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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 22 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Mulher de fé Alberto Sena Depois que pai morreu, em janeiro de 1961, mãe Elvira passou uma temporada indo ao Cemitério do Bonfim, em Montes Claros, para cumprir novena e rezar diante da sepultura dele. Toda sexta-feira, depois do almoço, ela chamava a irmã dela, tia Ambrosina, minha madrinha de batismo, e nós fazíamos companhia para elas, eu e o primo Rubinho. Éramos crianças da mesma idade. Nasci dois meses antes dele, pelas mãos de Irmã Beata. Naquela sexta-feira, tia e Rubinho saíram da Rua General Carneiro, esquina com Rua João Pinheiro e passaram lá em casa, na Rua Corrêa Machado, 238. Nós, mãe Elvira, uma das minhas irmãs, já nem mais sei qual delas, e eu estávamos na porta esperando. Juntos, subimos a Rua Corrêa Machado e entramos na Rua Bocaiúva até a venda de ‘seu’ Arquilino, onde em frente havia e ainda deve haver uma entrada para a linha férrea. Era pela linha do trem que íamos ao cemitério. Claro que as intenções de mãe e de tia Ambrosina eram umas e as nossas outras bem diferentes. Era comum menino lidar com atiradeira ou estilingue. E como não éramos diferentes dos outros meninos, nós armados estávamos, cada um com o seu estilingue. Ir pelos trilhos da Central do Brasil era divertido porque nós andávamos na linha, literalmente, mostrando que podíamos nos equilibrar por muito tempo. Às vezes, ombro a ombro, cada um pisava num trilho e andávamos com os ouvidos em pé, para o caso de o trem surgir duma vez. Noutros momentos íamos pulando sobre os dormentes e aproveitávamos para contar um a um só para mostrar que sabíamos declinar os números. Aproveitávamos as pedrinhas do chão para praticarmos pedradas ao alvo em latas ou em buchas das latadas nas cercas de arame farpado nos fundos dos quintais das casas às margens da linha férrea. Nessa época, para ir a pé lá de casa até a Ponte Preta era preciso andar muito. Havia por lá poucas casinhas simples e mais nada. Era um lugar ermo. A linha do trem passava por baixo da Ponte Preta. Nós achávamos que a ponte era enorme, talvez porque a olhávamos com os olhos de crianças. Mãe e tia Ambrosina iam à frente e nós atrás. De repente, ouvimos um ‘ai’ seguido de gemidos. Era mãe que havia acabado de torcer o pé. Faltava muito chão ainda para chegarmos ao cemitério e achamos que era melhor voltarmos, mas mãe disse que não; tinha condição de andar, mancando, mas tinha, e nos convenceu seguirmos adiante. Chegamos ao cemitério e fomos direto à sepultura de pai, José Batista da Conceição, conhecido pelo apelido de Zé Bitaca, por causa de uma loja que ele tinha na Rua Coronel Joaquim Costa. Depois, enquanto mãe e tia visitavam outros túmulos, nós dois saíamos à cata de tico-ticos que se escondiam entre ciprestes. Ciprestes têm cheiro forte e para nós não era odor agradável. A tentação de caçar tico-ticos era tanta que não conseguimos acertar nenhum. Houve um momento em que o vento tocou as plaquinhas contendo fotografias dos mortos ali sepultados e o contato delas com as hastes de ferro produziu ruído metálico. ‘Será assombração?!’ Nós nos perguntamos até descobrirmos a origem. Fomos então espiando umas e outras fotografias e lendo os epitáfios até que deparamos com a fotografia de um homem que parecia nos olhar o tempo todo de qualquer ponto. Isto nos intrigou tanto! Preferimos sair correndo dali ao encontro de mãe e tia. Cumprido todo o ritual de novena, elas disseram que era hora de irmos embora mesmo porque o véu do fim de tarde se expunha tênue. Mãe mancava mais ainda do pé. A partir do tornozelo, o pé dela já se apresentava inchado. Podia ser que não fosse só uma torção. Será que ela fraturou o pé? Fraturou. Disto ficamos sabendo na volta, depois que chegamos e mãe tomou banho para ir ao ortopedista, se não me engano, dr. Barreto. Sei que ela retornou horas depois com uma bota de gesso no pé. Mãe ficou muitos dias com essa bota no pé, andando com dificuldade. Depois que tudo passou, refletimos sobre a atitude dela e vimos que servia para nós como uma lição de coragem e força de vontade. Ela com ela própria achava que podia quebrar o pé, mas não a promessa de ir toda sexta-feira ao cemitério rezar. Mesmo com o pé quebrado, ela foi e voltou. Mãe era assim, persistente. Pequena, mas uma grande mulher; corajosa, brava no melhor sentido. Para nós, ela foi e ainda é exemplo de mulher de fé.

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