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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

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Mensagem: A menina que amava os catopês, marujos e caboclinhos

“Agosto chega com a ventania”. Na Praça do Papa a meninada solta pipas e araras coloridas. O céu de um azul profundo é um mar de todas as cores.
As memórias vivas moram em nós e aparecem de repente trazendo dias da infância. O vento traz os sons dos tambores, caixas e rabecas das Festas de Agosto. O coração errante atende o chamado do vento e pousa na cidade do Sertão. A menina se vê entre fitas, penas e máscaras, em meio a estandartes, azul, rosa e vermelho empunhados com fé e orgulho por mãos calejadas em trabalhos pesados.
Momentos da infância relampejaram em sua mente, momentos que se transformaram na alegria de acompanhar os catopês, admirar a precisão e graciosidade da Trança do Cipó dos caboclinhos e a marujada exaltando os marinheiros portugueses.
A cidade ficava em polvorosa com as Festas de Agosto. Não ficava ninguém em casa. Quem estava triste se alegrava, quem estava com as pernas fracas se fortalecia e se dirigia para a Igreja do Rosário. A cidadezinha monótona se transformava. As pessoas que moravam nela pareciam mais felizes. O sol dava a impressão de estar mais forte e brilhante do que nunca. Nas residências vizinhas ao largo do Rosário, as famílias não tinham sossego. Era um tal de pedir água, pedir licença para ir ao banheiro. A cordialidade e a confiança regiam os relacionamentos e a casa era aberta a quem necessitasse.
A Igrejinha do Rosário era cheia de luz, cheia de graça, cheia de flores, toda clara, inundada de sol. Tudo respirava encantamento!
A menina sentada na soleira da casa esperava a passagem dos catopês, marujos e caboclinhos. O encantamento maior era para os catopês e suas fitas coloridas presas num capacete oco que usavam na cabeça onde eram colocados também espelhos, contas e miçangas. Todo ano a mãe fazia um vestido novo para a menina acompanhar os ternos de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo. Vestir essa roupa nova era uma compensação para amenizar a inveja e a frustração da menina, que todo o ano sonhava em ser a rainha ou a imperatriz e nunca foi... A menina está tristonha, pois sabe que não existe a menor possibilidade de realizar esse sonho. Tenho vontade de dar colo para ela. Acredito que essa frustração foi a primeira dor de sua infância. O sino repica sonorizando um dia de muitas emoções. A beleza da manhã faz a menina esquecer suas dores. O vento, a luz dourada de Agosto, o céu sem uma nuvem. Tudo tão íntimo, tão aconchegante, tão lindo! Ao escutar a cantoria: Deus vos salve casa santa/ onde Deus fez a morada/ onde mora o cálice bento/ e a hóstia consagrada. E a hóstia consagrada, a alegria retorna ao seu coração e lá vai feliz da vida encontrar com suas amigas. O dia está ensolarado demais para tristezas. Vou acompanhar essa menina a um tempo que parou, quem sabe reencontrarei o coração ingênuo da infância e nele surpreender de volta alguma coisa conhecida como esperança?
O dia dá lugar a noite. Está na hora do levantamento do mastro. Um céu lindo, estrelado era a testemunha da felicidade daquele povo simples, enquanto uma brisa leve, gostosa, passava levantando os cabelos e provocando arrepios. Hoje é o Mastro de São Benedito. A menina está cansada, mas, como mora perto da Igreja emenda o dia com a noite. Não pode perder um segundo da festa. Mas, o que é bom dura pouco. A festa acabou, até para o ano que vem. Lembro-me novamente do poeta universal: E agora/ a festa acabou/ a luz apagou/ o povo sumiu/ a noite esfriou...
Os olhos de criança da menina, aquele olhar mágico da infância que via tudo grande, passados tantos anos, ainda consegue recuperar pela memória dos sentidos as sensações que experimentou nas Festas de Agosto. O sol abrasador, a ventania levantando a poeira das ruas não calçadas, o cheiro de algodão doce, do amendoim torrado, a pipoca vendida em sacos de papel rosa, os doces servidos nas casas dos festeiros.
O mundo está mudando tão rápido, as tradições sendo derrubadas com tanta convicção que ao manter as Festas de Agosto, a cidade dos Montes Claros fortalece sua alma. O Montes-Clarense tem sensibilidade: É corajoso, musical, alegre e sabe poetar a vida cultivando sua cultura.


Carmen Netto Victória
Agosto de 2007.


Esta crônica é (in memorian) para o historiador Hermes de Paula que não deixou as Festas de Agosto acabarem.

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