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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 22 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Penitência, única solução

Ruth Tupinambá Graça

Em nossa cidade houve uma época em que a penitência era única solução, tornando-se um hábito entre as famílias. Por qualquer motivo fazia-se uma penitência, a começar pela nossa religião. Qualquer “pecadinho” cometido, inocentemente, o padre lascava uma “daquelas”, então quem cometia aqueles “pecados cabeludos” fugia do confessionário como o capeta da cruz.
A propósito de tudo lá vinham as penitências: para conseguir bons negócios, para achar um objeto perdido, para abrandar o “calundu” do marido, para se fazer boa viagem, acertar na loteria e as solteironas agarravam-se as penitências para conseguir um marido.
Sempre houve seca em nossa região. A penitência para chover era a mais comum e acontecia todos os anos. Dr. Hermes de Paula, no seu livro, nos descreve minuciosamente os ciclos de seca e miséria que aconteceram de tempos em tempos e que se perderam na memória dos tempos.
Nós os montes-clarenses de hoje, nunca poderemos calcular o que foi o sertão no tempo dos nossos avós. O que hoje orgulhosamente, chamamos de sertão era chamado de desertão.
Em 1889 não choveu uma gota. O sol abrasador torrava as tenras plantações que brotavam com a força intrínseca das sementes.
Montes Claros tornou-se o palco da miséria e da fome. Quando apareceram, por aqui, os primeiros retirantes vindos das bandas da Bahia, à procura de emprego, a fome brotava de todos os lados. Crianças e adultos esfarrapados percorriam as ruas de nossa cidade, de porta em porta implorando comida e agasalho. Foi um ano difícil, o verdadeiro ano de fome. Algumas pessoas mais caridosas procuravam amenizar o problema, inclusive o meu avô Cassimiro Xavier de Mendonça, armava trempes no seu grande quintal, em panelões enormes fazia comida, abria os portões e deixava entrar aqueles infelizes famintos. A cidade sofria, de tempos em tempos, esta crise de seca e fome.
Na década de trinta, aconteceu seca semelhante, eu me lembro. A chuva não vinha, o sol estorricava sem piedade, pastos não existiam mais. As roças de milhos, feijão, algodão e arroz já perdidas. Os fazendeiros lastimava-se pelo dinheiro e tempo perdidos. Os animais com pernas fracas e barrigas murchas, zanzavam pelos pastos à procura de um raminho verde. O céu permanecia azul, limpo, sem o menor sinal de chuva.
De vez em quando uma notícia triste: o Rio Verde (região de grandes fazendas) já cortou e os fazendeiros estão desesperados. Seu Manoel José já perdeu vinte cabeças de gado. Seu Chiquinho Veriato despachou seus bois para as bandas do São Francisco, procurando as vazantes. Seu Filomeno e Dr. Plínio Ribeiro, seu Athaydinho, Carlos Sapé, Antônio Athayde, os Miranda, os Rocha, João Figueiredo, os Dias, grandes fazendeiros de regiões privilegiadas (reis do gado) estão em desespero com a falta de chuvas.
Os sitiantes mais próximos da cidade: da Malhada de Santos Reis, dos Bois, do Pequi, das melancias, Pedro Mendonça, Chico Peres, João Maurício, João Salgado e outros, já não podem mais fornecer o leito a população.
Das bandas da Bahia, chegava gente todos os dias, imigrantes com destino a São Paulo (nessa época era a terra prometida), à espera de um passe, dormindo embaixo de marquises da E.F.C.B. na mais profunda promiscuidade. Quando chegavam os vagões, aqueles pobres desesperados queriam embarcar de qualquer jeito e se aglomeravam em torno dos agenciadores, disputando desesperadamente um passe, e se embarcavam como animais amontoados. Os que sobravam sofriam pacientemente, perambulando pelas ruas, aguardando a próxima chegada dos vagões. Era a única esperança. Tudo isto piorava a vida da nossa cidade. A chuva não vinha, as lavouras perdiam, os pastos secavam, o leite diminuía cada vez mais, o dinheiro circulava menos ainda, e a população entrava em pânico.
Que fazer? O jeito era apelar para o Bom Jesus e extremamente religiosos consultaram o padre da paróquia, que nesta época era o saudoso Padre Marcos. Ele, não sabendo como resolver tão grave problema, optou para o mais fácil: façamos penitência, pedindo a Deus que tenha compaixão de nós e nos mande chuva. Estava decidido. Acompanhados pelo Padre, as famílias, inclusive crianças, saíam do Largo da Matriz, em procissão, levando jarras com água, percorrendo toda a cidade, molhando os cruzeiros.
Algumas pessoas carregavam pedras, tornando mais sofrida a penitência. Em todos os largos (naquele tempo chamava-se Largo o que hoje é Praça), e eram muitos: Largo de São Sebastião, Largo de São João, do Rosário, do Dr. João Alves, da Santa Casa e outros. Em todos haviam cruzeiros.
Rezavam continuamente o terço, jogavam água nos cruzeiros e faziam a troca das pedras, deixando as que traziam, apanhando outras que seriam colocadas em outros cruzeiros, durante a peregrinação.
Enquanto o padre jogava água benta, benzendo os cruzeiros, entocávamos cantos em voz alta:
“Senhor Deus, misericórdia
Misericórdia Senhor
Dê-nos chuva que nos molha
Dê-nos pão que nos consola
Porque somos pecadores,
Morreremos todos de fome.

Pequei, Senhor pequei
Tende misericórdia de nós pecadores
Dê-nos chuva que nos molhe
Dê-nos pão que nos console...”
Parece incrível, mas o certo é que, muitas vezes, quando a procissão retornava à Igreja da Matriz (ponto de partida) grossos pingos de chuva caíam refrescando aquelas cabeças desesperadas. Todos se sentiam felizes, voltando para casa, acreditando que suas preces chegariam aos céus e seriam ouvidos.
E agora, será que a penitência é o nosso único recurso? Agora (já entrando no 3º milênio), será a nossa solução?
Não desesperemos. Não vamos atrás de Padre, mas sim dos “governantes” e aguardemos a solução.
Véspera de eleição... tudo é possível.
Cidade: Montes Claros/MG

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