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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 21 de setembro de 2024
 

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Mensagem: O FAIR-PLAY DE MOACIR E O GOL DE LADO

Num domingo, à tarde, em 1955, nos meus dez anos, fui ao Estádio João Rebello, com meu tio Hermindo Pinto. Na preliminar vi um lance do qual nunca me esqueço. Moacir, grande “Moaça”, popular e querido motorista de táxi, jogava na ponta direita, acho que pelo time do Ferroviário, contra o aspirante do Ateneu. Estava endiabrado naquele dia. Ninguém conseguia barrar suas inteligentes jogadas. Um beque, Márcio, desesperado, estando Moacir próximo ao alambrado, resolveu dar-lhe uma cacetada para intimidá-lo. Moacir, sempre elegante, recebeu a pelota próximo à lateral do campo, em frente à torcida. O beque voou rasteiro, em sua direção. Aquilo não era um carrinho, era uma tesoura voadora. Moacir, então, tocou levemente a bola por debaixo do corpo do zagueiro e saltou para um dos lados, não sendo atingido. O atlético corpo do zagueiro, ainda submisso às leis da navegação aérea rasante, transpôs a linha do gramado e chocou-se contra o bloco de cimento que sustentava o alambrado. Quando todos esperavam que o garboso atacante retomasse o domínio da esfera e fosse à linha de fundo para cruzá-la para a área – inacreditável – ele simplesmente parou-a na grama, com um dos pés, deu uns três passos para trás, virou-se, estendeu uma das mãos ao adversário e o ajudou a levantar-se, murmurando-lhe algo. Só depois disso retornou ao gramado, passou os dedos em seu vasto bigode, sorriu para a torcida, aproximou-se da pelota e prosseguiu a jogada. Que cavalheirismo! Que bela demonstração de espírito esportivo! Que bela cena, digna de registro por câmaras cinematográficas, sob a direção de um Federico Fellini! Muitos anos depois, já adulto e amigo de “Moaça”, perguntei-lhe o que dissera ao beque:
— Bala, falei pra ele que tomasse cuidado porque, daquele jeito, poderia quebrar um braço ou uma perna.
No jogo de fundo, nessa mesma tarde, vi, ainda, um dos gols mais inteligentes do futebol brasileiro. A partida era entre o time principal do Ateneu e o do Tiradentes. Lado era um dos ídolos do Ateneu. Como jogava futebol aquele rapaz que, na minha infância, conheci engraxando sapatos na Praça Dr. Carlos! Sua mobilidade, bilateral, era incrível, o que enlouquecia os beques que o marcavam, porque eles nunca sabiam para qual lado do gramado ele optaria por fazer uma jogada. Alto e forte, batia na pelota com os dois pés, com idêntico esmero e arte. Seus passes eram perfeitos, milimétricos. Suas arrancadas arrasadoras. Seus chutes extremamente fortes e certeiros. Suas cabeçadas fulminantes. Foi um dos melhores e mais raçudos centroavantes que já vi em campo. Pois bem, Lado era amigo do goleiro adversário, que se chamava Joaquim. Respeitavam-se muito, fora das quatro linhas. A pugna, muito disputada, estava empatada e em seus minutos finais. O ponta-direita do Ateneu, salvo engano meu querido amigo Cardoso, o Tone Budóia, ou Budoínha, cruzou uma bola da linha de fundo e Joaquim, bem preparado, subiu muito mais que os beques de seu time e os atacantes adversários, agarrando-a no ar como um pássaro, soberano, de forma magistral, aliviando o perigo que rondava sua meta. O normal, depois desse tipo de lance, num jogo de futebol, é os beques e os atacantes saírem imediatamente da grande área para deixarem o guardião dar seqüência à partida. O que aconteceu, então? Lado, matreiramente, nas proximidades, atrás de dois beques do Tiradentes, a uns dez metros da bola, diz ao goleiro:
— Joaquim, o juiz marcou falta minha em você.
Joaquim certamente supôs não ter ouvido o apito do árbitro e, muito disciplinado, acreditando naquela palavra amiga, pôs a bola no chão e afastou-se dela uns cinco metros para bater a falta. Lado, como um raio, passou pelos dois beques, antecipou-se ao goleiro e tocou a pelota para o fundo das redes. A bola estava em jogo e ele não estava impedido. O que fazer, então, “seu” juiz, a não ser confirmar o gol? O que se deu, após breve reflexão do árbitro, acho que nosso querido Zuza, debaixo de intensa vibração da torcida do Ateneu que, por mais de um minuto, gritava, em coro: Lado! Lado! Lado!
Em julho de 2007, decorridos mais de 50 anos do fato, tive a alegria de me encontrar com Lado, sadio e bem de vida, no Café Galo, feliz ponto de encontro dos moquenhos. Relembramos, dentre muitos outros, esse seu gol de placa.
É, meus caros leitores, o fair-play de Moacir e a esperteza de Lado são daquelas coisas que só acontecem em minha aldeia que, segundo me dizem, desde a infância, “tem umas coisas que outras terras não têm”.

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