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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A “Doce Vida” Dos Antigos Fazendeiros

Ruth Tupinambá Graça

Até os anos 90 (mais ou menos) a classe dos fazendeiros era uma das mais importantes da nossa cidade. Eram muito ricos, possuidores de enormes extensões de terra, e grandes invernistas. Ainda me lembro de alguns dos mais antigos: Crispim da Rocha, Antônio Athayde, Niquim Teixeira, Geraldo Figueiredo, Elpidio da Rocha, Levindo Dias, Jaime Rebelo Levi Peres, Dominguinhos Braga, Nozinho Colares, Mauro Moreira, Ylidio do Reis, Renato de Andrade, D. Plínio e Filomeno Ribeiro, Pedro e Geraldo Veloso, Cesário Rocha e outros. Levavam uma vida tranqüila e despreocupada. Não existia esta correria atrás dos Bancos como hoje a luta com os cartões de crédito, perseguição de “SPC”, cheque sem fundo, etc.
O fazendeiro tinha uma vida invejável, descansando-se nas imprescindíveis redes, nas varandas de suas fazendas, enquanto os bois se engordavam nos extensos pastos. Ia às fazendas periodicamente para verificar como estava a criação, ferrar os novos bezerros, conferir o controle do leite para fornecimento da Cooperativa da nossa cidade. Esperava tranquilamente a “safra” para vender seus bois por melhores preços. Os “marchantes” vinham periodicamente e os negócios eram feitos na camaradagem, sem muitas exigências, tudo na base da palavra, pois naquele tempo existiam pessoas muito honestas, que um “fio de barba valia como um documento”.
Recebiam os amigos com alegria e logo mandavam “sapecar” uma leitoa, “degolar” um frango caipira para um ensopado com quiabo, e um anguzinho de milho verde e não faltava a “pinga”, fabricação própria, por processos rudimentares. E era aquele “almoção”. Mais tarde (lá pelas 15 horas) hora da “merenda” como diziam, uma mesa farta com café com leite, chá, broa de fubá, requeijão quente, biscoito de fubá, pão de queijo, biscoito frito, etc.
Muitas vezes participei deste “banquete”, pois meu pai era Agrimensor (media as fazendas e separava os cobiçados quinhões) e quando ele chegava era aquela adulação.
Naquele tempo o desejo de quase todo Montesclarence era ser fazendeiro, de sorte que os filhos eram criados com aquela idéia e cedo aprendiam andar à cavalo, acompanhar os “peões” nas tarefas com animais, ganhando experiências para o futuro. Os pais se sentiam realizados e orgulhosos quando os filhos se interessavam pela vida do campo e todos desejavam um genro fazendeiro. Mas este tempo bom passou. Com o crescimento da cidade e as propostas do governo com a “Linha de Crédito” nos bancos para outras áreas da agricultura. Oferecimento de projetos (facilidade de verbas) para plantação de bananas e outras frutas, com auxílio dos “pivôs” para facilitar a irrigação, máquinas apropriadas para a lavoura.
Foi um entusiasmo geral. A maioria dos fazendeiros aceitos as propostas. Alguns passaram as responsabilidades para os filhos que já se achavam entrosadas na vida do campo. Outros (desconfiados com tanta oferta) não aceitaram se recusaram. Continuaram na “vidinha tranqüila”.
No princípio, houve um grande sucesso, as plantações iam de “vento em poupa...”
Mas o nosso pobre sertão, às vezes, nos decepciona. A seca é terrível, a chuva cai na terra por milagre... As plantações sofrem sede e as pragas se encarregavam de castigá-las.
Muitos fazendeiros preocupados com os compromissos bancários, ao poucos, foram se desanimando com a perda de tempo e dinheiro.
Os mais antigos se decepcionaram e a vida já não era a mesma. Os filhos não tiveram a mesma capacidade dos pais, o mesmo “jogo de cintura” de velhos experientes. Foram atirados, afoitos e precipitados nos negócios (foram com muita sede ao pote) e os prejuízos aconteceram.
A falta de braços também piorou a situação. Não existem mais aqueles empregados fieis ao patrão, dedicados que trabalhavam muito e ganhavam pouco, mas eram agarrados a terra.
Hoje o pensamento do trabalhador rural é outro. O pessoal do campo vive entusiasmado com o oferecimento do governo (bolsa de estudos, bolsa família, vale gás), e aos poucos foi se deslocando pra cidade procurando uma vida melhore para suas famílias. Tudo isto concorreu para o enfraquecimento das antigas fazendas.
Hoje aqueles grandes fazendeiros citados acima já não mais existem. Nem os seus filhos e netos continuaram o mesmo trabalho dos pais.
Muitos venderam as fazendas herdadas para as “grandes firmas” (de outras cidades e outros estados) e tornaram-se comerciantes ou empresários. Outros tantos herdeiros, loteavam as fazendas mais próximas transformando-as em bairros nobres como o melo, São Luiz, Ibituruna, etc.
Os mais persistentes e os mais amigos do campo, continuavam com as plantações de banana, magas, maracujás, mas as fazendas transformadas em firmas e empresas, sujeitas a exportação que não é fácil e trabalhando muito.
Estão satisfeitos, mas andam assustados (medo do enfarte) estressados e preocupados com a queda do dólar, as propostas enganosas, cheques sem fundos, a inflação que aumenta dia a dia (por mais que Lula tenta disfarça e acalma os brasileiros) tudo isto lhes tirando o sono... e adeus “doce vida dos antigos fazendeiros”.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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