Receba as notícias do montesclaros.com pelo WhatsApp
montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 29 de novembro de 2024
 

Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.

Clique aqui para exibir os comentários


 

Os dados aqui preenchidos serão exibidos.
Todos os campos são obrigatórios

Mensagem: Em busca do quase perdido Alberto Sena Acontece de os livros não lidos ganharem vida e travarem disputas na estante. Um quer se adiantar ao outro a fim de sentir-se devidamente manuseado e lido. É possível ouvir os diálogos surdos travados uns com os outros. A leitura – eles não entendem – é só uma questão de tempo. Aconteceu até o absurdo de um deles se movimentar levemente na estante sem ser tocado. Pode ter sido movido pelo vento. A janela aberta, o vento entrou e lambeu vorazmente o livro ao ponto de tirá-lo do lugar. Pode ser. Nesta manhã ouviu-se vozerio vindo do meio da estante e um dos livros, “Noites do Sertão”, de João Guimarães Rosa, lido há não se sabe quanto tempo deu de falar mais à frente dos outros. O gesto de tocá-lo aconteceu naturalmente. Os livros não lidos reagiram, mas se conformaram logo em seguida. Foi boa a surpresa reencontrada na página 26, em um trecho referente a Montes Claros. “(...) Ao fim do prazo de trinta, quarenta dias, de viagem desgostosa, com as boiadas, cansativa, jejuado de mulher, chegava em cidade farta, e podia procurar o centro, o doce da vida – aquelas casas. Os dias antes, do alto dos caminhos, e a gente só pensava naquilo, para outra coisa homem não tinha ideia. Montes Claros! Casas mesmo de luxo, já sabidas, os cabarés: um paraíso de Deus, o pasto e a aguada do boiadeiro – o arrieiro Jorge dizia. As moças bonitas, aquela roda de mulheres de toda parecença, de toda idade...” O trecho chama a atenção porque, guardadas as proporções e o interregno temporal, Rosa se refere a essa mesma Montes Claros que se agigantou e hoje guarda em si várias cidades. Os tempos são outros, mas os acontecimentos se repetem. Acompanhem o que Rosa escrevinhou em seguida: “(...) Na Rua dos Patos, em Montes Claros. Todo o mundo se encontrava. Até boiadeiros ricos, homens de trato. Uma vez, estava lá o sr. Goberaldo, chefe político: _ “Vim também, Soropita. Quando a gente está assim em estrada, todo santo é ora-pro-nóbis...” Tocavam música, se endançava. A prumo de chegado, e cumprindo o trivial de obrigação, Soropita ardia de ir. Sabendo que podia passar muitos dias na cidade, primeiro molengava um engano de si mesmo: _ “Tem tempo, amanhã vou; agora eu sesteio...” Não conseguia. Se abrasava. Mas gostava de ir sozinho, calado, disfarçado, pela tarde. Prevenido. Ir de dia, que de noite convinha menos: muito povo vaporado, bêbados – vaqueiros, tropeiros, tangerinos, passadores-de-gado, rapaziada, vagabundos, gente da cidade; povos dos Estados todos. Armavam briga fácil, badernavam. Ao perigoso”. Trazendo para os dias de hoje, o gado atual não possui quatro patas, mas sim quatro pneus de borracha. São os veículos que, segundo dizia o jornalista Dídimo Paiva, do jornal Hoje em Dia, “vão acabar com o mundo”. E parece que a profecia dele se vai realizar mesmo no ritmo estonteante de carros em circulação por vias públicas em vias de explodirem. Um bicho de quatro pneus de cerca de uma tonelada, geralmente transporta um bípede com média de peso de 70 quilos. Uma insensatez. Se lá nos tempos de Rosa muitos eram os perigos, mais perigoso é viver hoje na cidade onde as caras já não são mais conhecidas. Se alguém encontrar nas ruas de Montes Claros a sua alma gêmea e não abordá-la corre o risco de nunca mais reencontrá-la, porque a cidade recebeu gente de todos os cantos do país depois de ter sido cortada pelas BRs 040 e 251. Se Soropita baixasse em Montes Claros de hoje não encontraria mais “aquelas casas” de antanho porque, nesse particular principalmente, os costumes mudaram. Se o personagem de Rosa fugisse das páginas do livro seria capaz de ele soropitar de tão surpreso com a visão da realidade atual. Esse trecho da narrativa de Rosa merece mais reflexão. Onde está, afinal, dentro de Montes Claros metrópole a cidade descrita pelo autor de “Noites do Sertão”? Onde ficavam os cassinos e “aquelas casas”? E a Rua dos Patos, onde era? O que ainda existe? Eis uma boa pauta para algum intrépido repórter que queira escarafunchar o mofo a fim de encontrar algum resquício, ou alguém que tenha vivido os estertores da época, para ciceronear uma busca ao tempo quase perdido. “Ali funcionaram os cassinos, lá ficavam “aquelas casas” onde gerações de montesclarinos tiveram iniciação”. E assim por diante.

Preencha os campos abaixo
Seu nome:
E-mail:
Cidade/UF: /
Comentário:

Trocar letras
Digite as letras que aparecem na imagem acima