Receba as notícias do montesclaros.com pelo WhatsApp
montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.

Clique aqui para exibir os comentários


 

Os dados aqui preenchidos serão exibidos.
Todos os campos são obrigatórios

Mensagem: GAZETA DO NORTE

(Por ocasião do centenário da Imprensa de Montes Claros - julho de 1984)

Exaltando o valor destes bravos pioneiros da nossa imprensa, que lutaram para sobreviver, numa época em que tudo era Tão difícil e falho, eu não poderia me calar. Foram muitos os jornais fundados e a maioria desapareceu com o tempo, destacando-se entre eles a “Gazeta do Norte”, fundada em 1918.
Quem descesse a rua Doutor Veloso, anos atrás, desembocando na praça Doutor Chaves, veria logo à esquerda uma enorme placa: ´GAZETA DO NORTEII na fachada de uma casa colonial antiga. Hoje nem a casa existe mais.
A “Gazeta do Norte”, quando me entendi por gente, já existia, fundada pelo Dr. José Thomaz de Oliveira, um nordestino cu Ito, que trazia nas veias o estigma da coragem, inteligência, e acima de tudo, honradez.
Aqui chegando, como promotor público, novo e cheio de qualidades, não faltaram as candidatas casadoiras, mas ele se apaixonou pela Áurea, filha do tenente Joaquim Alves Sarmento.
Mas o que poderia fazer numa cidade tão pequena e longe da civilização? Queria advogar, mas o Fórum não lhe dava a mínima oportunidade.
No seu discortínio de homem civilizado e acostumado a centros maiores, compreendendo a necessidade de um porta-voz para nossa cidade, fundou em 1918 a ´Gazeta do Norte´, que foi recebida com grande entusiasmo pela população ávida de novidades e emoções. Saía uma vez por semana e durante muitos anos o fez religiosamente.
Em frente à casa antiga, um velho âmago de pau preto atravessado que servia de banco - era o célebre ´toco da Gazeta´, onde os assíduos freqüentadores discutiam política, finanças, literatura, naquelas tardes calmas em que apenas o pistão do Augustão quebrava o silêncio fazendo a chamada dos companheiros para o ensaio da Euterpe Montesclarense.
Todos os anos comemoravam, ali mesmo, o aniversário da ´Gazeta´ com uma grande ceia e a Rua de Baixo toda se movimentava para a tradicional festa. E à meia noite, ao som dos foguetes que o Marciano Fogueteiro preparava especialmente, a Euterpe executava o lindo dobrado, precisamente ensaiado, alegrando toda a Praça. Começava a ceia com o tradicional peru preparado com todo carinho por Joana Gorda, antiga e falante cozinheira da família Prates.
O Dr. José Thomaz, eufórico, corria pra lá e prá cá, desenvolvendo uma atividade enorme, escrevendo, revendo, corrigindo, atento ao pé das máquinas, pois precisava concluir o número especial do aniversário.
De repente, os brindes à aniversariante, tilintando os copos de vinho enquanto os` velhos amigos destrinchavam o peru, rasgando-lhe o peito, deixando à mostra, a farofa caprichada e fumegante. Terminada a ceia, e também a última página do jornal, saíam todos, naquela madrugada fria (esquentados pelo vinho e o estômago gulosamente forrado pelo peru) de jornal na mão, distribuindo a ´Gazeta´ aos assinantes, por baixo das portas.
Quanto lutou para mantê-lo, só Deus sabe, contra tudo e contra todos, principalmente a política ´coronelista´ que dominava nossa cidade.
Existiam, também, dois partidos inflamadíssimos, que dividiam a cidade de maneira grotesca, em dois grupos: os ´de baixo´ e os ´de cima´, ou sejam: os ´estrepes´ e os ´pelados´. Havia enorme rivalidade entre eles, e as brigas se sucediam constantemente.
Os politiqueiros enfiavam o bico em tudo, muita perseguição, desde as coisas mais simples, como o Carnaval, que é a festa de todos, até nos grandes acontecimentos sociais, como o casamento.
No Carnaval, formavam-se os ´Blocos de Cima´ e ´Blocos de Baixo´, e durante meses seus adeptos ensaiavam os cantos carnavalescos debaixo do maior sigilo. Disputavam a taça, com unhas e dentes, como se fosse um cargo presidencial.
Quanto aos casamentos, coitado do rapaz que se enamorasse da moça do outro lado. As brigas e represálias seriam fatais, proibição fechada.
Muitas vezes, surgiram casos difíceis de se resolver, quando os ´pombinhos´ cismavam de contrariar os pais. A í o caldo entornava, saía tudo errado: encontros às escondidas, serenatas em noites enluaradas, trocas de cartas apaixonadas e, finalmente, ou o romance coroava de êxito, como nos filmes de ´cow-boy´ (o herói fugindo com a mocinha) ou então um copo de veneno punha fim à tragédia.
A Gazeta, como todo jornal que se preza, tinha seu partido: era o ´de baixo´ (da oposição), e engolia sapos do seu adversário. Esta rixa política foi crescendo, crescendo com discussões, intrigas, coroando-se com o trágico episódio de 6 de fevereiro, período em que os ´de cima´ ficaram realmente por cima.
Eu era criança, morava na praça da Estação e ainda me recordo dos acontecimentos. A Estação da Central do Brasil estava repleta, e também toda a praça da Estação e a avenida Francisco Sá. Todos aguardavam ansiosos a chegada do trem especial que traria o Dr. Fernando Meio Viana, vice-presidente da República, e o Dr. Carvalho de Brito, que vinham fazer propaganda da candidatura do Dr. Júlio Prestes, sucessor do Dr. Washington Luís, e sua comitiva.
De repente, o trem apita na curva, todos se movimentam apressados, acotovelando-se, aos empurrões. A máquina pára de vez, provocando um ruído de ferros se chocando. A banda toca um dobrado, ouvem-se ´vivas´ e o Dr. Meio Viana começa seu discurso nestes termos: ´Cheguei em Montes Claros, estrada florida do sertão mineiro´ ...
E a importante comitiva, acompanhada por uma multidão, banda de música e foguetes, desce avenida abaixo, ganhando a praça Dr. João Alves.
De repente, o tiroteio, o pânico, a multidão arrastando-se pelo chão, pisoteada, outras pessoas correndo, em bandos, para todos os lados, desordenadamente, como um ´estouro de boiada´ sem saber mesmo para onde, fugindo simplesmente das balas e da morte. Ninguém sabia como começara e de onde partira tal violência.
O pior é que, naquele tempo, da estação para cima era só mato, existiam poucas ruas abertas e o povo fugia para o matagal, como louco, cainda nas barrocas.
Uma festa que começou tão bonita, terminou numa catástrofe onde perderam a vida várias pessoas, entre elas: Dr. Fleury da Rocha, secretário do Dr. Meio Viana, Dr. Moacir Dolabela e a senhora Iraci de Oliveira Novais, filha do Dr. José Thomaz.
Depois desta terrível noite e com a vitória decisiva da Revolução de 30 e da Aliança Liberal, veio o pior.
Todos viviam sobressaltados. Iniciada a Revolução, em outubro de 1930, criou-se na cidade, ´do lado de cima´, um batalhão de voluntários para preteger a cidade. Neste batalhão alistou-se muita gente boa, mas havia também homens irresponsáveis, sem escrúpulos e que se tornaram incontroláveis, desgostando seu próprio chefe, que não conseguiu dominar seus maus instintos e portanto foram apelidados, pelos adversários, de ´bate paus´ pois o que faziam realmente era espancar os adversários.
Sem nenhum motivo justo, estes eram tirados de suas camas, durante a noite, pelos ´bate paus´ e levados para locais desertos (de preferência atrás do cemitério), onde davam-lhes uma grande surra de pau, deixando-os desacordados. No dia seguinte, os parentes alarmados recolhiam-nos para os curativos e cuidados médicos e continuavam de ´bico calado´.
Não havia nenhuma proteção da polícia.
O Dr. José Thomaz, desgostoso com a morte trágica de sua filha, afastou-se da ´Gazeta´ e da cidade, entregando sua direção a seus filhos, Ari e Jair. Como políticos da oposição e indignados com os acontecimentos e as injustiças de que a cidade era palco, eles começaram a atacar, dizendo as verdades através do jornal. E foi aí que a Gazeta se transformou em mais uma vítima. Aqueles homens inescrupulosos resolveram empastelar o jornal. E quando, pela manhã, descia para a Escola Normal, qual não foi meu espanto! No local onde o jornal funcionava, havia apenas uma fogueira. Queimaram seus arquivos, arrebentaram as máquinas e até a casa sofreu danos.
Foi uma tristeza na cidade. Toda a população se revoltou, mas ninguém podia fazer nada. A oposição não tinha vez.
Ficamos sem a ´Gazeta´ e o espetáculo triste daquela casa danificada ficou muito tempo naquela praça como um marco de protesto e revolta contra a prepotência e a maldade dos homens. Durante uns tempos o Jair guardou no coração a mágoa como uma ferida cancerosa a queimar-lhe o peito. Os tempos mudaram, e os políticos também, e o Jair pôde mais tarde reerguer a ´Gazeta´ e, com grande orgulho, a fez funcionar em prédio próprio, por muitos anos, proporcionando a esta cidade a certeza de possuir um jornal 100 por cento honesto.
Com a morte repentina de Jair, morreu também a ´Gazeta´.
Sem Jair, para que viver? E ela se foi para sempre, deixando nos corações de quem acompanhou sua trajetória, a lembrança que o tempo jamais conseguirá apagar.

Preencha os campos abaixo
Seu nome:
E-mail:
Cidade/UF: /
Comentário:

Trocar letras
Digite as letras que aparecem na imagem acima