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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: Infelizmente... Eles Se Foram Ruth Tupinambá Graça Houve um tempo em nossa terra em que a classe do Fazendeiro era a mais privilegiada. Nada melhor do que ser fazendeiro. Eram realmente fazendeiros, e só cuidavam das fazendas. Ganhavam muito dinheiro e tinham uma vida folgada. Engordavam os bois tranquilamente, esperavam as safras para vendê-los aos “marchantes” (pelo melhor preço) que apareciam periodicamente em nossa cidade. Eram firmes nos negócios e tinha experiência passada pelos antepassados, de pais para filhos. Mas havia também os que possuíam terras, grandes pastagens, gado selecionado, cavalos de raça. Eram educados, honestos (gente fina), amavam demais a nossa terra, mas não eram fazendeiros. Eram donos de fazendas. Eu conheci três senhores, naquela época que de fazendeiro só tinham o nome... eram donos de fazendas. Não possuíam aquela vontade firme de criar bois, esperá-los, pacientemente engordar nos pastos, numa demora de dois ou três anos para vendê-los pelo melhor preço. Aos “marchantes”. Eram diferentes, pouco ligavam para as “cifras”, gostavam de movimento e negócios imediatos. Dois destes, Lucio Narciso e Norival Vieira, freqüentavam diariamente a nossa casa; o terceiro, era o Armênio Graça, meu marido. Todos os dias, impreterivelmente, se encontravam no Café Galo, ou no Bar Sibéria e os “negócios” aconteciam. O Lucio Narciso era um tipo curioso. Um pouco tímido, mas isto não impedia de se expandir, (entre amigos) e tinha sempre uma anedota e piadas “picantes” para diverti-los. Extremamente tranqüilo e de bem com a vida (não sei se era assim em casa) e de uma disponibilidade a toda prova. Estava sempre ajudando a quem o procurasse e o fazia na melhor das intenções. Para ele tudo estava dentro dos conformes. A crise e a inflação não o perturbavam. Vivia modestamente, sem grandes ambições, era a honestidade em pessoa. Onde os três estivessem, ele era o que mais falava e se divertia. Possuía uma grande fazenda, mas esta ficava em segundo plano. Não se estressava nem perdia o sono com os “problemões” do dia a dia. Os companheiros diziam-lhe (só para vê-lo nervoso) - você só não domina a “Patroa”... ela é brava e pega no seu pé. De fato, ele obedecia mesmo, era um enterno “camisolão”, sempre atento e preocupado com o horário de chegar em casa, pois a D. Odília detestava os “botecos” e a família para ele era sagrada. O segundo fazendeiro, Norival Vieira (o Nonô), era o oposto do Lucio. Era muito comunicativo, exigente, mas o coração mole como manteiga. Agitado e um grande negociante. Descobria sempre os melhores negócios, não perdia uma demolição, principalmente dos sobradões e prédios antigos. Era “vidrado” nas peças retiradas dos mesmos, principalmente portas, janelas, armários, madeiramentos, etc. para vender. Apaixonado pela família, a esposa Lena (como a chamava) e pelos filhos. Sonhava vê-los formados e famosos doutores. Teve esta alegria. A trancos e barrancos, conseguiu realizar este sonho, todos os filhos se formaram, venceram na vida como excelentes profissionais. E o Nonô não perdia a oportunidade de elogiá-los, era o verdadeiro “pai coruja”. O terceiro fazendeiro era o Armênio Graça, o mais inexperiente. Criado dentro dos escritórios do Rio de Janeiro, veio para o sertão como Inspetor da International Harvester Companhia Americana de Caminhões, tratores e máquinas agrícolas. Aqui logo se adaptou, era muito alegre e comunicativo, tanto que iluminou e padronizou com tratores e maquinas agrícolas todas as fazendas desta região. Era apaixonado por Montes Claros (e por mim também). Aqui se casou, comprou fazenda e nunca mais voltou para o Rio. Mas não tinha a mesma experiência e não conhecia as manhas do sertanejo e muitas vezes levou “tombos” nos negócios. Era um grande sonhador. Gastava exageradamente arrumando as fazendas. Tudo muito perfeito: casa dos empregados, cerca, e currais, gado muito selecionado, as melhores vacas holandesas, os pastos eram verdadeiros jardins, que causavam admiração aos negociantes de gado. Estes três “fazendeiros”, eram muito amigos e tinham um ponto fraco: os “negocinhos”. Todas as tardes, Lucio e o Nonô passavam lá em casa, tomavam um cafezinho e saíam, os três, para o Bar Sibéria (esq. Dr. Veloso com Presidente Vargas) - hoje ele já não existe mais, e o proprietário acolhia, com prazer, a turma dos fazendeiros. Era o ponto certo para aos negócios. Conversavam tranquilamente, bebiam umas “pingas, socialmente”, (muito controlados) e as fazendas ficavam mais entregues aos gerentes e peões responsáveis. Todos os três possuíam boas vacas leiteiras, pois o fornecimento de leite á Cooperativa Agro Pecuária de Montes Claros era o melhor negocio daquela época. Mal chegavam ao Bar os negócios aconteciam, e eram deste tipo: O Nonô, com sua facilidade de negociar: - Tenho uma vaca holandesa que é uma beleza, forte, boa parideira e, como leiteira, não tem igual. Ela dá 15 litros de manhã e 15 à tarde, todos os dias. O Lucio, sempre matreiro e desconfiado, (com um risinho de deboche) dizia para incucar o Nono: _” Deve ser um preço!... e esta peça tão rara não serve para mim. Prefiro as “curraleiras”, não adoecem, não são luxentas, comem qualquer ração, o leite é pouco mas é certo. _” Nada de carestia, diz o Nonô; é negócio de amigo para amigo; o Armênio, que era encantado com as “estrangeiras pintadas”, fez sua proposta: _” Escuta Nono, eu tenho um touro que também é um colosso. Vale o quanto pesa e tem um “Pedigree” famoso e grande campeão nos cruzamentos. _” Mas eu precisava vê-lo, não faço negócio no escuro. Você conhece, Lucio, o famoso touro? Confio na sua palavra e no seu conhecimento. Pego de surpresa, Lucio gagueja um pouco, não querendo se intrometer no negócio, mas também não quer ser desmancha prazer e com seu jeito de conciliador responde: _” Conheço”. É uma beleza o tal “machão”. Forte, bonito, e não dá sossego ás “pintadas” do Armênio. Nono satisfeito com as informações, fecha o negócio: holandesa pelo touro. Neste momento, entra o Wilson Athayde, que também era um grande fazendeiro e companheiro nos negocinhos. E o Nonô foi logo dizendo-lhe: _” Meu amigo você chegou na hora certa. Comprei um garrote famoso, mas não preciso. Quem sabe lhe interessa? _” Depende. Cadê o machão?” _” Está nos pastos do Armênio, quer vê-lo? É peço de promoção. Saíram os três, na maior alegria, como se fossem para uma festa! E o negócio se realizou. Eram assim as trocas e barganhas, mas um sempre ajudando o outro a empurrar a “mercadoria”. Ás vezes estas “proezas” aconteciam lá em casa. Certa vez, estavam os dois no maior papo. De repente, o Armênio disse: _” Lucio vamos faze um negocinho? Vou lhe fazer uma proposta, mas é negócio sério. _” Me vende um pedaço da sua fazenda, somos vizinhos, e 5 alqueires não vão lhe fazer falta e melhorar muito a minha fazenda.” Lucio tomou tanto susto, quase caiu da cadeira, e respondeu: _” É assim que você se diz meu amigo? Eu não vendo, não empresto, não troco nem um palmo das minhas terras.” Armênio ficou chocado com a reação. _” Não precisa extrapolar; você não é disto, meu amigo, está sempre brincando e negociando... pensei que um dinheirinho é uma boa para você. Dim-dim nunca é demais. _” Você está igual uma barata tonta, Armênio só por que hoje não fez ainda um negocinho e vem me fazer esta proposta absurda, aleijando a minha fazenda! Mas eu tenho um revolver 38 cano longo, cabo de madrepérola, capa de couro bem caprichada. Não preciso desta arma; não mato nem uma formiga... O Armênio mais que depressa: _” Ta certo. Eu tenho uma cabra importada, de luxo, verdadeira mãe de leite e com sua patroa está esperando mais um herdeiro (talvez a raspa do tacho) está na hora de aproveitar, o leite da cabra é igual ou melhor que o materno. _” Negócio feito, só tem um porém. Onde vou colocar este animal tão especial? _” Pode deixar na minha fazenda, tenho pasto sobrando. Fomos visita-lo, poucos dias depois. A “cegonha” já havia trazido o “herdeiro” esperado e o Lucio estava eufórico com a chegada de mais um machinho. Mas era tão pequenininho que o Armênio (muito brincalhão) foi dizendo, ao vê-lo: é um Chimbica. Está na hora de entrar com o leite da cabra... mas o Lucio a trocara por um garrotinho desmamado... Infelizmente, os três fazendeiros já se foram. Nos meus 93 anos foram as melhores e mais sinceras pessoas que eu conheci. Fieis aos amigos, dedicados ás famílias. Desconheciam a maldade, a inveja, o orgulho e a ganância. Eram puros. Souberam cultivar grandes amizades e deixaram muita saudade! *** - A foto acima é uma rara imagem de um dos três fazendeiros citados - Lucinho Narciso, falecido em 1964. Na foto - recentemente localizada - ele, à esquerda, aparece na companhia do amigo e poeta Cândido Canela (de branco), andando pela avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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