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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 24 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Irmã Beata e seus anjos

Ruth Tupinambá Graça

Irmã Beatriz (carinhosamente a chamávamos Irmã Beata) nasceu em Batton na Holanda a 20 de Janeiro de 1880. Deixou todo o conforto das grandes cidades do seu pais, trocando-as pelo nosso abandonado sertão.
O seu bondoso coração gritou mais alto sabendo das necessidades e sofrimentos principalmente dos pobres da nossa terra, dando sua assistência como enfermeira na Casa de Caridade, criada pelo Governador da Província sob o decreto n° 1776 de 21/12/1871, com verbas conseguidas pelo Dr. Carlos Versiani e o Deputado Justino Câmara.
Infelizmente não existia um patrimônio próprio, a Instituição sem recursos, para socorrer desvalidos, era sustentada por pequenas quotas consignadas nos orçamentos Provinciais. O povo também colaborava por intermédio da Sociedade Religiosa Nossa Senhora das Mercês a qual era responsável por todos os negócios e direção da Instituição.
A Casa de Caridade era apenas um casarão(localizada na praça hoje Dr. Carlos) sem nenhum recurso. Faltavam aparelhos cirúrgicos, enfermeiras, remédios leito e alimentação. A cozinha á lenha, era a mais rudimentar possível, com vasilhames escassos. A falta de água canalizada tornava-se difícil a limpeza geral do hospital e as roupas eram lavadas em bacias e ferventadas em grandes calderões.
A partir de 1887 a vida da Casa de Caridade foi uma verdadeira “novela”, enfrentando obstáculos políticos, sociais, religiosos e financeiros, sobrevivendo por milagre.
Em 1903 a Casa de Caridade mudou-se para o fim da Av. Cel Prates (Av. Estrela na época) ocupando 3 chalés antigos.
O 1° médico da cidade e o1° diretor clínico da Instituição foi Dr. Carlos Versiani trabalhando 58 anos (quase sem remuneração). Por sua morte foi substituído por Dr. Honorato Alves.
Em 1908 Daniel Costa, talvez o maior benfeitor da Casa de Caridade, deixando em testamento, todos os seus bens para esta Instituição e pobres da nossa cidade. Com a valorização dos imóveis, a situação, financeira desta Casa melhorou e também as suas instalações e atendimentos.
A partir de 1911 (época da sua chagada a M. Claros) Irmã Beata assumiu a direção da Santa Casa permanecendo até 1951 (quando faleceu) trabalhando incansavelmente, atendendo ricos e pobres com o mesmo carinho e paciência. Quase todos os montesclarenses, que hoje estão formados e realizados, comerciantes, industriais e fazendeiros, enfim, pais de família, passaram por suas mãos.
Ela passava noites inteiras á cabeceira de doentes e no dia seguinte continuava no “batente”, lutando para salvar vidas, que viam nela sua última esperança. Era uma verdadeira Santa, como disse o Dr. Luiz Pires em seu depoimento: -“Ela tinha capacidade para resolver todos os problemas da Santa Casa quase sozinha”. Ele confessou (quando foi provedor) que ficava assustado; ele não conseguia resolver um “problemão daqueles” e pacientemente ela dizia-lhe: -“Não fique preocupado Pirezinho, Deus vai resolver.”.
E as soluções sempre vinham satisfatórias.
Naquela época existiam médicos parteiros, o encontro com a “cegonha” era missão das parteiras e elas atendiam nossa comunidade e o município.
No final da década de 30, chegaram em nossa cidade os primeiros médicos parteiros: Dr. Alfel de Quadros, Dr. Hermes de Paula, Dr. Pedro Santos, Dr. Aroldo Tourinho, recém-formados. Mas a preferência era ainda Irmã Beata. Não só pela confiança e segurança que ela inspirava, pela pratica, carinho e paciência, mas também pelo constrangimento e inibição que as mulheres (daquele tempo) sentiam ao enfrentar um médico parteiro.
O parto era difícil e doloroso. Horas intermináveis, sem analgesia, numa cama patente comum, desconfortável. Não existia sala especial, mas com a presença da Irmã Beata, todas as pacientes se sentiam tranqüilas. Ela não se afastava um minuto siquér, pacientemente esperava, com fé em Deus, a chagada do bebê, confiada na resistência da mãe e nas reações do próprio organismo.
E o milagre acontecia! O bebê nascia realmente. Não se fazia cesariana (naquela época) em nossa cidade.
Seus olhos brilhavam de alegria e segurando-o ainda sujinho de sangue e exclamava: ”É mais um anjinho que Deus me mandou!”.
Cortava o umbigo, fazia curativo enquanto o bebê esguelava! Dava banho ali mesmo, arrumava-o todo cheirozinho, colocando-o ao lado da mamãe, que era só felicidade.
A chegada do nenê era uma grande festa! O pai vinha (depois de horas de aflição, fumando se parar) todo contente e curioso para conhecer o “herdeiro” e os irmãozinhos chegavam, desconfiados, querendo ver o nenê que a cegonha trouxera para a mamãe.
E ali, naquele quartinho sem luxo, a felicidade estava presente.
Durante o dia o bebê permanecia ao lado da mãe, recebendo as visitas de praxe. Como não existia berçário, a noite Irmã Beata levava-o para seu quarto, para a mamãe dormir tranqüila. Isto era maravilhoso! Saber que seu filho estava protegido pelas mais santas mãos.
No dia seguinte, depois do café, ela aparecia no quarto, com aquele sorriso constante dizendo: “Está aqui o seu filhinho, procedeu como um anjo, mas agora ele quer mamar.”.
Apesar das dificuldades da Santa Casa as pacientes eram tratadas como princesas. A comida caprichada e leve; pirão de frango e variada, tudo com muito cuidado para não “quebrar o resguardo”. No café da manhã e no lanche, biscoitinhos caseiros deliciosos (feitos por Irmã Beata) e a noite um chasinho de canela para recuperar as forças.
Com tamanha mordomia, a mamãe não tinha pressa em sair e se esbaldava 8 a 10 dias. Quanto ao pagamento (nada estipulado) ficava á critério do cliente que dava o que podia,ou queria.
Este tratamento era para todas as pacientes, sem distinção de classe ou de cor.
Devemos louvar, agradecer e bendizer aqueles pioneiros desta grande Instituição, que no passado trabalhavam tanto para que ela crescesse e se transformasse neste Hospital que é hoje: Irmandade Nossa Senhora das Nercês, uma potência em todas as áreas da medicina, com aparelhamento mais modernos, assistência médica com um atendimento para ninguém botar defeito.
Pena que a Irmã Beata, que tanto lutou, não esteja aqui hoje para ver o seu sonho realizado.
Há muito ela se foi. Está no céu. Os anjos devem entoar.-lhe lindos cantos e rodeada por eles, fazendo jus ao que ela fez aqui na terra, durante toda sua vida: salvando vidas e recebendo anjos, os lindos anjos de nossa terra!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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