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Mensagem: Irmã Beata e seus anjos Ruth Tupinambá GraçaIrmã Beatriz (carinhosamente a chamávamos Irmã Beata) nasceu em Batton na Holanda a 20 de Janeiro de 1880. Deixou todo o conforto das grandes cidades do seu pais, trocando-as pelo nosso abandonado sertão.O seu bondoso coração gritou mais alto sabendo das necessidades e sofrimentos principalmente dos pobres da nossa terra, dando sua assistência como enfermeira na Casa de Caridade, criada pelo Governador da Província sob o decreto n° 1776 de 21/12/1871, com verbas conseguidas pelo Dr. Carlos Versiani e o Deputado Justino Câmara.Infelizmente não existia um patrimônio próprio, a Instituição sem recursos, para socorrer desvalidos, era sustentada por pequenas quotas consignadas nos orçamentos Provinciais. O povo também colaborava por intermédio da Sociedade Religiosa Nossa Senhora das Mercês a qual era responsável por todos os negócios e direção da Instituição.A Casa de Caridade era apenas um casarão(localizada na praça hoje Dr. Carlos) sem nenhum recurso. Faltavam aparelhos cirúrgicos, enfermeiras, remédios leito e alimentação. A cozinha á lenha, era a mais rudimentar possível, com vasilhames escassos. A falta de água canalizada tornava-se difícil a limpeza geral do hospital e as roupas eram lavadas em bacias e ferventadas em grandes calderões.A partir de 1887 a vida da Casa de Caridade foi uma verdadeira “novela”, enfrentando obstáculos políticos, sociais, religiosos e financeiros, sobrevivendo por milagre.Em 1903 a Casa de Caridade mudou-se para o fim da Av. Cel Prates (Av. Estrela na época) ocupando 3 chalés antigos.O 1° médico da cidade e o1° diretor clínico da Instituição foi Dr. Carlos Versiani trabalhando 58 anos (quase sem remuneração). Por sua morte foi substituído por Dr. Honorato Alves.Em 1908 Daniel Costa, talvez o maior benfeitor da Casa de Caridade, deixando em testamento, todos os seus bens para esta Instituição e pobres da nossa cidade. Com a valorização dos imóveis, a situação, financeira desta Casa melhorou e também as suas instalações e atendimentos.A partir de 1911 (época da sua chagada a M. Claros) Irmã Beata assumiu a direção da Santa Casa permanecendo até 1951 (quando faleceu) trabalhando incansavelmente, atendendo ricos e pobres com o mesmo carinho e paciência. Quase todos os montesclarenses, que hoje estão formados e realizados, comerciantes, industriais e fazendeiros, enfim, pais de família, passaram por suas mãos.Ela passava noites inteiras á cabeceira de doentes e no dia seguinte continuava no “batente”, lutando para salvar vidas, que viam nela sua última esperança. Era uma verdadeira Santa, como disse o Dr. Luiz Pires em seu depoimento: -“Ela tinha capacidade para resolver todos os problemas da Santa Casa quase sozinha”. Ele confessou (quando foi provedor) que ficava assustado; ele não conseguia resolver um “problemão daqueles” e pacientemente ela dizia-lhe: -“Não fique preocupado Pirezinho, Deus vai resolver.”.E as soluções sempre vinham satisfatórias.Naquela época existiam médicos parteiros, o encontro com a “cegonha” era missão das parteiras e elas atendiam nossa comunidade e o município.No final da década de 30, chegaram em nossa cidade os primeiros médicos parteiros: Dr. Alfel de Quadros, Dr. Hermes de Paula, Dr. Pedro Santos, Dr. Aroldo Tourinho, recém-formados. Mas a preferência era ainda Irmã Beata. Não só pela confiança e segurança que ela inspirava, pela pratica, carinho e paciência, mas também pelo constrangimento e inibição que as mulheres (daquele tempo) sentiam ao enfrentar um médico parteiro.O parto era difícil e doloroso. Horas intermináveis, sem analgesia, numa cama patente comum, desconfortável. Não existia sala especial, mas com a presença da Irmã Beata, todas as pacientes se sentiam tranqüilas. Ela não se afastava um minuto siquér, pacientemente esperava, com fé em Deus, a chagada do bebê, confiada na resistência da mãe e nas reações do próprio organismo.E o milagre acontecia! O bebê nascia realmente. Não se fazia cesariana (naquela época) em nossa cidade.Seus olhos brilhavam de alegria e segurando-o ainda sujinho de sangue e exclamava: ”É mais um anjinho que Deus me mandou!”.Cortava o umbigo, fazia curativo enquanto o bebê esguelava! Dava banho ali mesmo, arrumava-o todo cheirozinho, colocando-o ao lado da mamãe, que era só felicidade.A chegada do nenê era uma grande festa! O pai vinha (depois de horas de aflição, fumando se parar) todo contente e curioso para conhecer o “herdeiro” e os irmãozinhos chegavam, desconfiados, querendo ver o nenê que a cegonha trouxera para a mamãe.E ali, naquele quartinho sem luxo, a felicidade estava presente.Durante o dia o bebê permanecia ao lado da mãe, recebendo as visitas de praxe. Como não existia berçário, a noite Irmã Beata levava-o para seu quarto, para a mamãe dormir tranqüila. Isto era maravilhoso! Saber que seu filho estava protegido pelas mais santas mãos.No dia seguinte, depois do café, ela aparecia no quarto, com aquele sorriso constante dizendo: “Está aqui o seu filhinho, procedeu como um anjo, mas agora ele quer mamar.”.Apesar das dificuldades da Santa Casa as pacientes eram tratadas como princesas. A comida caprichada e leve; pirão de frango e variada, tudo com muito cuidado para não “quebrar o resguardo”. No café da manhã e no lanche, biscoitinhos caseiros deliciosos (feitos por Irmã Beata) e a noite um chasinho de canela para recuperar as forças.Com tamanha mordomia, a mamãe não tinha pressa em sair e se esbaldava 8 a 10 dias. Quanto ao pagamento (nada estipulado) ficava á critério do cliente que dava o que podia,ou queria.Este tratamento era para todas as pacientes, sem distinção de classe ou de cor.Devemos louvar, agradecer e bendizer aqueles pioneiros desta grande Instituição, que no passado trabalhavam tanto para que ela crescesse e se transformasse neste Hospital que é hoje: Irmandade Nossa Senhora das Nercês, uma potência em todas as áreas da medicina, com aparelhamento mais modernos, assistência médica com um atendimento para ninguém botar defeito.Pena que a Irmã Beata, que tanto lutou, não esteja aqui hoje para ver o seu sonho realizado.Há muito ela se foi. Está no céu. Os anjos devem entoar.-lhe lindos cantos e rodeada por eles, fazendo jus ao que ela fez aqui na terra, durante toda sua vida: salvando vidas e recebendo anjos, os lindos anjos de nossa terra!(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).
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