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Mensagem: O PRIMO LUÍS Na acolhedora casa da rua Dr. Veloso, a hora do almoço era a melhor hora, e como sempre, apareciam os ´filantes´ do saboroso menu da Tia Joaquina. Nunca faltavam à mesa o cheiroso lombo de porco bem tratado, arroz com ´carne de dois pelos´ e o tutu com lingüiça e bastante molho de cebola roxa, por cima. A comida era uma tentação e quem dela provasse, se tornava freguês. A casa era simples mas a mesa era farta. Num canto um montão de melancias, de um verde lustroso, que eram a tentação da gente, e terminada a refeição nós íamos fazer a escolha (era uma para cada um), cada qual com mais medo de pegar a ´viúva´, tirava um tampinho para ver o colorido e quando acertava, partia a melancia ao meio e ia comendo às colheradas. Era assim, mesmo. Melancia era fruta simples e barata, vinda das roças, mas tão saborosa e apreciada, pois ainda não aparecera, ainda, a célebre ´japonesa´ para tirar-lhe as vantagens. E então saboreávamos a sua polpa rosada e deliciosa e da parte branca, fazíamos dentadura, com grandes bicos, imitando dentes pontiagudos, e de boa cheia, conversávamos longas horas, divertindo-nos a valer. De manhã eu já encontrara a novidade. Nosso primo Luís chegara de Várzea da Palma. Achei o nome da cidade lindo e importante e fiquei a idealizar como seria aquele viajante recém-chegado. Na hora do almoço, já todos assentados, em bancos, em volta da grande mesa, a tia Joaquina dizia-nos: -´é tempo de murici, cada qual cuida de si´. Mal ela acabava de falar, já começávamos o ataque (criança tem muita fome) e num fechar de olhos, as travessas estavam limpas e vinha outra ´reforma´... Mas o primo Luís, muito tímido e encolhido num canto da enorme mesa, de vez em quando, passava um rabo de olho para os pratos e depois para nós. Estava louco para se servir, mas cadê coragem. A turma percebeu logo o seu jogo e procurou encabulá-lo mais ainda. Eu via a cara ´matreira´ do Antônio que era crítico, por excelência, e não perdia tempo e as suas ´risadinhas´ deixavam qualquer um desapontado, e a qualquer momento, vinha a ´marretada´. Todo mundo comia e repetia e o Luís, coitado, a muito custo, depois de um esforço tremendo, conseguiu uma concha de feijão e um pedaço de carne. Nesta altura, perdeu a coragem e ficou só nisto. O tio Basílio, olhando para o seu prato, muito admirado, perguntou-lhe - ´Você não come arroz?!´ O Luís ficou muito vermelho, descontrolou-se todo, gaguejou e respondeu: -´Não senhor, eu... não gosto de arroz...´ Os dias passavam e o triste menino de Várzea da Palma já familiarizara entre os primos, e já havia uma grande camaradagem, mas continuava sem coragem de comer arroz. O ´branquinho´ tentava-o. Ele morria de vontade, principalmente quando vinha à mesa, uma grande panela de arroz com carne fumegante e delicioso! Mas ele tinha que sustentar o que dissera, num momento de desespero. Entretanto, sua timidez ia aos poucos desaparecendo e se tornando um ótimo companheiro. Na escola se revelou o maior e as melhores notas eram as suas. – “É um menino muito inteligente, assegurava o tio Basílio, estava desperdiçado em Várzea da Palma´. Inseparável do Antônio, tornou-se o colega predileto e companheiro de todas as horas, e para todos os programas. Tornaram-se os ´campeões´ nas anedotas, charadas, palavras cruzadas, formando uma dupla que punha ´sala na moleira´ dos outros companheiros que freqüentavam àquela casa, fazendo perguntas e adivinhações que deixavam todos de canto chorado. Inventaram até uma língua do ´pê´ que, encabulava muita gente. Liam tudo de trás para frente e o faziam com a maior facilidade e de cor. Tocavam violão e violino, de ouvido, e faziam serenatas mesmo sem luar. E assim o tempo foi passando naquela tranqüila casa e o primo Luís já estava muito adiantado e completamente ajustado naquele ambiente de amizade. Até então ligava pouco para as ´cifras´, mas agora já rapazinho começava a sentir necessidade de uns ´cobrinhos´, pois precisava ser amável com a colega, uma morena de olhos negros, e ter o dinheiro para a matinê e o sorvete da pequena. Não foi difícil um emprego. Era humilde nas suas pretensões e assim começou sua vida de comerciante na ´Fragata´ - o seu primeiro passo para o mundo dos negócios. Subiu logo de posto pois o patrão descobriu logo seus valores e tino de bom comerciante. E tudo correu, num passe de mágica, daí pra frente. Formou-se em contabilidade, à noite, pois passava o dia todo no trabalho. A partir daí, sua situação melhorou 100 por cento, na firma, e começaram as viagens que deixavam o primo eufórico. A sua visão aumentava dia a dia, e enquanto sua inteligência florescia, seu campo de trabalho ampliava cada vez mais. Resolveu estudar ´Direito´ por correspondência e assim suas viagens se multiplicavam e a doce namoradinha foi ficando esquecida... Sua posição na sociedade e no comércio cresciam vertiginosamente, chegando mesmo a se envolver na indústria e na política, apaixonadamente. Passaram-se os anos. A fama levou-o aos píncaros. O primo era frio ao casamento. Cheguei mesmo a pensar que ficasse para sempre solteirão. Levava uma vida alegre, com muito dinheiro e diversão. Gostava muito de música, festas e principalmente serestas e (por que não dizer?) de uma ´pinguinha´ para se esquentar, nas noites frias e enluaradas e sufocar as saudades... muito natural a uma pessoa de tanta sensibilidade e temperamento artístico. E quem diria que o menino tímido de Várzea da Palma seria o tão amoroso montesclarense de coração, que presentearia nossa terra com a mais bela melodia num canto de amor e de fé?! !! Contudo, parecia mesmo invulnerável, e embora fosse muito cobiçado não se interessava muito por nenhuma ´Eva´ e casamento com véu e grinalda e as doces flores de laranjeira não lhe seduziam. Mas o destino se encarrega de tramar nossas vidas, sabiamente, e coloca tudo no lugar certo, na hora certa. Ninguém soube como começou o romance. O fato é que uma certa vizinha o enfeitiçou com seu encanto e meiguice. E o primo se apaixonou de verdade, e tão repentinamente! Toda sua ´fortaleza´ foi-se por água abaixo, e caiu como um peixinho na água doce... O destino reservara-lhe a companheira ideal. Acho que por isto ele se demorou tanto, estava esperando-a crescer. Casaram-se e sua vida continuou agitada, socialmente. Firmou-se na política como Deputado Federal e durante seu mandato soube bem defender nossa terra e por ela fez muito, principalmente na área de Educação. Com o sucesso também de sua carreira política, sua vida tornou-se mais tumultuada ainda: reuniões, congressos, entrevistas, viagens seguidas... mas ao chegar em casa encontrava a calma e a serenidade da esposa, sempre atenta e responsável pelos problemas da casa, do marido, dos filhos, e então a paz lhe era devolvida e podia sentir-se tranqüilo para continuar a luta. Vendo-os juntos, eu fico a pensar em todos os acontecimentos da vida do primo Luís, que não teve, a princípio, vida fácil, ele foi um lutador e muito ajudou sua família. Hoje está muito rico, e é muito feliz. Mas não é só pela fortuna, é por tudo que Deus lhe concedeu. Tem `uma esposa que é uma jóia perfeita, uma família ajustada, filhos inteligentes, bonitos e saudáveis. Tem tudo que um homem deseja, mas ele merece, justiça seja feita. Mas contudo isto, meu caro Luís, eu sei que você tem muita saudade daqueles tempos (que já vão longe), daquele tempo em que éramos crianças e desfrutávamos da felicidade daquela maravilhosa casa da rua Dr. Veloso, com a bênção da tia Joaquina e do tio Basílio.
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