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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

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Mensagem: AS BOIADAS

No O Jornal de Montes Claros, a grande manchete: “Frigonorte começa a abater amanhã´ (maio de 1968).
Essa notícia, tão esperada e desejada pelos montesclarenses, maior parte invernistas, faz-me lembrar do passado e traz uma recordação que marcou, para sempre, minha alma infantil.
Morávamos na rua de Baixo (era como se designava a parte velha da cidade, da praça da Matriz até a rua Padre Teixeira, indo até as proximidades da Várzea, hoje praça de Esportes), e era justamente daquele lado que vinham as boiadas.
Passavam na minha rua, vindo das margens do Rio Verde e desciam até a Ponte Velha do Rio Vieira, ou subiam rua do Pedregulho, depois rua da Fábrica (hoje Cel. Prates), com destino ao Melo, onde pernoitavam em algum pasto.
Nesta época ainda não fora proibido o trânsito de boiadas pelas ruas, e eu vibrava com aquele espetáculo.
Quando as boiadas surgiam, as famílias, pressentindo o perigo, punham para dentro as crianças que brincavam na rua e aferrolhavam portas e janelas.
Mas, a curiosidade infantil tem força irresistível, e eu não me conformava. Abria uma gretinha da janela e espiava, cheia de emoção, a boiada passar.
Que espetáculo maravilhoso!
Os bois enchiam a estreita rua e iam tão apertados, raspando, nas paredes, suas ancas lustrosas e gordas, retratos da alimentação farta da região do ´colonhão´, e apressados quase correndo, muitas vezes, até passavam uns por cima dos outros. Eu tremia de susto por trás da janela quando, casualmente, um grande chifre se virava para o meu lado e uns olhos injetados olhavam-me.
Estariam me vendo? Ou era mera coincidência?
Mas, eu não queria que aquele espetáculo terminasse! Finalmente, vinham atrás vaqueiros vestidos de couro, grandes esporas reluzentes e enormes varas de ´ferrão´ manchadas de sangue.
Certa vez, aconteceu um acidente que guardo em minha lembrança. Era meio dia sob um sol de agosto, quente de fazer garatujas na vista. Eu acabara de assistir ao desfile de uma enorme boiada, toda igualzinha, vermelha, de grande fazendeiro das bandas do rio Verde.
As portas foram abertas, o perigo passara e as crianças voltaram a brincar nas calçadas com seus carrinhos de caixotes e rodinhas de ferro firmando a direção por meio de cordões e o carrinho deslisava pelo passeio de 0límpio de Abreu, que era naquele tempo o melhor daquela rua mal calçada.
De repente, surge um boi enorme, em disparada, pela rua, passa raspando a calçada, babando, todo furado, com o lombo ensangüentado, retrato da maldade dos vaqueiros com as suas enormes varas de ´ferrão´.
Conseguira escapar da boiada e do domínio dos vaqueiros e sem tempo para qualquer providência, às crianças alarmadas se encolheram e deitaram no chão, em pânico.
Eu, da janela (pois felizmente, ainda não chegara à rua), vi o boi furioso abaixar os chifres enormes e suspender o Joãozinho de Sia Flora (um pretinho de cabeça pelada e olhos muito vivos, nosso companheiro da rua de Baixo) de um só vez arrancá-lo do seu carrinho de caixote e jogá-lo longe, como se aquela criança estivesse impedindo sua fuga e fosse responsável pelas chuchadas dolorosas do seu bonito lombo.
Ouvi o grito de pavor naquele instante terrível. Pensei que tivesse sido esmagado. Voltei chorando para dentro e, rezando, prometi a Deus que, se salvasse o Joãozinho, eu nunca mais olharia as boiadas passarem...
Era enorme aquele sacrifício, mas eu o faria de todo o coração. E estava ainda ajoelhada em frente ao oratório, quando vieram chamar-me anunciando que o perigo já passara.
Fui ver o Joãozinho. Apenas alguns arranhões e, todo risonho, cara suja de terra, contava para as outras crianças boquiabertas as façanhas de um grande toureiro! Escapara por milagre!
Hoje, existe o Frigonorte. Desapareceram dos nossos olhos o espetáculo maravilhoso e empolgante das boiadas, graças às leis de trânsito.
Há muito nossos bois não desfilam pelas ruas e, quando o fazem, pobres coitados, são espremidos, em gaiolas das carretas transportadoras para os frigoríficos.
Nossas crianças não correm o risco de serem machucadas por um bonito ´boi de arribada´...
Entretanto, ironia do destino. Sumiram os bois bravos, vermelhos, brancos e pintados que tanto susto nos pregavam.
Mas, os ´monstrinhos´ da cidade civilizada surgiram velozes pelas ruas, em profusão: vermelhos, azuis, amarelos, verdes e cintilantes, dirigidos muitas vezes por irresponsáveis...
Seu número cresce cada vez mais e os desastres se sucedem e se multiplicam, matando mil vezes mais do que os inocentes bois de arribada que, de quando em vez, corriam às tontas, cortando de cima abaixo as ruas tranqüilas da cidade, nos meus tempos de criança.
Cidade: Montes Claros/MG

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