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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Lembranças dos Catopês de 2007.<br>O começo é pela música de dona Dulce Sarmento. Os Ipês Amarelos avisam que os Catopés vão chegar. E roxos ficam já de saudades do Catopê.<br><br>Lembro-me que mestre Expedito, do único terno de São Benedito, o mais humilde, por isto mesmo o primeiro entre todos, desfaleceu duas vezes. Uma dentro da igrejinha do Rosário; a outra, a caminho dela. Mestre Joaquim Poló, da Caboclada, o socorreu com o Buscopan que trazia para aliviar a dor do mal, tenaz, que o persegue, e do qual será operado em breves dias (se receber a devida e merecida assistência). Metade dos Caboclinhos ou é de filhos, ou é de netos, ou de parentes de Joaquim Poló, inclusive o menino que é a ´Cacicona´, extraordinariamente simpático. Poló, mestre também de Pastorinhas e das Folias, no Natal. É preciso segurá-lo com força, todos. Se partir, Montes Claros ficará dolorosamente mais pobre. (Ainda assim, dá o Buscopan da sua dor para o Catopê desfalecido pela dor menor).<br><br>Lembro-me da última apresentação, sábado, dos Marujos, agora chefiados pelo patrão Tim, substituto do pai Nenzinho. Já entraram na igreja chorando. Lágrimas só, sem rumor de escândalo. Quem chorou mais foi o filho de Tim, menino de oito ou nove anos, que no futuro substituirá o pai, que substituiu o avô, que substituiu o bisavô... sempre assim, há quase duzentos anos. Na roupa do menino, estampados, a foto e um nome – VOVÔ!<br><br>Lembro-me que perdi a imperdível cena dos Marujos cantando no cemitério, ao sol do meio-dia. Na sepultura do mestre, que partiu há pouco.<br><br>Lembro-me de que, pelos caminhos, havia pessoas chorando; copiosamente, vendo passar um filme.<br><br>Lembro-me da mãe e do filho da mãe. Eram três. O pai – de Conceição do Serro, hoje Conceição do Mato Dentro, terra de Zé aparecido – conheceu a mãe na Bahia e, já os três, vieram morar em Montes Claros. Na identidade, consta que ele, o filho, tem 54 anos, meu colega. Na vida real, mente de apenas quatro. A mãe o governa, plena. Vivem apenas os dois. Sair uma vez por ano com os Catopês é o sumo glorioso de suas vidas. A mãe diz – levanta, e ele levanta; a mãe diz ajoelha – ele ajoelha. A mãe está suficientemente velha e o veterano Catopê, noutro mundo vivendo, sequer cogita do que será dele o dia em que não puder dela ouvir as ordens, de rara doçura e absurda cumplicidade. Moram no Renascença. Comove a história dos três, hoje dois, e o único destino de Ser Catopê. Eternamente Catopê.<br><br>Lembro-me que o pombo Roy anunciou, urbi et orbi, que beberia no sábado pelo amigo que sem aviso partiu. Bebeu. Bebi com ele<br><br>Lembro-me, e como me lembrarei, de que os marujos estreitaram o Catopê que a vaca fez despencar do viaduto. Cantaram, cantaram, cantaram -, e todos os outros os seguiram. Uns limpando as lágrimas dos outros. Em silêncio de reclamação nenhuma. O catopê ´Senhor´ – paralisado nas mãos e nas pernas – sacudindo os braços para acompanhar a música. <br><br>Lembro-me que a praça Dr. João Alves, a do tiroteio de dona Tiburtina, página da história do Brasil, manchete de O Globo, do Rio, por 30 dias corridos, a praça estava repleta, apinhada, na manhã de quinta, sexta e sábado. Todos falando com os catopês. Tirando fotos lá deles, abraçando, rindo, infinita admiração e camaradagem. Montes Claros profunda, acordada. Reacordada.<br><br>Lembro-me dos Catopês a caminho, acendendo fogo com velhos papéis da estrada, para afinar o som. No caso, o som do despojado tambor, que chamam de tamborim, de caixa, de instrumento. Diminuto no tamanho, infinito para abrir a caixa de lembranças.<br><br>Lembro-me que, este ano, ninguém superou a caboclada em beleza, no trinado também. Querem matar Joaquim Pólo, de saudade quem sabe. Cantaram uma música em que falam de um pica-pau, bateram as mãos assim, olharam com a ponta dos olhos, riram da mamãe-vovó bonita, de olhos verdes como os de Manoel Quatrocentos, professora de contar história para os meninos, nascida na Lontra. Ficaram de cantar a Trança do Cipó e, se cantaram, lá eu não estava. Ouvi, assim mesmo.<br><br>Lembro-me, sem compreender, que todos partem quando os Catopês, Marujos e Caboclinhos entram no ritual próprio deles. Se soubessem, não partiriam. Os tambores estrondam, e ainda assim soluçam, quando o mestre João Faria e seu irmão Tonão, no meio do cerimonial, ordenam que se ajoelhem todos. De cabeça baixa, as penas de pavão fazendo 90 graus com o chão, eles repetem, de joelhos: “Deus te Salve Casa Santa, onde Deus fez a Morada, onde mora o Cálice Bento e a Hóstia Consagrada”. É difícil agüentar. Um filme surge na cabeça de todos, particular. Momento solene. O mais alto. <br><br>(Muito poucos sabem o que significa. Quando quiseram enfim conhecer a alma infinita da festa, aguardem este momento. É raro, contundente. Para os iniciados, apenas).<br><br>Lembro-me do Catopezinho, de chupeta.<br><br>Lembro-me da Carmelita Descalça, de grande rigor na roupa, nela rebuçada severamente, por completo, acompanhando os Catopês, fugindo das fotos. De si, expunha apenas os olhos, mas os olhos revelavam o puro encanto de quem escapou da clausura e das laudes apenas para ver os Catopês. Não me atrevi, nada perguntei. Seus olhos falavam, tanto quanto a vontade de nada falar. Que venha, todos os anos. Esperaremos.<br><br>Lembro-me de Rubinho, cansado das meias-luas, doido para asilar-se no primeiro boteco. E de Ucho, explodindo de alegria e de calor, no frio, ensinando ao filho aquilo que os Catopês autênticos ensinam aos seus, mas que também podemos aprender. Todos podem.<br><br>Lembro-me do carroceiro Tonão. Aquele que, todo dia, com o suor da jornada, compra comida para a família e milho para o burro. Quando o ganhame escasseia, compra apenas o milho para o burro, de quem depende o sustento de todos. E todos compreendem porque o burro come, e eles não.<br><br>Lembro-me de Zanza, mestre geral, operado há oito dias. Pôs mola no coração e foi chefiar sua festa.<br><br>Lembro-me de Zezé Colares chegando à igrejinha, ela que levou a toada dos Catopés ao mundo inteiro, mundo que de pé bateu palmas para os Catopês.<br><br>De tudo me lembro. <br><br>Eu me lembrarei de tudo, eternamente, pois M. Claros volta no escasso espaço de quatro dias quando retornam os Catopês. Ouça-os, cantar ao coração. <br><br>(O estoque é suficiente para esperar a próxima florada, o rebroto dos Catopês. Entre o Ipê Amarelo e o Ipê Roxo. O que chama, e o que deles se despede. Amém.)<br><br> ***<br>Nas fotos, mestre Joaquim Poló - mesmo enfermo - ensina a caboclada a empunhar a Bandeira.

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