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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 19 de setembro de 2024
 

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Mensagem: O CHINELÃO DOS TROPEIROS

Ruth Tupinambá Graça

Por acaso, existe alguém em nossa cidade que possa me informar onde foi parar o chinelão do Tropeiro, que existia na entrada do aeroporto?
Foi esta a única homenagem que estes valorosos homens receberam,graças à sensibilidade do artista Dr. Konstantin Christoff, único que reconheceu o valor daqueles grandes homens.
Eu fico triste com a nossa comunidade.
Pessoas civilizadas não valorizam a história da nossa cidade e menosprezam pessoas que tanto lutaram para seus filhos sobreviverem naquela época em que era isolada e seu único transporte era o cavalo e o carro de bois.
Estes valentes tropeiros partiam com uma pequena tropa, com destino às outras cidades mais desenvolvidas, para trazerem, no lombo dos burros, tudo que precisávamos: mantimentos e objetos que os comerciantes necessitavam para manter seu comércio e alimentar a população, pois o que ela produzia não era suficiente.
Eram homens simples, mas extremamente corajosos e valentes. Os pés se queimando nas sandálias de couro cru, caminhando pelas estradas, enfrentando intempéries, às vezes chuvas, às vezes um sol escaldante, não falando nas feras que enfrentavam na travessia das extensas e fechadas matas, ouvindo apenas o pio triste da Zabelê e o compassado canto do ´fogo pagou”.
Alegravam um pouco o coração triste e saudoso daqueles pobres viajantes longe das famílias!
Muitas vezes, cansados, alojavam-se à beira de um rio para matar a sede e refrescar o corpo queimado pelo sol escaldante,recuperando as forças para prosseguirem a dura caminhada. Sacrificavam-se, mas não se arrependiam. Consideravam um dever e uma responsabilidade voltarem com o carregamento de alimentos e utensílios que a cidade precisava.
Duravam meses esta viagem, mas voltavam felizes. A geração de hoje não sabe nem calcula o que foi a vida destes homens. Hoje tudo é fácil. Existem transportes de vários tipos, estradas asfaltadas e o viajante pode escolher. Mas, naquele tempo, não existia outra opção.
Esta fase durou anos e os tropeiros eram os incansáveis viajantes a pé, desde a fundação do Arraial de Formigas, até mesmo quando se transformou em Cidade de Montes Claros. Não eram ambiciosos nem exploradores. Eram homens honestos, fieis e orgulhosos da sua profissão, indispensáveis para o crescimento da cidade. Esta já engatinhava, mas era necessário ajudá-la a dar os primeiros passos...
Os negociantes precisavam deles para equilibrar e aumentar o comércio. Felizmente, tinham uma compensação. A comunidade daquele tempo respeitava-os. Com suas roupas simples e surradas, chapéus e sandálias de couro cru, eles eram bem recebidos em todos os lares e muito prestigiados. Eu me lembro (ainda alcancei), havia na cidade 2 Intendências (até os anos 20) mas não me lembro a razão deste nome, sei apenas que foram construídas com licença da Administração Pública, com a finalidade de alojar os viajantes e tropeiros. Uma delas era localizada na Praça da Matriz, hoje Dr. Chaves, bem no local onde é hoje a residência da família do Dr. Santos e ao lado da casa onde foi, por muitos anos, residência da Família Rego. A outra era na Rua Padre Teixeira esquina com Cel. Celestino. Ocupavam grande espaço, era um galpão ocupando meio quarteirão( construção rústica). Esteios altos de madeira de lei e as paredes eram de tábuas grossas que, para melhor ventilação, não iam até o teto, apenas metade e com uma única entrada. Era onde se alojavam os tropeiros, na maioria solteiros, que não tinham residência fixa. Lá eles se arranchavam e guardavam as bruacas, esperando o dia da próxima viagem.
Era um ambiente alegre onde se juntavam os amigos e companheiros das estradas. Num canto, um fogão improvisado com trempes de ferro onde se apoiavam os grandes caldeirões para as feijoadas. À noite, acendiam uma fogueirinha (não havia luz elétrica) e, até chegar o sono, tocavam e cantavam músicas sertanejas,
espalhando o som por toda a Rua Padre Teixeira. Algumas crianças daquela rua (cheias de curiosidade) gostavam de visitar aqueles tropeiros e ás vezes tomavam até um cafezinho.
Nesta época, eu morava também na Rua Padre Teixeira, mas não ia visitá-los, pois as meninas daquele tempo eram muito recatadas e vigiadas (pais severos). Só os meninos tinham estas regalias. Estes tropeiros tiveram influência total no desenvolvimento da nossa cidade e bem mereciam, não apenas uma sandália de cimento(que até desapareceu), mas uma estátua na Praça Dr.Chaves,(onde a cidade começou) ou pelo menos seu nome em uma das avenidas da cidade. Espero que um dia isto ainda aconteça.
*Academia Montesclarense de Letras *Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 97 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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