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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 25 de setembro de 2024
 

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Mensagem: VALE QUEM TEM

A Rua Quinze transbordava naquela manhã clara de setembro. Crianças, moços e velhos, todos eufóricos com a inauguração da grande loja: ´Vale Quem Tem´. As crianças requebravam ao som da música gostosa e excitante da ´Maria Bamba´, com seu acompanhamento de sanfona, violão, caixas de pandeiros. ´Maria Bamba´ era uma boneca enorme que fazia a propaganda daquela casa recém inaugurada, dançando pelas ruas da cidade. Era impressionante seu tamanho, sua enorme cara pintada, vermelha como tomate, turbante colorido, seios muito grandes e empinados e saia muito rodada de chitão engomado, com estamparia com flores num colorido berrante.
Muita gente ainda deve se lembrar, pois ela marcou época em nossa cidade.
Impressionava-me a leveza com que aquela boneca enorme se movimentava e dançava fazendo mil trejeitos e rodopiando num ritmo contagiante, movida por hábil dançarino que suava às bicas por baixo daquela saia engomada.
Era um espetáculo interessante e uma novidade bem atraente para uma cidade longe da civilização e o povão delirava com aquela ´giganta peituda´. As ruas se enchiam de gente de todos os níveis e outros corriam à janela para apreciar a grande novidade trazida pelos dois portugueses, seu Nuno e seu Marques, donos da nova loja ´Vale Quem Tem´.
Foram eles que, acreditando em Montes Claros, enfrentando dificuldades mil, deram à nossa cidade uma casa comercial moderna e importante, para aquela época, e que ficava justamente na querida e famosa rua Quinze, onde hoje funciona a ´Roka Confecções´, ocupando também, parte do quarteirão da rua Simeão Ribeiro, hoje Rua do Povo.
´Vale Quem Tem´ era justamente uma grande agência da Loteria Mineira, que pela primeira vez surgia em nossa terra, pois até então os escassos bilhetes que aqui chegavam eram vendidos por ´cambistas´ nas ruas, apregoando a sorte grande.
Funcionava ao lado, para dar maior impressão de conforto, civilização e aspecto de loja moderna, uma seção de frutas importadas, bombons finíssimos e as deliciosas balas holandesas, que eram a paixão da meninada.
As maçãs vermelhinhas e brilhantes arrumadas em caixas, acomodadas entre as fofas palhinhas como se fossem ovos preciosos, deixavam-nos encantados, porque maçã era fruta rara, dificilmente chegava à nossa terra e, mesmo assim, como ´presente especial´ que se trazia para os amigos do peito e familiares, dos raros passeios a Belo Horizonte. Maçã, lá em casa, era só para quem adoecia, portanto, sonhávamos em ficar doentes e fazer dieta com o ´pome´ delicioso.
Pela primeira vez ´Vale Quem Tem´ nos dava também a ´laranja americana´ que estava na moda nas cidades mais civilizadas.
Logo à entrada da loja, na segunda seção, podiam-se ver os grandes recipientes de vidro grosso (em cima de uma base alta de metal), através do qual contemplava-se o líquido amarelinho num movimento rotativo e borbulhante que as crianças acompanhavam com água na boca.
Tudo se inaugurava naquela manhã alegre, cheia de sol ao som da música e dos requebros da ´Maria Bamba´.
A loja era bonita, era boa, muito incrementada para aquela época, cheia de enfeites luzitanos com muita alegria nas cores, trazendo para nós muita novidade, graças àqueles dois portugueses que, com muito entusiasmo e muita ´garra´, entraram no comércio da nossa cidade, com vontade de fazer sucesso e ganhar muito dinheiro.
Durante o dia inteiro entravam e saíam frequeses naquela loja, e seu Nuno, português baixote mas muito simpático, agradável e sorridente, protótipo do comerciante esperto e sabido, procurava conquistar a freguesia.
A ´laranjada americana´ tinha um mecanismo mais complicado e desconhecíamos as técnicas e artimanhas daquela máquina moderna e sofisticada. Tudo para nós era novidade, e ´sucos´ daquele porte com tamanha importância víamos pela primeira vez. Até então, o que se vendia naquela época, nos botequins do mercado, principalmente aos sábados, também nas feiras, era groselha, limonadas coloridas (com anilinas) que o comerciante colocava uma colerinha de bicarbonato (na hora de servir) para espumar e entusiasmar o freguês e gritava: Olha a ´birinata´! Olha a ´moreninha´! Perguntem ao Mário Ribeiro. Ele e meu irmão Ruy ganharam muitos trocados empurrando nos feirantes a célebre ´birinata´...
A loja ia de vento em popa, o freguês entrava, entusiasmava­se com o ambiente e o progresso do nosso comércio, e pensando no nome dessa loja e também sugestionados por ele, logo comprava um bilhete inteiro na esperança de se enriquecer em 24 horas, num passe de mágica! Tomava uma laranjada como mandava o figurino, chupando no canudinho (que era outra grande novidade), comprava maçãs para a doce companheira, que em casa o esperava, com um almoço caprichado e, para as crianças, um pacotinho de balas holandesas... Que luxo!
Era mesmo um luxo entrar na ´Vale Quem Tem´ e só deliciar com suas novidades. Cada dia surgia uma fruta diferente, uma bala mais gostosa, um chocolate mais sofisticado e os sucos mais apetitosos e geladinhos!
As pessoas das cidades vizinhas que por aqui passavam não deixavam de visitá-la e levar também daquelas novidades para seus familiares.
Quando descíamos para a Escola Normal, já mocinhas, havia sempre rapazes na ´Vale Quem Tem´. Lá era ponto estratégico para apreciar a passagem das futuras normalistas. E como já sabíamos disto, esmerávamos na ´toilete´ e, muito dengosas, arriscávamos olhares lânguidos e melosos que eram ardentemente correspondidos.
De longe tudo valia, só não podiam se aproximar... De vez em quando, recebíamos maçãs, bombons, daqueles mais afoitos e obsequiosos que aguardavam nossa passagem.
Como era emocionante!
Como era emocionante! Cada dia uma era ´contemplada´.
Deliciávamo-nos com aqueles presentes. O difícil era repartirmos aquela ´maçã do amor´ (como dizíamos) com as que nunca conseguiam ser lembradas.
Era tudo tão simples e havia uma pureza intocável em tudo! Contentávamo-nos com tão pouco, e como nos sentíamos orgulhosas e valorizadas! A euforia nos envolvia e julgávamos ser mesmo as ´tais mulheres conquistadoras´...
Mas a cidade era assim também: bela, simples e extremamente ingênua, como uma adolescente.
Enquanto a Maria-Bamba dançava nas ruas, fazendo propaganda para o ´Sinhô´, seu Nuno ganhava dinheiro. Enriqueceu e criou uma grande família aqui e tornou-se montes-clarense de coração, extremamente apaixonado por esta terra.
Organizou, para nossa sociedade, festas incríveis na ´Vale Quem Tem´, inclusive bailes de carnaval, com lança-perfume, confetes e serpentinas. Era um delírio o carnaval de seu Nuno. Ele organizava tudo, até os blocos carnavalescos. Brincávamos até o sol raiar... com todo respeito.
No dia seguinte havia comentários, muita ´fofoca´. Mas ninguém ligava para os comentários, nada de grave acontecia mesmo, as moças e rapazes eram bem comportados... até demais.
Os anos passam. Seu Nuno morreu, com grande pesar para todos nós. E, com ele, morreu também a ´Vale Quem Tem´. Mas a Maria-Bamba (criação sua), continuou na figura da Boneca de Leonel, sua sucessora, uma boneca mais civilizada, que foi até aos Estados Unidos!

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