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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 25 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Uma Semana Realmente Santa Ruth Tupinambá Graça Estamos na Semana Santa e o que sinto? Uma saudade enorme da antiga Matriz, a Igreja da minha infância. E o saudoso Padre Marcos Van In , ainda jovem, cheio de energia, trazendo da Bélgica a cor, o sotaque, o porte e outras características do europeu fino. Com sua voz forte anunciava aos fieis, na missa da Matriz a entrada da Quaresma com todas as recomendações:horário das missas, via-sacra, procissões e todo o ritual próprio da Quaresma. Durante os 40 dias, em todos os lares as famílias seguiam rigorosamente os preceitos recomendados pela Igreja. Não só na Semana Santa mas também os 40 dias de completa santidade, respeito e amor ao Salvador do mundo. Lá em casa (que saudade) a mamãe numa completa obediência aos dogmas do Catolicismo nos passava logo aquele sermão: nada de brincadeiras exageradas, muita obediência, nada de brigas e “nomes feios”, pois o Papai do Céu está sofrendo muito. E vinha logo o programa da Semana Santa com todas as suas exigências: abstinência de carne nas quartas e sextas feiras e o Padre Marcos avisara que o jejum era obrigatório para todo católico á partir dos 7 anos. Eu já completara esta idade mas não me conformava. Enquanto meus irmãos menores, comiam frutas, doces e biscoitos, á vontade eu passava fome com o jejum. Minha mãe pacientemente procurava me convencer, pois eram apenas 2 dias por semana este sacrifício por Jesus que deu sua vida com tanto sofrimento para nos salvar e a Quaresma é apenas uma vez por ano. Eu retrucava: salvar de que? Ela respondia: --“Salvar nossas vidas perdoando todos os nossos pecados e nos garantir o Reino do Céu”. Eu era obediente cumpria á risco todas as exigências convencida que minha mãe tinha toda razão. Enfim chegava a Semana Santa e iniciavam as cerimônias na Matriz. Os altares e os Santos todos cobertos de roxo ( sinal de luto) apenas uma cruz enorme com o Cristo crucificado em frente o Altar –Mor, com a testa sangrando, ferida pela coroa de espinhos cravada, sem piedade em sua cabeça. As mãos e os pés presos por enormes cravos, revivendo o seu sacrifício, relembrando-nos o seu sofrimento. O ambiente na Igreja era de velório. As moças de família, de procedimento exemplar, já se achavam “enclausuradas” para o retiro espiritual. Por incrível que pareça, pairava no ar um misto de tristeza, melancolia e angustia que apertava o coração de gente.. Em todos os la res a mesma ladainha: nenhuma manifestação de alegria, jejum completo sem doces ( naquele dia Jesus bebeu vinagre ). As fabricas eram proibidas de apitar suas sirenas e até a “Maria Fumaça” saia muda da Estação Ferroviária. Haviam pessoas que para ganhar mais indulgências exageravam nas penitências proibiam varrer suas casas, tocar vitrolas e gramofones pois tudo era considerado pecado naqueles dias sagrados. A Procissão do Enterro , a noite, com velas acesas, era um verdadeiro espetáculo de fé cristã. Até hoje guardo nos ouvidos o som irritante das “matracas” e na minha retina, a expressão de maldade daquelas horríveis máscaras usadas pelos “soldados e guardas que, acintosamente, acompanhavam o “Esquife”conduzindo o corpo já dilacerado de Jêsus. O Julião Pacheco um africano que fora escravo do meu avô era o chefe da Guarda Pretoriana e com muito entusiasmo, comandava seus “soldados’ indo á frente, marcando no chão, com sua lança pontuda, o compasso da “marcha Fúnebre”executada pela Banda Euterpe Montes-clarense durante a procissão. De vez em quando todos paravam . E a Maria Chaves, ( a Maria Beú) com a sua voz cristalina quebrava aquele silêncio, arrancando lágrimas dos fieis enquanto desenrolava o “santo Sudário” mostrando àquela multidão a efígie do Rosto de Jesus Crucificado.Eu me lembro da minha mãe naquela Santa Procissão , com velas acesas ,pingando aquela cera quente nos meus sapatos. Impressionava-me o seu olhar triste e as lágrimas no seu rosto contemplando com tanta piedade, Nossa Senhora das Dores que com o coração trespassado por uma espada acompanhava, com tanta tristeza o seu Filho Morto . Havia tanta piedade naquela representação, tanta fé, tanta devoção daqueles que acompanhavam a procissão !... Mais tarde a Vigília. Eu acreditava mesmo que era um Jesus de verdade morto e deitado naquele esquife quando ia com minha mãe visitá-lo (na adoração) beijar os seus pés, levando uma esmola (moedas ) fechada na pequenina mão. Voltava para casa triste era natural, mas consolada, sabendo que o Judas o apostolo traidor seria castigado . E no Sábado da Aleluia, ansiosamente esperado, logo pela manhã ajuntava gente vindo de todos os lados da cidade , crianças, velhos e moços para “malharem” um enorme boneco barrigudo ( cheio de palha de milho) com botas e chapéu amarrado num poste no Largo da Matriz. Todos queriam tirar uma uma “casquinha”e em pouco tempo, do Judas só restava um montão de cinzas, enquanto uma nuvem de fumaça negra subia açoitada pelo vento . Era assim a nossa Semana Santa, lá pelos “anos 20”( durante toda minha infância) hoje tão diferente!... !!!... Mas eu continuo com a mesma fé, respeitando os dogmas e mandamentos da nossa religião católicaDoutrinados pelo Padre Marcos Van In que me batizou, quando nasci, e 19 anos depois, fez meu casamento, na saudosa Igrejinha do Rosário e mais tarde nesta mesma igrejinha batizou todos os meus filhos. Foi um dos primeiros padres da nossa Paróquia Infelizmente já velho e cansado foi transferido para São Paulo. Ele não queria sair daqui , gostava tanto da nossa terra e era tão querido! No dia da sua partida na despedida a Estação Ferroviária ficou lotada, e ele partiu chorando! (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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