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Mensagem: 24/05/10 - 10h12 - Com fome e sede, cachorro ´Faraó´ aguardava seu dono (já morto) em porta de hospital de M. Claros Em homenagem a este cachorro Faraó, em homenagem à história que o liga a um personagem da cidade, morador de bairro popular, alcoólatra, segundo alguns, mas amigo do seu amigo, peço que publiquem o poema abaixo. Ele voa da minha infância, para ilustrar como os animais são capazes de gestos de extrema ternura, que às vezes faltam aos humanos. Por favor, se alguém mais souber de detalhes do caso de ´Faraó´ e de seu dono, chamado Diguila, por favor conte estas histórias para nós. Estamos vivendo um tempo em que é preciso aprender mais com a Natureza, e os animais são parte essencial deste ensino, desta ternura infinda, que nos faz muita falta. Agora, a poesia, que emociona e engasga: História D`um Cão Por Luis Guimarães Eu tive um cão. Chamava-se Veludo; Magro, asqueroso, revoltante, imundo; Para dizer numa palavra tudo Foi o mais feio cão que houve no mundo. Recebi-o das mãos d`um camarada Na hora da partida. O cão gemendo Não me queria acompanhar por nada : Enfim - mau grado seu - o vim trazendo. O meu amigo cabisbaixo, mudo, Olhava-o ... o sol nas ondas se abismava ... ´Adeus´ - me disse -, e ao afagar Veludo Nos olhos seus o pranto borbulhava. ´Trata-o bem. Verás como rasteiro Te indicará os mais sutis perigos; Adeus ! E que este amigo verdadeiro Te console no mundo ermo de amigos.´ Veludo a custo habituou-se à vida Que o destino de novo lhe escolhera; Sua rugosa pálpebra sentida Chorava o antigo dono que perdera. Nas longas noites de luar brilhante, Febril, convulso, trêmulo, agitando A sua cauda - caminhava errante À luz da lua - tristemente uivando. Toussenel, Figuier e a lista imensa Dos modernos zoológicos doutores Dizem que o cão é um animal que pensa : Talvez tenham razão estes senhores. Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio, Cinco meses depois, do meu amigo Um envelope fartamente cheio : Era uma carta. Carta ! Era um artigo Contendo a narração miúda e exata Da travessia. Dava-me importantes Notícias do Brasil e de la Plata Falava em rios, árvores gigantes : Gabava o ´steamer´ que o levou; dizia Que ia tentar inúmeras empresas : Contava-me também que a bordo havia Mulheres joviais - todas francesas. Assombrava-se muito da ligeira Moralidade que encontrou a bordo : Citava o caso duma passageira ... Mil cousas mais do que me não recordo. Finalmente, por baixo disso tudo Em nota bene do melhor cursivo Recomendava o pobre do Veludo Pedindo a Deus que o conservasse vivo. Enquanto eu lia, o cão tranqüilo e atento Me contemplava, e - creia que é verdade - Vi, comovido, vi nesse momento Seus olhos gotejarem de saudade. Depois lambeu-me as mãos humildemente, Estendeu-se a meus pés silencioso Movendo a cauda - e adormeceu contente Farto d`um puro e satisfeito gozo. Passou-se o tempo. Finalmente um dia Vi-me livre daquele companheiro; Para nada Veludo me servia, Dei-o à mulher d`um velho carvoeiro. E respirei ! ´Graças a Deus ! Já posso´ Dizia eu ´viver neste bom mundo Sem Ter que dar diariamente um osso A um bicho vil, a um feio cão imundo.´ Gosto dos animais, porém prefiro A essa raça baixa e aduladora Um alazão inglês, de sela ou tiro, Ou uma gata branca cismadora. Mal respirei, porém ! Quando dormia E a negra noite amortalhava tudo, Senti que à minha porta alguém batia : Fui ver quem era. Abri. Era Veludo. Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo, Farejou toda a casa satisfeito; E - de cansado - foi rolar dormindo Como uma pedra, junto do meu leito. Praguejei furioso. Era execrável Suportar esse hóspede inoportuno Que me seguia como o miserável Ladrão, ou como um pérfido gatuno. E resolvi-me enfim. Certo, é custoso Dizê-lo em alta voz e confessá-lo : Para livrar-me desse cão leproso Havia um meio só : era matá-lo. Zunia a asa fúnebre dos ventos; Ao longe o mar na solidão gemendo Arrebentava em uivos e lamentos ... De instante a instante ia o tufão crescendo. Chamei Veludo; ele seguiu-me. Entanto A fremente borrasca me arrancava Dos frios ombros o revolto manto E a chuva meus cabelos fustigava. Despertei um barqueiro. Contra o vento, Contra as ondas coléricas vogamos; Dava-me força o torvo pensamento : Peguei num remo - e com furor remamos. Veludo à proa olhava-me choroso Como o cordeiro no final momento. Embora ! Era fatal ! Era forçoso Livrar-me enfim desse animal nojento. No largo mar ergui-o nos meus braços E arremessei-o às ondas de repente ... Ele moveu gemendo os membros lassos Lutando contra a morte. Era pungente. Voltei a terra, - entrei em casa. O vento Zunia sempre na amplidão, profundo. E pareceu-me ouvir o atroz lamento De Veludo nas ondas moribundo. Mas ao despir dos ombros meus o manto Notei - oh grande dor ! - haver perdido Uma relíquia que eu prezava tanto ! Era um cordão de prata : - eu tinha-o unido Contra o meu coração constantemente E o conservava no maior recato, Pois minha mãe me dera essa corrente E, suspenso à corrente, o seu retrato. Certo caíra além no mar profundo, No eterno abismo que devora tudo; E foi o cão, foi esse imundo A causa do meu mal ! Ah! se Veludo Duas vidas tivera - duas vidas Eu arrancara àquela besta morta E àquelas vis entranhas corrompidas. Nisto senti uivar à minha porta. Corri - abri ... Era Veludo ! Arfava : Estendeu-se a meus pés, - e docemente Deixou cair da boca que espumava A medalha suspensa da corrente. Fora crível, oh Deus ? - Ajoelhado Junto do cão - estupefato, absorto, Palpei-lhe o corpo : estava enregelado; Sacudi-o, chamei-o ! Estava morto.
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