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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 20 de abril de 2024
 

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Mensagem: Do isolamento à perversidade, os últimos dias do vigia que incendiou creche em Minas Gerais - Júlia Dias Carneiro - Há 18 minutos - Enquanto multidões comovidas acompanharam os velórios das primeiras vítimas do ataque de Janaúba, no norte de Minas Gerais, na sexta-feira, o corpo do vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, foi sepultado em uma cerimônia discreta, sem a presença de parentes, buscando ao máximo evitar a atenção - e a revolta - da cidade que passou a vê-lo como um monstro. Vizinhos, funcionários da creche e familiares agora se perguntam retrospectivamente quem era Damião, um homem que não chamava atenção, ´proseava´ com os moradores da vizinhança e vendia picolés, que ele mesmo fazia, para as crianças. O homem que planejou e levou a cabo o incêndio na creche Gente Inocente, na quinta-feira, era caçula entre os irmã de uma família de sete mulheres e quatro homens e cresceu em uma família humilde, porém ´muito unida, trabalhadora, de coração bom´, diz sua irmã, Maria Alexandrina dos Reis Santos, de 59 anos. Na manhã de quinta-feira, Damião chegou à creche dizendo que ia entregar um atestado médico. Ao entrar, jogou combustível em si mesmo e em quem mais conseguiu alcançar, entre crianças e funcionários, e ateou fogo. De acordo com o delegado regional Bruno Fernandes, ele chegou a abraçar algumas crianças no meio das chamas. O ataque matou sete crianças de 4 a 6 anos e a professora Helley Abreu Batista, de 43 anos, deixando a cidade de 72 mil moradores toda de luto. Damião chegou a ser levado para o hospital com queimaduras, mas também morreu, horas depois. Mais de 40 pessoas ficaram feridas, e algumas crianças ainda estão em estado grave devido à extensão das queimaduras. Os casos mais graves foram levados para hospitais em Montes Claros e Belo Horizonte. Damião era funcionário efetivo da prefeitura desde 2008 e, de acordo com o prefeito Carlos Isaildon Mendes, nunca apresentara qualquer problema. Ele estava afastado da creche desde julho, primeiro de férias, e depois alegando problemas médicos. Abalo Maria foi a única familiar a comparecer à funerária para lidar com o enterro do irmão, mas nem ela nem outros parentes foram ao sepultamento. ´Estamos muito abalados. São duas dores que a gente tá sentindo. Por todas as crianças e famílias que estão sofrendo e pelo irmão. Nem velar ele podemos. Está tudo muito triste, doído´, diz Maria. ´Estou com o coração esbagaçado.´ Maria diz que o irmão vinha apresentando problemas ´de cabeça´ que começaram depois que o pai morreu, há três anos. ´Ele falava que a gente estava envenenando as coisas dele. Ele saiu da casa da mamãe, foi morar sozinho. Uma pessoas que fez o que ele fez não está certo da cabeça, não. Um homem que teve a coragem de fazer o que ele fez, tirar a vida dele e de tantas criancinhas´, diz a irmã. ´Ele era uma pessoa boa, bem humilde, bem educado, um servidor honesto. O apelido dele na família era Dão. Agora fez um erro assim...´ Damião foi enterrado no cemitério São Lucas, o mesmo que suas vítimas, mas em um horário que não coincidisse com os demais sepultamentos. A família ficou com medo de enterrá-lo - ´as pessoas estavam falando que iam pegar o corpo dele e jogar no asfalto´, diz Maria - e chegou a perguntar à funerária se seria possível uma cremação, mas não havia documentação de Damião para permitir o procedimento. ´Quero pedir muitas muitas desculpas a todas as famílias. Só peço que as pessoas entendam que a família de Damião não é culpada. Está todo mundo muito abalado. Estamos orando, pedindo paz e harmonia para todas as famílias´, diz. Nesses últimos três anos, Maria afirma que a família praticamente não teve contato com o Damião. Ele se isolou depois de sair da casa da mãe. Porém, reapareceu dias antes do ataque. Reaproximou-se da família, conheceu um sobrinho de 3 anos que nunca tinha visto e dormiu as duas últimas noites na casa da mãe. Reclamou que vinha vomitando muito e vomitou muito de manhã, conta a irmã. A família conversou com um psicólogo que veio atender outro parente e quis levá-lo para conhecer o Damião - mas isso já foi na manhã do ataque. `Premeditado` Damião escolheu o aniversário de três anos de morte do pai para o incêndio na creche. De acordo com o delegado regional Bruno Fernandes, há outras evidências de que o ataque tenha sido ´arquitetado, premeditado´: a polícia encontrou galões de gasolina na casa de Damião, e dois dias antes do incêndio ele falou à família que iria morrer e que iria dar aquele ´presente´ aos parentes. Para o delegado, isso esvazia a teoria de que ele poderia ter tido um surto psiquiátrico. ´Não foi um surto. Ele fez por perversidade´, acredita Fernandes. ´Por covardia, resolveu se autoimolar e levar junto quem tinha pela frente. E foi tudo premeditado, até a data escolhida. Foi uma forma que ele achou de chamar atenção.´ Mas o delegado diz não ter dúvidas de que Damião tinha um transtorno psiquiátrico. ´Ele tinha uma síndrome de perseguição. Achava que as pessoas estavam perseguindo-o para matá-lo envenenado´, diz. Em 2014, Damião procurou o Ministério Público Estadual, que o encaminhou para o Centro de Atenção Psicossocial de Janaúba (Caps). ´Ele busca ajuda e a ajuda é oferecida, mas ele não quer. Ele resolve por si só se tornar um homem sozinho, solitário.´ De acordo com sua irmã, Damião nunca casou nem teve filhos. A casa de dois cômodos onde morou nos últimos anos era ´totalmente insalubre e inóspita´, diz o delegado. ´Estava muito suja, parecia que ninguém morava lá havia muito tempo.´ Gasolina em galão de sorvete Nas buscas realizadas em sua casa, os agentes da Polícia Civil encontraram anotações de Damião com textos confusos e pouco concatenados contendo referências ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma nota da Polícia Civil chegou a falar que o vigia era ´obcecado por crianças´. ´Ele gostava muito de crianças. Fabricava picolé e vendia ou às vezes até dava para as crianças na rua´, diz. O delegado acredita que foi num galão de sorvete, ´desses grandes de 10 litros´, que Damião levou a gasolina na mochila para dentro da creche. O recipiente não está entre as provas coletadas pela polícia: derreteu após o fogo iniciado por Damião, que atingiu quatro salas adjacentes. A BBC Brasil obteve acesso às salas de aula e constatou a dimensão do estrago: brinquedos e livros carbonizados no chão, parede e pisos tingidos de negro pela fumaça, e o teto praticamente todo derretido, as tiras de PVC que antes formavam o forro caídas ou penduradas, retorcidas. Alguns chinelos e sapatinhos das crianças ainda se encontram espalhados pelo chão. A creche fica no bairro Rio Novo, na periferia de Janaúba, em uma rua de piso de chão. Após as cenas de caos e desespero durante o incêndio, a rua estava quieta no dia seguinte ao ataque. A maioria dos vizinhos conhecia Damião. ´Era um homem normal, quieto, tinha amizade com todo mundo´, relata uma moça que se identifica apenas como Juliana. ´Todas as mães aqui da rua estão em choque, porque ele ficava aqui sentado na calçada e as crianças ficavam falando com ele. Nossos filhos conviviam com ele.´ Jucimar Pereira Franco, que mora em frente à creche, diz que Damião chegava mais cedo para começar o turno de vigia noturno e ficava conversando com os vizinhos. Na quinta-feira, ele foi um dos muitos que ajudaram no socorro. Entrou na creche no meio daquele ´fumação preto´ e conseguiu tirar duas crianças. ´Quando peguei a segunda, parecia que não tinha mais nada segurando a pele dela´, conta Jucimar, ainda em choque. ´O que levou ele (Damião) a fazer isso? É uma coisa que a gente quebra a cabeça pra tentar entender.´

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