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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: O ´FOOTING´ DA RUA QUINZE

A civilização chegou para nós, a cidade cresceu, os costumes mudaram.
Surgiram os célebres ´barzinhos´ com os quais os jovens deliram. Tudo fácil e caríssimo.
Surgiram as “paqueras´ em vez do ´flirt´ inocente (que hoje ninguém conhece) e é com muito dinheiro que se sustenta um namoro. Hoje, meus netos dizem, com a maior naturalidade: -´Para paquerar é preciso ter carro, vovó, a senhora está por fora, no dedão não dá´.
Imaginem só, sem o cheirinho de gasolina a peso de ouro, nada feito e, para começo de namoro, dizem eles, o carro é imprescindível!
Isto me deixa abismada! Sabem por quê? É que conheci a ´rua Quinze´, hoje Presidente Vargas, que era um espetáculo de beleza, alegria, agradável e deliciosa para os olhos e o coração. Era lá que começava o “flirt´, que se transformava em namoro, noivado e casamento. A ´Rua Quinze´ era a mola-mestra de todo romance daquela época.
As moças (de todas as idades) muito arrumadas, perfumadas, impecáveis nos seus vestidos vaporosos, bem trabalhados, magnificamente femininas (não se usava roupas “jeans´ nem os sapatões de borracha e lona, os tênis que masculinizam as mulheres) nos seus elegantes saltos Luiz XV, cabelos longos e boquinhas de coração, surgiam aos bandos, de todas as partes da cidade para o animado```footing`` da rua Quinze.
Desfilavam, sem pressa, alegremente para lá e para cá, da esquina do (hoje) conservatório até a esquina da rua Doutor Santos, enquanto rapazes formavam grupos maiores nos passeios, principalmente das Casas Pernambucanas, (hoje) Drogaminas, Casa Luso­Brasileira (A Brasileira) Imperial Modas, (Drogão), que eram os grandes magazines daquela época. O horário normal era das 19 às 21 horas, mas, especialmente aos domingos prolongava-se até às 22 horas, sendo que a animação chegava ao auge.
Ninguém ficava em casa, e com que ansiedade esperávamos aquele ´footing´!
Durante o dia na Escola Normal, onde estudávamos, as colegas mais espertas e fofoqueiras chegavam com as novidades, gente nova na cidade: bancários transferidos, algum viajante charmoso e bonitão, balconistas recém-chegados (alguns portugueses) para a Casa Luso-Brasileira e as Pernambucanas, que sempre traziam rapazes de fora, mais experientes, para as movimentadas lojas.
Isto era tão importante para nós, ´moças casadouras´, pois os rapazes eram raros na nossa cidade, a maioria estudava fora, de sorte que o número de mulheres predominava e estas noticias nos alvoraçavam. Sabíamos que, à noite, todos os rapazes da cidade e os forasteiros também estariam postados nos passeios, de um lado e de outro da ´rua Quinze´, ´chocando´ de olhos presos àquele atraente desfile.
Bem no meio do quarteirão onde hoje é o Edifício Jabbur, ficava o bar de Sinval Amorim, muito movimentado e um dos melhores da cidade, pois era o único que vendia sorvetes, grande novidade daquele tempo. Ali os rapazes, na maioria viajantes com ares de ´granfinos´ se assentavam em volta de mesinhas, pediam cerveja e muitas vezes até se esqueciam da bebida, tão encantados e interessados naquele desfile de moças bonitas.1
Era hora de analisá-las, fazer apreciações, comentários, comparações procurando descobrir a mais interessante, charmosa e bonita, e juro que era difícil!
E como tinha moça bonita naquela rua Quinze! Eram famosas as montes-clarenses na sua beleza simples, sem sofisticação e os artifícios de hoje (as moderninhas que me desculpem).
Contentávamos com muito pouco, e nem por isso deixávamos
de fazer as conquistas.
Nos dias de festas, célebres bailes da Escola Normal, ao som do saxofone do saudoso Tonico de Naná e o piano da inesquecível Dulce Sarmento, nós corríamos atrás das companheiras mais habilidosas que faziam nossas unhas (sem cobrar), prendiam nossos cabelos de cachinhos ou papelotes. O resto a natureza completava com os dons naturais que cada uma possuía, pois, não tínhamos salão de beleza.
Enquanto desfilávamos muito compenetradas e conscientes do sucesso (desculpe a falta de modéstia), ouvíamos de vez em quando as exclamações elogiosas do Sinval Amorim, que nas suas galanterias e enorme simplicidade, não resistindo e admirado de tanta boniteza, exclamava bem gritado:
- ´Vai ser bonita assim no inferno! Eta pedaço de muié boni­
ta, isto é até abuso da natureza´!.
Nós, lisonjeadas e contentes, continuávamos com o sorriso
nos lábios e felizes.
Qual a mulher que não gosta que ´se fale´ detalhadamente
de tudo que é bonito nela?
Tudo está tão longe! Naquele tempo tudo era imoral, até mesmo um simples toque de mão. A liberdade tolhida tornava tudo tão gostoso e o amor tinha um sabor de coisa proibida. Os olhares tinham sua grande linguagem e significação. Traduziam tanto!
A ´paquera´ era diferente de hoje, tinha outro nome e era muito difícil... levava dias, até meses para se passar do ´flirt´ ao namoro.
A rua Quinze era o ponto-chave dos encontros, era lá que rapazes e moças descobriam os eleitos do coração. Depois de se ´chocar´, de longe, tal qual ´jacaré´, mandava-se um bilhete ou um recado: ´Posso pegar o bonde?´ Isto queria dizer: poderia ele andar ao seu lado? Se a moça consentisse, ´ele´ se aproximava, todo cerimonioso e com ela descia e subia aquela doce rua, enquanto durasse o ´footing´ sob a proteção de uma colega que se prontificava a ´segurar a vela´, pois os pombinhos sozinhos, só depois de noivos e com aliança no dedo.
Quando as férias chegavam e com ela os estudantes, o movimento aumentava e a rua Quinze parecia mais uma passarela de ´misses´ num colorido bizantino de uma alegria contagiante que até os senhores mais sizudos postavam-se também, nos passeios e se entusiasmavam, esquecendo-se, muitas vezes, que já eram ´papéis queimados´...
Foi um tempo maravilhoso, e a Rua Quinze teve sua epopéia.
E o que se gastava? Nada. Às vezes, num rasgo de gentileza, o
rapaz oferecia um pacote de balas à sua eleita, que nem sempre aceitava, pois, na certa, no dia seguinte, seria ´tesourada´.
Entrar no bar do Sinval e tomar um sorvete com um rapaz só as mais ´despachadas´, pois, aquilo era considerado ´escândalo´. Às vezes morrendo de sede e com os pés formigando dentro do sapato naquela interminável caminhada, a moça com um ´muito obrigada´ punha ponto final nas pretensões de qualquer Romeu.
Foi um tempo feliz, cheio de inocência e amor!
Ninguém se preocupava tanto com as ´cifras´, a mocidade
era alegre, onde uma rua simples teve sua história, enchia e alegrava o coração de todos, e acredito que, hoje ainda, milhares de pessoas que aqui vivem lembram-se dela com lágrimas nos olhos e o coração partido de saudades!
Cidade: Montes Claros/MG
País:

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