violino, violão, única oportunidade para um entrosamento melhor entre moças e rapazes. As famílias mais requintadas tinham orgulho em apresentar suas donzelas educadas em Diamantina (era o centro civilizado mais próximo e acessível) que sabiam tocar piano e declamar, exibindo sua cultura. As moças, numa euforia total, preparavam-se para este acontecimento com o coração cheio de sonhos e esperanças. Num abrir e fechar de olhos, os convites eram feitos e todos comestíveis preparados. Os ´baús´, tanto tempo fechados eram alegremente abertos, de onde retiravam, envolvidos em lençóis de cambraia, cheirando a naftalina, os vestidos de festas, de tafetá, bem rodados, anáguas rendadas, os chales de sede com longas franjas douradas. Os adornos, colares, brincos, anéis, pulseiras de ouro, eram cuidadosamente retiradas das caixinhas, assim como o perfume ´Patchilie´ (francês), as meias de seda e o espartilho, indispensável para aprimoramento da silhueta.<br>A valsa e o tango eram os mais preferidos e, com todo o respeito, sob os olhares perspicazes dos familiares, os pares rodopiavam nos salões, cujas tábuas corridas eram lustradas cuidadosamente com velas, para se tornarem escorregadias.<br>Os rapazes, com todo requinte, copiando a moda das capitais, ternos bem talhados, gravatinha borboleta, sapato duas cores e muito penteados, perfumados e englostorados, exibiam ´passos´, elegantemente, deixando as sertanejas encantadas e eternamente apaixonadas. As bonitas sacadas de ferro batido, trabalhadas em arabescos onde os casais enamorados, discretamente, se ocultavam dos demais, eram testemunhas das juras de amor.<br>O sarau se prolongava até à meia-noite, quando então os pais se alvoraçavam em levar para casa as donzelas, deixando os ´Romeus´ com água na boca. . .<br>E assim, durante muitos anos, os ´cometas´ por aqui passaram, milhares deles, deixando uma grande contribuição para o progresso de nossa terra. Muitos deles chegavam a trocar a beleza, o conforto, a civilização das capitais pela simplicidade e aconchego do nosso sertão, aqui se radicando, escolhendo aqui as suas companheiras.<br>E que o olhar sonhador, a faceirice, a pureza, a beleza simples e a ingenuidade da sertaneja conquistavam seus corações. Podemos citar, entre os muitos que deixaram saudades: Seu Roque, Rodrigão, Albertino, Ascendino Dias, Geraldo Vale, que ainda vive e radicado em Bocaiúva. Salientamos aqui os grandes ´cometas´ que foram Jaime Rebelo (casou-se com Dona Lôrinha), Cel. Luiz Pires (casou-se com Dona Vidinha), José Francisco Martins (casou-se com Maria Glória Lafetá). Todos estes eram portugueses que vie­ram para o Brasil, ainda adolescentes, foram os grandes pioneiros do sertão, aos quais muito devemos, e se tornaram montes-clarenses de coração.<br>Ligados pelos laços do casamento, aqui fixaram residência e, com grande amor por esta terra, lutaram pelo seu progresso, desenvolvimento sócio-econômico, político e cultural, empenhando­se com outras capitais e o governo para que chegasse para nós a civilização.<br>Todos estes já morreram, mas jamais serão esquecidos. Deixaram em toda a cidade os marcos da sua passagem: na política, na indústria, no comércio, na educação, e aqui ainda estão seus filhos, seguindo as mesmas pegadas dos pais, montes-clarenses, de corpo e alma, prestigiando nossa terra em toda sua vida sócio­econômica (como políticos, educadores, industriais, médicos, advogados e outros profissionais liberais), para que ela cresça cada vez mais, tornando-se não a princesa, mas a Rainha do Norte de Minas. Nós os bendizemos, ´cometas´ que por aqui passaram e merecem nossa admiração e eterna gratidão.

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