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Mensagem: Fraudes em licitações causam rombo em cofres de municípios pobres do Norte de Minas Por trás do esquema estão deputados, suspeitos de se beneficiarem das irregularidades e surrupiam R$ 100 milhões - Maria Clara Prates - Mais de R$ 100 milhões foram surrupiados dos cofres de alguns dos municípios mais pobres do Norte de Minas, por meio de licitações fraudulentas, nos últimos três anos. De acordo com investigações do Ministério Público (MP), a conta das perdas com a corrupção ainda não foi fechada, já que os golpes avançam sobre outras regiões do estado, como a Grande Belo Horizonte, e ultrapassam as divisas de Minas, atingindo também municípios da Bahia. Prefeitos, advogados, servidores públicos e empresários comandam as fraudes, mas, segundo o MP, interceptações telefônicas e depoimentos de testemunhas indicam que os mentores do esquema são deputados, que se beneficiam politicamente das fraudes. Toneladas de documentos apreendidos pelo MP, durante a Operação Conto do Vigário, revelam ainda o impensável: o pagamento de propina com cheques e a emissão de recibos que comprovam transações irregulares entre administrações municipais e empresas, algumas de fachada ou em nome de laranjas. Para ter ideia do tamanho da sangria, somente na Prefeitura de São Francisco, a estimativa do Ministério Público é de que tenham sido desviados recursos que somam R$ 15 milhões, até agora, nos mais diferentes setores, como saúde, transporte, educação e serviços. A cidade tem IDH inferior a 0,7, o que demonstra a carência da população exatamente nos setores analisados pelo índice que mede a qualidade de vida da população. Deputados Documentação em posse do promotor de São Francisco, Guilherme Roedel Fernandez Silva, revela ainda que os suspeitos das fraudes beneficiaram o deputado federal Ademir Camilo (PDT) e o deputado estadual Arlen Santiago (PTB). Em São Francisco, seis dos oito carros doados pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) foram desviados de sua finalidade. Foram parar em associações comunitárias, entregues pelo prefeito da cidade, o ex-padre José Antônio da Rocha Lima (PT), denunciado por improbidade administrativa, que fez questão de citar que foi o deputado Ademir Camilo o autor da iniciativa de doação. O deputado já foi investigado durante a Operação João-de-Barro, desencadeada pela Polícia Federal, em junho de 2008, para apurar desvios de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Escutas telefônicas, autorizadas judicialmente, em julho, revelaram também que o empresário Fabrício Viana de Aquino – peça-chave do esquema de fraudes no Norte de Minas e preso durante a Operação Conto do Vigário –, trabalhou como cabo eleitoral para Arlen Santiago. Em uma ligação telefônica, em 30 de julho, às 9h05, Fabrício explica ao dono de uma patrol, contratada para beneficiar uma comunidade em Januária, que o nome do parlamentar não poderia ser citado como autor da iniciativa. Diz ainda que, caso fosse questionado pelo Ministério Público sobre a origem do pagamento, deveriam ser providenciadas notas fiscais frias para evitar a identificação do contratante. Além do trabalho de cabo eleitoral, Fabrício demonstra prestígio com Santiago, reeleito em outubro com 103.336 votos, o quarto mais votado. Ademir Camilo também se reelegeu para a Câmara dos Deputados, com 72.967 votos. Festança Depois de sair vitorioso para mais um mandato no legislativo estadual, em 2006, Arlen Santiago participou de uma grande festa de aniversário de Fabrício, em 2 de novembro, conforme matéria publicada no jornal A voz do povo, dia 6 . Bem relacionado, a festança de aniversário contou ainda com a presença de outro deputado, José Silva (PDT), eleito para seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Apenas 20 dias depois da comemoração, o empresário foi preso pelas novas fraudes, demonstrando que tem know-how e não se intimida com as investidas das autoridades. Em 2005, Fabrício Aquino já havia sido preso pela Polícia Federal em uma operação de combate aos desvios de verbas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). No total, foram abocanhados indevidamente R$ 4,9 milhões, destinados à Prefeitura de Januária, para construção de uma estação de tratamento de esgoto e de 1,5 mil banheiros para comunidades carentes. O meio de ação era o mesmo: a simulação de um processo de licitação com participantes conhecedores do golpe. A diferença era apenas a destinação dos recursos. À época, Fabrício ocupava o cargo de secretário de Finanças de Januária, o que facilitava ainda mais sua ação. Atualmente, ele está denunciado em duas ações criminais da Procuradoria da República. Diante da documentação arrecadada e da suspeita de envolvimento de prefeitos e deputados, que têm direito a foro especial, o Ministério Público Estadual vai encaminhar cópias para o Tribunal de Justiça e Procuradoria-Geral de Justiça para as providências. Além disso, a parte referente a possíveis crimes eleitorais será encaminhada à Justiça Eleitoral. Se a sangria nos cofres municipais não é surpresa para ninguém, a forma como era feita no Norte de Minas desperta curiosidade pela certeza da impunidade. A propina podia ser paga com cheque, que, posteriormente, era trocado até mesmo com agiotas. Também eram emitidos recibos, datados e numerados, em nomes das prefeituras beneficiadas com as fraudes, que incluíam o número do cheque. Um bom exemplo eram as notas emitidas pela Montpeças Ltda. Elas demonstram que a empresa era obrigada a devolver à Prefeitura de Jequitaí parte do pagamento pela venda de autopeças. Sem cerimônia, no recibo, a explicação para a retirada dos valores trazia a informação: “Troco para a pref. de Jequitaí”. Isso significa que a venda de autopeças foi superfaturada e a diferença dos valores deveria ser devolvida às contas pessoais dos prefeitos e outros colaboradores. De acordo com o Ministério Público, está claro que as licitações tinham como finalidade apenas servir de instrumento para saques das contas públicas. Para fraudar os processos, eram convidadas a partir da disputa apenas empresas de propriedade ou com ligações com os operadores das fraudes, os empresários Fabrício Viana de Aquino, Wolnei Mário de Almeida, Márcio de Sú, e Walace Ribeiro Almeida, que estão presos, além de Isabel Cristina de Carvalho Francino e Rafael Murillo Patrício Assis. Algumas firmas eram montadas em nome de laranjas ou existiam apenas como fachada para viabilizar o golpe. O empresário Marcelo de Souza Santos, dono da empresa Junia Maria Diniz Santos, de nome comercial Digital, em Três Pontas, no Sul de Minas, confessou ao Ministério Público sua participação e ajudou a esclarecer o mecanismo de ação do grupo. Devolução Em depoimento ao MP, em 26 de novembro, Souza Santos contou que foi convidado a participar de uma licitação na Prefeitura de São Francisco, em dezembro de 2009, para digitalização das pastas dos servidores aposentados. Vencedor, o valor do contrato foi firmado em R$ 86.784, entretanto, depois disso, o prefeito José Antônio Rocha Lima passou a exigir que Santos lhe devolvesse R$ 50 mil. O valor foi sacado em espécie da conta do Banco do Brasi, em Santana da Vargem e entregue ao ao ex-padre, por ironia do destino, em frente a uma igreja. “Os R$ 50 mil foram divididos entre o prefeito José Antônio, o empresário Marcinho de Sú e o dr. Rafael”, disse Marcelo Santos no depoimento. Ele contou também que foi obrigado a repassar ao prefeito outros R$ 20 mil, em março de 2010, para ser descontado em 90 dias. Entretanto, o cheque, apreendido pelo MP demonstra que Lima não teve paciência nem mesmo para esperar a liberação da propina. Ele preferiu trocar o cheque nº 850031 do Banco do Brasil, de Santana da Vargem, com o agiota José Antônio Pereira, de Montes Claros. Na negociação, Pereira exigiu o pagamento de 5% ao mês, assumido pelo empresário, até a quitação da dívida. “No segundo mês, deixei de pagar o agiota, e o chequee foi depositado e devolvido”, revelou aos promotores. Em seu depoimento, Souza Santos deixa clara a existência de um “mensalinho” – pagamento de propina para contratos com a prefeitura de São Francisco – na administração do ex-padre José Antônio. Em outros contratos firmados pelo empresário, desta vez por meio da empresa Ômega, com o município, repasses mensais eram feitos para o administrador. (MCP)
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