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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: Senhor, escutai a nossa prece. Ucho Ribeiro Todo sábado, tínhamos que confessar os mesmos pecados. Antes da confissão, Fred, o mais velho, distribuía os pecadilhos. Dizia: - Marquim, cê fica com “desobedeci mamãe e briguei com meus irmãozinhos”; eu, com “falei coisas feias e pensei bobagens”; e Ucho com “magoei meus coleguinhas e fiz indecência.” Aí, eu chiava: - Cruz credo, de novo não, Fred, sacanagem! Não vou ficar novamente com as indecências! O severo Padre Dudu iria perguntar novamente de dentro daquele confessionário inquisidor: - Você fez indecências sozinho ou acompanhado? E eu, tremendo de medo, pequenino, borrando as calças, vendo as trevas do inferno, iria responder baixinho: - Sozinho! Depois de um humilhante sermão, Padre Dudu nos mandava rezar uma meia dúzia de Ave Marias para incinerar os pecados, que eram recitadas na rapidez de uma locução de uma corrida de cavalo – avmarichedgraçsenhôconvoscbendisovós... Nós, livres daqueles pecados, zeradinhos de tudo, tínhamos de segurar a onda e a santidade até a comunhão do dia seguinte. Teríamos de nos manter ocupados e pios, contentar-nos com brincadeiras e leituras pudicas para não deixar que as nossas cabecinhas virassem oficina do diabo. Muito cuidado, pois existia o vicio do pensamento, que nos pegava na curva ou num descuido. Indecências, cinco contra um e palavrões... nem pensar. A apimentada revistinha Catecismo do Zéfiro tinha que ficar no mais fundo da gaveta. Qualquer vacilo, aiai, não poderíamos comungar na missa do dia seguinte. Eu fazia de tudo para sair logo da igreja ao final da confissão, porque senão começavam as visões das imagens das Santas levantando as saias e piscando os olhos, para me atentar e pecar. Sabia que tentação era coisa do demo, não podia prestar atenção naquela pouca vergonha. Se acontecesse de cometer um pecadinhozinho de nadica de nada, estava ferrado, pois não poderia comungar na missa de domingo e toda a igreja saberia que eu era um pecador. Se comungasse com pecado, aí sim, a tragédia seria completa. Quando o padre colocasse a hóstia na minha boca, uma cachoeira do sangue de Jesus começaria a jorrar. Vexame e vergonha maior não poderiam existir. Imagine você todo tingido de vermelho lá na frente da Igreja, podia despedir-se de todo o mundo e pegar o caminho do inferno. Se pecássemos no sábado, depois de confessar, a estratégia era acordar cedinho no domingo e comer qualquer coisa, fingindo ter esquecido do jejum. Só podíamos comungar em jejum. Mesmo assim era uma tática manjada e a família toda sabia que algum pecadinho você tinha cometido e estava se safando. Na missa de domingo, o povo se juntava calado, lustroso, nos trinques, cada um vestia sua melhor roupa, a domingueira. Ao chegar perto da igreja, parávamos para limpar a poeira do calçado, esfregando o rosto do sapato na perna da calça. Os pais cumprimentavam-se formalmente, sérios e mudos. Os meninos se amontoavam em bolinhos para falar com excitação do faroeste em cartaz, que seria visto logo após a missa. Reunido o povo, sino batido, todos entravam na igreja. O sacerdote se dirigia ao altar enquanto se executava o cântico de entrada, fazia uma genuflexão, beijava o altar e iniciava a missa, de costas para todo mundo: In nomine Patri et Fíli et Spiritus Sancti. E todos, em pé, respondiam: Amen. Logo em seguida vinha o ato penitencial, quando o sacerdote exortava todos para arrepender dos pecados: Conifiteor Deo omnipotenti et vobis ... E todos batiam com a mão no peito ao confessar a culpa: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Era uma culpa sem fim. Eu não entendia porque o padre celebrava a missa de costas e em latim. Jesus não falava esse idioma. Falava, com certeza, aramaico e possivelmente um pouco de hebraico, línguas da sua região. Depois me explicaram que a igreja se estabeleceu com sede em Roma e o latim era língua do Império Romano, o que permitiu a expansão da igreja por todos os domínios romanos. Pela regra, hoje, a igreja deveria adotar o inglês. Tentaram me explicar também que o celebrante ficava de costas para os fiéis para estar de frente para o sacrário, para Deus. Mas, para mim, a liturgia se reduzia a um espetáculo repetitivo, triste e sonolento. A toda hora recebia um beliscão para sentar, um beliscão para levantar, outro para ajoelhar. Boiava mais que tudo, a cabeça e os sentidos estavam no tiroteio do faroeste. As coisas mais alegrezinhas que tinha na missa eram: Saudai-vos uns aos outros, o sininho que tocava duas ou quatro vezes trilim-trilim e as três cruzinhas na fronte, na boca e no peito, quando o padre dizia: Dominus Vobiscum, e nós, Et com Spiritu tuo. Na época em que acabou o latim, nossa família já frequentava a paróquia do Padre Quirino na Santa Casa. Ir à missa melhorou demais. Já dava para acompanhar o senta e levanta: Oremos, levanta; Irmãos e Irmãs, senta; Senhor tem piedade de nós, abaixa a cabeça; Minha culpa, minha culpa, as batidinhas com a mão no peito; Trilim-trilim, ajoelha; Jesus tomou o cálice em suas mão, trilim-trilim, continua ajoelhado; Felizes os convidados à ceia do Senhor, levanta; Eu não sou digno que entreis em minha morada, ajoelha. Até que chegava no “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe.” Deo Gratias! Ad Finite! Agora podíamos ir para o cinema. Missa de novo, só domingo que vem. Urgh! Quando surgiu o “Escutai as nossas preces”, foi o máximo. Os paroquianos passaram a poder dar um pitaco naquele monólogo monótono de só o padre falar, falar, dar broncas e puxar as nossas orelhas. Mamãe uma vez me deu um papelzinho para eu ler na hora das orações espontâneas e eu orgulhosamente li: “Pelo reestabelecimento da saúde de Irmã Dulce e dos enfermos da Santa Casa, rezemos ao Senhor”. E todos repetiram, uníssono: “Senhor, escutai a nossa prece”. Senti-me o máximo. Mas meu orgulho não durou muito, porque Eninho, meu primo menor, que há domingos estava bombando coragem para falar também na hora do “Escutai a nossa prece”, tomou ânimo, entusiasmou –se e resolveu se manifestar também. Ele tinha aprendido umas palavras novas e estava todo encantado com uma palavrona bonita e grande. Logo em seguida à minha prece, ele, altivamente, engatilhou a dele e disparou: “Para que o Padre Quirino e as Irmãs da Santa Casa tenham mais PERSONALIDADE, rezemos ao senhor!” E todos, querendo morrer de rir, responderam baixinho: - Senhor, escutai a nossa prece!

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