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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: AO SOM DA SANFONA<br><br>´Cicília, meu bem<br>Cicília, meu xodó<br>Chorou para ir mais eu, <br>Êta pena, êta dó´.<br>Isto foi há muito tempo, mas ainda conservamos nos ouvidos os sons da sanfona do João Moreira e garanto que não sou eu só a saudosista, muita gente ainda se lembra, com saudades, daquelas alegres ´horas dançantes´ da casa da tia Joaquina, na rua Doutor Veloso.<br>Dava gosto ver aquela sala simples, sem nenhum adorno, cheinha de pares que movimentavam ´bem agarradinhos´, pisando com vontade no teclado da sanfona.<br>As moças e rapazes dançavam, por prazer, mesmo porque era a única maneira de se aproximarem mais e sentirem o calorzinho do bem amado... naquele tempo em que tudo era proibido, o menor toque de mão, ou no rosto, a moça ficava na ´rua da amargura´ (era assim que se referia a alguma que consentisse tal galanteio).<br>Hoje, quase ninguém gosta de dançar, não tem entusiasmo pelas valsas, pelos tangos, boleros dos anos 30. Acha isso uma ´cafonice´ e perda de tempo, pois, existem divertimentos mais interessantes e de acordo com os costumes da época.<br>Mas, juro que, para nós, não existia nada melhor do que dançar e, principalmente, com os namorados. Era bom demais!<br>Os estudantes, em férias, ficavam eufóricos à cata de distrações e, como não existiam clubes sociais nem os ´barzinhos´, a tia Joaquina franqueava sua sala aos jovens. Ela era uma pessoa maravilhosa e evoluída, e achava muito natural que se transformasse sua casa em clube. E, durante as férias, duas ou três vezes por semana, ali se realizavam os bailes.<br>Os estudantes se reuniam na ´Rua 15´ e em poucos minutos organizavam tudo: cobravam um cruzeiro dos rapazes (só para pagar o sanfoneiro) e o Hermes prevenia a tia Joaquina para por mais água no filtro (pois, era a única bebida quando o forró chegava ao auge e o suor escorria). O convite às moças era feito ali mesmo, na hora, e alegres e eufóricas descíamos, aos bandos, quase correndo para não perdermos nem uma das gostosas músicas do João Moreira.]<br>Quando escutávamos a sanfona, uma alegria enorme nos empolgava, e ninguém queria ´cozinhar peru´... Todas queriam dançar e, como dançávamos bem, dava gosto ver os pares incansáveis rodopiarem até as dez horas.<br>Do lado de fora, ajuntava muita gente nas janelas (pois, a casa não era ´recuada´) para apreciar aquela dança descontraída e, em voz alta, as pessoas faziam apreciações e comentários: a moça mais bonita, os que dançavam melhor, os mais elegantes, reparavam as ´toiletes´ das moças, e quanto mais os `pares se animavam, mais o ´sereno´ aumentava (sereno era o nome que se dava justamente a esta assistência nas portas e janelas).<br>Muitos daqueles rapazes, hoje senhores circunspetos eram ´tremendos pés-de-valsa´ e assíduos frequentadores das nossas ingênuas horas-dançantes: Ubaldino Assis, Raul Peres, Hermes de Paula (muito elegantes), Zezé Macedo (sempre fazendo piadas), Chico Pires (muito penteado), Geraldo Prates (na sua euforia, sempre com a Alice), Evandro (com a Lica a tiracolo), Waldir Bessone (em eterno amor com a Olívia), Calixto (tão feliz com a Tiana), Jacinto Fróes (muito animado), Antônio Rodrigues (bom dançarino, com a Célia), Abelard Câmara (sempre procurando seu par), João Botelho, Geraldo Brejeiro (capitão Geraldo Tito, bonitão, muito cotado com as garotas), Raley Jansen (considerado o maior pé-de­valsa), Cassimiro Tupinambá (elegantíssimo, dava um ´show´ de boas maneiras), Nenem Trindade, Chiquinho ´Milionário´, Geraldo de Epifânio (era como o chamávamos), Wilson Peres, Cândido Canela (sempre bons companheiros), e muitos outros que seria impossível enumerar.<br>As vezes o calor era insuportável e o suor escorria quando o forró chegava ao auge, e quanto mais a sanfona ´repicava´, mais os dançarinos se entusiasmavam, mas, ninguém perdia o compasso nem entregava os pontos.<br>Quando o sanfoneiro parava um pouco, só para ´esticar os dedos´ os pares se separavam e alguns mais educados tiravam do bolso um lenço branco, perfurmado, e com este a moça toda ```coquete´ limpava o suor da fronte com leves pancadinhas e devolvia ao rapaz, que o guardava como lembrança. Era muito comum o rapaz colocar entre sua mão e a do seu par um lenço para evitar transpiração.<br>Como tudo era romântico! Estas delicadezas não existem mais hoje. As mulheres, com idéias de igualarem-se aos homens, estão perdendo estas atenções, e a vida vai se tornando dura, agressiva, desaparecendo a poesia, o romantismo, o sonho, que tanto bem faz ao espírito e ao coração...<br>Era só até as 22 horas a nossa ´hora dançante´, e com tristeza ouvíamos as badaladas do relógio do antigo mercado anunciando a hora de voltarmos para casa!<br>E aí então saíamos apressadas. Alguns rapazes se ofereciam, respeitosamente, para nos acompanhar, pois, a hora era ´avançada´ para uma moça de família andar sozinha, e àquela hora as ´notivagas´, nos seus vestidos longos, exagerada pintura e cigarro na boca, começavam a transitar pelas ruas...<br>Nós ficávamos indecisas. Se aceitássemos o oferecimento do educado rapaz, corríamos o risco de tomar muito ´pito´ dos pais, e se não aceitássemos, poderíamos ser molestadas por algum bêbado ou atrevido naquelas ruas escuras...<br>O certo é que, com tudo isso, saíamos correndo felizes, com ou sem acompanhante, na certeza de que, na próxima hora-dançante, voltaríamos todas muito animadas para ´pisar´ com ´muita garra´ ao som do teclado da sanfona de João Moreira...

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