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Mensagem: O mastro de ontem à noite, de Nossa Senhora do Rosário, e o desfile, na manhã de hoje, do Reinado, confirmaram que as Festas de Agosto de Montes Claros, realizadas comprovadamente desde 1846, apresentam este ano um viço jamais visto, um degrau acima.<br><br>Todavia, muito provavelmente ficou para a parte menos visível da festa, ou menos acompanhada, o lance de maior emoção. <br><br>Quem viu o desfile chegar à praça Dr. Carlos, por volta das 11h de hoje, talvez não tenha percebido um homem de cabelos brancos encaracolados, com cerca de 60 anos, avançar determinado e arrebatar a bandeira dos caboclinhos, que este ano, mais do que em qualquer outro, apresentam-se de maneira esmerada.<br><br>O Homem chama-se Joaquim Poló, é pedreiro de profissão. <br><br>Há cerca de 40 dias, um rude diagnóstico médico apontou-lhe severa doença, para a qual será operado nos próximos dias. <br><br>A notícia, somada è enfermidade progressiva, tomou-lhe de imediato 12 quilos do corpo já franzino e longamente esgotado no trabalho. <br><br>Ele temeu pelo grupo de caboclinhos, sob seu comando há anos, o único da cidade, e peregrinou por médicos e hospitais, mas refez-se há três dias para não deixar de comparecer à festa chefiando os caboclinhos, meninos e meninas, e suas vozes de anjo.<br><br>Ontem à noite, sob a ação de remédios para a dor, ele acompanhou o mastro de Nossa Senhora, da sede dos Catopês, nos Morrinhos, até a igreja do Rosário. <br><br>Sem abater-se e sem se cansar. Infatigável, corrigindo, ensinando, o violino puxado ao peito analfabeto. Magro no corpo, ignorou a enfermidade e cumpriu a programação.<br><br>Hoje cedo, amanheceu ligeiro e renovado para o compromisso seguinte. Deixou a praça do Automóvel Clube com a mesma disposição. <br><br>Pela tradição, marujos e caboclinhos, no desfile, deixam as evoluções e o ritmo dos tambores quase sempre por conta dos três ternos de Catopês, que evoluem, cantam e cantam, chamando o povo aos exercícios de fé.<br><br>Marujos, manda a tradição, vão em silêncio, em fila indiana, com seus belos trajes. Caboclinhos assuntam, cheios de respeitoso olhar.<br><br>Quando entraram na antiga praça Dr. Carlos, na parte final do desfile, uma força arrebatou Joaquim Poló. <br><br>Ele gesticulava, ensinando a evolução aos porta-bandeiras, mas decidiu, num ímpeto, assumir o posto e evolucionar, ele mesmo.<br><br>Os que sabem do seu delicado estado de saúde, que ele não esconde de ninguém, entreolharam-se diante da reserva de forças que conseguiu ajuntar e exibir, num bailado próprio que há tempos não fazia, nem era visto por ninguém.<br><br>Foi a primeira grande emoção. O mistério.<br><br>A seguinte, viria já dentro da igreja do Rosário, quando os aplausos do caminho haviam cessado, quando Catopés, Marujos e Caboclinhos dançam quase sempre só para eles – Catopês, Marujos e Caboclinhos – e para a sua ilimitada fé. <br><br>O público mais grosso havia se retirado. Ficaram os de sempre.<br><br>Numa cadeira de rodas chegou o carpinteiro ´Senhor´, mestre de telhados e de catopés. <br><br>Está privado do movimento dos pés e das mãos, desde que, trabalhando na roça, despencou-se de um viaduto sobre a via férrea, fugindo do ataque de uma vaca. <br><br>Entrou chorando, silenciosamente, pela segunda vez nos últimos anos. <br><br>Foi envolvido por todos, que o abraçavam, e alguns com ele choraram. <br><br>Terminada a missa do padre-catopê, João Batista Lopes, os marujos, chamados por sua vez ao rito particular, foram em busca do catopê na cadeira de rodas, e a colocaram na frente do altar, diante de todos. <br><br>Então, o novato mestre de marujos Tim, que assumiu no lugar do pai Nenzinho, morto há dias, tendo ao lado o seu filho menino, aprendiz do ofício, discípulo dele, do avô e do bisavô, mestre Tim ordenou que começasse a cantoria, na sua estréia como mestre titular, por sucessão.<br><br>Os marujos obedeceram cerimoniosamente, e cantaram: - ´Lá no céu tem um castelo, lá no céu tem um castelo, quem fez foi o Rei da Glória...´ <br><br>Senhor Catopê, que já chorava, ainda tentou disciplinar a emoção. <br><br>Inútil.<br><br>Um marujo, depois outro, todos o envolveram na música, e cantaram, cantaram, enquanto o mestre, com o filho ao lado, na melhor tradição discipular, enxugava as lágrimas do catopê. <br><br>Quem viu, viu também que naquele instante as paredes da pequenina igreja se desfizeram diante do gesto demorado, longo, cerimonioso, como se mesmo fosse uma embarcação navegando a céu aberto, marujos no convés cuidando do catopê ferido.<br><br>(O ritual, improvisado, foi repetido por todos os demais ternos, até que o último deixou a igreja do Rosário, hoje por volta das 13h30m. Acontecido em M. Claros, nas Festas de Agosto, em 16 de agosto de 2007).
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