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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 27 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 19)

MONTES CLAROS NO PASSADO

Montes Claros, nos meus tempos de criança, era uma cidade de muita fartura. As famílias faziam a feira aos sábados, no Mercado da Praça Dr. Carlos. Havia de tudo que era necessário, com abundância. Feijão novo, de rega e das águas, arroz pilado com esmero, queijos frescos e curados, requeijões, açúcar de cor, rapaduras alvas, duras e cerentas, farinha de mandioca e de milho, verduras, frutas, ovos, carnes de porco, de boi e de caças, toucinho, enfim de tudo. As pessoas andavam a pé, tudo ficava perto. Ao se encontrarem as pessoas paravam, conversavam. Não havia filas para nada. As casas de comércio tinham o movimento necessário para se manterem. O pão era distribuído todas as manhãs pelas padarias, que os deixavam nas janelas da freguesia.
Hoje compreendo que as ambições se situavam ao nível das possibilidades.
Contavam-se nos dedos as poucas famílias que podiam ser consideradas ricas. Aos valores de hoje seriam, no máximo, remediadas.
Ganhava-se pouco mas os custos eram baixos e os costumes valorizavam a sobriedade. Vestia-se com simplicidade. As crianças andavam descalças, sem qualquer constrangimento, mesmo porque todos andavam assim. Em verdade nós éramos pobres e não sabíamos. Nem que éramos pobres nem que éramos felizes.
Nossa felicidade não nos deixava perceber que éramos pobres.

QUANDO CHEGUEI A MONTES CLAROS

Os fazendeiros e os donos de lojas eram considerados as pessoas mais ricas da cidade.
Mas ninguém se envergonhava de ser pobre e viver com parcimônia. Não havia emulação para o enriquecimento. Nem invejas. O custo de vida era baixíssimo. Vestir roupas remendadas, porém limpas, era usual. Consumismo era palavra desconhecida. A economia, no sentido de poupança, era um costume arraigado em todas as consciências. Os provérbios mais popularizados e invocados eram os que premiavam a poupança: “de grão em grão a galinha enche o papo”. “Vintém poupado, vintém ganhado”. “Quem guarda sempre tem”. “Não há fartura que não traga miséria”. “Mais vale um pássaro na mão que dois voando”. “Quem dá o que tem a pedir vem”. “Pai rico, filho nobre, neto pobre”.
Os artigos eletrodomésticos não haviam sido inventados. Uma residência habitualmente se compunha de sala de fora, sala de dentro, cozinha, despensa e quartos de dormir. E uma privada no quintal. O banho se tomava em bacias grandes, no quarto da pessoa, com água aquecida nos fogões à lenha.
Como entretenimento, havia geralmente nas residências um papagaio, passarinhos, cachorros, gatos, violão, sanfona, baralhos, tabuleiro de damas, às vezes uma tabela e sacola de pedras para víspora. E galinhas e porcos no quintal.
Famílias mais organizadas costumavam ter um “Chernoviz” com descrição de doenças e indicação de tratamento, Dicionário Prático Ilustrado, de Jayme Seguiér, termômetro, alguns romances de Alexandre Dumas, Victor Hugo, José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e outros poucos.
Em toda residência havia um oratório, com os santos da devoção da dona da casa, frente ao qual, de joelhos, fazia suas orações.
As donas de casa utilizavam remédios caseiros e benzeduras.
Havia horários mais ou menos generalizados - café da manhã entre 6/7 horas; almoço entre 10/11 horas; “café de meio dia” entre 14/15 horas; jantar entre 17/18 horas. Hora de recolher por volta de 21 horas.
Havia o hábito da ida ao mercado todas as manhãs.
Parava-se pouco em casa. As ruas eram onde mais se vivia. As pessoas se encontravam. As famílias, após o jantar e a arrumação da cozinha, colocavam cadeiras à porta da rua, formando grupos que cresciam com a chegada de vizinhos e passantes que se sentavam para um dedo de prosa, no qual se comentavam as ocorrências, contavam-se casos, falava-se de doenças e remédios, das novidades da capital, de planos de futuro. As rodas iam aos poucos se desfazendo, naturalmente, antes que o sereno, àquele tempo muito temido, pudesse trazer algum resfriado ou agravar velhas bronquites e asmas.

EM PIRAPORA

Em 1928, eu e o Vicente meu irmão fomos fazer o 4º ano primário em Pirapora.
As aulas eram na parte da manhã. Às tardes nós as passávamos no Rio São Francisco, nadando e pescando.
Nosso pai soube disso e arranjou ocupação para nós. O Vicente foi trabalhar na seção de varejo do Trapiche do Norte, da família Nascimento, e eu na Tipografia Nascimento, pertencente à mesma família.
A princípio nós éramos mensalistas no Hotel Maia. Quando o hotel entrou em obras de reformas mudamo-nos para a Pensão Lobo, quase em frente ao Grupo Escolar, único da cidade.
As aulas iam das 7 às 11 horas da manhã.
Eu vinha para a pensão, almoçava, e às 12 horas entrava no serviço.
Gostei muito. Era um mundo novo de máquinas, tintas, graxas, caixas de tipos, ferramentas e muito barulho.
Nosso serviço era pago por produção, tendo cada serviço seu preço tabelado. Eu trabalhava mais na distribuição, que era o desfazimento das chapas já utilizadas na impressão, antes lavando-as com querosene para retirar a tinta que se grudava aos tipos. A distribuição dos tipos se fazia em suas caixas e nichos respectivos, com o maior cuidado para não misturar os tipos nem trocar os seus nichos.
Fazia parte também de minhas atribuições o cozimento dos rolos da máquina impressora, endurecidos pelo uso e que periodicamente eram cozidos em fornalha a lenha, no quintal da tipografia.
O salário era pago por peça. E alcançava, em média, 15 mil reis por mês, correspondendo a 1/10 do salário mínimo de um adulto.
Com cerca de 3 meses de serviço, já bastante prático e desembaraçado em meu trabalho, ganhei uma caixinha para confeccionar 100 cartões de visitas.
Foi um luxo.
Esmerei. Com a ajuda do gerente na escolha dos tipos e dos dizeres, de repente eu estava com 100 cartões de visitas onde se lia: [veja fac-símile acima]

Na minha primeira ida a Várzea, após a confecção dos cartões, exibia-os com alegria e orgulho a meus pais e a meus irmãos. E tive uma idéia. Vou mandar um cartão desses a meu tio Basílio, em Montes Claros.
O tio Basílio era também meu padrinho e eu havia passado um ano e meio em casa dele, terminando o 2o ano primário e fazendo o terceiro.
Eu era o ajudante dele, todos os sábados, quando íamos ao Mercado Municipal fazer a feira da semana.
Ele fazia as compras e eu o transporte das mercadorias.
Pensava: meu tio vai ficar abismado com o meu progresso.
A resposta do meu tio, que era um homem muito gozador, veio numa carta do Antônio, filho dele, meu companheiro de escola. Dizia assim:
- Meu pai recebeu seu cartão. Mandou dizer a você que tipógrafo não vale “coisa” nenhuma. Imagine auxiliar de tipógrafo ...

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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