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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 18 de setembro de 2024
 

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Mensagem: O linguajar barranqueiro O homem ribeirinho, das margens do rio São Francisco, isolado durante mais de um século do contato direto com o litoral, inteiramente divorciados do resto do País (da Conjuração do São Francisco de 1736 ao início da navegação a vapor ocorrido em 1852), manteve em seu vocabulário muitas palavras hoje em desuso no resto do País, porém, com seu preciso significado etimológico. Outras tantas padeceram de alterações morfológicas pelo uso. Durante alguns anos, tenho estudado o linguajar são-franciscano nos meus contatos com o povo barranqueiro, quer como agrimensor, quer como advogado. São mais de 3.000 vocábulos catalogados, que registrei no meu “Dicionário Barranqueiro”, ainda inédito, e que tem Prefácio de José Luiz Rodrigues. Palavras há que conservam a forma do português arcaico, em desuso até mesmo em Portugal, como benção (oxítona) em lugar de bênção (paroxítona) e coresma, em lugar de quaresma, entre outras. O barranqueiro diz menhã em vez de manhã, somana (sumana), em lugar de semana, guaiaba, em lugar de goiaba, vocábulos que guardam a grafia anterior ao metaplasmo por dissimilação vocálica. Ele usa a palavra gado, que significa um conjunto de rezes bovinas, para indicar um único animal: um gado. Por um processo hipocorístico de simplificação o barranqueiro diz cosca em lugar de cócegas, toá em vez de tauá e outras. É ingênito ao falar do homem ribeirinho o uso de aumentativos, como estradona, escurão, bandão, mundão, rião, etc. O ribeirinho diz pé de manga ou pé de laranja, em lugar de mangueira ou laranjeira. A hipértese é igualmente comum. Assim, o barranqueiro diz champrão em vez de pranchão. É comum o uso do verbo procurar no sentido de perguntar. Usa-se como advérbio a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo andar: andou que cai - quase cai. Em situações outras, as palavras mantêm a grafia, mas, por uma evolução semântica inconsciente, com significado diverso do de outras regiões, equivalência muitas vezes não registrada nos dicionários comuns, como, por exemplo: acesso, ingresso, chegada, aproximação, que tem no Vale a acepção de convulsão, síncope, ataque epiléptico; açoitar, que significa bater, fustigar, para o ribeirinho tem o sentido de tanger longe, arremessar; barrear, atravessar com barras, guarnecer com barras, traduz no Vale o romper do dia, a aurora; remeter, mandar, enviar, expedir, nas barrancas do rio das águas morenas é chifrar, agredir com os chifres; picarro, famoso, notável, no Vale é a trava fixa do cabeçalho do carro de bois; pensar, que tem o significado de fazer reflexões, refletir, raciocinar, para o barranqueiro é aplicação local de remédio em ferida; delatar, denunciar alguém como autor de um crime, no Vale é demorar, retardar. O verbete coita, que significa desgraça, aflição, mágoa ou raiva, vem do português arcaico, encontrado nos cancioneiros do Século XII. O advérbio asinha, no sentido de abreviar, andar com pressa é ainda usado pelo ribeirinho do São Francisco. As palavras entonce e arribar e algumas outras vieram para o Vale como marca do espanhol, esbagaçar traz a influência açoriana, guardada no correr dos anos e cipó, tauá, tapera, entre outras, vieram do tupi. O emprego de rudo ou ruda (biforme), como usado por Camões e outros quinhentistas, em lugar de rude (uniforme) está presente no Vale. Também usado por José de Alencar: “Iracema está apoiada no tronco rudo, que serve de esteio”. O Dicionário do mestre Aurélio Buarque de Hollanda, registra, a partir da 11ª edição, alguns arcaísmos e alguns brasileirismos (arcaísmos preservados). Excluído o estudo do Dialeto Caipira, efetuado por Amadeu Amaral, publicado em 1920, nenhum estudo de vulto foi realizado com o objetivo de definir os falares brasileiros, apesar da divisão de Antenor Nascentes. O falar são-franciscano, pela sua cadência, se inscreveria no Grupo do Norte, mas suas características especiais o distingue do falar nordestino, não se encaixando nos falares do chamado Grupo do Sul. Nas Instruções baixadas em 1943, a Academia Brasileira de Letras determinou a inclusão no Vocabulário Ortográfico dos brasileirismos, estrangeirismos e neologismos de uso corrente no Brasil, consagrados pelo uso. Contudo, estamos certos de que o enriquecimento léxico do português falado nas diversas regiões brasileiras, pelo contato com novas culturas e novas línguas, não se constitui numa evolução capaz de regionalizar o idioma. Embora seja um admirador e um estudioso da obra de Guimarães Rosa, não aponto os neologismos criados pelo imortal acadêmico, apesar de o Grande Sertão ficar encravado no vale do Velho Chico, porque não são, à evidência, de uso do homem ribeirinho. Não foram canonizados pelo uso.

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