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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: Você desapareceu Para onde você foi, meu querido Morrinhos? Você era tão lindo, tão romântico! Um enorme tapete verde cobria-o, em toda sua extensão, e no centro a alva capelinha construída em 1886, em ação de graças por D.Gervana, era símbolo da pureza e fé de nossa gente. Durante anos você dormiu tranqüilo, embalado pela brisa fresca e perfumada das noites calmas, num silêncio profundo, quebrado apenas pelo cantar longíquo de um galo, saudando a madrugada. Na nossa cidadão tão plana,de ruas retas e intermináveis, aquela elevação era um contraste formando o bonito morro, ponto de destaque e atração da antiga Montes Claros. De qualquer lado, era visto com sua capelinha, como uma promessa de felicidade. Quando viajamos cansados, após viagens estafantes sob um sol escaldante e o desconfortável lombo de um burro, já descendo a serra, sentiam-se felizes ao avisá-lo de longe. Você era como um oratório milagroso em que nossos pais, nossos avós acreditavam, quando promessas eram feitas em horas aflitas. Quando nossa cidade era apenas uma vila, de população minguada e atravessa os horrores da fome e seca, era comum as penitencias. Grupos de pessoas (homens, mulheres e crianças); muitos descalços, carregando na cabeça latas d’áqgua e pedras, dirigiam-se até os Morrinhos, muito até de joelhos, pés sangrando, subiam com sacrifício, animados pela fé e esperança de que o Bom Jesus lhes trouxesse a desejada chuva. E muitas vezes eram atendidos, e na volta tinham a felicidade de sentir na cabeça molhada, as roupas coladas ao corpo, o frescor da chuva, como uma bênção dos céus, e resposta às suas orações e sacrifícios! Isso acontecia sempre, propalando-se em nossa terra os milagres do Senhor do Bonfim. Mesmo depois, chegando o progresso e com ele a civilização, a pacata vila se transformando em cidades e suas casas de adobes e enchimento substituídas por sobradões coloniais de sacadas de ferro, em arebescos e janelas envidraçadas, surgindo jornais, escolas, novos prédios, a política se alastrando, aumentando os desejos e ambições dos coronéis. Tudo isto faria a cidade crescer, mas a fé continuava inabalável, acreditando que com uma simples promessa do santo milagroso tudo se resolveria. E os Morrinhos continuava no mesmo lugar, venerado e adorado, testemunha daquela grande fé. Até mesmo os estudantes acreditavam que livrar-se-iam de bombas subindo os Morrinhos de joelhos. Milhares de vezes percorremos (Heloísa Veloso que o diga) a estreita estrada cheia de obstáculos e pedregulhos, que dava acesso aquele morro, depois de uma confusa prova de matemática com o professor João Câmara, e de ciências com o exigente doutor Plínio Ribeiro, da antiga Escola Normal e Oficial de Montes Claros. Mas, para nós, nova geração daquele tempo, o melhor dos Morrinhos era a parte romântica! E quando a lua surgia, redonda e branca, derramando o seu clarão em toda cidade, os jovens se enfogueavam, pois, já era uma tradição, o célebre passeio aos Morrinhos. A Rua 15 era o nosso ponto de apoio. Era lá que todas as noites, a mocidade se encontrava, e então era só dar ao alarme. Num relance preparava-se tudo. Os tradicionais seresteiros, como violão, violino, flauta, bandolim: Ducho, Carlos, Dayrel, Bahia, Mirabeau, Antônio e Luiz de Paula, Antônio Rodrigues, Haley Jansen, Cândido Canela, Telé, Wilson Maldonado, Nivaldo Maciel (e muitos outros) que estavam sempre dispostos a saudar a lua. O mais difícil era encontrar uma pessoa de respeito, para nos acompanhar naquela romântica excursão, pois os pais não concordavam que os pombinhos voassem sozinhos... Mas não era isto que iria atrapalhar nossos planos. Havia sempre uma mãe mais camarada com a dona Alda Athayde, Antônia Veloso, Alzira Cruz, Maria Soares e também pessoas que gostavam de serenatas, como as saudosas Dulce Sarmento, Inhá Dias, Maria Afra e Ilza Sarmento e as irmãs Eulina e Ida Sarmento, Carmélia Barbosa, Maria de Paula, Mercês de Prates, Helena Melo Franco e outras. Atravessávamos a cidade numa grande euforia, felizes por aquela grande oportunidade. Já subindo a trilha serpentiante que nos levava ao alto do Morrinhos os namorados, emocionados com as melodiosas modinhas, as mãos se encontravam displicentemente, como se por acaso. A sensação do proibido e difícil aumenta o desejo acelerado dos jovens corações. Quanta emoção o tocar, de leve, o corpo da namoradinha que muito séria, caminhava a seu lado. Alguns casais (quanta simplicidade) eram considerados afoitos só porque se esqueciam por um momento os espiões e enquanto a lua preguiçosamente se escondia atrás de uma grossa nuvem... E aproveitando aquele cochilo da rainha da noite, se deixavam levar pela sacanagem do cupido, e alguma coisa na subida do morro... Mas nada de exagerado, apenas inocentes carinhos que não chegavam, nem mesmo, ao beijo na boca, mas naquele tempo era o bastante para levantar uma fofoca... Andando bem devagar, para que aquele gostoso passeio nunca acabasse, chegávamos ao alto do morro, ajeitávamos procurando cantinhos, fazendo uma grande roda em volta do cruzeiro. Por lá permanecíamos até meia noite, ouvindo as apaixonadas modinhas, cheias de juras e promessas. Os namorados tornavam-se mais apaixonados, contagiados pela música, a beleza e plenitude daquela noite enluarada e nem sentiam a noite passar... Para onde você foi, querido Morrinhos? O que resta de você? Transformaram-no em favela e em lugar da verde relva que o cobri a há um aglomerado de casa tortas, espremidas, cobertas de telhas escuras, desencontradas, muitas de zinco. Enfeitando a subida, à sua volta, giraus de madeira tosca, cheia de vasilhas domésticas e nas cercas de arame, roupas surradas, num colorido, desbotado, penduradas e expostas ao sol, retratos da labuta daquela gente. Crianças sem camisa, com o peito à mostra, canelas finas, olhos enormes, brincam com seus carrinhos ou jogam bola, se escorregando pelos caminhos estreitos. Onde você está, eu repito agora? Até a fé e a devoção à seu santo, desapareceram com o tempo. Você morreu, meu querido! Ninguém acredita que você existiu e que era tão lindo! Você hoje vive apenas nos corações dos poetas, como bem cantou Luiz de Paula, na sua bela canção Montes Claros, vovó centenária... Daquele tempo resta apenas incólume, a branca capelinha guardando no seu interior os restos mortais da sua fundadora. Que o senhor do Bonfim a proteja da ação dos vândalos, e ela ao menos nos lembrará que você existiu e que durante muitos anos nos encantou com sua beleza natural, suavizando vidas e emocionando corações. Fecho os olhos para vê-lo e senti-lo, na minha grande saudade. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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