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Mensagem: SIMEÃO RIBEIRO PIRESConheci Simeão Ribeiro Pires em minha infância. Luiz Tadeu Leite costuma dizer que estou trinta anos à frente de meus contemporâneos. Mas a verdade é que quem realmente andava bem à frente de sua época era meu saudoso pai, Nonô. Na década de 40, do século passado, quando a política de Montes Claros ainda era extremamente radical e sectária, Simeão era um jovem engenheiro, ligado ao PR, e Nonô, um pouco mais velho, um prático em construção civil, ligado ao PSD. E não é que deixaram de lado o radicalismo e o sectarismo políticos, ficaram amigos e construíram um prédio de três andares, na Rua Padre Augusto? Esse prédio, por algum tempo, abrigou, num dos andares, nossa saudosa ZYD-7, onde despontavam os saudosos Zezinho Fonseca e Milton Ramos, o último em inteligentes entrevistas com os craques de nosso futebol.Lembro de uma das vitoriosas campanhas de Simeão à Prefeitura de Montes Claros. Menino, seu ferrenho adversário político, minha praia era a de meu primo, Dr. Alpheu, e a de meu querido e saudoso Geraldo Athayde. Nos comícios do PR, estilingue em punho, atirava verdes e espinhosas mamonas – colhidas na manga da cocheira de “seu” Ataidinho – nos participantes. E ainda fazia mais: andava no meio do povo, portando alfinetes de cabecinha, só para espetar os bumbuns das mulheres.A mãe de Simeão, a inesquecível D. Vidinha Pires, cansou de me ver furtando mangas-rosas, abacates, goiabas e outras frutas em seu farto e belo pomar. Ainda vejo sua figura, alta, forte, retilínea, bem trajada, traços marcantes, na varanda de duas escadas laterais que havia aos fundos de sua residência, a gritar comigo e meus companheiros, para deixarmos suas frutas em paz. Grande D. Vidinha que, à época, era a proprietária do serviço de energia elétrica da cidade. Nossa luz era, portanto, a “Luz de D. Vidinha”. Depois, maduro, conheci-a de perto e tornei-me seu admirador, porque vi que por trás de toda aquela austeridade estava escondido um coração bondoso de uma grande mulher.E seria justo da luz de D. Vidinha que eu receberia, no curso cientifico, as luzes de dois grandes mestres: Simeão, na cadeira de Química, e Luiz Pires Filho, na cadeira de Biologia. Que grandes professores nos deu ela! Foram mestres, na mais pura acepção que essa palavra possa vir a ter. Simeão organizava, para nós, excursões pelas grutas da região, apenas para ensinar-nos a valorizar nossos tesouros arqueológicos que eram a expressão mais incontestável de nossas mais profundas raízes. E como eram gostosos aqueles passeios, com o mestre a nos explicar, nos mínimos detalhes, tudo o que havia de importante para nossa formação. Aprendemos a respeitar a natureza e adquirimos consciência sobre quem éramos naquele pedacinho de planeta. Gélson Dias e eu, a partir dessas excursões, passamos a tratar Simeão por “Lumumba”. E ele também a nós, por esse nome. Acho que em homenagem à memória de Patrice Lumumba, à época, chefe do governo da República Democrática do Congo, destituído do poder e assassinado, mas proclamado herói e mártir por seu, até hoje, sofrido povo. Gostamos tanto de Simeão que o elegemos, com sua esposa, D. Therezinha Gomes Pires, e Jamil Habib Cury, então jovem professor de Física, nossos paraninfos de formatura de curso científico. Nunca mais deixei de tratar D. Therezinha por “madrinha”.Terminado o científico, em 1963, como não havia ensino superior em minha aldeia, fui estudar em Belo Horizonte e só retornei a ela, com doutorado em direito público, no início de 1970. De repente, já exercendo a advocacia e o magistério superior, sou surpreendido por um convite de Simeão:– Lumumba, estou lançando meu primeiro livro, o “Raízes de Minas”, e gostaria que você fizesse a apresentação dele, num programa de uma hora de duração, em nossa ZYD-7. Quase desmaiei de emoção. Corri à casa do mestre, em frente à que eu então residia, na hoje mutilada Avenida Coronel Prates, peguei o livro, devorei-o e, tremendo de emoção, falei à minha tribo sobre uma das obras mais primas da literatura brasileira. Foi nela que adquiri a consciência do que é ser catrumano, do que era a cultura do ciclo do gado. Foi a carne de nosso gado que deu de comer ao pessoal do chamado ciclo do ouro. Distingui o Geraizão e as Minas, os “roseanos” e os “mineiros”, os caipiras e os “chiquéis”.Pouco tempo depois, devido ao último ato de João Valle Maurício como reitor da universidade, viria a assumir a direção da Faculdade de Direito do Norte de Minas. Pedi a Simeão que ministrasse aulas de oratória aos alunos que desejassem. Ele me atendeu na maior boa vontade e, sem ganhar um tostão, passava as tardes dos sábado nos deliciando com suas palestras e ensinando-nos a difícil arte da oratória. Voltei, com o maior prazer, a ser seu discípulo. O salão nobre da faculdade ficava lotado e eu não perdia uma aula, sequer, daquele sempre mestre e amigo.Simeão lança, então, o “Gorutuba: o padre e a bala de ouro”, que tem muito a ver comigo, por ser eu, com muito orgulho, bisneto de Ângelo de Quadros Bittencourt, um dos homens que teria matado o padre com uma bala de prata benzida pelo próprio. O inesquecível Dr. Hermes de Paula me deu o mote e eu me inteirei da história e li o processo do julgamento.Caí na magistratura e rodei mundo. Simeão nos deixou. Em 2001, já aposentado e residindo em Belo Horizonte, recebi seu terceiro livro, “Serra Geral – Diamantes, Garimpeiros & Escravos”, uma magnífica edição póstuma, com belíssimas orelhas de autoria de Wanderlino Arruda e do saudoso mestre Ayres da Mata Machado Filho. Minha madrinha, D. Therezinha, nele apôs, de próprio punho, a seguinte dedicatória: “para Augusto, com o carinho e a amizade da família de Simeão”. Nessa obra, o incansável pesquisador, o grande filho de D. Vidinha, nos mostra, como bem disse Wanderlino, que aqui, nesses Gerais, “está o verdadeiro coração da história brasileira.”Ainda sinto muita saudade desse mestre. Saudade de seu amável e farto sorriso, de suas marcantes sobrancelhas, de sua voz firme e aveludada, de sua serenidade e de sua presença de espírito. Simeão Ribeiro Pires foi, sem dúvida, um grande exemplo, para todos nós, de respeito à dignidade humana, de amor à ciência e à arte e, sobretudo, de amor à vida, ao semelhante e a Deus.
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