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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 22 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Memórias da Minha Infância Parte VII<br><br>VOVÔ PACÍFICO<br><br>Vovô mergulhou minha infância na natureza. Mostrou-me a semente, o plantio, o cultivo e o fruto. O doce e o amargo. O bicho e a goiaba. Vovô me fez terra, minhoca, ovo e galinha. Ele me fez abelha, pólen e mel. Ensinou-me agasalhar enxames, formar colméias, colher o mel e a cera, conhecer o zangão e a rainha. Mostrou-me a vida operária. Fez-me sentir o orvalho e a luzes matinais. Perceber o frio na entrada do sol. Ensinou-me fazer fogo e apagar fogueiras. Achar água limpa, o remanso, o sossego, as sombras e os frescores. Apontou-me o beija-flor sedutor e a flor seduzida. Despertou-me para o vôo gaguejado das borboletas, para os dribles das andorinhas, para os trinados dos chapinhas, para o pedreiro João de Barro, para a reza dos sabiás. Mostrou-me como ensinar o assobiático hino ao sofrê, cuidar do guatis e dos mãos-lisas, descascar cana e colher amoras, roer pequi e encontrar sua castanha, juntar tanajuras e colocá-las para brigar, focar no piscar do tiché das éguas quando estas urinam, tratar dos arreios e o arriar, trotar cavalos e bicicletas, construir bilboquês e manivelas, criar e soltar pipas, deduar bilóias e olhos de boi na terra molhada, diferenciar cobras domésticas das peçonhentas, retirar o veneno e brincar com a serpente em bolsos e chapéus, gostar de lanternas, facas e canivetes, construir aratacas, armadilhas, ceveiros, visgos, bodoques, arapucas e estilingues.<br>Lembro-me do dia em que vi pela primeira vez um passarim canário ser pego numa armadilha. Cedo vi Vovô colher o bambu e o arame. Com o alicate, mediu, moldou e edificou o alçapão. Percebi ali o desejo, o afinco, a concepção, o planejamento, o foco, a construção, a espera e o desfecho. A materialização do sonhado. Vi Vovô preparar o laço, a armadilha e a canjica. Transformar o canário em vítima da própria fome.<br>Isto tudo aconteceu no decorrer de um dia. Assisti e ajudei com os olhos toda aquela operação. Menino de quatro a cinco anos, calado, atento - aprendiz. Quando vi e ouvi o plá do desarme do alçapão, não acreditei, explodi, gritei, gritei, corri, corri por todos os lados e ao redor do amarelim armadilhado. Estava em descontrole, excitado, desparafusado. Vovô me pegou, me levantou e me sacudiu por um par de vezes, dizendo: Menino! Menino!!! Calei-me estatelado. Cai na real. Ali, Vovô ensinou-me que eu poderia interferir na vida, no mundo. Percebi, garoto, que não deveria ser apenas platéia, mas coadjuvante e protagonista da vida.<br>Meu Avô tinha todo o tempo do mundo com a gente. Vivíamos em torno dele.<br>Educou-me em pessoas. Mostrou-me quem é vagabundo, ativo, ladino, preguiçoso e trabalhador.<br>- Este aí, Ave Maria, você pode desistir, olha o jeito de caminhar, parece que está escorando;<br>- Presta não, sinta a mão lisa. Este tem ojeriza de serviço pesado;<br>- Quem muito mostra os dentes quer morder;<br>- Todo criador de canário de briga é boa gente. Pode confiar;<br>- Cabo de enxada para aquele ali, só serve para dar de mamar;<br>- Olha no meu olho, seu merda, tá escondendo o quê?;<br>_ Não arrodeia não, vá direto ao assunto!;<br>Além de instruir-me em conhecer gente, ensinou-me a viver, perceber e apreciar o longo do dia: o espreguiçar, o acordar, o vermelhar do horizonte, o desamarelar do sol, os cantos dos bichinhos, o pru-ru-ru-ru ti-ti-ti às galinhas, o colher dos ovos, o choco e o chocar, a tratar das gaiolas dos passarinhos, o apartar dos camaradas na distribuição dos serviços, o leite e a espuma no curral, o cheiro de estrume e das tortas, o pear e o despear do rabo e do bezerro na vaca, a cura das bicheiras, a mansidão em devolver em aboio o gado para o pasto, a prosa com os peões escorados nas enxadas, o percorrer a cavalo os cantos e as cercas, a conversa séria dos porquês de tudo, e também dos “é porque é”, o lavar as mãos para a refeição quentinha e sustançosa, o melado com farinha e mandioca, o repouso depois do almoço, o despertar do cafezinho, a vistoria vespertina nos serviços, a colheita das frutas para dar e acarinhar as pessoas, o bater do feijão e o debulhar do milho, os ensinamentos e as brincadeiras com os cachorros, a espera terna da vinda de Vovó do Dnocs, a prosa dos dois, sem compromissos e cobranças, o poente entardecer, o recolher e o empoleirar dos bichos, a temperança dos jogos de paciência, na espera de Titavo e Dindinha chegarem para o buraco, a moleza e o cansaço tomando conta do corpo, o sono de mansinho amolecendo a gente, e o “tá na hora de ir pra cama.” Boa noite, cambada!”<br><br>Bença Vô,<br><br>Bença Vó...

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