Receba as notícias do montesclaros.com pelo WhatsApp
montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 28 de março de 2024
 

Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.

Clique aqui para exibir os comentários


 

Os dados aqui preenchidos serão exibidos.
Todos os campos são obrigatórios

Mensagem: Sobre prisões Isaias caldeira A personagem Javert, policial implacável, magistralmente descrito por Vitor Hugo no romance Os Miseráveis, tinha obsessão em encontrar e prender João Valjean, por um furto cometido há anos e que o condenara às galés, de onde fugira, e essa busca constitui-se num dos eixos centrais desta obra prima, que emociona o leitor desde a primeira página. No final da extensa obra, realiza o perseguidor seu intento, encurralando sua presa. Entanto, após tantos anos em seu encalço, conhecendo sua vida dedicada aos mais pobres e honesta, desiste de efetuar a prisão e suicida-se , porque para ele, Javert, ao deixar de cumprir com sua obrigação policial, somente a morte poderia aplacar a vergonha da sua omissão, mesmo que por razões mais que justificadas no contexto da obra. Também em O Alienista, do maior escritor brasileiro, Machado de Assis, a personagem Simão Bacamarte, médico formado em Portugal, que passa a estudar e catalogar os loucos e as loucuras na pequena Itaguaí, no Rio de janeiro, após internar a cidade inteira, até sua esposa, acaba sendo ele mesmo encerrado nas grades do manicômio que criara. Essas obras , uma de caráter mais romântico e a outra realista, desenham quadros sociais perfeitamente reconhecíveis por todas as gerações, evidentemente com as tintas dos notáveis escritores que as criaram. Ambas estão a nos alertar para o perigo dos excessos, das obsessões, das ideias fixas, em como elas se apresentam em algum momento da história, partindo muitas vezes de uma tese plausível, racional na aparência, mas incapaz de uma antítese, sem o corolário lógico de uma síntese. Pois bem, essas lições não são consideradas por alguns dos detentores de poder no aparato estatal, muitas vezes por desconhecimento ou por simples desprezo aos seus conteúdos morais. Contextualizando as obras aos dias atuais, vê-se que nunca foram presas tantas autoridades e empresários como nesta safra da nossa história, o que, se tem um caráter positivo, do império da lei para todos, deixa dúvidas sobre a prevalência da lei processual em vigor, quanto aos requisitos para as prisões preventivas. Basta uma causa ou pretexto palatável ao grande público para justificar um decreto prisional, pois os fundamentos das prisões em geral mostram elevado grau de subjetividade, apoiando-se em perspectivas, na categoria das possibilidades, mas não do real, aqui entendido como fato incontroverso, inserto no mundo e perceptível aos sentidos. Sob a premissa que o investigado poderá fazer ou deixar de fazer algo que dificulte o processo, decreta-se o acautelamento, em geral, mas não unicamente por isso, repito. Pouco importa se o cidadão tem empresas que empregam milhares de pessoas, com décadas de atividades no país e no exterior, gerando rendas e prestígio ao Brasil. Uma vida sem máculas, endereço no País, serviços prestados à nação, nada disso conta quando das prisões cautelares, de modo que fica a impressão que mais vale uma vida desonesta e criminosa, como a maioria dos bandidos que infernizam a vida dos brasileiros cotidianamente, que ter um passado de trabalho e honrado, sob a ótica de alguns intérpretes do Código de Processo Penal. Se suspeito, prende-se. Enxovalhado publicamente e para sempre, pois já teve sua pena antecipada, sem sequer um processo formal que a legitime, em meros inquéritos investigativos. Não podemos esquecer que a execração pública era uma modalidade de condenação em tempos nem tão antigos, com a marca escarlate no rosto do condenado, ou ser arrastado amarrado ao rabo de um cavalo pela cidade, para conhecimento da população, mas depois de um processo. Hoje a mídia se encarrega disso previamente, registrando a morte moral do acusado, na mesma fogueira pública onde arderam as vidas de tantas pessoas no passado, sob o aplauso da massa sedenta de sangue, do martírio de alguém como justificativa para fracassos públicos e privados. Nem falo das tais conduções coercitivas de quem não se recusou a depor. Foram buscar fundamentação jurídica no Código de Processo Civil para este absurdo, o que jamais imaginei presenciar numa democracia, onde a Constituição Federal limita as privações de liberdade aos casos de flagrantes e prisões por ordem judicial, obviamente em cautelares previstas no Código Processual Penal e em sentenças condenatórias. Ser conduzido coercitivamente é ser privado de liberdade naquele momento, sem sequer saber qual crime é imputado. Depois, o investigado tem direito ao silêncio, sem nenhum prejuízo, então é uma medida injustificável juridicamente. Estou certo que ela somente humilha e destrói moralmente o cidadão suspeito. Mas ninguém reclama, incluindo a OAB, todos reféns das boas intenções dos agentes do Estado, dos fins buscados, de coibir a corrupção. Danem-se os meios. Não é esta a Democracia que imaginei após o governo dos militares. O estado de direito deve ser imperativo para todos, com prisões de quem quer que desafie a ordem jurídica, mas dentro do devido processo legal. Receio que com tantas decretos prisionais, ao final sejamos todos encarcerados, sob a ordem de algum Simão Bacamarte do Judiciário, sem termos um Inspetor Javert moralmente capaz de resistir ao cumprimento da ordem. Isaías Caldeira é juiz na Comarca de M. Claros

Preencha os campos abaixo
Seu nome:
E-mail:
Cidade/UF: /
Comentário:

Trocar letras
Digite as letras que aparecem na imagem acima