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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A FAZENDA DAS QUEBRADAS<br><br><br> Não tenho a menor pretensão de seguir a trilha dos grandes memorialistas, mas não abro mão de evocar minhas mais belas lembranças. Entre estas, estão as vivências na Fazenda das Quebradas, durante a infância e a adolescência.<br> As imagens de minha vida, desde criança, se projetam cada vez mais nitidamente diante de mim e assim posso retomá-las.<br> Existem lugares que se amam desde a primeira vez... A Fazenda das Quebradas é um destes lugares. Quando se combinava um passeio às Quebradas, misturavam-se emoções. O tempo custava a passar até o dia aprazado, já antegozávamos o prazer de tomar leite ao pé da vaca, andar a cavalo, escutar “causos” junto ao fogão de lenha, nadar no riacho que serpenteava a casa. Eram prazeres que aqueciam o coração e a alma.<br> Cedo lá íamos nós. O caminho sempre colorido na floração dos ipês roxos ou amarelos. No verão os flamboyans se avermelhavam; se época da chuva, os tons de verde da paisagem: verdes-tenros, verdes-musgos, verdes-esmeraldas misturados a flores ingênuas e caipiras.<br> Depois da curva do caminho, num abrir e fechar de olhos, meu mundo transformava-se. Tinha chegado ao Paraíso. A visão da serra que fazia a moldura das Quebradas onde vi os mais lindos poentes; o coqueiral ao fundo balançando as folhas conforme o capricho do vento. O casarão antigo, acolhedor, rodeado de jardins viçosos. A paineira cor de rosa junto à cerca. Hortênsias, manacás, roseiras, ervilhas de cheiro, amores-perfeitos e cravos misturavam cores e fragrâncias. A primavera reinava nos Jardins das Quebradas o ano inteiro! Trepadeiras floresciam, qual uma cortina de flores no alpendre. O riacho de águas claras corria brincalhão num leito de pedrinhas e seixos.<br> Mais ao longe, o pomar com seus pessegueiros, cobertos de flores delicadas em róseos matizes; goiabeiras, laranjeiras, pitangueiras... Era um paraíso de árvores carregadas com frutos deliciosos, fragrância de flores, cantar de pássaros e a dança colorida das borboletas.<br> Mal descia do carro, ia para o meu refúgio predileto: o riacho de águas claras, em cujas margens nasciam samambaias e lírios silvestres de um perfume intenso, embriagante. Eu me sentia a própria Narizinho do Sítio do Pica-Pau Amarelo a procura do peixe rei das águas, e viajava nas asas da fantasia. Patos nadavam, pontes encantadoras ligavam suas margens.<br> Chegava a hora do almoço. Ah! Os almoços nas Quebradas... Numa sala imensa, a mesa posta com as melhores iguarias do mundo! O cheiro delicioso da comida de “Sá” Joana, feita com o coração e com mãos abençoadas, invadia a casa. As pessoas assentavam-se à mesa. As horas escorriam em meio a conversas sérias sobre a vida, o tempo, ou simplesmente contavam casos inocentes e divertidos. Sobremesas carregadas de aromas e cores intensas. No ar, o cheiro de café torrado e moído na hora era servido encerrando um ritual quase sagrado.<br> A alegria do conviver, do compartilhar, continuava na grande sala, em cujas paredes sobressaiam os traços leves e delicados da pintura da grande artista Lourdes Antunes.<br> Sobre a lareira, uma mensagem para os donos da casa assinada pelo maior estadista que este país já teve: Juscelino Kubitschek de Oliveira. O sofá de seda cor de rosa pêssego, vasos com flores em profusão, folhagens traziam a natureza para a sala.<br> Pessoas inesquecíveis faziam parte deste universo! Pedro Veloso, com sua verve, seus ditos engraçados, pitando seu cigarrinho de palha, dizia com uma piscadela e risada maliciosa: “Quando o homem embaça os olhos, perde o brilho dos olhos, perde também a alegria de viver”.<br> Arinha, maestrina da bondade, nobreza e modéstia do ser humano, sempre cultivou a arte do bem acolher. Recebia com o coração e com aquele sorriso que era a materialização da paz. Completando este quadro, Lucizinha, Ná, Tião, Terezinha, Cristina e mais uma infinidade de amigos, afilhados, agregados.<br> No inverno acendia-se a lareira. O clima na fazenda era bem diferente de Montes Claros. Que aconchego! O calor do fogo irmanava as pessoas, solidificando amizades para o resto da vida. Ao pé da lareira se misturavam realidade e fantasia; conversas não tinham hora para terminar. Eram noites de muita alegria, risadas e comentários dos últimos romances lidos.<br> Para mim a Fazenda das Quebradas é Minas. É fogão de lenha, é o cafezinho na canequinha esmaltada, é cachaça curraleira, doces e quitandas. É cigarro de palha, fumo de rolo. É carro de boi com seu canto arrastado numa queixa sentida.<br> Uma riqueza de imagens cheias de cores, cheiros e vozes me levam à cozinha das Quebradas, onde “Sá” Joana reinava soberana. Existe coisa melhor que estar na cozinha, ao lado de um fogão aceso, desfiando conversa, escutando “causos”? A cozinha enchia-se de cheiros: doces de pêssego, goiabada, compotas diversas; doce de leite, goiabas em calda, cravo, canela. Biscoitos de receitas antigas passadas de geração em geração! Broas de milho assadas em folha de bananeira...<br> Passeios na Lapa Grande, escutar o vento cantando nas mangueiras. Em junho e julho, ver a floração das orquídeas inundando a fazenda com seu odor misterioso...<br> Imagens cristalizadas no tempo, perfeitas, intocáveis.<br> Ah! Foram tempos de vida e alegria!<br> Hoje, trago em minha memória os tons da paisagem, o cheiro de óleo de linhaça nas tábuas corridas do casarão, o perfume inebriante do pé de jasmim, a lua nascendo atrás da serra.<br> Na beleza da Fazenda das Quebradas, “eu vi a face de Deus refletida na natureza”.

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