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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: Eterna Lembrança Ruth Tupinambá Graça O sol nasce. O sol desaparece no ocaso, numa caminhada que nenhum fenômeno cósmico poderá impedi-lo, dia após dia. O tempo passa e a vida o acompanha levando nossas esperanças. As cidades crescem. Crescem também as crianças e outras tantas nascem a cada momento. Partem também, para nossa tristeza, os nossos entes queridos. É interessante como o tempo se encarrega de modificar as coisas. Não só a paisagem, o aspecto e a estrutura das cidades, mas também seus usos e costumes. Vai-se a infância,a juventude, a mocidade, tudo tão rápido e a velhice se aproxima. Começamos então a pensar, porque só agora temos mais tempo para as reflexões. Os sonhos vão se dissipando, os desejos e anseios da juventude diminuem cada vez mais.A força , o vigor e os desejos de sexo desaparecem.Somente a saudade nos bate a porta. Tudo tão diferente! Olhamos para o passado e as lembranças povoam nossa mente, tudo tão distante que chegamos mesmo a crer que foi tudo um sonho. Somente as lembranças ficam para registrar o que fomos e o que sentimos. Como a nos consolar e embalar quando os fios prateados, indiscretamente, começam brilhar em nossas cabeças... A saudade então é nossa companheira e , ao nosso lado ( em alfinetadas gostosas) um misto de dor e prazer nos recorda tudo. Um passado que não volta mais e que permanece em nosso coração como uma eterna lembrança. Apenas lembranças e saudades. Muita saudade mesmo da minha infância quando tudo eram risos, alegrias e inocência. Da minha adolescência e juventude, o coração repleto de sonhos e ilusões embalados pelo amor... Saudade ainda das coisas boas que perdi, dos sonhos que sonhei, dos versos que escrevi, dos desejos insatisfeitos, dos beijos que não foram dados ... Saudade da Montes Claros antiga - pequena mas grandiosa no seu passado - de lutas e vitórias. Da sua gente simples e amorosa, das mocinhas cheias de “denguices”, livres do luxo e sofisticação das grandes cidades. Do “footing” da Rua Quinze, hoje Presidente Vargas, que era um espetáculo de beleza e alegria, agradável e delicioso para os olhos e o coração. Era lá que começava o “flirt”, que se transformava em namoro, noivado e casamento. A “Rua Quinze” era a mola mestra em todo romance daquela época. As moças (de todas as idades) arrumadas e perfumadas, impecáveis nos seus vestidos vaporosos, magnificamente femininas (não se usava roupas “jeans”, nem os sapatões de lona e borracha ou tênis que masculinizam as mulheres) nos elegantes saltos Luiz XV, cabelos longos e boquinhas de coração, surgiam aos bandos, de todas as partes da cidade para o animado “footing” da Rua Quinze. O horário era das 19 às 21 horas. Aos domingos, quando a animação chegava ao auge, prolongava-se até as 22 horas. Os rapazes, muito alinhados de terno , gravatas e “englostorados”, permaneciam nos passeios, de cada lado da rua. Não perdiam a passagem daquelas formosuras ...E os flertes aconteciam. Saudade dos sobrados, tão bonitos, retratos de um passado feliz e distante. Austeros na sua aparência mas habitados por pessoas que amaram nossa terra e tanto lutaram pelo seu progresso. Eles deveriam estar presentes, hoje em dia, mas muitos já foram demolidos. Para nossa tristeza. Saudade do antigo Mercado Municipal, que foi - por muito tempo - o ponto vital da nossa cidade : os encontros diariamente aconteciam, os bate-papos, conversas políticas, negócios decisões familiares, até problemas de casamento eram resolvidos no Mercado. O seu relógio antigo está hoje silencioso na Catedral e era ele que durante anos quebrava o silêncio daquela Praça, com suas badaladas fortes e compassadas, cujo eco as levava para longe, desaparecendo atrás dos montes. Quantas vezes acordava crianças para a escola e homens para o trabalho com seu badalar amigo e pontual? A Praça Dr. Carlos perdeu o seu companheiro. Saudade da linda Igrejinha do Rosário ( que hoje não mais existe, infelizmente) onde me casei e aos domingos ouvia a missa com minha família. Saudade das novenas no mês de Maio e as coroações de Nossa Senhora. Era o grande acontecimento da velha Igreja Matriz. E os leilões na porta da Igreja, as touceiras de cana encostadas nas paredes e suas folhas balançando-se ao sopro do vento, como bandeiras, chamando os fiéis. A tosca mesa coberta de frutas, doces, bolos e biscoitos em bandejas enfeitadas com papel colorido e repicado. E ainda as célebres ceias, que de longe a gente já lhes sentia o cheiro: do tempero gostoso dos frangos assados e tutus de feijão com lingüiça e lombo de porco. Saudade das Praças sombreadas por mangueiras centenárias, do coreto e banda tocando aos domingos e as crianças correndo a sua volta, livres como pássaros!... Saudade daquela lua linda, brilhando num céu estrelado, clareando nossas ruas desertas, inspirando poetas e seresteiros. Das Festas de Agosto (do meu tempo de criança) dos Catopés com os capacetes brilhando ao sol, os pés atolados na poeira da grande Praça, balançando os estandartes de Nossa Senhora e São Benedito, ao som dos tambores, pandeiros e flautinhas de bambu. Tudo tão simples!... Saudade dos carros de bois. Seu canto lamurioso era um apelo aos nossos corações. Saudade da Semana Santa, da “Procissão do Enterro” que eu ia com minha mãe, à noite, segurando uma pequenina vela que ia pingando cera quente nos meus sapatos, ouvindo o som horrível das matracas e da música fúnebre, enquanto minha mãe rezava o terço e olhava piedosamente para Nossa Senhora das Dores, com uma lança trespassada em seu coração, acompanhando seu Filho, crucificado e morto. Eu achava que aquilo era verdade, Jesus estava realmente naquele esquife. Hoje, nos meus noventa e três anos - embora com saudades - olho para trás e sinto-me feliz pelo que vivi, pelo que realizei e conquistei. Noventa anos bem vividos. Não me arrependo nada do que fiz. Se pudesse voltar, eu faria tudo de novo. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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