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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: PONTOS DE ENCONTRO

Montes Claros foi assim por muito tempo. Uma cidade pequena, escura, tímida, mas todos viviam como uma só e grande família, onde todos se visitavam, todos se conheciam, falavam a mesma língua e todos se interessavam pelos problemas de todos.
A meninada tinha infância, na extensão da palavra, pois nadava nos rios, pegava passarinhos, trepava nas árvores, montava em cavalos em pelo, jogava pelada, acompanhava palhaços (Mauricinho que o diga), brincava de circo fazendo mágicas incríveis e acrobacias encarapitados nos altos trapézios armados nas frondosas mangueiras dos enormes quintais.
À noite, de pés descalços, brincavam despreocupadamente de ´chicotinho queimado´, ´veadinho quer mel´, ´boca de forno´, correndo no largo da Matriz, com os pés mergulhados na poeira fofa. . .
Enquanto isto, as famílias visitavam suas comadres e, assentadas comodamente em cadeiras de palhinha, habilmente colocadas em círculo, na porta da rua, entre as pedras da calçada, e como não haviam automóveis este círculo poderia prolongar-se dependendo do número de visitas. Era comum, e mesmo de praxe, vir café, por sinal muito gostoso, torrado em casa, com deliciosos biscoitos de fofão, de farinha, tarecos, pão de queijo, tudo quentinho. Nisto, a dona de casa se aprimorava em oferecer o melhor para, com um doce sorriso, receber os elogios das visitas.
Enquanto as senhoras se distraíam por este lado, os senhores também procuravam fazer o mesmo, reunindo-se, todas as noites, em vários pontos da cidade, de acordo com o relacionamento, nível cultural e sócio-econômico.
A farmácia de ´seu´ Mário Veloso era um destes freqüentados pontos. Ele era um grande humorista, contador de casos, anedotas e piadas. Gostava de ensinar ´palavrões´ aos netos e quase morria de rir quando Dona Niêta, toda cerimoniosa, apresentava seu netinho a uma visita e ele, na sua voz inocente, soltava ´uma daquelas´ ensinadas pelo vovô Mário.
Com aquele seu ar bonachão, sempre alegre, ´seu´ Mário era um anfitrião por excelência.
Lá se reuniam habitualmente: Tonico dos Anjos, impecável no vestir e tratar as pessoas, o protótipo do gerente de Banco e que muito apreciava as anedotas do cunhado. Benjamim dos Anjos, com sua inteligência aguçada, não perdia nada; Niquinho Teixeira, muito sério, mas que a todo momento mostrava uma dentadura muito alva em contraste com a sua pele trigueira, não resistindo
.aos ´causos´ de tio Mário; Niquinho de Oliveira (ou Niquinho de açúcar), muito intelectual, dado aos versos; Mauro Moreira, sempre na sua diplomacia e numa boa, com suas famosas gargalhadas; João Nobre; Antônio Atthayde, fazendeiro rico, despreocupado, tinha sempre uma notícia sensacional sobre o peso de sua boiada. Até o intelectual Dr. Plínio saía do seu ´esconderijo´ e ia dar o ar da graça participando daquela reunião, dando uma contribuição com sua inteligência e cultura.
Mais adiante, na praça Doutor Carlos, esquina com a ´rua dos Marimbondos´, hoje Altino de Freitas, aí ficava o ´Bar Aliança´, de ´seu´ Helvécio, criatura simples, boníssima, nordestino de nascença e montes-clarense de coração. Aqui chegou rapazinho, gostou, casou-se com Helena de Meio Franco, aqui ficou trocando a bela Sergipe pela simplória Montes Claros.
Encontrava-se nesse bar, todas as noites, um grupo de senhores, que discutiam as novidades da terra, mas o mais forte era a política.
Todo mundo era tranqüilo, ligava muito pouco para as ´cifras´, trabalhava apenas o suficiente, não havia esta competição do atual mercado de consumo, em que os homens estão se transformando em verdadeiras máquinas. Portanto, aquele bate-papo descontraído fazia muito bem ao corpo e ao espírito.
Encontrava-se lá o Dr. Coutinho, compenetradíssimo, dando-nos sempre a impressão que tinha um caso a resolver; Froes Neto era um farmacêutico folgazão, bem humorado, que sabia lidar com o povo, distribuindo seu tempo entre as poções, pomadas, unguentos, cápsulas e pílulas que ele habilmente manipulava, e a ´fabriqueta´ do famoso´ Licor Montes-clarense de Pequí´ que, para nossa tristeza, desapareceu com sua morte. Coronel Filomeno Ribeiro, o papa da política daquele tempo, cofiando seu enorme bigode; de olhos espertíssimos, era um verdadeiro ´coelho da lapa´ e, se ainda fosse vivo, daria quináu até no Tancredo . . . Ninguém o ´dobrava´ . . .
Dr. Santos era outro político esperto. Foi um dos melhores prefeitos desta terra, inteligente, dinâmico, mas “ranzinza´ como só ele. De vez em quando discordava dos colegas e quase saía briga. Mas era um grande líder.
João Mendonça, muito amigo de todos, sempre pronto a ´quebrar o galho´ (principalmente dos forasteiros), gostava de uma pinga, mas estava pronto para o que desse e viesse.
Coronel Altino de Freitas era o nosso delegado. Intransigente, politiqueiro ´até debaixo d`água´, não levava desaforo para casa. João Félix, sempre alegre, vida ganha com seus impecáveis ternos brancos, de anel de brilhante, retratos de sua faustosa burguesia. Era um homem calmo, bom, sempre apoiando, incondicionalmente, os chefes. Dr. Nelson Viana, grande inteligência, Escritor e poeta, crítico por excelência, grande amigo de Montes Claros, era assíduo freqüentador desta roda - aliás, era este seu único passeio. Era muito sistemático, mas se dava muito bem naquela roda do Bar Aliança. ´Seu´ Jayme Rabelo, também, fazia parte deste grupo e muito atuava com sua experiência.
Não sei como este Bar sobrevivia. Acho mesmo que, naquele tempo, corria tão pouco dinheiro, tudo sobrevivia por milagre e segundo a parábola de Jesus, que é mais ou menos isto: ´Olhai as aves, não tem teto, ninguém as alimenta, entretanto sobrevivem´ .
Dentro do bar podia-se ouvir uma moscar voar, e estes citados fregueses ficavam do lado de fora, assentados em cadeiras de ferro na calçada (até mal acomodados), mas era tão interessante a Prosa, que nem percebiam as horas passarem.
Comentavam política, pontos positivos e negativos do governo, da política local, perseguições partidárias e dos ´coronéis´, intrigas da oposição, e também a parte social da nossa cidade era lembrada: casamentos desajustados, namoricos indiscretos.
Mais adiante, outro ponto de encontro era o ´Hotel de Dona Joaninha´, de Antônio Neco.
Este era célebre! Aí se hospedavam os viajantes que, à noite, nada tendo a fazer, se assentavam à porta do hotel,numa grande roda, para apreciarem o movimento e a beleza das nossas sertanejas.
Era hábito das moças fazerem o ´footing´ na ´Rua 15´, que era justamente a rua onde ficava o hotel. Aí vocês já viram tudo. Elas se alvoroçavam com a aparição de novos viajantes e todas queriam conquistar o ´príncipe´. E como os rapazes da nossa cidade eram poucos, a maioria estudava fora, os viajantes eram cotadíssimos.
Foi um tempo bom aquele. Sem maldade, e com muita ilusão
e romantismo. Não existiam os perigosos barzinhos e motéis, onde os vícios se multiplicam e desestruturam a sociedade e a família, onde a mulher se torna uma mercadoria e, para nossa tristeza, o amor um comércio sujo.
As moças passavam na porta do hotel, como se nada quisessem, ´fazendo de conta´, e era mesmo que ´catucar onça com vara curta´. Eles, encantados com tanta pureza e simplicidade, logo se aproximavam, com muita educação, cheios de galanteios (com todo respeito), trocas de amabilidades, e aí começava o romance. Muitos acabaram em casamento com véu e grinalda, e duram até hoje. . .

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