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Mensagem: A Marina que eu conheci Hoje quero falar sobre Marina. Não a Marina diretora do Conservatório, membro do Conselho Estadual de Educação etecéteras e tal, mas da Marina de seu Quinzinho (era assim que a chamávamos na intimidade), charmosa recém casada, chegando aqui em plena lua-de-mel. Trocando a Cidade Maravilhosa, sua terra, pelo nosso sertão e encontrando aqui o desconforto da antiga cidade, Marina era alegre, feliz, tranqüila, perfeitamente entrosada em nossa sociedade. Achava tudo ótimo, perfeito, sem esnobar (o que poderia ter feito), nem tão pouco reclamar do desconforto das residências, suas instalações, luz péssima, poeira excessivamente intolerável, muriçocas, enfim, mil coisas com as quais não estava acostumada. Nunca por um instante sequer, ouvi a Marina mostrar-se insatisfeita por estar aqui vivendo, ou reclamar da vida social tão precária naquela época. Foi assim que a conheci e com ela convivi, por muito tempo. A casa do casal doutor Antônio Augusto Veloso e Jacy, era o nosso ponto de encontro. A cidade era muito parada e para não morrermos de tédio, estas reuniões eram uma necessidade. O casal, amabilíssimo, nos deixava muito à vontade. Todos nós estávamos nos início da vida conjugal e a camaradagem daquele casal mais experiente era um grande apoio e incentivo. Aos domingos era para a Chacrinha, sítio gostoso e aconchegante, que nos dirigíamos, num piquenique cheio de emoções e um almoço, deliciosos e lá permanecíamos até a noitinha. Marina, muito comunicativa, com a graça e espontaneidade da carioca, num desejo enorme de servir o próximo, nos conquistou logo, tornando-se nossa líder. Com sua fértil imaginação, num potencial enorme de energia (pronto a explodir) foi logo nos catequizando, convencendo-nos de que era absurdo ficarmos só criando filhos e presa exclusivamente às ocupações domésticas. Poderíamos fazer algo diferente, sem contudo, prejudicar nossos lares, nem diminuir nosso papel de mãe e esposa. Marina e seu Quinzinho formavam um casal perfeito, que se tornou queridíssimo em nossa sociedade. Sua casa era franqueada aos amigos e Marina tinha inteira liberdade de fazer reuniões, promovendo aula de pintura em porcelana gratuita para as amigas, encontrando-se lá frequentemente: Jacy, Elisa Veloso, Taúde, Carmem Renault, Zezé Colares, Rosalva, Terezinha Tupinambá, Elza, Arlete e outras. Era muito interessante aquela convivência e as fofocas (Sá Mariquinha, Sá Maricota) muito nos distraía. As donas de casa desopilavam o fígado, tornavam-se bem humoradas (diminuindo as briguinhas de ciúme), o que agradava bastante os maridos. Marina, sempre gentil, um hum cem por cento estimulava aquelas que mal sabiam pegar num pincel. Algumas mais jeitosas, deixavam-na entusiasmada e com isto a escolinha crescia. Hoje, vendo a Marina, mais madura com a cabeça a mil por hora (ocupando vários cargos ao mesmo tempo), é difícil enxerga-la (como outrora) calmamente assentada com filho ao colo amamentando-o. Pois eu a conheci assim: Marina-mãe. Vieram-lhe os filhos, um a um, em um curto espaço de tempo. Milhares de vezes a vi amamentando, trocando fraldas, ninando os bebês, dando-lhes chazinhos de hortelã e erva doce para dores de barriga, que o doutor Antônio pacientemente receitava. Marina e seu Quinzinho tinham tempo para os filhos, vibrando com as gracinhas, os primeiros balbucios, as caretinhas e até as birrinhas do nenezinho. Enquanto os mais velhos, já taludinhos, disputavam valentemente uma corrida de velocidade à sombra das frondosas mangueiras da Chacrinha. Acompanhei de perto e presenciei o carinho e dedicação com os filhotes que cresciam fortes, bonitos e saudáveis. Nossos filhos cresceram juntos, colegas e companheiros em todas as horas e de tantas camaradagens, saiu até namoro forte, que por artimanhas do destino, não terminou em casamento. Foi muito bom aquele tempo! O aconchego da Chacrinha, aquela acolhida sincera, cheia de amizade do casal Jacy/Antônio Augusto, ficarão eternamente em minha lembrança... Mas os filhos pequenos nunca forma problemas nem atrapalhavam os projetos de Marina. Enquanto cresciam e as porcelanas eram pintadas, ela resolveu ensinar piano em sua casa. A capacidade musical herdada de seu pai, maestro Lorenzo Fernandes, gritava em seu íntimo, prestes a explodir. Ela vivia inquieta, precisava agir depressa. Descobria gênios musicais entre seus alunos, e daí a necessidade de uma escola de música em nossa cidade. Começou a trabalhar incansavelmente. Desde 1955, fora criado pelo governo, alguns conservatórios em várias cidades, inclusive Montes Claros, mas nunca instalado. Na gestão do doutor Simeão Ribeiro como prefeito e encontrando seu apoio, ela foi à Belo Horizonte tratar do assunto. Sua decepção foi enorme ao conversar com o então secretário de Educação, que a recebeu friamente e arrematando a entrevista, disse-lhe “Montes Claros é terra de boi, portanto não é admissível um conservatório de Música”. Marina voltou decepcionada, mas não desanimada, e o descaso do secretário indignou-a profundamente, fazendo crescer mais ainda o seu propósito. Procurou novamente Simeão, que lhe deu inteira liberdade de ação e acreditando na suma capacidade, resolveu custear o aluguel da casa para instalação do conservatório. E assim, na pequena casa da rua doutor Veloso, instalou-se o Conservatório Lorenzo Fernandes, com um pequeno número de funcionários e professores de música: Maria Inês Maciel, Lourdes Machado, Conceição Lafetá, Ceci Tupinambá, Arlete Macedo, Iraídes, Jacy Fróes, Terezinha Tupinambá, secretária Mary Maldonado e a única serviçal, Stela de Oliveira. Além da música, ensinava-se inglês, pela professora dona Virgínia Crosland (americana); ballet por Maria Luíza Coutinho e espanhol, por Carmem Renault. A dificuldade era extrema: falta de material, mobiliário, instrumentos, principalmente os pianos que foram adquiridos com auxílio da comunidade. O número de alunos cresceu e o conservatório foi transferido para uma casa maior na Av. Coronel Prates. Em abril de 1962, era Secretário de Educação o doutor Oscar Correia. Foi uma sorte. Oficializou o Conservatório, nomeando Marina sua diretora. Os alunos sentiam-se estimulados, tomando parte em concurso em outras cidades e várias vezes premiados. O Conservatório foi um verdadeiro celeiro, formando músicos que hoje se projetam nas grandes capitais, como José Imar, Armênio Graças Filho, Joaquim Carlos, Yuri Popoff, Martha Tupinambá Ulhôa, Olava Mendonça, Ângela Drumond e outros. Existe ainda um grande número de professores que alunos ontem, hoje lecionam com sucesso no Conservatório, em todas as áreas da música. Hoje ele aí está, um orgulho para nossa cidade, com mais de mil e oitocentos alunos e cem professores. Marina aposentou-se, mas deixou, felizmente, em boas mãos sob a direção da competente professora Lygia dos Anjos Braga. Marina provou que Montes Claros, embora seja terra de boi, tinha condições físicas, sociais e intelectuais de possuir um conservatório de música. Só cego não vê o que Marina fez. Só cego não enxergava o amor, o esforço, a dedicação com que Marina se empenhou nesta grande batalha. Marina nos deixou para nossa tristeza. Assumiu a direção do Conservatório Brasileiro de Música, e do Rio de Janeiro, do qual é uma das sócias. Mas ela jamais será esquecida. Nem um só montes-clarense poderá ignorar o valioso presente que nos deu. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).
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