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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 21 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Montes Claros era assim:
LOTEAMENTO DO CEMITÉRIO
J. Prates

Há muito tempo, não posso dizer quanto porque não sei, em Montes Claros, norte de Minas, havia ao lado do terreno onde hoje é a Catedral, o cemitério da cidade. Obviamente, não era o centro da cidade, como é hoje. Devia ser um lugar quase fora, distante, como convém aos cemitérios. Pelo tamanho do campo e o tempo de atividade, pode-se deduzir que muitos corpos foram enterrados ali, tanto de famílias ricas quanto de famílias pobres, porque era o único. A cidade foi crescendo, o progresso foi chegando com a estrada de ferro, e com a estação ferroviária nasceu a Avenida Francisco Sá com casas modernas – modernas para a época - e nela instalou-se a primeira Igreja dos protestantes, com seus alto-falantes ruidosos; pensões de todo jeito surgiram para receber nordestino a caminho de São Paulo, que chegava a pé ou de caminhão, que ainda não era “pau de arara”. Chamavam de caminhão de retirantes, um pouco mais respeitoso.
A cidade foi se chegando para a ferrovia e o cemitério foi ficando mais perto. O jeito foi procurar outro lugar. E isto foi feito. Com a inauguração de um cemitério novo, distante do centro, desativou-se aquele. Foi construída a Catedral, bela, imponente, com suas torres altas dominando toda cidade. Isto por volta de 1949. Com o correr do tempo, os muros do cemitério velho foram caindo, os carneiros quebrando, outros sendo retiradas com a remoção de ossadas, e não tardou para que pouca coisa restasse que lembrasse um cemitério, além dos muitos ossos ainda ali enterrados e as “visões” que, segundo contam, de vez em quando apareciam aos que ali passavam nas noites escuras.
Na gestão de D. Antônio de Almeida Morais Junior, terceiro ou quarto Bispo da Diocese, não sei se dele ou encampada por ele, mais ou menos em 1950, surgiu a idéia de lotear e vender para construção civil, a área do velho cemitério. Por algum tempo, a idéia ficou entre as paredes do palácio episcopal, depois vazou e tomou conta da cidade. As opiniões eram as mais diversas: muitos contra, muitos a favor. No meio intelectual, surgiram os contra como o dr. Plínio Ribeiro, Geraldo Ataíde, dr. Orestes Barbosa; a favor Darcy Ribeiro, dr. Mario e dr. João Luiz. Como jornalista, fiquei no meio. Em cima do muro, como se diz hoje. Entre esses dois grupos, teve inicio, então, a grande polêmica com artigos a favor, publicados no Jornal de Montes Claros e os contra na Gazeta do Norte. Dos contra, o dr. Plínio era o mais veemente; a favor era o dr. João Luiz. Por sugestão do dr. Orestes, comecei a entrevistar gente do povo, de preferência os mais velhos. Uma espécie de pesquisa de opinião. As respostas ao que era perguntado eram interessantes e deixavam patente o respeito pelos mortos. Lembro-me de uma senhora que cheia de revolta, falava contra o loteamento. Perguntei-lhe por que era contra? Na sua simplicidade, ela respondeu que seu marido estava enterrado ali. Seus ossos estavam lá. “Dizem que vão construir casas – disse ela – Se vai ter casa de morada vai ter privada. E as privadas não vão ficar em cima dos ossos? Isso é falta de respeito. Sou contra”.
Ao final, prevaleceu o critério da Diocese. O velho cemitério foi loteado e as primeiras casas foram construídas. Hoje, não sei como está, porque há muitos anos não vou ali. Mas do velho cemitério só deve existir a lembrança dos mais velhos que tiveram algum parente ou amigo nele enterrado e hoje, como disse a mulher entrevistada, está debaixo das privadas.

(J. Prates foi repórter de ´O Jornal de Montes Claros´, no seu começo, na década de 50. Hoje, mora em Nilópolis, Rio)

(José Prates é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Como tal, percorreu os cinco continentes em 20 anos embarcado. Residiu em Montes Claros, de 1945 a 1958, quando foi removido para o Rio de Janeiro, onde reside com a família. É funcionário ativo da Vale do Rio Doce, estando atualmente adido ao Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante, onde é um dos diretores)

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