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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 4 de maio de 2024


Ruth Tupinambá    [email protected]
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Por Ruth Tupinambá - 4/12/2013 17:02:32
Oi Eliana Obrigada pelas informações sobre o Chinelão dos Tropeiros e pela sua atenção.Um abraço Ruth


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Por Ruth Tupinambá - 28/11/2013 09:17:32

O CHINELÃO DOS TROPEIROS

Ruth Tupinambá Graça

Por acaso, existe alguém em nossa cidade que possa me informar onde foi parar o chinelão do Tropeiro, que existia na entrada do aeroporto?
Foi esta a única homenagem que estes valorosos homens receberam,graças à sensibilidade do artista Dr. Konstantin Christoff, único que reconheceu o valor daqueles grandes homens.
Eu fico triste com a nossa comunidade.
Pessoas civilizadas não valorizam a história da nossa cidade e menosprezam pessoas que tanto lutaram para seus filhos sobreviverem naquela época em que era isolada e seu único transporte era o cavalo e o carro de bois.
Estes valentes tropeiros partiam com uma pequena tropa, com destino às outras cidades mais desenvolvidas, para trazerem, no lombo dos burros, tudo que precisávamos: mantimentos e objetos que os comerciantes necessitavam para manter seu comércio e alimentar a população, pois o que ela produzia não era suficiente.
Eram homens simples, mas extremamente corajosos e valentes. Os pés se queimando nas sandálias de couro cru, caminhando pelas estradas, enfrentando intempéries, às vezes chuvas, às vezes um sol escaldante, não falando nas feras que enfrentavam na travessia das extensas e fechadas matas, ouvindo apenas o pio triste da Zabelê e o compassado canto do "fogo pagou”.
Alegravam um pouco o coração triste e saudoso daqueles pobres viajantes longe das famílias!
Muitas vezes, cansados, alojavam-se à beira de um rio para matar a sede e refrescar o corpo queimado pelo sol escaldante,recuperando as forças para prosseguirem a dura caminhada. Sacrificavam-se, mas não se arrependiam. Consideravam um dever e uma responsabilidade voltarem com o carregamento de alimentos e utensílios que a cidade precisava.
Duravam meses esta viagem, mas voltavam felizes. A geração de hoje não sabe nem calcula o que foi a vida destes homens. Hoje tudo é fácil. Existem transportes de vários tipos, estradas asfaltadas e o viajante pode escolher. Mas, naquele tempo, não existia outra opção.
Esta fase durou anos e os tropeiros eram os incansáveis viajantes a pé, desde a fundação do Arraial de Formigas, até mesmo quando se transformou em Cidade de Montes Claros. Não eram ambiciosos nem exploradores. Eram homens honestos, fieis e orgulhosos da sua profissão, indispensáveis para o crescimento da cidade. Esta já engatinhava, mas era necessário ajudá-la a dar os primeiros passos...
Os negociantes precisavam deles para equilibrar e aumentar o comércio. Felizmente, tinham uma compensação. A comunidade daquele tempo respeitava-os. Com suas roupas simples e surradas, chapéus e sandálias de couro cru, eles eram bem recebidos em todos os lares e muito prestigiados. Eu me lembro (ainda alcancei), havia na cidade 2 Intendências (até os anos 20) mas não me lembro a razão deste nome, sei apenas que foram construídas com licença da Administração Pública, com a finalidade de alojar os viajantes e tropeiros. Uma delas era localizada na Praça da Matriz, hoje Dr. Chaves, bem no local onde é hoje a residência da família do Dr. Santos e ao lado da casa onde foi, por muitos anos, residência da Família Rego. A outra era na Rua Padre Teixeira esquina com Cel. Celestino. Ocupavam grande espaço, era um galpão ocupando meio quarteirão( construção rústica). Esteios altos de madeira de lei e as paredes eram de tábuas grossas que, para melhor ventilação, não iam até o teto, apenas metade e com uma única entrada. Era onde se alojavam os tropeiros, na maioria solteiros, que não tinham residência fixa. Lá eles se arranchavam e guardavam as bruacas, esperando o dia da próxima viagem.
Era um ambiente alegre onde se juntavam os amigos e companheiros das estradas. Num canto, um fogão improvisado com trempes de ferro onde se apoiavam os grandes caldeirões para as feijoadas. À noite, acendiam uma fogueirinha (não havia luz elétrica) e, até chegar o sono, tocavam e cantavam músicas sertanejas,
espalhando o som por toda a Rua Padre Teixeira. Algumas crianças daquela rua (cheias de curiosidade) gostavam de visitar aqueles tropeiros e ás vezes tomavam até um cafezinho.
Nesta época, eu morava também na Rua Padre Teixeira, mas não ia visitá-los, pois as meninas daquele tempo eram muito recatadas e vigiadas (pais severos). Só os meninos tinham estas regalias. Estes tropeiros tiveram influência total no desenvolvimento da nossa cidade e bem mereciam, não apenas uma sandália de cimento(que até desapareceu), mas uma estátua na Praça Dr.Chaves,(onde a cidade começou) ou pelo menos seu nome em uma das avenidas da cidade. Espero que um dia isto ainda aconteça.
*Academia Montesclarense de Letras *Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 97 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 13/11/2013 23:03:59
TERRÍVEIS PRESSENTIMENTOS

Ruth Tupinambá Graça

Eu fico olhando da janela do meu quarto, no sexto andar a beleza da nossa cidade. Não há nenhuma outra com um céu tão lindo. Ela é também uma cidade agradecida. Com as poucas chuvas que tivemos percebo uma enorme transformação. As serras que a contornam antes tão ressequidas estão agora mais bonitas , mais verdes. Percebe-se até os ipês floridos colorindo a paisagem afirmando -nos a persistência da natureza tão perseguida pelo homem.
Uma linha verde sinuosa e bem delineada, contrastando com o céu azul contorna toda a cidade podendo-se notar a sua extensão e o quanto ela cresceu. Não me canso de admirar os morros "Dois Irmãos" que apesar de toda a maldade e exploração das Empresas de Cimento,que vêm corroendo-os covardemente pelas costas tanto, que ouvi dizer que eles estão parecendo uma boca da qual se arrancaram Todos os dentes ficando apenas os buracos.... Mas apesar de tudo eles continuam firmes e como dois guardiões guardando a nossa cidade.
Montes Claros nasceu para ser uma cidade ideal, bonita, pacata, teve outrora uma qualidade de vida que até hoje nos lembramos com saudade. Durante anos ela foi uma cidade simples, pequena, iluminada, a noite, apenas pelo luar do sertão.Aquele luar que hoje não mais percebemos assim como tantas outras belezas que desapareceram do sertão mineiro Onde andarão agora as famílias que naquele tempo, se comunicavam numa convivência tão amiga?
Mesmo com todas as dificuldades e desconforto de uma cidade pequena eram felizes como verdadeiras famílias de mineiros. Sentavam-se em cadeiras na calçada com os vizinhos, batiam longos papos, horas privilegiadas (que hoje não temos) em que cada qual vinha aderir ,sem cerimônia, pois sabiam que eram bem vindos e cada qual tinha uma novidade para contar: um acontecimento político importante,casamentos,fofocas de família, namorados e pretendentes das "donzelas", enfim os acontecimentos que as amigas precisavam saber tudo na maior confiança. Ali mesmo servia-se um cafezinho gostoso com biscoitos caseiros, trocavam -se receitas, enquanto as crianças se esbaldavam na rua despreocupadas e também felizes.
Tinham realmente uma infância porque a cidade era aconchegante tranquila, lvre das maldades e violências. Até então desde a sua fundação, Montes Claros era uma cidade pequena, poucos habitantes esquecida pelo nosso governo que nem se percebia a existência daquela "gema" preciosa encrustada neste abandonado sertão mineiro, tantos anos sem comunicação e transporte. Mas o que aconteceu?
Com a chegada do trem de ferro em 1926 e as facilidades de comunicação ela cresceu desordenadamente , tanto vertical como horizontalmente, sem um Plano Diretor que a transformasse numa cidade bem traçada com todos os requisitos necessários ao seu desenvolvimento físico,econômico e social.Velozmente seus habitantes chegaram á 400.000 e os montesclarenses dormindo em "berço esplendido"não perceberam a invasão que aqui se ocorreu devido a sua fama de cidade hospitaleira (que todos recebe com o coração) e de grande futuro.
Ela cresceu muito é um fato inegável mas a qualidade de vida caiu. Temos comunicação, transporte, residências maravilhosas, condomínios invejáveis. Edifícios subindo dia a dia, como num passe de mágica, faculdades de todos os tipos, um mundo de lojas lanchonetes aparecem de repente. As ruas estreitas entupidas de carros e motos dificultando o transito.
Mas o que adianta tudo isto se vivemos escorraçados, medrosos, escondidos atrás das cercas elétricas enquanto os bandidos, ladrões e assassinos andam soltos matando e roubando sem punição? É que o progresso de uma cidade não deve ser baseado só na economia. Infelizmente o ter suplantou o ser. Todos querem fortuna e posições vantajosas. Deslumbrados com o crescimento físico e econômico da nossa cidade se esquecem que ela não tem estrutura suficiente Para tanto desenvolvimento. Falta água, esgoto em toda a cidade.A saúde,educação e higiene da cidade estão em crise. Faltam escolas municipais e estaduais de ensino fundamental( com tempo integral) prejudicando, principalmente a periferia com a falta de assistência às crianças e jovens, aumentando o numero de candidatos ás drogas.
A violência assusta e gera o medo. Não há esperança. Até onde chegará esta angustia e sofrimento? A Administração Publica não poderá ´resolver tudo sozinha. É necessário a colaboração de todos os meios. Deixem de lado o egoísmo, as "paixões políticas", as "picuinhas de partidos", reunindo-se todos numa mesa redonda:Administração Pública, Comunidade,Partidos Políticos, Deputados e Vereadores com um só pensamento: Socorrer Montes Claros!!....
Sou a vovó da cidade (97 anos) e como tal acompanhando-a em toda esta trajetória posso até dar um puxão de orelha nos montesclarenses, Acordem!... E que esta providência seja urgente. Do contrário o fracasso da nossa cidade será um fato consumado e não adiantará , mais tarde," chorar o leite derramado

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 97 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 31/10/2013 17:11:36
"o garoto Fifi que morreu vitima das balas disparadas naquela noite trágica"
Oi Antonio Carlos este tiroteio de 6/2/30 tem hoje várias versões pois os jornais daquela época fantaziaram aquele acontecimento. Eu hoje estou com 97 anos.Naquela época eu só não acompanhei o cortejo por ter sido avisada que teria tiroteio. Mas fui a Estação presenciei todos os acontecimentos daquela época. Eu era vizinha de Dona Tiburtina. Eu conheci o Fifi (era mais ou menos da minha idade) filho adotivo do Rr. Lindolfo Quinteiro e Sr,Luis, eram dois alfaiates(solteiros e moravam juntos) residentes em Montes Claros.O fifi era ailhado do Dr. João Alves e frequentava a sua casa. Na época disseram que ele foi morto na porta da residência do seu padrinho.( Talvez para culpar o povo da Comitiva).Eu omiti o seu nome por que ele não estava na Passeata. O seu corpo foi recolhido por pessoas da residência. Nimguém sabe ,ao certo, qual a bala que o matou.Talvez pode ter sido dos próprios jagunços. Existem muitas dúvidas sobre o numero das vitimas do tiroteio. Nunca teremos a certeza.
Obrigada pela sua atenção.



76365
Por Ruth Tupinambá - 30/10/2013 17:30:45
NA FASE DOS “BATE PAUS”

Ruth Tupinambá Graça

Os montesclarenses de hoje não são capazes de avaliar o que foi a nossa cidade nos anos 30.
Hoje vivem medrosos, aflitos e preocupados com a violência e os crimes absurdos em decorrência do tráfico de drogas. Mas não sabem que a nossa cidade, no seu passado, foi vitima de violências terríveis, iguais as de hoje, talvez piores.
Tudo aconteceu depois da terrível tragédia de 6 de Fevereiro de 1930, quando os jagunços de Dona Tiburtina (a seu mando) atacaram a Comitiva do Dr. Fernando de Melo Viana, Vice -Presidente da Republica, que veio à nossa cidade fazer política, almejando a Presidência e anunciando um grande comício,tudo apoiado com muito entusiasmo pelos adversários da Aliança Liberal, da qual Dona Tiburtina era forte correligionária.
Embora eu morasse bem perto da Estação Ferroviária e apesar da minha vontade de acompanhar a Comitiva, não fui. O pai da amiga Alaíde, Sr. Arthur Amorim, nos preveniu: "vocês não vão descer acompanhando a Comitiva. Fui avisado por um amigo que haverá tiroteio (caso haja provocação) e os jagunços já estão prevenidos".
Foi a minha sorte.
Quando a Comitiva passava em frente a casa da Dona Tiburtina os jagunços de cima das árvores, armados, dispararam suas carabinas sobre a multidão. O desespero foi total. Dr. João Alves gritava: "não atirem!" Há crianças e mulheres, mas já era tarde. Nunca saberemos ao certo se houve alguma provocação, o fato é que os jagunços obedeceram ao mandado.
Sabemos que morreram várias pessoas, inclusive o Secretario do Dr. Melo Viana, Doutor Fleury da Rocha, Yracy de Oliveira Novais (irmã de Jair Oliveira) e o jornalista João S. da Silva.
Mas há dúvidas sobre o número dos mortos, pois, para o comício, tinham vindo muitos políticos e pessoas das cidades vizinhas. Supõe-se que talvez algum tenha sido vitima desta monstruosidade. Talvez esta suposição tenha fundamento, pelo que na construção da sede do Automóvel Clube de Montes Claros, justamente no local onde fora a residência da Dona Tiburtina, houve um boato: de que nas escavações encontraram uma cisterna cheia de esqueletos. Mas nunca saberemos, ao certo, quais foram estas vitimas...
Após o tiroteio, os parentes recolheram as vitimas e, talvez, na calada da noite, os jagunços tenham recolhido algum destes visitantes vindos para participarem do comício. A Comitiva também recolheu suas vitimas. Desceu a Rua Dom João Pimenta parando na esquina (casa da Dona Fininha Silveira) para se refazer do choque, beber água voltando imediatamente para Belo Horizonte.
Foi a minha sorte não ter acompanhado a Comitiva: talvez eu tivesse morrido também (e não estaria aqui hoje contando para vocês esta história) nesta fatídica noite em que Montes Claros perdeu seus filhos inocentes.
No dia seguinte ao tiroteio, satisfazendo minha curiosidade de adolescente resolvi sair de casa (apesar dos apelos da minha mãe) e passando onde ocorreu o sinistro acontecimento, tive que saltar vários pocinhos de sangue espalhados entre as pedras , em todo o quarteirão. . Fiquei atordoada e, para meu desespero ,a cidade estava completamente deserta, paralisada, ninguém nas ruas. Todos ainda chocados e assombrados permaneciam em casa, patéticos...
A revolta e o sofrimento permaneciam no ar. Aí começou a fase negra dos anos 30. A valentia daquela mulher não parou, vindo a fase da vingança, aproveitando a força da política.
Naquela época o chefe do Batalhão de Policia era o Cel. Coelho, nomeado pelo Governador. Com ares de protetor da humanidade, resolveu criar um batalhão para proteger a cidade, mas na verdade era para atacar os adversários da Aliança Liberal, partido do Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (Governador de Minas Gerais) do qual Dona Tiburtina era forte correligionária em nossa cidade. Dr. João Alves era o chefe do partido Aliança Liberal, mas ele era um médico dedicado à sua profissão, muito pacifico pouco ligava para a política e Dona Tiburtina é quem mandava no partido dando rédeas à sua maldade. Criou-se o "Batalhão", mas infiltrado nele estavam os mais valentes jagunços de Dona Tiburtina: Velho de Lilía, Ezuperio Ferrador, Joaquim Preto, Manoel Baiano e outros... Este grupo de "voluntários" fantasiados de soldados: com uniforme de "brim cáqui," polainas, boné, revolver na cintura (durante o dia) e, à noite, armado com porretes bem fortes, percorria as ruas atacando os adversários da Aliança Liberal, os correligionários de Julio Prestes.
Como sofreram estes políticos!...
Com a vitória da Revolução de 30(vitória de Getulio Vargas) esta valente mulher ficou com mais força política. Foi a fase negra dos "Bate Paus". À meia noite eles percorriam a cidade já sabendo quem iriam atacar. Assaltavam a residência da vítima, tiravam-na da cama levando-a para o suplício. Onde é hoje a Catedral havia um cemitério velho. Lá era o palco da maldade, onde os "Bate Paus" surravam covardemente as vítimas. No dia seguinte eram levados para casa, quase mortos, pelos parentes. Milhares de pessoas honestas, senhores respeitáveis, foram massacrados e muitos morreram em conseqüência dos ferimentos. Luis Carlos Novaes (Peré) que o diga, pois alguns dos seus familiares foram vítimas destes falsos soldados.
Terríveis violências contra o ser humano foram cometidas naquele período e nada aconteceu aos criminosos. A Gazeta do Norte ,jornal da cidade, foi brutalmente vítima dos "Bate Paus". Quebraram todas as máquinas, queimaram tudo, até a Bandeira Nacional e ainda, não satisfeitos, derrubaram a casa onde funcionava o nosso melhor jornal. Dona Tiburtina estava com a corda toda: proteção do nosso Governo e da nossa Polícia. Anos depois, houve um "júri muito especial" e os criminosos nada sofreram.
Este reinado de maldades e injustiças durou anos. E a nossa cidade ficou conhecida em todo país como "cidade assassina.". Mas, política é como uma fruta: brota, cresce, amadurece, depois apodrece... E cai. Com o passar dos anos (Deus não dorme) a política mudou, mudando também as reações governamentais. Quem estava por baixo, subiu... E a história se repete. Dona Tiburtina perdeu o prestigio e a valentia. Caiu na realidade. Viúva, pela segunda vez, teve um fim de vida muito triste, doente (viciada em morfina, por causa das dores) abandonada pela sociedade, fazendo jus aos danos e tantos sofrimentos que causou às famílias de nossa cidade. Moral da história: Colhemos o que plantamos.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 11/10/2013 10:50:17
Felicidade Vasconcelo Tupynambá

Uma mulher de Fibra

Ruth Tupinambá Graça

Quem aqui na nossa cidade não conhece a Fely Tupinambá ?
Se tal acontece, saiba que está perdendo uma oportunidade de conviver com esta grande mulher! Quem a conhece percebe logo a sua inteligência, sua educação, simpatia e a alegria de viver, levando a vida com seu sorriso encantador, conquistando (à primeira vista)a quem dela se aproxima.
Advogada e jornalista, está completando agora 25 anos de imprensa colaborando em todos os jornais da nossa cidade e principalmente no canal 20, com extraordinário êxito, trabalhando incansavelmente pela nossa Montes Claros (sua terra natal), em todos os setores: políticos, sociais e financeiros. O traço característico da sua personalidade é a filantropia, dedicando-se inteiramente às obras sociais da nossa cidade, cujo trabalho é o retrato do seu caráter.
Pertence ao Rotary Clube Leste de Montes Claros do qual foi a fundadora e Presidente, sendo a primeira mulher a ocupar este cargo no Rotary Clube. Não são poucas as promoções que ela tem realizado, enfrentando dificuldades de toda espécie, cujas rendas são dedicadas a obras sociais a fim de minorar o sofrimento dos velhinhos nos Asilos e Casas de Caridade e também das crianças carentes nas Creches e Orfanatos da nossa terra. Com sua garra, a grande amizade e dedicação que desfruta no seio da nossa sociedade, ela tornou- se uma criatura impar.
É admirável a sua firmeza, persistência e seu tino administrativo quando quer realizar qualquer evento, enfrentando este mundo de hoje .
A maioria das pessoas é egoísta e só pensa em "ter"e não coopera como deveria, para o bem maior do próximo.Esqueceram-se do mandamento da Lei de Deus. Mas ela consegue ,com êxito, tudo que almeja e planeja. É, sobretudo uma criatura adorável e amiga sincera. Sempre animada, proporcionando alegria a todos que dela se aproximam
Eu tive oportunidade de observar (neste domingo 29 /09/) o seu tradicional "Arroz com Pequi da Fely", na bela Chácara Bugari. Fiquei surpresa ao ver a beleza do ambiente ,ricamente decorado com peças finíssimas, flores naturais em arranjos com muito gosto. As mesas bem arrumadas, cobertas com toalhas de tecido estampado alegre e ao centro, jarrões bem decorados. O ambiente lotado era só alegria e amizade, onde todos se comunicavam, comprovando o poder, a força, a capacidade e o amor com que a Fely organiza qualquer evento, confirmando o seu prestigio na nossa sociedade.
O "Arroz com Pequi da Fely" é realmente um excelente acontecimento social dando oportunidade ao montesclarense de esquecer um pouco as preocupações e amenizar o "estresse", colaborando (de maneira agradável) com as obras sociais. Está provado que todos que dele participam o fazem com satisfação,desfrutando intensamente bons momentos num ambiente agradável e descontraído. Para completar este acontecimento foi servido um farto "almoção delicioso" tudo quentinho e cheiroso, para ninguém botar defeito: diversos caldos, churrasco, salgadinhos variados, bebidas á vontade e sobremesas tudo com muita fartura. E para finalizar aquele "banquete" foi servido o celebre Arroz com Pequi fazendo jus a nossa tão querida "A Fruta Amarela"(titulo do belo livro do Flávio Pinto) que é, sempre foi e será a decantada fruta milagrosa do cerrado do nosso sertão mineiro. No grande salão a alegria foi total de todos os lados com a música do Grupo Pagodear até o anoitecer, com o som gostoso do nosso samba brasileiro e do excitante "forró".
Até a chuva colaborou dando o ar da sua graça e desafiando o calor, justamente quando todos ansiavam pela sua chegada, Foi aquela alegria e palmas a valer!!.. Os casais se esbaldaram, desenferrujando os joelhos,acompanhados pelos jovens com muita garra.
Parabéns Fely! Que Deus continue derramando sobre você esta luz que a faz tão corajosa, tão querida e admirada pelo seu valoroso trabalho, e, sobretudo, como a protetora dos mais necessitados.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 4/10/2013 15:58:32
VELHICE NÃO É DOENÇA

Ruth Tupinambá Graça

O velho não é um doente, nem sempre um esclerosado. Com os cabelos grisalhos, as alvas barbas , sob sua pele enrugada e muitas vezes encarquilhada, existe um coração que palpita cheio de vida e uma alma transbordando de sensibilidade e experiência.
O velho é geralmente triste e solitário, traz a alma cheia de recordações de um passado longínquo e de uma felicidade perdida nas brumas do passado. O velho é muitas vezes desiludido com a desigualdade social e injustiças que os anos lhe deram oportunidade de presenciar e julgar. Quantas vezes o velho é ignorado e simplesmente esquecido dentro do seu próprio lar? Quantos se sentem frustrados, por não serem compreendidos e são considerados um estorvo, um obstáculo por sua própria família? Quantos acabam seus dias num asilo qualquer, longe do convívio dos seus, angustiados pela saudade dos netinhos, sonhando tê-los ao colo, acariciá-los, ouvir sua tagarelice, sentir a carícia de suas mãozinhas frágeis e delicadas, percorrendo seu rosto envelhecido, alisando-lhe os cabelos brancos...
Quantas vezes, acusados, injustamente, por “estragar” os netinhos, só por amá-los demais e tolerarem pacientemente suas peraltices, sempre considerados os responsáveis pelas traquinagens e birra dos netos, por mimá-los excessivamente? Quanta injustiça comete a família e, numa análise fria, chega-se à conclusão de que o netinho deverá se separar da vovozinha. Ambos sentem-se chocados com a separação e mais ainda a vovó, porque, nessa fase, os filhos se vão um a um, seguindo seu destino, o seu amor. Para sublimar esta ausência, os velhos se apegam aos netinhos... Ninguém poderá viver sem um afeto. Façamos um exame de consciência: Será que, absorvido com o conforto, o aconchego da família, passeios e mordomias, você não estará cometendo uma injustiça, esquecendo-se daquele que, em outras épocas, lhe deu tudo, talvez o melhor de sua própria vida?
Que por você sacrificou uma existência inteira e ainda hoje o faria, se lhe fosse possível? Será que, por desencargo da consciência, você não o jogou num asilo qualquer, negando-lhe sua assistência e o seu convívio no lar? Isto seria uma crueldade; uma violência seria negar-lhe tudo. O velho geralmente se conforma em ser um rejeitado, um marginalizado e se deprime, sentindo que realmente não serve mais para nada, nem mesmo para um conselho, uma opinião. Mas não devemos pensar assim, eles valem muito, não só pela experiência que transmitem, de um passado bem vivido, como pelo conforto de sua companhia.
Nesta semana, em que homenageamos o idoso, pensemos um pouco, não só nos nossos velhinhos, mas também naqueles que estão perambulando pelas ruas, infelizes ou deitados nas calçadas sujas e frias, à mercê da caridade humana, ou espalhados pelas favelas, num desconforto total, doentes e famintos, numa repugnante promiscuidade!
Que esta bem lembrada homenagem não fique só nos jornais, mas que chegue até o coração da comunidade, conscientizando-a para que cada um de nós sinta necessidade, não só de amparar o idoso, mas amá-lo e respeitá-lo, proporcionando-lhe uma vida melhor, digna, uma vida tranqüila, enfim, uma vida feliz!
(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 25/9/2013 10:29:14
NOTÁVEIS EXCURSÕES A LAPA GRANDE

Ruth Tupinambá Graça

Lendo o Jornal de Noticias, deparei-me com esta notícia muito agradável: representantes do poder público, ONGS e iniciativa privada, debateram a abertura do Parque Estadual da Lapa Grande à visitação pública.
Durante a reunião, o IEF apresentou a minuta da portaria, que irá regulamentar a abertura da unidade de conservação aos visitantes e também o seu “Plano de Manejo”.
Eu acho um absurdo esta demora para a abertura da visitação, privando os montesclarenses e turistas de visitas à Lapa Grande e fico torcendo para que termine logo esta burocracia, própria dos nossos governantes.
Eu me lembro que antigamente ela era aberta ao povo para visitas. Os montesclarenses sabiam aproveitá-la!
Aos domingos e feriados organizavam passeios que eram as melhores distrações para as famílias daquela época. Tanto que viraram moda as excursões à Lapa Grande, principalmente para a juventude.
Aí é que chegou a vez do meu filho Armeninho, já com 14 anos, seguindo as experiências e instruções do Alberto Graça, irmão mais velho que com grande entusiasmo. não perdia a oportunidade de visitar a famosa Gruta.
Às vezes ele encontrava no interior da gruta, ossos , esqueletos de animais, pedras diferentes e outros objetos, que guardava como relíquias.
O Armeninho seguiu os passos do irmão e com grande curiosidade, a ida à Lapa Grande era o passeio predileto todos os domingos. Nenhuma distração na cidade o interessava mais do que essa excursão com os companheiros, da qual ele era sempre o chefe. Aos sábados, depois das aulas, passava o dia preparando os objetos indispensáveis: lanternas de carbureto, (testando o funcionamento) cordas, barbantes, fósforos, cantil, marmita, martelo, canivete, facão, mochila. A caixinha de “pronto socorro” com os remédios de emergência, principalmente o bicarbonato para as extravagâncias, enfim, tudo necessário para o sucesso daquela excursão.
Tudo combinado, domingo, às 4 horas da manhã, chegavam os companheiros, um a um: Luciano Vasconcelos, Eduardo Guimarães, Olavo Mendonça, Stanley Guimarães, Wildes Tupinambá, Waltinho Fialho, Domingos e outros. Chegavam afobados, mochilas às costas e saiam contentes para a grande “aventura”, depois de saborear um café com leite, pão com manteiga, biscoitos e bolos (que eu preparara com antecedência).
Eu ficava na porta, olhando aquela turma de rapazolas descendo a Rua Dr. Veloso, onde eu morava, escutando o “troc-troc” das botinas no calçamento grosseiro (a pé de moleque, daquela época), até sumirem, virando a esquina (em frente o casarão da FAFIL), pegando a estrada que os levaria à Lapa Grande.
Numa dessas aventuras, já de volta, quase chegando a Montes Claros, Armeninho sentiu falta do martelo especial (próprio para escavações) que o Vicente Guimarães (o grande explorador de grutas, companheiro do Dr.Simeão Ribeiro Pires) o havia emprestado. Armeninho ficou quase louco, o jeito era voltar e procurá-lo. Os companheiros disseram:
- Não volte, está tarde, já escurecendo, você não vai conseguir encontrar o martelo. O próprio Stanley, filho do Vicente, lhe afirmou: - Papai não vai se importar com a perda deste martelo, ele tem outro, você não deve correr este risco sozinho.É imprudência!
Mas o Armeninho não se conformou. Não ouviu os companheiros, seguiu apenas a sua cabeça, consciente de que voltar a Lapa Grande era o que deveria fazer. As horas passavam e nada dele aparecer. Os companheiros estavam aflitos. Já quase 19 horas, ele surgiu muito cansado, mas muito alegre sacudindo o martelo. Os companheiros ficaram admirados (teve muita sorte, graças às minhas orações!), pois eu passava o domingo inteiro de terço na mão, até sua volta, preocupada com os perigos que realmente existem nestas grutas.
No dia seguinte, pela manhã, o Vicente Guimarães apareceu lá em casa e, abraçando o Armeninho, disse-lhe: -“Parabéns! O martelo agora é seu, um presente meu pelo seu esforço e também será o retrato da sua grande responsabilidade!
Armeninho ficou assustado.
Mas a alegria foi muito maior recebendo aquele precioso martelo, que muito o ajudaria nas “celebres excursões”...


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Por Ruth Tupinambá - 13/9/2013 07:17:38
:Lendo e Aprendendo: Importância da Leitura

Ruth Tupinambá Graça’

Dr. Floriano de Paula não era nosso professor. Ele veio de Belo Horizonte para assumir a diretoria da Escola Normal Oficial de Montes Claros nos anos 30.
Não era um diretor alegre, comunicativo, pelo contrário, era carrancudo, cara fechada, gestos bruscos, pouca conversa. Às vezes parecia ignorar as pessoas ao seu redor. Mas era muito inteligente, de uma cultura notável, muito responsável procurando dar a nossa escola um nome de destaque ,que o fazia trabalhar, com exagero, até altas horas da noite. Eu era aluna do Curso de Magistério, uma turma de 33 alunos. De vez em quando ele aparecia em nossa sala, ,muito circunspeto, distribuía folhas de papel e pedia-nos uma redação. Queria saber como andava o nosso português. Desdobrávamos-nos para satisfazê-lo. Numa destas exigências ele entrou na sala e disse:: “quero que vocês façam um texto com estas duas perguntas”: -1) A quem você deve a sua educação -2) Qual o melhor livro que você leu até hoje. Recebemos as perguntas e ficamos preocupadas.
Cada qual se esforçava mais dando cordas á memória. Eu dei uma grande volta ao passado e as lembranças fluíram. De repente um estalo e encontrei. Eu tinha apenas 14 anos quando li: `Memórias de um Médico" de Alexandre Dumas. Eram 12 volumes com mais de 600 paginas cada um. Muito bonitos, encadernação de couro, com títulos dourados, um luxo! Pertenciam á famosa Biblioteca do Dr. Nelson Vianna. Como consegui, aguardem a história:
Dr. Nelson Vianna era extremamente excêntrico e sistemático. Contam dele casos fantásticos, Haroldo Lívio que o diga... Ele tinha poucos amigos, não gostava de visitas. Sua esposa Dona Julieta era o oposto dele. Era alegre, comunicativa, família tradicional de Ouro Preto (onde ele estudou) era uma verdadeira prisioneira. Felicidade, minha irmã, era a única pessoa que ele consentia freqüentar sua casa. Ele viajava muito (era agrimensor) e Julieta precisava de uma companhia na sua ausência. Com isto se tornaram grandes amigas. Eu ia muitas vezes substituir minha irmã (pois ninguém é de ferro e a Fely, muito jovem tinha que freqüentar as festinhas. Eu era uma criança precoce ganhei a sua atenção (o que não foi fácil), conversava comigo,por incrível que pareça, brincava, contava-me anedotas, piadas e casos de suas viagens. Dava-me revistas e até bombons. Fazia tudo isto por que a Julieta se sentia feliz com a minha presença e precisava de alguém com quem conversar. Certo dia ele me disse com autoridade e para dizer a verdade, era mais uma exigência: -Você tem muito tempo e vai ler este livro. Leva o primeiro volume e se der conta devolva-me, pegará o segundo... mas muito cuidado. Eu aceitei sua proposta embora achando o livro muito grosso e pesado. Mas consegui ler os 12 volumes e confesso que foi o melhor livro que li em toda minha vida!
Respondendo às perguntas do meu diretor eu fiz este texto (abaixo) em Novembro de 1933: 1) A quem devo a minha educação: - A minha educação devo parte aos meus pais e parte à sociedade (aos homens) pois a criança nasce boa mas o meio a transforma de acordo com o meio em que ela vive. 2) Qual o melhor livro que li até hoje: -O melhor livro que li em toda minha vida foi: "Memórias de um Médico" de Alexandre Dumas. Mas acontece que eu tinha apenas 14 anos quando o li. Era adolescente, fase de ansiedade, quando começam as descobertas do sexo com as novas experiências. Fase difícil em que tudo é novidade, tudo nos emociona e nos faz questionar problemas que surgem com a curiosidade própria da idade.
Durante a leitura, eu me entusiasmei, mas pouco me interessava a parte histórica do romance (a mais importante): a Revolução Francesa. Devido a minha idade eu gostava mais da parte romântica e sobretudo a sexual e amorosa daquele reinado francês.Vibrava com as fofocas, os namoros e "encontros" das princesas e damas da Corte ,as cenas amorosas exageradas de "Madame DuBarry" as sacanagens e os amores dos duques, barões e fidalgos da alta nobreza. Os encontros na calada da noite da Rainha Maria Antonieta com seus "Cavaleiros" (rapazes fortes,bonitos escolhidos a dedo) traindo vergonhosamente o Luiz XVI, que na verdade ,não a satisfazia sexualmente. As safadezas do Duque de Richelieu abusando das "aias" da Rainha. Tudo isto me divertia, dando menos importância aos acontecimentos da Revolução Francesa. Só mais tarde, com 17 anos no curso do Magistério eu pude avaliar o valor da leitura e quanto este livro foi importante na minha formação profissional e quanto me instruiu. Principalmente nas aulas de História Geral cujo professor era o Dr. José Thomaz de Oliveira (pai de Jair de Oliveira) tratando-se de episódios da Revolução Francesa, eu fui me lembrando de todos aqueles acontecimentos que estavam guardados em minha retina. Podendo comentar com o professor. Eu já os conhecia falando com toda segurança sobre a importância do grande filosofo Jean Jaques Rousseau na Revolução Francesa, o "Contrato Social", a revolta do povo contra os horrores da Corte Francesa, os gastos exagerados e luxo da nobreza, num bacanal constante com bebidas, banquetes e festas, consumindo milhões enquanto o povo vivia miseravelmente, desnutrido, passando fome, doente e sem assistência. As intrigas e traições políticas dos falsos bajuladores levando o reinado do Luiz XVI às maiores injustiças e baixezas contra o povo. A influência dos psicólogos, principalmente o grande psicólogo infantil Decroly(Jean-Ovide), na valorização da criança (na escola, com métodos e programas de ensino). Do alquimista José Bálsamo com suas previsões fantásticas.
Enfim a vitória do povo contra a monarquia, a queda da Bastilha, o fim do Reinado de Maria Antonieta e Luiz XVI, condenados e executados pela guilhotina em praça pública, com toda a família. Entreguei o meu trabalho ao diretor. Uma semana depois ele entrou na sala trazendo os textos e disse-nos: -"Todos os trabalhos estão bons. Mas tem um especial, se fosse feito em casa eu duvidava que fosse feito pela aluna. Achei quase impossível uma adolescente de 14 anos ler um livro tão especial e interpretar com tamanha exatidão, os acontecimentos da grandiosa Revolução Francesa." Eu fiquei radiante de felicidade. O meu trabalho foi publicado pelo diretor na Gazeta do Norte, jornal da época, em 1933. Acho que consegui dar o meu recado principalmente aos jovens e adolescentes pensem no valor da leitura. O livro é o nosso melhor professor.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 97 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 25/4/2013 10:38:20

REMINISCÊNCIAS

Ruth Tupinambá Graça

Felizmente as aulas já se iniciaram. Vejo a correria dos pais levando os pequerruchos para as escolas infantis, os maiores para os cursos fundamentais e a juventude alegre e despreocupada a caminho das faculdades.
É um espetáculo animador, que nos enche de esperança, de um futuro melhor, mais tranqüilo, com mais sabedoria, cultura, solidariedade.
Vendo este movimento, lembrei do meu tempo de estudante na antiga Escola Normal Oficial de Montes Claros, onde também estudaram grandes homens: Cyro dos Anjos, Darcy ribeiro, Hermes de Paula, Candido Canela e muitos outros que merecem nossa admiração e respeito.
Era a única opção naquele tempo. Funcionava naquele casarão antigo (hoje casarão da Fafil, todo reformado) de portas e janelas gigantescas, sacadas de ferro, com belíssimos arabescos e largas escadarias com os corrimões trabalhados em madeira de lei, retratos de uma arquitetura antiga, executada por simples mestres de obras, que nunca freqüentaram uma Faculdade de Arquitetura ou Engenharia. Entretanto, esforçados e inteligentes, deram à nossa cidade antiga belos sobrados, que ainda hoje continuam firmes, enfeitando nossas ruas e praças.
Infelizmente, muitos já foram demolidos (um crime) que não me canso de reclamar. Mas o que fazer? É a eterna displicência dos montesclarenses de hoje.
Nossa cidade não possuía clubes sociais. Eram no Casarão da Fafil todas as festas e bailes, em beneficio da Caixa Escolar. As escolas eram pobres de fazer dó e o nosso governo nem se lembrava que elas existiam. As diretoras eram obrigadas a providenciar manutenção, material escolar, merenda, etc. A única solução eram os bailes em beneficio da Caixa Escolar que aos "trancos e barrancos" mantinham as escolas públicas. Esperávamos com ansiedade estes bailes (uma rara oportunidade para os namorados se encontrarem), principalmente porque não tínhamos outra opção e também devido ao regime rigoroso dos pais.
As belas sacadas, nas portas da frente eram o refúgio dos namorados. Por trás das pesadas cortinas, as mãos atrevidas se encontravam e os olhares lânguidos traduziam tudo,enquanto os outros casais deslizavam ao som do piano de Dulce Sarmento, o sax do Tonico Teixeira, o bandolim de Ducho e a clarineta do Adail Sarmento. Tocavam a noite inteira sem nenhuma remuneração, colaborando com as diretoras para o bom funcionamento das escolas. Graças ao ambiente do "Casarão" e o romantismo daquela época, muitos "romances” se concretizaram em casamentos (inclusive o meu), formando as famílias tradicionais que ainda hoje existem na multiplicação dos filhos, netos e bisnetos. Bendito Casarão, e bendita Escola! Fechando os olhos, recordo meu tempo de estudante "novinha em folha" com meus 15 anos (quando comecei o Curso de Magistério), cheia de vida e o coração transbordando de sonhos e esperanças...
Da sacada do "velho Casarão", às doze horas (horário de começarem as aulas) eu vejo os meus professores, um a um, descendo apressadamente a rua Dona Eva (ninguém possuía carro) com os livros apertados em baixo dos braços.
Dr. Plínio Ribeiro, pontualidade inglesa, não atrasava um só minuto. Sistemático, enérgico, mas competente professor, transformando suas aulas de Ciências Naturais num show de sabedoria e cultura; Dr. Alfredo Coutinho (pai da querida historiadora Milene Mauricio), extremamente educado, um perfeito cavalheiro, se esmerava em suas aulas de História; Dr. José Thomaz de Oliveira (pai do grande jornalista Jair de Oliveira) sério, inteligente, mas extremamente amigo dos alunos. Sabia transmitir e tornar agradáveis as aulas de geografia; Dr. João Câmara, grande mestre da matemática. Um tanto sisudo, mas um coração de manteiga: não sabia dar "zero" e olhem que esta matéria é "fogo"; Dona Joana D`Arc Veloso, a tranqüilidade em pessoa. Competente nas suas aulas de francês(foi este francês que me valeu, quando fiz vestibular aos 60 anos); Dulce Sarmento com suas aulas de Música e Canto Coral, se esforçava para nos "ilustrar" com as tradicionais músicas clássicas e de salão. Dona Lília Câmara (a primeira mulher que fez curso superior em nossa terra, formando em Belo Horizonte), no seu português impecável: a ela devo o que aprendi da nossa difícil e complicada língua portuguesa. Era enérgica e brilhante; Dr. Marciano Mauricio, galanteador e a diplomacia em pessoa, conhecedor da matéria de Psicologia Infantil e Higiene Escolar. Unia o útil ao agradável, era um tremendo "pé de valsa", não perdia os bailes da Caixa Escolar e dançava com todas as alunas; Dona Nazinha Maurício; Dona Niêta Veloso, Taúde Pinheiro, Anelita Vale, Zinha Sarmento, com muita saudade as recordo. Extremamente dedicadas, cumpriam religiosamente a missão de ensinar e completavam o Programa Escolar da nossa Escola. Todos trabalhavam por amor, pois o salário era mínimo e chegava em suas mãos com "aquele atraso"...
Doninha Câmara era Inspetora de alunos, e como era enérgica! Vigiava nossa turma constantemente e “ái” daquela que ousasse trazer o namorado até a porta da Escola. Para comentarmos as novidades da terra, escondíamo-nos em baixo das escadas do velho Casarão. Ela não admitia grupinhos fofocando(mas certas horas era tão camarada!).
Muitas vezes se prontificava a nos levar ás festas de fogueiras e com o bando de moças, atravessava a cidade em direção a malhada dos Santos Reis, sitio do meu tio Pedro Mendonça ou à chácara do Pequi de João Mauricio e ainda , à dos Bois da família Peres. Era aquela folia, dançando até o amanhecer ao som da sanfona de João Moreira. Aquela escola nos proporcionava muita cultura e também muita alegria.
Foi um tempo muito bom e inesquecível.
Para infelicidade da juventude montesclarenses, esta escola foi cortada em 15 / 02/ 1938 pelo dec. 63.
Este ato infeliz, quanto inexplicável, foi uma tragédia para nossa cidade. Decretado pelo Interventor, Dr. Benedito Valadares e, até hoje, não se sabe o motivo deste desastroso acontecimento. O Velho Casarão ficou vazio triste e mudo. Aquela mocidade alegre que enchia seus salões ficaram sem opção por muitos anos com o fechamento da escola, que era a única em nossa terra, aberta aos ricos,e pobres, brancos e negros, sem distinção de raça ou credo..
Dr. Plínio Ribeiro, quando deputado federal, em um dos seus admiráveis gestos, retornou para nossa cidade a escola normal, que até hoje existe. Não bastasse o admirável empenho em trazer a cultura e a educação para todos, doou ,de seu patrimônio pessoal, o terreno, sem cobrar do estado um centavo sequer!
Tal exemplo deveria servir de parâmetro, orientação e inspiração para os nossos homens públicos, políticos e administradores de hoje em dia.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 22/3/2013 08:22:37
Uma Homenagem Merecida

Ruth Tupinambá Graça

A criação do Corredor Cultural naquele espaço da Rua Cel. Celestino foi realmente uma idéia genial da Administração Municipal da nossa cidade, realizada pela Secretaria de Cultura, ocupando os dois sobradões antigos, nos quais se acham instalados o Museu Regional de exposições de Artesanato e de Artes Plásticas e da própria Secretaria da Cultura.
Este corredor criou para os artistas da nossa terra e de toda a região uma oportunidade para crescerem, desenvolverem suas aptidões, discutindo entre os colegas, idéias e novidades, aprimorando conhecimentos da arte e da cultura através de shows, palestras, serestas e outras festividades.
È também um ponto de encontro dos montesclarenses, jovens e adultos num ambiente alegre e festivo com várias opções. Outra vantagem do corredor foi a valorização da parte antiga da cidade que realmente merece atenção. Foi onde começou a nossa Montes Claros.
Este movimento com música ao vivo, serestas, e alegria do povo, dão vida a esta parte, que na verdade estava esquecida. A "APAS" escolheu o local ideal para comemorar o Dia Internacional da Mulher, homenageando 12 mulheres da nossa cidade: Tonha, Eva Conegundes, Iraceniria Fernandes, Karla Malveira, Yvone Silveira, Maria de Jesus, Márcia Ribeiro, Mirtes Alves, Vereadora Marly, Raquel Muniz (primeira dama), Ruth Tupinambá e Ruth Tolentino.
Chegando ao Corredor Cultural, um verdadeiro impacto. Havia muita gente aguardando o acontecimento. O espaço com mesinhas estava totalmente ocupado, grande animação; música e muita alegria entre as pessoas presentes. Foi para mim um momento muito especial. Recebi muitos cumprimentos e a oportunidade de rever pessoas e colegas de escola e da minha infância e juventude que há muito não via.Amigos da Rua Padre Teixeira onde passei minha infância e juventude. Foram recordações muito agradáveis. Mais tarde, continuou-se a programação da festa com a composição da mesa de honra. Logo depois, as homenageadas tomaram assentos em seus lugares. Yvone Silveira falou muito bem (como sempre) saudando todas as mulheres, exaltando seu papel importante no lar como esposa e mãe, na educação como professora e na sociedade em todos os setores. A grande declamadora Karla saudou Yvone com um bonito poema e brilhante retrospectiva da sua vida ao lado do saudoso Olinto Silveira. Em seguida, palavras agradáveis do atual Secretário da Cultura Dr. Carlos Muniz ,que com muita naturalidade sentiu alegria por estar presente em tão significativo acontecimento para a cultura da nossa cidade, demonstrando boa vontade em ajudar dentro das possibilidades da Secretaria da Cultura.
Agradeceu às pessoas presentes destacando professores que (na sua adolescência e juventude) influenciaram na sua formação profissional. Raquel Muniz foi um sucesso na sua vez, com a simpatia e bom desempenho que lhe é peculiar, ressaltando de maneira admirável as qualidades das homenageadas e o trabalho de cada uma em sua área.Montesclarenses que se destacaram não só como esposas e mães, mas também em suas profissões, extremamente dedicadas, atuantes, ajudando construir a Montes Claros de hoje.
O mestre do teatro, Professor Romildo Mendes declamou várias poesias e reencontrando, naquele momento, o casal Raquel e Ruy Muniz, recordou-se do seu passado e fases difíceis da sua vida, abrindo o seu coração, declarando a todos a sua gratidão quando, regressando de São Paulo em 1961 em que todos fecharam as portas e negaram-lhe emprego , Raquel e Ruy foram os únicos que o acolheu dando-lhe todo apoio. Foi uma cena comovente. O Prefeito Ruy Muniz, com sua facilidade e brilhantismo em se comunicar, saudou as homenageadas, destacando o importante papel da mulher na sociedade em todos os aspectos, mostrando o valor do seu trabalho e atuação deixando um belo exemplo de mulher forte, atuante e decisiva. Agradeceu a presença de todos, deixando bem claro a sua vontade em batalhar para melhorar a educação, a saúde e a cultura da nossa Montes Claros.
É muito gratificante se sentir lembrada e querida principalmente quando já vivemos bastante e os fios prateados começam a brilhar em nossa cabeça, sentindo que não há mais nada a fazer, que já percorremos nosso caminho e estamos no final do túnel no escuro. Então, de repente, surge uma luz que nos desperta, nos ilumina, alimentando e massageando nosso ego.
Sentindo-me agora tão prestigiada com esta homenagem, percebi que ainda há muito tempo para viver e algo a fazer. Que ainda existem pessoas sinceras, como Raquel e Ruy que prestigiam, estimulam e valorizam o próximo e são como luzes no final do túnel, iluminando-o até nossa ultima jornada. Esta homenagem que recebi hoje, nos meus 96 anos foi a mais gratificante e que mais tocou o meu velho coração. E acreditem; jamais a esquecerei. Em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que eu viva!...

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 14/2/2013 13:07:06
A saga de Dona Tiburtina

Ruth Tupinambá Graça

Hoje, 6 de Fevereiro de 2013, está completando justamente 83 anos que a nossa querida Montes Claros foi palco do mais absurdo e lamentável acontecimento: o tiroteio Fevereiro de 1930, no atentado contra o Vice-Presidente da Republica Dr. Fernando de Melo Viana.
Montes Claros a pacata e hospitaleira cidade já teve seus "Montes Escuros"...
Escuros sim, quando o coronelismo (política suja e indecente) dominava nossa cidade nos idos de trinta. Montes Claros era dividida em duas facções políticas: de um lado o Partido de Cima apoiado pela Aliança Liberal que, por sua vez, apoiava a candidatura de Getulio Vargas á Presidenta da Republica. O chefe do partido era o Dr. Honorato José Alves e, do outro lado o partido de Baixo, amparado pela Concentração Conservadora, que apoiava a candidatura de Julio Prestes à Presidente da Republica, liderado pelo deputado Camilo Felinto Prates.
A cidade ficou assim durante muito tempo, dividida e dominada pelas oligarquias, sob o comando dos coronéis. Dr. João Alves era aqui o chefe do Partido Aliança Liberal. Nascido em Diamantina, filho do Cel. Marciano Alves e casado com Dona Tiburtina, nascida em Itamarandiba, filha do Capitão Manoel Florentino de Andrade Câmara.
Dr. João Alves, médico excelente, muito conceituado em nossa cidade, tranqüilo e pacato ,voltado exclusivamente à medicina,portanto quem dirigia e mandava no Partido era Dona Tiburtina, mulher de fibra, valente, audaciosa e sobretudo dominadora, fazendo forte oposição aos coronéis conservadores da região
Nesta ocasião, um fato lamentável se deu em nossa cidade colocando-a no palco do"banditismo".
Foi o celebre tiroteio de seis de Fevereiro de 1930. Segundo o escritor Nelson Viana chegaram em Montes Claros, à noite, em composição especial da E.F.Central do Brasil, o Dr. Fernando de Melo Viana, vice-presidente da Republica, Dr. Manoel Thomaz de Carvalho de Brito, presidente da Concentração Conservadora no Estado de Minas e a comitiva composta de deputados e altos funcionários do Congresso do Algodão a realizar-se em nossa cidade. Entretanto o fim principal não era este e sim a política para propaganda da Concentração Conservadora.
Dr. Melo Viana participando do movimento contrário a Aliança Liberal provocou a resistência da família Alves e Dona Tiburtina convocou seus jagunços que se colocaram de prontidão, armados em frente à sua casa. Caso houvesse provocação por parte da Comitiva , a ordem era atirar. Dr. Melo Viana desembarcou na Estação da Central do Brasil onde correligionários políticos, visitantes de outras cidades vizinhas o esperavam, ao som dos dobrados da Euterpe Montesclarense , foguetes e grande euforia do povão,
Dr. Melo Viana foi carregado nos braços do povo até as escadas da Estação e, já na descida da Praça, foi saudado pelo saudoso Dr. José Corrêa Machado, expressando alegria pela sua chegada e gratidão pela sua visita a este sertão abandonado pelos chefes do governo. Toda Comitiva descia ao som da música, reboar dos foguetes e alegria dos acompanhantes, em direção ao centro da cidade onde seria hospedada no sobrado dos Oliveira, na Praça Dr. Chaves.
Ao penetrar na Praça Dr. João Alves, o chefe da Aliança Liberal (Dr. João Alves) achava-se á frente da sua residência dando vivas à Aliança Liberal. Neste momento, uma bomba atirada pelos manifestantes atingiu o menino Fifi, filho adotivo do alfaiate, Sr. Lindolfo, amigo da família Alves.
Isto foi o bastante para esquentar os jagunços. Naquele momento partiu da casa do referido chefe político a primeira descarga de armas de fogo e o Dr. João Alves gritava: “Não atirem, há crianças e mulheres"...
Neste momento estabeleceu-se o pânico nos presentes e o tiroteio continuou forte sobre a multidão desesperada, atingindo em cheio a Comitiva que passava, no momento em baixo das arvores frondosas, em frente a casa onde se alojavam os jagunços armados. Foi um instante terrível e de muita aflição. O povo amedrontado procurando alcançar outras ruas para se livrar das balas mortíferas que cruzavam. Os componentes da Comitiva do Dr. Melo Viana desceram a Rua Dom João Pimenta até a esquina com Dr. Santos, entrando em casa da Mestra Fininha (mãe do Dr. Mario Ribeiro) que os socorreu e onde descansaram um pouco, retornando a Belo Horizonte naquele mesmo trem especial que os trouxera.
Cessado o tiroteio, verificou-se que havia um menino morto na porta do Dr. João Alves e ainda dois corpos sem vida: do Dr.Rafael Fleury , secretário do Dr. Melo Viana e de um jornalista montesclarense João Soares da Silva.
No meio da Praça, atingidos por balas na coluna vertebral, estavam Moacyr Dolabela e Dona Iraci Oliveira Novaes, esposa do Sr. Eulipdson Novaes e irmã do Sr. Jair de Oliveira. Transportados para Belo Horizonte morreram logo, em conseqüência dos ferimentos. Nunca se soube, ao certo, o numero de mortos naquela fatídica noite: havia muita gente de fora. Entretanto, há um boato que, anos mais tarde,quando construíram o prédio do Automóvel Clube de Montes Claros (no mesmo local onde fora a residência de Dona Tiburtina) nas escavações encontraram uma cisterna cheia de esqueletos...
Eu como espectadora não acompanhei a descida da Comitiva, fui somente à chegada na Estação. Fui avisada pelo Sr. Arthur Amorim ,comerciante no Mercado Municipal e vizinho do jagunço Manoel Baiano que se houvesse provocação por parte da Comitiva haveria tiroteio. Os jagunços já estavam preparados e alojados nas arvores em frente a casa da Dona Tiburtina.
Ainda me lembro dos nomes de alguns deles: Manoel Baiano, Velho de Lilia, Ezuperio Ferrador, José de Sá Flora, Joaquim Mulato, Pedro Caxumba, Antônio Valente. Estes eram os principais e obedeciam cegamente as ordens. Na ocasião, não sofreram nada por esta cruel desumanidade. O governo estava do lado de Dona Tiburtina.
Mais tarde, anos depois, houve uma simbólica prisão sendo logo libertados por um “júri muito especial". Veio depois a revolução de 30 e o partido Aliança Liberal ganhou e Getulio Vargas foi eleito Presidente da Republica, melhorando muito a situação de Dona Tiburtina .
Os adversários, coitados!...
Sofreram muitas torturas, injustamente, enquanto durou o reinado de Dona Tiburtina. Em outra oportunidade, falarei sobre o "Pelotão de Bate Paus", grupo formado por estes mesmos jagunços, disfarçados em soldados (com uniforme, boné, polainas, armas na cintura e tudo mais) apoiados por um Coronel da policia local, criado com a finalidade de guardar a cidade, ajudando policiais a manter a ordem. Mas, na verdade, estes grotescos soldados nada tinham que se assemelhasse ao sentimento de patriotismo. O objetivo era mesmo vingança e até tortura aos adversários políticos. E como estes sofreram !...
Pegavam o adversário à noite: sem nenhum motivo era levado para trás do cemitério velho (onde hoje é a Catedral) e malhavam a vitima com uma surra de pau. Ao amanhecer, os parentes iam buscá-lo.
Foram muitos cidadãos honestos e respeitados que sofreram na pele a injustiça (muitos até faleceram em conseqüência dos ferimentos), a fúria e a maldade dos "bate Paus" sob o comando da Dona Tiburtina.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 28/1/2013 10:17:51
Atenção para o Material Escolar

Ruth Tupinambá Graça

As férias escolares estão terminando.
Coitado dos pais!...
Começou a corrida às papelarias e lojas especializadas para a compra dos itens que fazem parte da lista de material escolar exigida pelas instituições de ensino.
Há um exagero na quantidade. Tanto que o aluno nem chega a usar durante o ano letivo.
Existe na referida lista objetos tais como: esponja de lavar pratos, tinta de impressora, grampos para grampeador, sabonetes, estêncil, fita impressora, lenços descartáveis, papel convite, papel oficio colorido, papel para impressoras e copiadoras, papel para enrolar balas, pratos e talheres descartáveis, TNT, thinner, giz branco e colorido, etc.
Felizmente, nem todos os estabelecimentos fazem estes pedidos absurdos, pois reconhecem que certos produtos são de responsabilidade da instituição.
Por outro lado, as papelarias exageram nas propagandas para atrair e seduzir as crianças com material luxuoso, até borrachas perfumadas!
O material deve ser bom, mas não precisa exagerar.
Tive oportunidade de observar passando em frente a uma loja especializada: uma enorme vitrine expunha (em toda extensão) só caderno e de todos os tipos, tamanho e grossura cuja capa era uma verdadeira obra de arte moderna, num colorido excitante com figuras e personagens que encantam e seduzem as crianças.
Material escolar virou luxo. Os estudantes são exigentes, querem os mais bonitos e caros cadernos, as mochilas mais sofisticadas, tênis extravagantes e modernos que custam os “olhos da cara”.
Os pais se sacrificam, gastam o que não podem e no fim do mês os “cartões” estouram.
Esta vaidade provoca uma disputa de valores, gerando descontentamento e revolta entre os alunos mais carentes, conseqüências da desigualdade social. Nem todos podem se dar a este luxo, têm apenas a “bolsa escola” que mal dá para um material modesto.
É este o grande mal que acontece.
A criança pobre e principalmente as da favela se sentem rejeitadas e como não têm uma educação de berço e de escolas, caem no vicio, matam, roubam para terem um tênis, uma calça jeans de marca, julgando que só assim terão o passaporte para a sociedade. Sentindo-se valorizadas continuam a praticar crimes.
Os pais precisam ficar mais atentos. Evite levar as crianças para a compra de produtos com personagens, logotipos e acessórios licenciados, os favoritos de crianças e adolescentes, geralmente mais caros.
Procurem despertar na criança o sentimento de “ser” e não o “ter”
Não será o material luxuoso que irá aumentar e favorecer o desenvolvimento do aluno em qualquer escola. Não é a distribuição nas escolas, de internet, televisão, computadores e videogames que prenderá a atenção das crianças.Estas estão cada vez mais dispersas pelo excesso de estímulos digitais. Isto não resolve.
Só bons professores são capazes de cativá-los.
A única maneira de prender a atenção das crianças nos dias de hoje é ter professores inspiradores. A tecnologia é fundamental, excitante, mas sozinha não identifica nem desenvolve talentos.
Há uma grande injustiça. O professor foi sempre um sofredor, um desvalorizado em nosso Estado. É necessário que o nosso Governo reconheça o seu valor dando-lhe as regalias, os direitos de carreira e um salário digno que ele realmente merece.
Por que o professor ganha tão menos que um vereador? O seu trabalho tem a mesma importância ou talvez mais.
Hoje a maioria dos pais trabalham passando o dia fora de casa e a criança fica a maior parte com o professor. É ele que tem a maior responsabilidade na formação física, moral, psicológica e intelectual da criança. Desde os cinco anos (até a fase adulta) fica sob sua responsabilidade. É ele que molda sua mente, coração, corpo e caráter. É uma enorme responsabilidade. Sabemos que o futuro do adulto depende muito de sua vivência quando criança.
O Curso Fundamental, temos certeza, é muito importante. É a primeira escada na vida escolar e, quando bem feito, é o passaporte decisivo para o aluno galgar os outros degraus, até chegar, com sucesso ao curso superior. E quem é o responsável?
O professor, senhores pais!
Não se preocupem tanto com o material escolar. Cuidem mais da educação dos seus filhos e pensem mais no professor. Há muita injustiça. Muitas vezes são acusados pelo fracasso de um aluno. Sejam justos e reconhecidos.
Na nossa comunidade existe uma maioria de pais políticos, de influência, vereadores e deputados. Colaborem com o professor ajudando-o a vencer a “batalha pelo salário” conseguindo do Governo (insensível ás súplicas da classe) o reconhecimento do seu valor, dando-lhe o apoio e atenção e a justiça que realmente necessita e merece.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 10/12/2012 20:42:28
Um verdadeiro Natal

Ruth Tupinambá Graça

O Natal se aproxima. É a festa mais bonita e significativa do nosso calendário. É a festa universal em que toda a humanidade participa E se emociona.
É principalmente a festa das crianças. Tanto as ricas nascidas em berço de ouro, rodeadas de carinho e riquezas, como também as mais humildes, de sofrida infância nas favelas, em meio a promiscuidade e vícios, ou ainda as mais pobres (sem casas para morar) nascidas sob as lonas pretas embrulhadas em farrapos.
Todas elas esperam, da mesma maneira, com a mesma alegria, o Natal e a chegada de Jesus, o Menino de Belém.
É que a criança não tem maldade, é sincera, não foi ainda corrompida pela humanidade e acredita que Papai Noel existe, sempre esperando, confiante, um presente (o que mais deseja) colocando o sapatinho aos pés da cama na noite que é, para ela , a mais importante do ano.
Às vezes fico pensando: a vida é um redemoinho e tudo passa, não pára, levando nossa juventude, nossos sonhos e nossas esperanças. As cidades crescem. Crescem também as crianças e outras tantas nascem a cada momento. Partem também, para nossa tristeza, os nossos entes mais queridos. Somente as lembranças permanecem para registrar o que fomos e o que sentimos, para nos embalar e consolar quando os fios prateados começam, indiscretamente, a brilhar em nossas cabeças... A saudade então é a nossa companheira e, ao nosso lado, com alfinetadas gostosas num misto de dor e prazer, nos recorda tudo. Um passado que se foi e não volta mais, embora permaneça em nosso coração como uma eterna lembrança.
Tudo muda em nossas vidas pela lei natural do ciclo da nossa existência. É como o sol que nasce no ocaso, numa caminhada tranqüila, que nenhum fenômeno cósmico poderá impedi-lo, dia após dia, levando tudo. Primeiro vai a infância, a fase mais alegre,quando a criança ,despreocupadamente, só pensa em brincar. Vai também a adolescência e as preocupações, próprias desta fase difícil. Depois, a juventude fase em que o coração bate mais forte, trasbordando de amor, sonhos e esperanças...
Mais tarde chega a maturidade (para não dizer velhice) fase mais séria e as vezes triste; fase das realizações mas também das preocupações e dissabores. O coração já bateu demais e sofreu bastante; houve muitas tristezas mas também alegrias e até felicidade. Em todas estas fases, não devemos perder a fé em Deus. É Ele que nos conduz e encaminha nossos passos.
Mas, até o Natal, festa tradicionalmente universal, ano após ano, vem mudando e me faz refletir:
Como era diferente o Natal da minha infância! Ainda me lembro. “Eu adorava ajudar a minha mãe plantar arroz no dia 13 de Dezembro, dia de Santa Luzia, nas latinhas de marmelada Colombo.
Para contornar “o ‘laguinho” (feito com espelho) ao lado da enorme gruta que ela armava (na nossa sala de visitas) com jornais pintados com pó de carvão e grude. O Natal era o acontecimento mais importante da nossa cidade Visitávamos todos os presépios da nossa vizinhança, rezávamos o terço, acompanhávamos as pastorinhas nos cantos próprios daquela noite e depois vinha aquele café gostoso com biscoitos que a meninada saboreava com alegria
No dia 6 de janeiro, da visita dos Reis Magos, era outra festa! O menino Jesus, no seu bercinho de palha era realmente adorado.
E hoje o que acontece?
Atualmente, para a nossa tristeza, transformaram o Natal numa festa de consumismo como outra qualquer. As famílias, na maioria, se desdobram na compra de presentes, num corre-corre desesperado à procura das promoções enganosas que as lojas anunciam, colocando nas vitrines objetos mais sofisticados e Papai Noel de todos os tipos e tamanhos, que enlouquecem as crianças. Raramente se vê nestas decorações, um Menino Jesus e com esta ausência, a maioria das crianças de hoje ignora o Deus Menino de Belém. Muitas acham que o decantado Natal é a chegada do "velhinho de roupa vermelha" barbas brancas e o enorme saco de brinquedos. Nos Shoppings, o que se vê ao invés das visitas aos presépios, é a criançada lutando para tirar um retrato no colo do "adorado velhinho". Raciocinemos: o Natal é a festa de Evangelização Cristã que a nossa religião vem nos passando a milênios. È o momento ideal para agradecermos a Deus por todo o bem que recebemos no dia a dia da nossa existência.
E ainda: para pensarmos mais no próximo, nas crianças carentes(até famintas) vivendo miseravelmente na periferia da nossa cidade, em total promiscuidade, onde se instalam os vícios e as drogas e a violência massacra. Elas são humanas também e sofrem com a desigualdade social, o egoísmo e a indiferença dos mais afortunados.
Já pensaram nestas crianças que também desejam um presente neste Natal? E quantas decepções!.... Parabéns aos Correios e ao Bretas que estão fazendo um bonito movimento neste sentido. Vamos prestigiá-los nesta bonita campanha dando a nossa contribuição para a alegria destas crianças.
Que neste Natal as famílias economizem um pouco nas ceias e nas compras, lembrando-se mais do Menino Jesus, fazendo presépios em seus lares, visitando as igrejas e rezando. Nossa cidade também precisa muito de orações. Façam valer, colocando para fora o que de melhor existe em seus corações.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 1/12/2012 10:02:19

UM SAUDOSO CASARÃO

Ruth Tupinambá Graça

Passando pela Av. Cel. Prates, assustei-me.
Em lugar do velho Casarão do Padre Marcos, havia somente um amontoado de adobes, portas e janelas velhas, pedaços de madeira e telhas espedaçadas espalhados por toda a extensão do terreno molhado pelas chuvas.
Retrato do poder aquisitivo das construtoras que, acompanhando o progresso e desenvolvimento da nossa cidade (que cresce assustadoramente), vai derrubando as casas dos mais antigos moradores, transformando-as em modernos e belos edifícios.
Eu não sou contra esse movimento: Acompanho e gosto do progresso da nossa cidade, mas não consigo resistir aos impulsos do meu velho coração. Não chego a chorar, mas sinto e sofro com o desaparecimento das casas que conheci na minha infância, nas quais eu brincava feliz nos enormes quintais com as companheiras que ali moravam. Quantas já desapareceram!... Como me lembro dos guisadinhos que improvisávamos em baixo das enormes mangueiras, carregadinhas, que na gulodice própria da idade, apostávamos para ver quem chupava o maior número de mangas!
Era a nossa sobremesa e não tínhamos cerimônia. O Casarão do Padre Marcos tem sua história. Alguém chegou a citar no jornal que lá habitou durante muitos anos um santo.
E é a pura verdade: ele era um santo padre. Pertencia à Congregação dos Premonstratenses e foi um dos primeiros padres belgas a vir para Montes Claros, no inicio do século passado.
Padre Marcos Van In veio ainda muito jovem. Era um tipo de europeu fino. Muito alto forte e bonito. Louro, de olhos azuis que deixavam transparecer a pureza da sua alma. No principio tinha o sotaque próprio da sua origem (custávamos entendê-lo).
Aos poucos, familiarizando-se com os sertanejos, já se comunicava com facilidade, transformando-se, com o passar dos anos, num autentico brasileiro e montesclarense por excelência. Teve um papel importante na nossa cidade como um grande líder na criação de teatros, na imprensa, seminários, colégios e hospitais
Trouxe com ele o Padre Francisco Moureau e as freiras do Colégio Imaculada Conceição, inclusive Irmã Beata, da qual jamais esqueceremos. Uma verdadeira mãe para os montesclarenses daquela época. Acolheu milhares de crianças em seus braços, cuidando carinhosamente (sem distinção de classe) de todos os bebês e de todas as mães que esperavam seus filhos confiantes naquele Anjo de Caridade.,
Padre Marcos pertencia a uma família rica da Bélgica.
Deixando lá todo o conforto e riqueza veio para o nosso sertão bruto, onde morou quase um século, com humildade, dedicando-se inteiramente a nossa terra Era extremamente caridoso, além das obrigações da paróquia, encontrava tempo para socorrer os pobres da nossa cidade, Protegia as famílias mais carentes cuidando especialmente das crianças, encaminhando-as para as escolas e catecismo, ajudando na formação religiosa e na educação. Tudo isto me veio à lembrança quando vi sua casa despedaçada e o Beco desfigurado.
Milhares de pessoas presenciaram o que eu vi, mas não sentiram o que senti pois são da nova geração e não tiveram a sorte de conhecer e conviver com ele.
Esteve presente em várias fases importantes da minha vida: fez o meu casamento e mais tarde batizou todos os meus filhos. Padre Marcos marcou uma grande época e por Montes Claros sempre lutou, até sua partida para São Paulo.
A inveja e o despeito são terríveis fraquezas do ser humano, causando tanto mal, perseguições e até destruindo pessoas. Com a transferência de um Bispo gaúcho para nossa cidade, exercendo todo o poder do Bispado, sua eminência/reverendíssima pediu a transferência da sua diocese dos dois religiosos que ganharam a fama de Santo: Padre Marcos e Padre Chico, que também teve um papel importante na nossa cidade.

Padre Chico foi transferido para sua terra e o Padre Marcos para São Paulo.
Embora velho e cansado, não queria deixar a nossa terra. Amava-a como um verdadeiro montesclarense.
Levaram-no à força e ele partiu chorando...
Dele, para nossa lembrança, ficou apenas a sua casa e como uma eterna homenagem:


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth tupinambá - 16/11/2012 20:16:04
UMA ELEIÇÃO TURBULENTA


RUTH TUPINAMBÁ GRAÇA

Felizmente tudo acabou em paz. Estamos tranqüilos e felizes com o resultado desta eleição de 2012, que foi uma verdadeira tempestade. Acreditem. Nos meus 96 anos eu nunca vi uma eleição deste porte, com tanto barulho, tantas calunias, acusações e desrespeito ao próximo. Nem no tempo do "Coronelismo", época em se podia fazer muita trapaça nas urnas porque não havia séria fiscalização, nem nos "anos trinta", período em que a Dona Tiburtina mandava na cidade, houve uma eleição com tanta violência.
Esta de 2012 foi a mais disputada e agressiva que presenciei em toda minha vida. Foram quase dois meses de espera com muita aflição e desespero (dos políticos) devido aos boatos, ameaças e pesquisas enganosas, subornadas e divulgadas à revelia.
Foi um páreo duro. Nunca vi os montesclarenses com tanta garra diante da incerteza na escolha do Prefeito e Vereadores para Montes Claros. Durante este trágico período nossa cidade se transformou num verdadeiro inferno com tanto barulho.
Trios elétricos com propagandas estrondosas percorriam as ruas e bairros da nossa cidade, diariamente, com músicas estridentes, repetitivas, que feriam nossos ouvidos, enquanto as "formiguinhas propagandistas eufóricas balançavam suas bandeiras coloridas desacatando acintosamente os transeuntes, nos passeios, julgando-se vitoriosas. Os chefes e adeptos dos partidos políticos discutiam nervosos, apostando tudo, lutando bravamente pela vitória dos seus candidatos. _ "Quem vai ganhar"? "Quem vai para o 2º turno"? É Jairo, é Guedes? Estas perguntas pairavam no ar entre os eleitores. Ninguém tinha mais certeza. As pesquisas enganosas subiam e desciam vertiginosamente causando grande confusão. Os debates eleitorais entre os candidatos, pela TV foram vergonhosos. A loucura pelo sucesso era tão grande que candidatos de alta classe, senhores responsáveis, perderam as "estribeiras".
A não se portarem como cavalheiros (como exigia o ambiente} se tornaram inconformados e até rancorosos e ao invés de demonstrarem capacidade de trabalho e apresentarem projetos administrativos dentro das necessidades da nossa cidade, perderam a noção de cavalheirismo, educação e decência.
O ponto alto dos debates foi um verdadeiro ataque transformando-os numa guerra. O Ruy Muniz, principalmente foi o mais atacado, acintosamente criticado e humilhado, cuja finalidade dos atacantes era desmoralizá-lo. Sofreu deboches, discriminações, mas não perdeu a calma, em nenhum momento.
Deu o troco, portando-se em todos os debates como um cavalheiro.
Continuou (como se nada tivesse acontecido) com dignidade, força, coragem e determinação, características de sua personalidade. Expôs com segurança os projetos salientando as necessidades da nossa cidade e o que poderia fazer para reerguê-la realmente, caso fosse eleito Prefeito.
À medida que os debates aconteciam, os assistentes foram se convencendo da sua capacidade e determinação para conseguir seus objetivos, superando obstáculos que poderia torná-lo o Prefeito ideal para Montes Claros.
"Após a tempestade vem a bonança".
Para a surpresa dos despeitados, ele foi para o 2º turno em 2º lugar, de braço dado com o Paulo Guedes , em 1º lugar. A disputa no 2º turno foi mais acirrada, Seriam dois guerreiros disputando o "Palácio da Rainha do Norte de Minas". Os debates na TV continuaram cada vez mais pesados. As carreatas se multiplicaram e o entusiasmo e de todas as partes chegaram ao máximo! No dia 28 de Outubro tivemos a maior surpresa: Ruy Muniz saiu vitorioso e está preparado para enfrentar os obstáculos com a Prefeitura endividada e inchada Com a sua inteligência e a capacidade inata de administrar e com o mesmo talento que alcançou a vitória na eleição ele saberá conduzir, com sucesso, a Prefeitura de nossa terra. Ele não ignora que será vigiado e muito cobrado, mas é forte, obstinado e justo, saberá escolher os secretários e funcionários competentes e honestos com os quais irá lutar para o sucesso de uma Prefeitura aberta para o povo. O Ruy Muniz é um grande católico. Com certeza Deus o iluminará e o conduzirá para que seja realmente o Prefeito nota 10. Quem viver verá

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 96 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 16/10/2012 13:11:56
Uma charmosa e extravagante boneca

Ruth Tupinambá Graça

Lendo neste Jornal a crônica do Felipe Gabrich, falando da “Inesquecível Mulher”, eu me lembrei que nos anos 30 eu a conheci e também, a sua história e criação.
Seu Nunes e Seu Marques, dois portugueses que acreditaram na antiga Montes Claros e deram à nossa cidade uma casa comercial moderna e importante para aquela época.
Instalada na Famosa “Rua Quinze” (hoje Presidente Vargas) onde funciona atualmente a “Roka Confecções”. A loja chamava-se “Vale Quem Tem” e era , justamente, uma grande Agencia da Loteria Mineira, que pela primeira vez, surgia em nossa terra.
Até então, os escassos bilhetes que aqui chegavam, eram vendidos por cambistas nas ruas, todos apregoando a sorte grande. Na mesma loja, ao lado, para dar maior impressão de conforto, civilização e aspecto de loja moderna, funcionava uma seção de frutas importadas, bombons finíssimos e as deliciosas balas holandesas, que eram a paixão da criançada.
As maçãs, vermelhinhas e brilhantes, arrumadas em caixas e acomodadas entre fofas palhinhas (como se fossem ovos preciosos) nos deixavam encantadas, porque maçã era fruta rara.
Dificilmente chegava à nossa terra e, mesmo assim, como um presente especial que se trazia para os amigos do peito e familiares, comprado em raros passeios à nossa Capital.
Maçã lá em casa era só para quem adoecesse, portanto sonhávamos em ficar doentes e fazer dieta com o “pome” delicioso.
Pela primeira vez “Vale Quem Tem” nos dava também a “Laranja Americana” que estava em moda nas cidades civilizadas. Logo na entrada da loja, os grandes recipientes de vidro grosso em cima de uma base de metal, através dos quais se contemplava o liquido amarelinho em movimento rotativo e borbulhante.
As crianças acompanhavam com água na boca.
Tudo para nós era novidade e, um suco daquele porte, a gente via pela primeira vez.
Até então, o que se vendia nos botequins do velho Mercado Municipal-principalmente aos sábados (dia de feira) - era groselha, limonada colorida com anilina, que o comerciante adicionava uma colherinha de bicarbonato na hora de servir, para espumar e, ainda ( para mais entusiasmar o freguês) gritava: olha a “birinata”, olha a “moreninha!
A loja era bonita, muito incrementada, cheia de enfeites lusitanos, com muitas novidades, graças ao bom gosto dos dois portugueses que, com muita garra, entraram no comércio da nossa cidade almejando sucesso e ganhar muito dinheiro. Mas, para tal acontecer, precisava-se de uma propaganda arrojada que entusiasmasse a freguesia e, naquele tempo, ainda não existia TV (nem em sonhos), apenas o rádio, mesmo assim funcionando muito mal.
Os portugueses tiveram uma idéia: fazer uma publicidade bem diferente.
Bolaram, juntamente com Leonel Beirão de Jesus,um a grande boneca,” Maria Bamba”, para inauguração da grande loja. E assim aconteceu
A Rua Quinze transbordava de gente naquela manhã de setembro .
Crianças, moços e velhos, todos eufóricos com a inauguração da grande loja “Vale Quem Tem”
As crianças ,alegres,requebravam ao som da música gostosa e excitante da” Maria Bamba”, com seu acompanhamento de sanfona, caixas, tambores e pandeiros e o povo, encantado com aquela Boneca enorme, dançava pelas ruas da cidade, fazendo propaganda da casa recém inaugurada.
Era impressionante o seu tamanho, sua enorme cara pintada, vermelha como tomate, turbante bem feito envolvendo aquele cabeção, peitos muito grandes e empinados, saia muito rodada de chitão engomado, com estamparia de flores enormes num colorido berrante.
Todos se impressionavam com a leveza daquela Boneca enorme que se requebrava e movimentava, fazendo mil trejeitos e rodopios num ritmo contagiante, movida por habilidoso dançarino, que suava em bicas debaixo daquele saião engomado
Era um espetáculo interessante e uma grande novidade para aquela cidade longe da civilização. O povão delirava com aquela “giganta peituda” e as ruas se enchia de toda a gente da cidade, da mais rica a mais humilde.
A Maria Bamba ajudou muito e a loja ia de vento em popa.
Os fregueses entravam, entusiasmavam com o ambiente e, sugestionados com o nome da loja, logo compravam um bilhete inteiro, na esperança de se enriquecerem em 24 horas, como num passe de mágica!
Tomavam uma laranjada chupando no canudinho (outra grande novidade) e compravam maçãs para as doces companheiras. Para as crianças, um pacotinho de balas holandesas. Que luxo!
Era mesmo um luxo entrar na Vale Quem Tem e se deliciar com as novidades.
A loja tornou-se a “coqueluche” da cidade
Quando descíamos para a Escola Normal (já mocinhas) os rapazes lá estavam. Era o ponto estratégico para apreciarem a passagem das futuras normalistas e, como já sabíamos destes admiradores, esmerávamo-nos nas “toilletes” .
Muito dengosas, arriscávamos lânguidos olhares que eram ardentemente correspondidos.
De longe tudo valia, só não podiam se aproximar. De vez em quando recebíamos maçãs e bombons daqueles mais afoitos que aguardavam nossa passagem. Cada dia, uma era contemplada.
Como era emocionante!
Os tempos passaram. Seu Nuno faleceu e foi um grande pesar para todos os montesclarenses Com ele morreu também a Vale Quem Tem.
Mas, a Maria Bamba ficou como uma lembrança.
Continuou como a Boneca de Leonel, sua sucessora, vibrando pelas ruas e fazendo propaganda de outras lojas que surgiram.
Uma Boneca mais civilizada, mais valorizada e tão bem cotada que foi até aos Estados Unidos com o Grupo Folclórico Banzé.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 10/7/2012 16:36:09
Um Casal Inesquecível

Ruth Tupinambá Graça

A poeira dos tempos cobre os fatos com o manto do esquecimento. Mas uma velha que vive debruçada sobre o passado, com seu espanador indiscreto, remove as tecidas teias de aranha, pondo em evidência o que aconteceu.
Numa tarde de sol, quando Montes Claros era apenas uma cidadezinha do interior longe da /civilização e esquecida, plantada no coração das Gerais e o trenzinho de ferro nosso melhor e único transporte trazia sempre muita gente boa , certa vez trouxe um guapo rapaz de cabelos pretos pele e olhos claros (característica do estrangeiro ) boa postura, que vinha como um bravo desbravador lusitano, deixando transparecer em seu rosto bem jovem, grande coragem, força de vontade e energia., característica de sua raça. Eu me lembro perfeitamente, era também jovem, estudante naquele “Casarão” decadente, prédio da antiga Fafil, mas muito acolhedor, e entre a camaradagem das colegas ávidas de “novidades e fofocas” ouvi este comentário: _”Fiquem sabendo que chegou um português p-ara as “Casas Pernambucanas”.Veio como gerente da mesma e é um tipo para ninguém botar defeito. Bom partido e se chama Arthur Loureiro Ramos”.
Na simplicidade de expressão sem maldade e no entusiasmo da juventude a colega lançou uma “bomba”!
Naquele tempo em que as “Evas” se queixavam da falta de “Adão” na nossa cidade, poderão imaginar o que significava aquela noticia alviçareira.
E coitado do Português !...
As candidatas se alvoroçaram cheias de pretensões numa disputa ferrenha.
Ele tornou-se logo conhecido.Era bonito, elegante, forte e muito educado. Freqüentava os “saraus” e as festas em casa das famílias (não existiam Clubes Sociais em nossa cidade) dançava muito bem, cantava “fados” com bonita voz, e isto mais encabulava as donzelas da nossa sociedade.
Adaptou-se logo no meio comercial e possuindo experiências dos grandes centros civilizados se estabeleceu por contra própria, fundando a grande loja “Casa Ramos”o melhor e maior estabelecimento comercial de nossa
terra com as mais modernas mercadorias. Trabalhador e simpático
Conquistou logo a freguesia e todos o chamavam Seu.Ramos. Trouxe para
nossa terra os dois irmãos José e Antônio Ramos e os três juntos ficaram famosos dominaram o comercio enriqueceram. Mais tarde seu Ramos sentindo saudade da família foi passar suas férias em Portugal.
E o que aconteceu para surpresa de todos?
Meses depois Seu Ramos chegou em Montes Claros casado com uma bonita portuguesinha.
Foi aquele comentário...todos queriam tirar a limpo como aquilo acontecera pois ele deixara aqui uma namorada que o esperava com muita saudade
Mas ele se apaixonou pela Fernanda.Foi amor a primeira vista. Casaram-se e ainda na “lua de mel” vieram para Montes Claros. Todos aqui estavam ansiosos para conhecer a esposa de Seu Ramos pois aqui era raríssimo se aportar um estrangeiro.
Naquela época ainda existia a Igrejinha do Rosário, na Praça Portugal elá eu assistia a missa aos domingos. Numa dessas manhãs eu estava contritamente rezando o terço (antes de começar a missa )quando uma
senhora, ao meu lado virou para a companheira e disse:
--“Olha quem está entrando, é a portuguesa esposa do Seu Ramos !..
Eu levantei os olhos e vi realmente uma mulher diferente. Ela entrou na Igreja percorrendo o espaço até o altar e com voz firme com o sotaque estrangeiro ela cumprimentou o Padre Marcos que era o vigário da nossa .Paróquia. Ele estendeu-lhe a mão e a conduziu até o banco mais próximo do altar. Todos admiraram aquele procedimento da Portuguesa,pois não era costume nosso cumprimentar o Padre no altar. Ela continuou piedosamente assistindo a missa como se nada tivesse acontecido.
Quando saiu pude observá-la. Era uma mulher bastante nova, pele muito clara olhos esverdeados e uma cabeleira cor de mel emoldurando o seu rosto muito corado. Era realmente uma mulher muito bonita e elegante.,
num traje simples de legitima portuguesa: saia comprida e um autentico xale de estamparia alegre cobria-lhe graciosamente o busto.
Com passos firmes ela saiu pela mesma entrada e o Seu Ramos a esperava na porta com um sorriso. Foi um encontro tão bonito!...
Eu que acompanhei toda aquela cena, vi que se tratava de uma pessoa muito especial: Era a Fernanda recém-chegada a nossa terra e constatei logo que o Seu Ramos fizera uma excelente escolha.
Pensávamos que ela não se acostumaria em nossa terra, trocar Portugal pelo nosso sertão mineiro tão pobre e sem conforto!...
Mas o amor vence tudo e só o amor constrói. Ao lado do marido ela se adaptou ao nosso meio tornando-se uma verdadeira filha de Montes Claros,uma filha dedicada e sincera durante toda a sua vida.
Eu me casei e fui morar justamente na Praça Portugal onde o casal morava.Tive a felicidade de conviver com a Fernanda e nos tornamos amigas.Os deveres e trabalhos do casamento, a criação dos filhos as exigências da família tornaram-na mais madura . Era agora uma mulher decidida e muito forte nas suas decisões . Inteligente tinha o jeito durão da matriarca, mas possuía um coração de manteiga. Enérgica, positiva mas muito sincera. Embora eu fosse mais velha seus conselhos muito me valeram., nas nossas trocas de experiências de esposa e mãe.
Fernanda era uma mulher dinâmica e sabia administrar e enquanto criava e educava seus nove filhos colaborava com o marido nos negócios e nunca deixou de se interessar pelos problemas políticos, sociais e religiosos da. nossa terra. Soube amar sem medidas, servir sem limites a quem dela necessitasse. Por onde andou plantou carinho, amor, compreensão e outros valores.
Hoje Montes Claros está de luto! Chora com saudade a sua falta
Vá em paz Fernanda !
La no céu encontrará a recompensa, colhendo a mãos cheias, o que você plantou aqui na terra!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 3/6/2012 15:33:51
Aterra Tremeu...e o Povo....Correu

Ruth Tupinambá Graça

19 de Março de 2012 será um dia inesquecível para nós montesclarenses, pois foi o dia em que a nossa cidade tremeu e o povo correu. A terra se revoltou explodiu num grande estrondo.
Toda a cidade entrou em pânico.Ninguém sabia a causa daquele forte tremor.Foi um verdadeiro espetáculo em toda a cidade, mas não foi de alegria e sim um espetáculo de tristeza e pânico!
A aflição foi tão grande que ( na pressa de “salvamento”),mulheres saíram do banheiro só de calcinhas e “soutien” ,outras embrulhadas em toalhas, gente de pijama, enfim crianças, moços e velhos todos saíram de suas casas e até dos prédios, de 15, e mais andares pelas escadas, esbaforidos procurando rua.
Em toda minha vida nunca tinha visto uma cena tão chocante.Confesso que eu também me assustei e desci pela escada...
Durante todo o dia foi de expectativa e pavor pois outros tremores menores aconteceram e algumas pessoas nervosas não queriam voltar para os prédios, falando até em se mudarem para casa cuja saída é mais fácil. Mas Deus é pai, tudo caiu nos eixos e a terra ficou quietinha...adormeceu
Segundo Emerson Santiago na Geologia “uma falha geológica”.é uma descontinuidade se forma pela fratura das rochas superficiais de terra (até cerca de 200 km. De profundidade quando as forças tectônicas superam a resistência das rochas”. As pesquisas realizadas na região de Montes Caros ainda não conseguiram ,com precisão, identificar as características da falha existente.
Estes constantes abalos sísmicos que tanto assustam os habitantes de nossa cidade, segundo os técnicos locais existem
várias hipóteses para complicar ,ainda mais, o problema: Falam dos bolsões de ar causados pela retirada de água pelos poços artesianos.Alegam também que as explosões constantes feitas pela Fabrica de cimento e pela Pedreira devido as fortes cargas de dinamite podem provocar rachaduras nessas subestruturas criando acomodações no subsolo cujos abalos são percebidos na superfície.
Cito aqui um trecho interessante de Itamaury Teles na sua crônica:Hipóteses para os Abalos Sísmicos
“ Um geólogo, não faz muito tempo, disse que nossa cidade está parecendo uma taboa de pirulitos tal a quantidade de poços perfurados. Se for realmente isso, algo precisa ser feito para estancar o mal pela raiz. Dentre as ações indicadas pelas pessoas ouvidas por nós, estão:primeira: inibição do uso de poços tubulares artesianos no perímetro urbano de forma a manter a subestrutura mais resistente.
Segundo:Proibir definitivamente sejam feitas as explosões constantes pela Pedreira- que vem destruindo a Serra do Mel e também pela Fabrica de Cimento (que corroi o Morro dos Dois Irmãos símbolo da cidade)”
Existe ainda uma hipótese mais grave.Uma Empresa que (só visando lucro pouco se importando com os problemas da cidade) usando métodos e técnicas de localizar e calcular o valor de jazidas minerais (gás e petróleo) na região da Lagoinha a 16 Km da nossa cidade, Não sei se é coincidência mas estes ,.abalos sísmicos têm agravado a intensidade e freqüência desde que foram iniciadas estas pesquisas pela citada Empresa.. Isto é o que acusa o Observatório Sismológico de Brasília nas pesquisas realizadas justamente a distancia de 16 Km de Montes Claros ocorrendo tremores de 2.6 graus pela Escala Richter.
Há muito “zum-Zum” sobre os acontecimentos do celebre tremor em nossa cidade e uma variedade de hipóteses. Entretanto, autoridades responsáveis e a Defesa Civil nos avisam que não devemos nem precisamos nos preocupar, tudo está sob controle, não existe nada tão grave(vocês acreditam?) e enquanto esperamos tais providências rezemos para que tudo seja mais simples do que nos parece.
Vamos portanto nos relaxar, deixar as coisas sérias de lado( por enquanto), procurar distrairmos brincando e anotando os palpites....Tenho certeza de que ainda não pensaram na ultima hipótese: Coisas absurdas acontecem em Montes Claros atualmente. A violência tomou conta de tudo e de todos arrasando a população; por trás dos “bastidores”acontecimentos políticos , sociais e financeiros vergonhosos(na troca de propinas) nossas florestas se acabando queimadas e exploradas pelos “maiorais prepotentes e especuladores;explosões constantes com apoio dos governantes, destruindo nossas serras e o Morro dos Dois Irmãos, coitado!atacado covardemente pelas costas. Nossa cidade vendida ,aos pedaços ( a quem pagar mais) como nas bancas de açougues.
A terra tem suas razões:está insegura cheia de crateras ,fendas e buracos, golpeiam-na sem piedade!
Acredite quem quiser no palpite:a terra tremeu,. e está tremendo....é de Medo.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 5/4/2012 12:20:38
Uma Semana Realmente Santa

Ruth Tupinambá Graça

Estamos na Semana Santa e o que sinto? Uma saudade enorme da antiga Matriz, a Igreja da minha infância. E o saudoso Padre Marcos Van In , ainda jovem, cheio de energia, trazendo da Bélgica a cor, o sotaque, o porte e outras características do europeu fino. Com sua voz forte anunciava aos fieis, na missa da Matriz a entrada da Quaresma com todas as recomendações:horário das missas, via-sacra, procissões e todo o ritual próprio da Quaresma.
Durante os 40 dias, em todos os lares as famílias seguiam rigorosamente os preceitos recomendados pela Igreja. Não só na Semana Santa mas também os 40 dias de completa santidade, respeito e amor ao Salvador do mundo.
Lá em casa (que saudade) a mamãe numa completa obediência aos dogmas do Catolicismo nos passava logo aquele sermão: nada de brincadeiras exageradas, muita obediência, nada de brigas e “nomes feios”, pois o Papai do Céu está sofrendo muito. E vinha logo o programa da Semana Santa com todas as suas exigências: abstinência de carne nas quartas e sextas feiras e o Padre Marcos avisara que o jejum era obrigatório para todo católico á partir dos 7 anos. Eu já completara esta idade mas não me conformava. Enquanto meus irmãos menores, comiam frutas, doces e biscoitos, á vontade eu passava fome com o jejum. Minha mãe pacientemente procurava me convencer, pois eram apenas 2 dias por semana este sacrifício por Jesus que deu sua vida com tanto sofrimento para nos salvar e
a Quaresma é apenas uma vez por ano. Eu retrucava: salvar de que? Ela respondia:
--“Salvar nossas vidas perdoando todos os nossos pecados e nos garantir o Reino do Céu”.
Eu era obediente cumpria á risco todas as exigências convencida que minha mãe tinha toda razão.
Enfim chegava a Semana Santa e iniciavam as cerimônias na Matriz. Os altares e os Santos todos cobertos de roxo ( sinal de luto) apenas uma cruz enorme com o Cristo crucificado em frente o Altar –Mor, com a testa sangrando, ferida pela coroa de espinhos
cravada, sem piedade em sua cabeça. As mãos e os pés presos por enormes cravos, revivendo o seu sacrifício, relembrando-nos o seu sofrimento. O ambiente na Igreja era de velório. As moças de família, de procedimento exemplar, já se achavam “enclausuradas” para o retiro espiritual.
Por incrível que pareça, pairava no ar um misto de tristeza, melancolia e angustia que apertava o coração de gente.. Em todos os la res a mesma ladainha: nenhuma manifestação de alegria, jejum completo sem doces ( naquele dia Jesus bebeu vinagre ).
As fabricas eram proibidas de apitar suas sirenas e até a “Maria Fumaça” saia muda da Estação Ferroviária. Haviam pessoas que para ganhar mais indulgências exageravam nas penitências proibiam varrer suas casas, tocar vitrolas e gramofones pois tudo era considerado pecado naqueles dias sagrados.
A Procissão do Enterro , a noite, com velas acesas, era um verdadeiro espetáculo de fé cristã.
Até hoje guardo nos ouvidos o som irritante das “matracas” e na minha retina, a expressão de maldade daquelas horríveis máscaras usadas pelos “soldados e guardas que, acintosamente, acompanhavam o “Esquife”conduzindo o corpo já dilacerado de Jêsus.
O Julião Pacheco um africano que fora escravo do meu avô era o chefe da Guarda Pretoriana e com muito entusiasmo, comandava seus “soldados’ indo á frente, marcando no chão, com sua lança pontuda, o compasso da “marcha Fúnebre”executada pela Banda Euterpe Montes-clarense durante a procissão.
De vez em quando todos paravam . E a Maria Chaves, ( a Maria Beú) com a sua voz cristalina quebrava aquele silêncio, arrancando lágrimas dos fieis enquanto desenrolava o “santo Sudário” mostrando àquela multidão a efígie do Rosto de Jesus
Crucificado.Eu me lembro da minha mãe naquela Santa Procissão , com velas acesas ,pingando aquela cera quente nos meus sapatos. Impressionava-me o seu olhar triste e as lágrimas no seu rosto contemplando com tanta piedade, Nossa Senhora das Dores que com o coração trespassado por uma espada acompanhava, com tanta tristeza o seu Filho Morto .
Havia tanta piedade naquela representação, tanta fé, tanta devoção daqueles que acompanhavam a procissão !...
Mais tarde a Vigília. Eu acreditava mesmo que era um Jesus de verdade morto e deitado naquele esquife quando ia com minha mãe visitá-lo (na adoração) beijar os seus pés, levando uma esmola (moedas ) fechada na pequenina mão.
Voltava para casa triste era natural, mas consolada, sabendo que o Judas o apostolo traidor seria castigado .
E no Sábado da Aleluia, ansiosamente esperado, logo pela manhã ajuntava gente vindo de todos os lados da cidade , crianças, velhos e moços para “malharem” um enorme boneco barrigudo ( cheio de palha de milho) com botas e chapéu amarrado num poste no Largo da Matriz. Todos queriam tirar uma uma “casquinha”e em pouco tempo, do Judas só restava um montão de cinzas, enquanto uma nuvem de fumaça negra subia açoitada pelo vento .
Era assim a nossa Semana Santa, lá pelos “anos 20”( durante toda minha infância) hoje tão diferente!... !!!...
Mas eu continuo com a mesma fé, respeitando os dogmas e mandamentos da nossa religião católicaDoutrinados
pelo Padre Marcos Van In que me batizou, quando nasci, e 19 anos depois, fez meu casamento, na saudosa Igrejinha do Rosário e mais tarde nesta mesma igrejinha batizou todos os meus filhos. Foi um dos primeiros padres da nossa Paróquia
Infelizmente já velho e cansado foi transferido para São Paulo. Ele não queria sair daqui , gostava tanto da nossa terra e era tão querido! No dia da sua partida na despedida a Estação Ferroviária
ficou lotada, e ele partiu chorando!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 22/3/2012 19:15:27
Montes Claros merece

Ruth Tupinambá Graça


Li no Jornal de Noticias as declarações do nosso Secretário da Cultura, Ildeu Braúna, sobre o inicio do Ano Cultural e a dos projetos que vinham sendo trabalhados desde 2010 e que só agora,neste semestre,serão concluídos.
“ Os projetos são de ordem estrutural e visam organizar o setor cultural e produzir resultados positivos em curto , médio e longo prazo, deixando um eixo para ser trabalhado no futuro.”
O nosso Secretário da Cultural merece nossos aplausos.
Confesso que senti grande alegria e faço votos para que todos os seus projetos, tão ansiosamente esperados pelos montes-clarenses, sejam complementados o mais breve possível : Corredor Cultural, Promemoc, Festival de Cinema e Banda de Música.
O Corredor Cultural, emoldurado pelos dois velhos Sobrados (onde serão instalados o Museu Regional e a Secretaria da Cultura) já foi inaugurado com muita alegria. Teremos realmente um espaço cultural e turístico para a nossa comunidade. Um lugar alegre onde poderão ser realizados encontros musicais, sociais e educativos, feiras com objetos de arte, artesanato, lojinhas com livros, discos e revistas.
Os artistas também terão oportunidades de encontros, troca de idéias e motivação para grandes trabalhos.
Este Corredor Cultural irá valorizar muito a parte antiga da cidade que terá três opções para visitas: o solar dos Versiani Mauricio, o Casarão da Fafil e o próprio Corredor Cultural. Será um ambiente ideal para realizações das Serestas, principalmente em noites enluaradas em que os poetas cantores se recordarão da Montes Claros antiga falando de amores em ternas canções.
Promemoc é a memória de Montes Claros que nos apresenta de uma maneira romântica, implantada no solar dos Versiani Mauricio. Será uma fonte digital para estudiosos, pesquisadores e a população em geral.
Festival de Cinema , de 18 a 22 de Abril, com, sessões gratuitas de curta e longa metragem;mostra de Filmes Infantis Interativo e a mostra Digital Norte Mineira.O objetivo do Festival de Cinema é promover a socialização e o conhecimento através do cinema estimulando o cineasta montes-clarense, através de homenagens e exibição de filmes de sua direção.
Banda de Música, outro projeto importante, será um respaldo na cultura de Montes Claros.
Nossa cidade já teve duas bandas de música: Euterpe Montes-Clarense e a União Operária.
A Euterpe foi fundada em 1856 por uma mulher: Dona Eva Barbosa Teixeira de Carvalho. Muita gente, da nossa cidade nem sabe quem foi e o quanto ela trabalhou por nossa terra. Era dinâmica, batalhadora incansável pelo progresso de Montes Claros. Foi professora primária durante muitos anos, quando nossa cidade era apenas Vila de Montes Claros das Formigas. Musicista nata, cheia de entusiasmo e grandes ideais, sonhava com uma banda de música para a nossa terra e incentivada pelo Dr. Carlos Versiani (Presidente da Cãmara Municipal na ocasião) e o Vigário Antônio Gonçalves Chaves, mandou buscar em Diamantina( a cidade mais civilizada – e próxima - naquela época) o mestre Risério Pereira Alves Passos, grande músico.
O drama da organização e funcionamento da Euterpe Montes-Clarense é uma longa história em que seus componentes e o esforço da Dona Eva são dignos de admiração. A Vila era pobre e esquecida pelo nosso Governo
Eles lutaram para angariar verbas junto a Comunidade para compra de instrumentos, cavaletes e uniformes, inclusive um de “gala” para os grandes festejos.
Sobreviveu aos trancos e barrancos fazendo este trabalho sem remuneração.
E como se sentiam felizes dentro daquele uniforme de brim cáqui, empunhando seus instrumentos!
Em 1857, nos festejos da elevação de Vila a Cidade , a Banda Euterpe saiu a rua pela primeira vez, bem organizada e brilhante no seu uniforme de gala dando um show de musicalidade. Desta data em diante tomou parte em todos os acontecimentos políticos sociais e religiosos da nossa cidade.
Tudo era difícil, mas eles eram como soldados em seus postos de honra.
Muitos anos depois (pois não sou tão velha assim) a conheci ,quando Montes Claros já era adulta . Adorava ver a Banda ensaiar. Eu morava na Praça da Matriz, hoje Dr. Chaves.
À tardinha, o pistão do Augustão quebrava o silêncio daquela Praça antiga, chamando os músicos. Dava gosto vê-los chegando, um a um, afobados trazendo seus instrumentos de metal amarelo ouro, polidos e lustrosos. Durante anos, a casa do Augustão Teixeira no inicio da Rua Cel. Celestino (esquina com a Praça) foi o ponto de encontro destes homens extraordinários que se esforçaram para que a querida Banda sobrevivesse.
Eu gostava de ver a cara vermelha do Augustão soprando com entusiasmo o seu pistão,; Tonico Teixeira, sempre risonho,com sua clarineta; Joãozinho Guimarães com sua trompa; Corsino com seu trombone; Sebastião Peba com seu bombo; Olimpio de Abreu, sempre sisudo, supervisionando a turma; Juca de Sapé, exímio na flauta; Zé do Ó, Procópio, Judelcino, Aristides Guimarães, com outros instrumentos cheios de voltas e botões (que me esqueci os nomes) e os mais novos, Adail Sarmento e Luiz de Augustão na clarineta e Altininho, “mascote da Banda”, criança ainda,mas já sabia manobrar os “pratos”.
Ensaiavam dobrados, marchas militares e valsas para tocar nas festas de Agosto, nas missas, procissões e Reinados de Nossa Senhora, São Benedito e do Divino.
Aos dmingos tínhamos a”Retreta” na Praça da Matriz (hoje Dr. Chaves) quando ela era apenas um largo enorme sem calçamento, rodeado de centenárias mangueiras com um “Coreto “ no centro.Era lá que a Banda ficava por 2 ou 3 horas deliciando nossos ouvidos com suas músicas. Tocavam pelo prazer de tocar sem remuneração. Todos se juntavam para ouvi-la: crianças, jovens e velhos.
Os casais de namorados tornavam-se mais amorosos e românticos, era o momento das declarações...
Os velhos, lembrando dos tempos da juventude, escutavam embevecidos os acordes.
E a criançada aproveitava o momento para brincar.
Corria em volta do Coreto, brincando de “Veadinho Quer Mel,” Chicotinho Queimado”, “Boca de Forno” (quanta inocência) escondendo-se no meio da multidão, esbarrando propositalmente nos casais de namorados só para vê-los encabulados e as caras assustadas das mocinhas...
Foi um tempo maravilhoso!
Mais tarde os ensaios passaram para casa do tio Basílio (pai de Hermes de Paula) que era, naquela época,o Presidente da Banda e muito se orgulhava daquele cargo.
Hoje todos aqueles valentes e dedicados músicos desapareceram e infelizmente com eles enterraram também as duas Bandas de Musica da nossa cidade. Merecem, portanto, uma palavra, um gesto de louvor: foram homens que tanto lutaram e se dedicaram à nossa cidade com verdadeiro amor.
Parabenizo o Secretário da Cultura que , no momento, tenta ressuscitar, com grande esforço, a nossa Banda Euterpe Montes-Clarense, o que não será fácil, se não houver cooperação da Comunidade e da Administração Publica e as demais Secretarias.
Seja forte, Senhor Secretário Ildeu Braúna, não deixe a peteca cair.
Acredito na sua sensibilidade e capacidade de administração. Lute contra todas as dificuldades e obstáculos; lute contra as contradições e criticas dos despeitados; siga o seu propósito.
Montes Claros precisa e bem merece!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 12/3/2012 08:09:14
SOS Para Montes Claros

Ruth Tupinambá Graça

Montes Claros cresceu muito é uma verdade.
Embora desordenadamente pois não obedecem um projeto geral de edificações, nem um Plano Diretor.Portanto tudo cresce aleatoriamente. Os bairros surgem e crescem, dia a dia. Edifícios sobem milagrosamente como chuchu nas latadas. Lojas, lanchonetes, restaurantes , farmácias e até estacionamentos de carros tomaram conta das principais ruas da cidade, de tal forma que desapareceram totalmente as casas residenciais, onde as famílias antigas viveram, aproveitaram a cidade tranquila, valorizando a amizade, a convivência que existia entre as pessoas, criando seus filhos como verdadeiras famílias mineiras.
Apesar do atraso e dificuldades que existiam naquele tempo (falta de luz, calçamento, comunicação e transporte) todos eram felizes numa vida simples sem luxo, sem o consumismo e a ganância pelas “cifras” que hoje domina quase toda a Comunidade.
Montes Claros, hoje, é uma “Dama de Luxo”, presunçosa, cujos filhos se tornam ,cada vez mais insensíveis aos problemas políticos, sociais e financeiros que tumultuam e afligem os que infelizmente mais necessitam e dependem dos “maiorais”...
Enquanto cresce o numero de Condomínios e as mansões luxuosas se multiplicam nas zonas nobres, a querida urbe está em crise.
Trinta por cento (ou mais) da população sofre faminta, desabrigada,, sem saúde e sem escola. Também a parte central da cidade da cidade está um caos sem higiene, atolada no lixo, na sujeira (abrigo das bactérias) e os passeios e ruas esburacadas num desconforto total, provocando quedas dos pedestres e estourando pneus, causando acidentes.
E para completar, cresce a violência (juntamente com a cidade) dificultando a vida das pessoas que já andam estressadas, sem dormir, atormentadas pelos “sons” principalmente do “Triângulo da Impunidade” que continuam afligindo seus vizinhos e doentes da Santa Casa.
Eu, que acompanhei “pari passu” o crescimento da nossa cidade alegrando-me com o seu sucesso, hoje entristeço-me vendo problemas tão sérios tratados com tamanha displicência...
Montes Claros já teve fases bem melhores e mais agradáveis.No seu centenário, o poeta e escritor Luiz de Paula homenageou-a com os versos da sua autoria:
`Montes Claros, Vovó centenária,
Tu estás tão bonita , de vestido novo,
vê tuas ruas, vê tuas igrejas
olha só a alegria do povo!
Eu relembro teu nobre passado
de lutas e glórias e tantas belezas,
teu luar, tuas serenatas
e o labor dos teus filhos criando riquezas.
E os Morrinhos, com a capelinha
onde minha mãezinha
rezava orações
e onde á noite os teus poetas cantores
falavam de amores
em ternas canções.
Montes Claros, e esta imensa saudade
que minh alma invade
nos íntimos refolhos
Minha terra escuta o meu canto
E perdoa este pranto
que cai dos meus olhos´´.
Oh, minha querida Montes Claros, não deixe que seus montes se escureçam! Não deixe a sensibilidade, a solidariedade e fraternidade que sempre existiram no coração dos seus filhos desapareçam agora.
Desça deste falso pedestal que a colocaram, “Cidade da Cultura, “Rainha do Norte de Minas”...e alerte seus filhos amados. Eles não sentem que você está se decrescendo moralmente?
Alerte-os para os problemas angustiantes que mascaram sua trajetória: hospitais fechando por falta de verbas, de médicos , leitos, macas ao chão e pacientes morrendo nos corredores.
Na Educação, o ensino insuficiente. Faltam escolas e professores na periferia; alunos rebeldes, até drogados, não respeitam os professores.
A violência aumentando assustadoramente, ladrões e assassinos dominando, ás vezes, até a polícia.
De quem é a culpa?
È muito fácil cruzar os braços e jogar a culpa na Administração Pública e nos Órgãos responsáveis pela tranquilidade da cidade.
É certo que estes têm bastante culpa,mas a Comunidade é também culpada pela comodidade e displicência.Não cobram, não exigem nada (mas também não ajudam) não existe um movimento de cooperação constante entre a comunidade a administração, deputados e vereadores .E assim agem de maneiras diferentes.
Montesclarenses, ainda é tempo de lutar.
Sigam o exemplo daqueles homens valorosos que nos séculos 17, 18 e parte de 19, tanto lutaram, a duras penas e numa época em que tudo era mais difícil, conseguiram transformar o pobre Arraial de Montes Claros das Formigas na bela Cidade de Montes Claros!
Lutem para que ela seja realmente a Cidade da Cultura e, verdadeiramente, a Rainha do Norte de Minas.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


70350
Por Ruth Tupinambá - 7/2/2012 08:49:45
Adeus, Flora!

Ruth Tupinambá Graça

Há momentos em nossa vida que não encontramos palavras para exprimir o que sentimos o que vai em nosso coração.
Foi o que me aconteceu ontem quando fui ao velório, me despedir, pela ultima vez, da minha amiga Flora Pires Ramos.
Ela se foi, nos deixou, é a triste verdade. Por instantes fiquei em estado de choque; meu coração batia desordenadamente e um nó parecia estrangular minha garganta. Foi muito chocante aquele momento.
Não podia acreditar que Flora, aquela mulher tão ativa, tão forte, tão segura nas suas decisões durante toda sua vida, era a mesma que ali jazia, fria ,inerte; somente as pétalas de rosas que cobriam o seu corpo, nos mostrava a triste realidade.
Notava-se, naquele momento, a expressão de dor e tristeza no rosto de seus filhos, parentes e amigos que, como eu, a contemplava em silencio.
Olhando-a, Flora, pela última vez, meus pensamentos voaram para o passado (como uma cortina que se partisse, deixando à mostra tantos acontecimentos) as lembranças de momentos tão especiais que juntas vivemos e estão guardadas na minha retina; fases da nossa infância, adolescência e juventude; as brincadeiras de roda” “Veadinho quer mel” “Guarda o meu anelzinho” em frente à Igrejinha do Rosário , onde você morava .
Os passeios na Fazenda do Cedro (existia ainda a Fabrica de Tecidos) onde brincávamos nos montões de algodão que quase nos encobria, rolando e procurando objetos que escondíamos para testar a nossa esperteza...
Mas era o Teófilo que sempre os encontrava e zombava da nossa derrota.
Na Escola Primária fomos colegas e assentávamos na mesma carteira.
Você ,sempre prestimosa, emprestava-me os lápis de cor e sempre repartia comigo, no recreio, as frutas do seu quintal.
Formamos juntas, foi uma festa tão bonita!
Na juventude cursamos a Escola Normal Oficial de Montes Claros onde fizemos o curso de Magistério. Foi um período apertado, com professores exigentes e responsáveis: Doutor Plínio Ribeiro, Doutor Coutinho, Doutor José Thomaz, Doutora Lilia Câmara,Sr. João Câmara com uma matemática complicada(raiz quadrada, Maximo divisor Comum, Regra de Três etc.
Era a matéria que eu detestava...E você levava-me para a sua casa , onde Dona Vidinha(com extrema boa vontade) tirava minhas dúvidas.
Depois, Flora, o destino nos separou. Você se casou e eu também. Nossos filhos nasceram , os trabalhos e deveres de mãe e esposa dificultaram nossa convivência. Mas a amizade sempre existiu.
Você continuou com sua energia em sua atividade dedicando-se inteiramente às obras de caridade, seguindo as pegadas da sua mãe na Presidência da Associação das Damas de Caridade. Com seu espírito filantrópico (traço característico da sua personalidade) você fez um trabalho magnífico.
Fundando a”Escola de Ensino Emendativo Dona Vidinha Pires” (profissionalizante) você ajudou muito a Juventude pobre montes-clarense .
Nesta ocasião nos encontramos novamente, você se lembrou de mim,convidando –me para ser sua vice-diretora arranjando minha transferência para sua escola.
Foi um tempo feliz e juntas trabalhamos com amor e dedicação.
Você, Flora, foi para nós um exemplo de mulher, filha, esposa, mãe e professora, extremamente dedicada aos problemas sociais de nossa terra, doando-se incansavelmente em benefício da classe pobre.
Quando a Associação das Damas de Caridade estava financeiramente falida você oferecia diariamente aos pobres, por sua conta, a sopa milagrosa.
Milhares de vezes saiu à rua, com as companheiras, pedindo ajuda para o sustento das internas do” Asilo das Velhinhas”,fundado por você.
Graças a seu trabalho, seu dinamismo, sua inteligência, sua filantropia, hoje a Associação das Damas de Caridade é uma potência, abriga um grande número de carentes, tratados com todo conforto social e financeiro.
Mesmo depois de aposentada e ter entregado ao Bispo de nossa paróquia o grande patrimônio da Associação, você não deixou de olhar para os necessitados.
E agora Flora eu vejo-a dormindo e sabemos que jamais acordará
Jamais ouviremos aquela voz forte que comandava sem ferir alguém.
Sempre sentiremos sua presença, que era um conforto, uma segurança, um apoio.
Você, com sacrifício, trouxe a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Sua chegada á nossa terra foi uma apoteose de luz e religião. Ela sempre esteve presente em todos os seus momentos e sob sua proteção você foi um esteio forte de uma família que hoje segue seus passos, perpetuando assim sua existência.
Vá em paz, Flora.
Você será sempre lembrada com saudade por sua família e por esta grande amiga que teve a sorte de conhecê-la, ter a felicidade de seu convívio e a segurança de sua amizade por tanto tempo.
E, em recompensa ao que você plantou na terra, estará entrando hoje no céu com honras e glórias, muita música num lindo Coro de Anjos.
ADEUS!... FLORA.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


69693
Por Ruth Tupinambá - 25/11/2011 12:46:10
Praça de Esportes, Retalhada!

Ruth Tupinambá Graça

O que será da nossa “Princesa do Norte de Minas” se a Administração Pública continuar retalhando-a, vendendo pedaços às empresas gananciosas que pensam somente em “cifras”?
Chegou ao cúmulo do absurdo: vender parte da nossa Praça de Esportes, para, em troca, construir um “majestoso estádio”, um “grandioso teatro” terminal de ônibus urbanos, etc.
A cidade realmente precisa (pelo seu valor cultural) de um teatro, mas não é “desvestindo um santo para vestir outro” que se resolve um problema. Não será retalhando a Praça de Esportes, destruindo uma obra tão querida e necessária, em troca de outras construções para as quais faltam verbas.
As crianças e adolescentes - juventude de nossa cidade- precisam de práticas esportivas e lazer e não têm outra opção: por que a Praça de Esportes ficou abandonada, sem rumo sem direção adequada?
Tudo culpa da administração pública e também da nossa comunidade displicente que aceita tudo por comodidade. Sabemos que o esporte é a esperança, a solução para tirar a juventude do vicio das drogas, que cresce assustadoramente em nossa cidade.
Traficantes tomaram conta e as “bocas de fumo” se espalham por toda a periferia, causando diariamente mortes e assaltos. A violência nos assusta; a população vive presa atrás dos altos muros e das cercas elétricas, enquanto os “reis das drogas”, matando e roubando, zombam da policia. Pois realmente são os “donos do pedaço”.
A nossa Praça de Esportes já deveria ter sido tombada como Patrimônio Histórico pelos relevantes serviços prestados á nossa comunidade. Ela Tem valor próprio, È a nossa herança do passado com que vivemos hoje e passaremos para gerações vindouras, levando-se em consideração seu interesse e trabalho para identidade cultural da nossa cidade.
No passado, centenas de jovens atletas ( por ela treinados) brilharam, disputando em várias cidades do nosso Estado, elevando o nome de Montes Claros e trazendo medalhas. A Praça de Esportes tinha vida, tinha alegria e orgulho dos seus campeões, Eu era jovem e freqüentadora e posso neste momento dizer o que foi a Praça e os momentos felizes da sua existência e que muitos desconhecem.
A Praça de Esportes não surgiu de uma noite para o dia como num “passe de mágica”. Foi muito difícil a sua trajetória. Em 1941 ela surgiu bela e majestosa conquistando todos os corações. Este acontecimento marcou época em nossa cidade. Nem todos sabem o que foi outrora o local onde ela se localiza hoje. Era uma várzea servindo de logradouro público, e na época de chuvas ela se transformava num verdadeiro pantanal. Até 1938 esta várzea escura e triste permaneceu abandonada. As noites eram tranqüilas e o único sinal de vida era o coaxar dos sapos, que na sua orquestra extravagante quebrava a monotonia daquela várzea, em completa solidão. Chamava-se Prado Oswaldo Cruz.
Um largo enorme, maltratado, algumas casas comerciais antigas espalhadas ao seu redor e no centro um grande “papa vento”. As autoridades competentes da nossa cidade, até então, nunca conseguiram transformá-la numa praça atraente e bonita, nem tampouco aproveitar aquela imensa extensão para melhores fins. Os anos foram passando e o destino (para sorte de Montes Claros) deu-lhe um novo Prefeito: Dr. Antônio Teixeira de Carvalho, o Dr. Santos, como era chamado.
Inteligente, dinâmico, admirável força de trabalho, empreendedor de grande coragem e otimismo. Bom caráter (o que hoje é mais difícil) personalidade forte que levava pessoas a respeitá-lo, inclusive os amigos e correligionários.
Dr. Santos sonhava com o progresso de Montes Claros e cheio de entusiasmo, idealizou a Praça de Esportes. Queria um esporte planejado e bem orientado, de maneira que a infância, adolescência e juventude montesclarense pudessem praticá-lo desenvolvendo-se física e socialmente. A obra era caríssima, levando em conta os cofres vazios da Prefeitura. Naquela época não existiam as gordas verbas de hoje, principalmente para as regiões esquecidas do nosso sertão. Entretanto nunca desistiu, nem vendeu pedaços da nossa cidade. Graças á sua capacidade de trabalho e prestigio, conseguiu vencer todos os obstáculos.
Em 15 de março de1939 foi lançada a pedra fundamental, começando imediatamente a drenagem daquele famoso pântano. E em 1941 estava pronta a sonhada Praça de Esportes com quadras de vôlei, tênis, piscina, etc.
Trouxe de Belo Horizonte, para beleza e estética, plantas variadas e um jardineiro especializado para cuidar do jardim e treinar os novos contratados da Prefeitura ,que ainda desconheciam técnicas de jardinagem. Nossa Praça ficou um luxo!
Mais tarde foi construída a sua sede social, luxuosa e confortável, anexa . Era o ponto onde se celebravam todos os acontecimentos políticos e sociais da nossa cidade. AS recepções (inclusive serviço de “buffet”) dos casamentos das minhas filhas foram realizadas no salão da sede da Praça, com um serviço impecável . Aos domingos aconteciam as celebres “matinês dançantes”, a “coqueluche dos anos dourados. No salão repleto reinava alegria, animação e respeito. E como dançavam naquele tempo!..
Época dos boleros de rosto colado, única extravagância permitida aos namorados. Nada de bebidas alcoólicas. Era só o prazer de dançar e sentir o calorzinho do par muito querido e desejado. A nossa cidade foi crescendo, surgindo novos clubes e a Praça de Esportes foi ficando no escanteio.
É o grande defeito dos prefeitos( na maioria) : quando assumem a Prefeitura não valorizam e abandonam o que os antecessores fizeram. Até a sede social foi demolida, nem mesmo sabe-se por que. Coisas que só em Montes Claros acontecem. Hoje ela está mais velha e mais triste. O seu jardim, antes tão bonito, perdeu aquele colorido, as flores desapareceram , morreram de sede e de paixão... E as “bougainvilles” que formavam uma cerca viva em sua volta - numa festa de cores - foram desaparecendo, pouco a pouco.
Árvores enormes, sem trato, tomaram conta quebrando sua estética. Hoje é apenas uma caricatura. Tornou-se cada vez mais isolada com ausência dos namorados , dançarinos e atletas dos áureos tempos. Desprezaram-na. Esqueceram-se dos mais de 60 anos de benefícios prestados á nossa comunidade. Nossa Praça de Esportes está morrendo e que morte triste ! Retalhada.
Acordem montesclarenses! Basta de displicência e comodismo. Balancem este “formigueiro humano” (como no passado) e protestem, gritem, convoquem os responsáveis pelos problemas políticos e sociais da nossa cidade e região, deputados, vereadores, políticos e comunidade. Não deixem a peteca cair...
Do contrário será mais um Monumento Histórico que irá desaparecer, assim como Igrejinha do Rosário, Mercado Municipal , Colégio Diocesano e muitos outros já demolidos para nossa tristeza e saudade.

* Da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 24/10/2011 13:36:20
Uma Boa Noticia

Ruth Tupinambá Graça

Paira no ar uma boa noticia vinda do Centro Cultural de nossa terra: a fundação de uma Banda de Música.
Confesso que fiquei muito contente. É o que nossa terra precisa e merece: com seu grande desenvolvimento político e social ( tantos anos de existência e um número considerável de habitantes) já deveria possuir uma Banda de Música para abrilhantar suas festividades políticas e sociais.
É triste dizer: Montes Claros já teve uma Banda de Música (a Euterpe Montesclarense), que por displicência dos nossos governantes , desapareceu , deixando-nos uma grande tristeza e saudade. Fundada em 1856, quando nossa cidade era apenas a Vila de Montes Claros das Formigas, por uma grande mulher: Dona Eva Barbosa Teixeira de Carvalho (irmã do nosso saudoso prefeito Dr. Santos), uma musicista inata que sonhava com uma Banda de Música para nossa terra.
Apesar das dificuldades ela não desistia e conversando com o Coronel Prates, Padre Chaves e Dr. Carlos Versiani, (pessoas influentes da época) o entusiasmo cresceu, aumentando o sonho daquela gente e a possibilidade de realizá-lo.
Difícil era achar um bom Mestre da Música. Entusiasmado, o Dr. Carlos Versiani mandou buscar um maestro em Diamantina e um mês depois chegava à Vila de Formigas o famoso músico Risério Alves Passos , o"Mestre Risério".Tudo era difícil naquela pequena Vila, mas o entusiasmo e força de vontade venceram as dificuldades. Até os "coronéis", deixando de lado as "rixas" políticas, se entregaram de corpo e alma numa cooperação geral na organização da sonhada Banda. Os ensaios corriam com dedicação, pontualidade dos músicos e a vigilância da Dona Eva.
E, no mês de Julho de 1857 ,a Banda Euterpe Montesclarense tocou em público pela primeira vez, nos festejos da passagem de Vila de Montes Claros das Formigas para Cidade de Montes Claros. Anos depois com a morte do "Mestre Risério" (primeiro Regente) e do segundo , Professor Justino Guimarães, filho da Dona Eva e Pedro Guimarães, dois grandes músicos, a Banda quase desapareceu. Sobrevivia aos trancos e barrancos, graças à perseverança dos músicos, fazendo este trabalho sem remuneração. Tocavam pelo prazer de tocar em todas as festividades da nossa cidade. E como se sentiam felizes dentro daqueles uniformes, empunhando seus instrumentos!
Suaram para angariar verbas junto à população para comprar novos instrumentos, cavaletes individuais, cadeiras e até uniformes brancos com botões dourados e bonés enfeitados com galões para os dias de gala. A cidade foi crescendo. Alguns músicos morreram. Em 1906 a Banda foi toda reformada, com 26 figuras, instrumentos novos, cadeiras e estantes portáteis individuais e dois uniformes, sendo um de gala. Assim foi legalmente constituída com estatuto registrado, amparada por uma diretoria externa.
Foi nesta época que eu conheci a Banda, já com meus oito anos morando na Praça da Matriz. Adorava vê-los ensaiar.
Os músicos já eram outros, sendo todos meus vizinhos. Á tardinha, o piston do Augustão Teixeira (apaixonado pela Banda), quebrava o silêncio daquela Praça antiga, chamando os músicos. Dava gosto vê-los chegando, um a um, afobados, trazendo seus instrumentos de metal dourado, polidos e lustrosos Durante muitos anos a casa do Augustão, no inicio da Rua Justino Câmara, na entrada da Praça, foi o ponto de encontro desses homens extraordinários que tanto lutaram e se esforçaram para que a Banda Euterpe Montesclarense sobrevivesse. Ensaiavam lindos "dobrados", marchas militares e valsas. As festas de Agosto se aproximavam e a Banda não podia "fazer feio" nas missas dos Reinados de Nossa Senhora, São Benedito e na Procissão do Divino ou nas empolgantes "cavalhadas," um belo espetáculo em que a Banda tinha papel importante
E também nas estréias dos circos, com as melodiosas valsas. Estas comemorações tradicionais da cidade eram animadíssimas. Começavam às quatro da madrugada com a alvorada. Era uma delicia! Acordávamos com o som da música, o pipocar dos foguetes e o repicar dos sinos da velha Matriz. Tudo era tão simples! Abriam-se as janelas que, de repente, ficavam cheias de curiosos. Outros corriam para a rua, eufóricos, para ver a Banda passar...
Um céu lindo estrelado era testemunho da alegria daquele povo simples, enquanto uma brisa leve, gostosa, passava levantando os cabelos e provocando arrepios...
Tudo tão natural, interessante...
A Banda passava imponente no seu uniforme branco, retumbando seus instrumentos, dando um show de alegria, deixando em nossos ouvidos os sons doces e melodiosos daqueles celebres dobrados. Aos domingos, tínhamos retretas na Praça da Matriz (apenas um Largo enorme com um coreto no centro). Era ali que a Banda ficava por duas ou três horas deliciando nossos ouvidos com suas músicas. Todos se juntavam para ouvir: crianças e velhos. Os casais de namorados tornavam-se mais românticos e apaixonados, os velhos, lembrando-se dos tempos passados escutavam embevecidos. E a criançada aproveitava para brincar, correndo em volta do Coreto, escondendo-se no meio da multidão, esbarrando-se, de propósito, nos casais de namorados, só para vê-los atrapalhados, as caras assustadas das mocinhas que se encabulavam, Anos mais tarde os ensaios passaram para a casa do tio Basílio (pai do Dr. Hermes de Paula) que na época era o Presidente da Banda e se sentia muito lisonjeado. Após os ensaios a tia Joaquina preparava "aquele café" para os músicos com biscoitos e bolos variados, famosos e feitos especialmente para o "café dos músicos”. Nesta hora apareciam muitos "filantes" daquele cafezinho gostoso e caprichado... Infelizmente alguns daqueles dedicados músicos morreram. Os dirigentes da nossa cidade tinham as vistas voltadas para empreendimentos mais lucrativos e numa displicência total e falta de sensibilidade deixaram a Banda Euterpe Montesclarense morrer abandonada. Será que nos meus 95 anos terei o prazer de ver novamente a Banda passar?
Que Deus ilumine o Secretário da Cultura de Montes Claros. Acredito que ele é bastante sensível, como vem demonstrando.
Apoiado pela nossa comunidade e dirigentes da Prefeitura, que estão reconhecendo que o "SER é muito mais importante que o "TER", a notícia da fundação de uma Banda de Música transformar-se-á em realidade e a Banda Euterpe Montesclarense ressuscitará.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 5/10/2011 13:05:42

Missão de Um Pai

Ruth Tupinambá Graça

A palavra Pai tem a sua origem no latim “patre”. É também chamado de genitor, progenitor ou ainda, gerador e, normalmente, é a figura masculina de uma família. Comumente o termo assume um cunho religioso, proveniente da igreja cristã e da judaica, sendo um dos epítetos de Deus.
Também é a primeira pessoa da Santíssima Trindade.
Pai é aquele que cuida. É a coluna que sustenta em seu abrigo e protege vidas que estão por vir.
Ele gera, ele cria, ele cuida, ele ensina. Ele ama. Sempre. É assim que vejo a figura de um pai. É sublime ser pai, mas é intensa a responsabilidade. O adulto é a criança que o tempo amadureceu. Na criança, já está projetado o futuro adulto.
É na infância que o adulto está sendo projetado, construído e formado. Por isto a infância, qualquer infância, de qualquer criança, de qualquer país, classe social, rica ou pobre, negra, branca, ou oriental, foi, é e será , talvez a mais importante fase da vida de qualquer pessoa.
Qualquer acontecimento ou evento – acontecido neste período - será decisivo e determinará toda uma trajetória futura de vida. Será uma benção ou uma maldição, que nos acompanhará por toda nossa vida. Quantos adultos se debatem hoje numa perplexidade existencial, tentando entender porque são vitimados por angústias inexplicáveis que lhes apertam o peito.
Melancolia, tristeza, e amarguras constantes.
Depressões avassaladoras e súbitas, surgidas exatamente quando tudo parecia tão bem.
Sem nenhum motivo aparente.
São reféns de "um grande eu", uma segunda e perigosa natureza que os domina implacavelmente, e com a qual não sabem lidar. A raiz do problema, quase certamente e na maioria dos casos, estará relacionada ou foi claramente provocada durante a infância. Seres humanos pequenos, indefesos e em formação que foram um dia expostos a grandes tormentos, aflições, violências, vergonhas, humilhações e maus tratos. Estes acontecimentos provocarão chagas e feridas que nunca cicatrizarão por toda uma vida.
Assim sendo, seguirão assombrando e, por conseguinte,desorientando, dificultando, inviabilizando e até destruindo a vida desta criança, quando ela for - um dia - um adulto. Trajetórias humanas negativamente afetadas e arruinadas. A vida de uma criança é uma folha em branco, onde uma vez escrito algo, nunca poderá ser apagado!
Para o bem e para o mal !
Por isto, este que tem o poder de escrever na folha da vida de uma criança, seja ele quem for, não pode ou nunca deveria errar.
Se for o pai, não terá jamais este direito!
Errar? Nunca, jamais, em tempo algum! Não se escreve rascunhos para uma vida. Tudo o que for escrito, valerá. Não poderá ser apagado. Jamais!
Oh! Meus queridos pais. Desculpem-me por ter sido tão prolixa. Viver hoje está difícil e mais ainda educar filhos! O mundo hoje é só maldade, o nosso amado torrão lentamente se esfacela...
As florestas são impiedosamente saqueadas por gananciosos. Desrespeitam a natureza, espalhando a poluição, sacrificando os pulmões. Os rios de águas tão límpidas transformadas em tintas poluentes. E, nesta luta cega, marcham os anos, dia após dia, ano após ano...
Vocês, queridos Pais, São uns heróis. Sofrem em meio a esta turbulência para criar e educar seus filhos levando-os pela melhor estrada!
Queremos homenageá-los pela sublime missão e que Deus os abençoe e os proteja em todas as horas: horas de dúvidas, horas de mágoas, horas de agonias, de ansiedade e melancolia. Que Deus as transformem em horas de sonhos, horas de alegrias e realizações, horas de encanto e felicidade, suaves, límpidas cheias de harmonia. Vocês merecem.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 95 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 7/9/2011 08:28:26
Ruth Tupinambá

UM HISTÓRICO SOBRADINHO

Ruth Tupinambá Graça

Felizmente ainda não foi demolido o sobradinho número 18 da Praça Dr. Chaves, situado ao lado do Centro Cultural Dr. Hermes de Paula. Ele foi construído pelo Padre Paulo Antônio Barbosa, antigo Capelão do Arraial de Formigas, residindo nele durante muitos anos com sua família. Inclusive Dona Carlota Augusta Barbosa (Sá Toró era o seu apelido) avó do grande jornalista Paulo Narciso, foi sua descendente.
É um sobradinho histórico pelos grandes eventos ali realizados, entre eles a Estação Telegráfica de Montes Claros em 27/ 10/ 1892. Muitos anos depois, em 1/9/38, veio o Serviço de Telefone Automático.
Em 1956 foi inaugurado-pela Empresa Telefônica de Montes Claros - o telefone interurbano, localizado também no referido Sobradinho. O Sr. Hildebrando Mendes, empresário, era seu proprietário e nele já residia com a sua família.
Antes dele, meu avô, Cassimiro Xavier de Mendonça, foi proprietário deste sobradinho e lá criou a sua família, vendendo- o depois de muitos anos.
Eu tenho boas recordações deste Sobradinho.
Foi lá que eu nasci e passei grande parte da minha infância. Meu avô não gostava de barulho (era comodista), mas a minha avó com sua “diplomacia e sabedoria” dobrava o velho e aí então o espaço era todo dos netos... Que eram bem uns vinte!
Naquele tempo as famílias eram numerosas (não se evitava filho), embora os partos fossem bem mais difíceis.
Era aquela farra quando se ajuntavam os netos da grande família. De entrada, a vovó nos recebia com um delicioso café com leite feito com rapadura queimada, que até hoje sinto o gostinho na boca. Com a gulodice, natural em criança, nossos olhos se esbugalhavam quando ela colocava na mesa aquela variedade de biscoitos caseiros. Tinha um tal de “João Beó”(biscoito de fubá) que era uma tentação.
De barriga cheia descíamos a grande escada (escorregando pelo corrimão), que nos levava ao enorme quintal sombreado por árvores frutíferas. As centenárias mangueiras eram a nossa tentação, disputando-se para ver quem alcançava os mais altos galhos pegando as mais belas frutas.
Às vezes encontrávamos ninhos de passarinhos e num prazer infantil, quebrávamos os ovinhos só por curiosidade, para descobrir os filhotes lá dentro.
A vovó nos passava pito, condenando nossa maldade, pois ela gostava daqueles hóspedes em seu quintal, ouvindo o “dueto musical” que a acordava todas as manhãs. O quintal da vovó era a nossa maior atração e como a nossa cidade não nos oferecia outros divertimentos, além dos brinquedos na Praça, disputando “Chicotinho Queimado”, “Veadinho Quer mel”, correndo em volta do antigo coreto.
Tirando a algazarra dos netos, o sobrado era tranqüilo. Uma família muito feliz .Aos domingos era de praxe aquele almoção com o célebre molho pardo ou canjiquinha com costelinha de porco, não faltando o feijão de tropeiro e arroz com pequi. Era mesmo uma reunião de filhos netos e bisnetos e a alegria enchia aquele sobradinho. E sempre, meu avô pegava a sua sanfona de 38 baixos e aumentava a alegria daquela meninada.
Minha avó era uma verdadeira “dama”. Sempre alegre, bem humorada, inteligente e encantava a todos . Meu avô era meio “sistemático”, mas não discutia e fazia tudo que a vovó queria. Assim, toda satisfeita, organizava os saraus em família. Lembro-me que meus tios, Tonico, João, e Pedro Mendonça, eram cobiçados pelas “donzelas casadoiras” que já freqüentavam nossa casa, improvisando as danças ao som do violão, cavaquinho e flauta. Meus tios eram mestres nestes instrumentos. Alegres, aqueles saraus, substituindo os Clubes Sociais que naquela época não existiam - nem em sonhos- na nossa terra.
Hoje eu percebo que o Sobradinho foi modificado. Em cima, conservaram as mesmas janelas com vidraças antigas, mas nas partes de baixo existiam só portas bem largas. Em toda esta área funcionavam a Fabrica de selas, arreios e um curtume construído por ele, onde descobriu ervas e drogas naturais que selecionava : as empregava na curtição e no processamento dos couros. Produzia em sua fábrica arreios com acabamentos de metal e prata, que nada deixava a desejar aos mais modernos produzidos no século passado. Meu avô foi um homem notável, autodidata em desenho e artes plásticas. Que primor os desenhos estampados nos seus trabalhos, capas de selas em baixo relevo. Mantinha em sua firma uma série de aprendizes que estudavam e aprendiam a sua arte.
Prestou assim um grande beneficio aos jovens da nossa cidade que, infelizmente, não tinha nada a lhes oferecer naquele tempo em que o único transporte era o cavalo. O montesclarense que se prezava possuía bons cavalos de sela e um excelente para o cilhão da patroa: era um escândalo uma mulher escanchar as pernas numa sela ao montar em um cavalo. Meu avô tinha o cuidado de fazer um cilhão bem bonito, para cada uma das suas filhas e para minha avó, que eram usados nas idas a Lapa do Senhor Bom Jesus, passeio que ia todo ano com a família.
Foi o primeiro da história brasileira, como empresário, a adotar o sistema de férias coletivas para empregados, encerrando seus trabalhos a 15 de Dezembro e retornando a primeiro de Fevereiro. Nestas férias aproveitava para o célebre passeio à Lapa, para visitar o Santo da sua devoção levando uma grande caravana de pessoas amigas, tudo por sua conta, Não admitia que os convidados pagassem um só níquel durante a viagem.
Meu avô foi um eterno apaixonado por minha avó que também lhe retribuía com a mesma intensidade. Era um casal bem ajustado, feliz e neste maravilhoso ambiente de amor criou toda a sua família.
Dizem que não existe paixão, mas meu avô morreu de uma. Isso eu posso afirmar: não resistiu à ausência da sua companheira.
Ela faleceu muito cedo, com apenas 45 anos. No dia do seu sepultamento ele disse chorando: ”Não poderei viver sem Sá Josefina (como ele a chamava) e, de fato, aconteceu. Entrou para o quarto, onde por tantos anos viveu com sua amada e daí só saiu morto, cinquenta dias após o falecimento da minha avó.
Com o passar dos anos este Sobradinho foi passando de mão em mão e hoje pertence aos herdeiros do Sr. Hildebrando Mendes.
Jamais poderei esquecê-lo, em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que viva!



(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 15/8/2011 21:43:25
JOÃO CARLOS E BABY

Ruth Tupinambá Graça

Abrindo o Jornal deparei-me com a sua crônica. Fiquei muito emocionada ao lê-la e admirada com sua tranqüilidade ao descrever minuciosamente esta doença tão grave, que vem causando-lhe tanto sofrimento, preocupação e angústia.
É verdadeiramente impressionante a maneira como você a enfrentou e, mais ainda, sua franqueza narrando (sem preconceito) e mostrando para todos, sem constrangimento, as fases da terrível doença, conformado com os sofrimentos no decorrer do tratamento, mesmo sabendo que os resultados não seriam os melhores.
Você foi um herói, corajoso e valente.
Eu sei que sua fé em Deus é uma grande força e também a dedicação da sua família.
Principalmente a Baby que é uma mulher muito especial, extremamente dedicada à família e uma grande companheira em todas as horas (”na alegria e na tristeza, na saúde e
na doença “), vem dando-lhe forças para lutar contra este terrível mal que você enfrenta com tanta resignação.
Vendo todo seu sofrimento, fiquei pensando como aquela criança que conheci anos atrás - tão feliz na sua inocência - poderia estar passando, mais tarde, por tantos sofrimentos.
Eu me lembro de você, João Carlos, uma criança alegre, inteligente, bem lourinha, de calcas curtas,correndo, brincando no Casarão do Vovô Maia. Você era a alegria daquele Casarão, paparicado pelas tias e avós.
Conheci sua família, fomos vizinhos muitos anos, na Rua Dr. Veloso e tive oportunidade de conviver com sua mãe a Zaé (como a chamávamos) uma mulher de fibra que era a conselheira da família. Ninguém fazia nada sem consultar a Zaé e ouvir sua opinião. Lembro-me do seu pai chegando a nossa terra. Era um verdadeiro “gentlemen” que com sua simpatia e educação conquistou os montesclarenses, fazendo grandes amizades e tornando-se um apaixonado por nossa terra. E como “Cupido” não brinca em serviço, acertou-lhe o coração com uma “flechada daquelas”...
Apaixonou-se pela Zaé que era uma bela e inteligente mulher ,extremamente educada. O namoro foi rápido, o noivado mais ainda e o casamento, de vento em popa, pois o velho Maia era sistemático... Foi uma festa muito bonita, com muita alegria e os “pombinhos” foram comemorar longe a tão esperada “lua de mel”.
A saída da Zaé foi um baque para a família, embora ela continuasse dando toda assistência à família, sempre presente em todos os acontecimentos.
A Zaé foi uma filha, esposa e mãe exemplar.
Era dinâmica e achava hora para tudo. Gostava de costurar e tinha mãos de fada, muito caprichosa.
Naquela época, nos meus 18 anos, vaidosa e de bem com a vida, queria muito que a Zaé fizesse um vestido para mim. Queria fazer sucesso na Rua 15, onde “desfilávamos” todas as noites, nossa única distração naquela época. No meu noivado tive esta alegria. Ela se ofereceu para fazer o meu vestido. Fiquei felicíssima, pois estaria bem elegante para receber a família do meu noivo que viria da Capital para conhecer a sertaneja que conquistara-lhe o coração.
Mais que depressa fui à loja de Seu Ramos, a maior e melhor casa comercial daquela época. Eu queria um tecido à altura da modista. Fiz o balconista descer várias peças das prateleiras, estava eufórica, mas finalmente encontrei o que desejava. A Casa Ramos era uma loja para ninguém botar defeito.
Fui correndo à casa da Zaé. Ela recebeu-me com aquela educação que lhe era peculiar e folheamos os últimos figurinos recém chegados na “banca do Ducho” , ela ajudando-me a escolher o modelo que melhor moldaria minha silhueta. Que, modéstia à parte, era bem delineada...
Voltei para casa feliz da vida, naquele entusiasmo que a gente só tem na juventude (quando não se conhece problemas) e o coração é cheio de sonhos e esperanças.
Tenho as melhores lembranças da sua mãe. Tornou-se para mim uma grande amiga. Quando você foi estudar fora, eu sempre ia visitá-la.
Depois mudei para Belo Horizonte e perdi o contato.
Mais tarde voltamos para nossa terra. Nestas alturas você já era um belo rapaz e de “olho na prima”...
Os anos passaram e sempre nos encontrávamos. Você e a Baby (já casados) nas reuniões festivas da Academia de Letras, no Elos Clube, no Automóvel Clube.Eu os admirava , sempre dançando (com ares de apaixonados) um casal alegre demonstrando tanta felicidade!
Diversas vezes eu lhe pedi para cantar minha música predileta, você satisfazia-me com aquela voz tão bonita...
Agora, João Carlos, depois de ler a história da sua doença, contada por você, fiquei muito triste e todas as lembranças vieram à minha mente.
Momentos tão felizes! Não me contive. Talvez isto lhe conforte um pouco, saber que alguém, mesmo de longe, sempre o admirou e lhe quer muito bem. E acredite, tenho rezado e pedido a Deus (Ele nunca nos desamparou, sempre trazendo força, fé e resignação para suportarmos estes dolorosos momentos que você e a Baby estão passando.
Um grande abraço e que Deus os proteja.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


68301
Por Ruth Tupinambá - 24/7/2011 09:42:37
DE GERAÇÂO A GERAÇÂO


RUTH TUPINAMBÀ GRAÇA

Dizem que sou romântica. Confesso que é uma verdade. Sou extremamente romântica e eterna sonhadora, pois não se pode viver sem sonhar ele é um estimulo nos dá força para viver, lutar e esperança para conseguirmos nossos objetivos. Mas os meus protestos, que ás vezes, extravasam nas minhas crônicas, não são movidos pelo romantismo mas pelo que é justo e necessário. Revolta-me a omissão e displicência dos dirigentes e responsáveis pela ordem , segurança e proteção da nossa cidade.
Assim volto-me ao passado, perco-me nas lembranças da minha infância e juventude naquela Montes Claros que eu conheci pobrezinha e pequena mas alegre, feliz e tranquila com seu luar de prata e as serenatas.
Eu sou mesmo uma sonhadora, sabem por que ?
Eu não pertenço a geração da “Coca-Cola”, dos “Botecos”, do “Celular”e da “Cibernética”, que hoje tornou-se um vicio, tomou conta de tudo e de todos. Eu sou da geração da Montes Claros antiga, poucos habitantes , vidinha tranqüila, livre da violência incontrolável de hoje que tanto nos apavora. E a medida que comparo as duas cidades (a de ontem e a de hoje) eu me aprofundo ao passado e me vem os sonhos em as lembranças do fomos, do que somos e do que seremos...
Eu sou da geração dos Tropeiros, que com os “chinelões” atolados na poeira tinham uma enorme boa vontade de servir, de cooperar trazendo de longe, no lombo dos burros tudo para a alimentação comunidade montesclarense. Deveriam ser homenageados pela cidade mas isto nunca aconteceu. Somente o grande artista Konstantin se lembrou deles prestigiando-os mas infelizmente ninguém sabe onde foi parar o “Chinelão”, escultura tão linda e significativa, símbolo do inicio da nossa cidade, arrancada estupidamente da rua na entrada para o aereoporto.
Sou da geração dos Cometas: Valentes pioneiros das estradas, viajantes representantes de firmas idôneas de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Atravessavam imensas matas desertas, ouvindo apenas o canto trite do “Fogo Pagou” e o canto choroso do “Zabelê”, num sol escaldante e muita poeira, trazendo no lombo dos burros tudo que a nossa cidade precisava:tecidos, ferragens, armarinhos, louças, calçados, artigos de cama e mesa, chapéus, bijuterias. Perfumes etc. Foram uns heróis e muito colaboraram para o crescimento da nossa cidade e hoje quem se lembra deles? Muitos se casaram aqui constituíram famílias: Jaime Rebelo, Luiz Pires`, Josefino de Melo , Domingos Garcia Tupinambá e outros e hoje ainda existem muitos netos e bisnetos descendentes destes valentes pioneiros.
Geração dos Fazendeiros: antigos homens de bem que plantavam e colhiam em suas lavouras tudo que a população precisava, Desconheciam as facilidades de hoje. Tudo era cultivado com muito trabalho e sofrimento no cabo da enxada. Criavam e engordavam bois que eram vendidos para centros mais adiantados, transportados á pé pelos caminhos. Não existiam transportadoras nem
Rodoviáreas na nossa cidade.Dava gosto ver as enormes boiadas atravessando as ruas e os valentes vaqueiros atentos com varas de ferrão para castigar os mais bravos. Eu me lembro, corríamos para a janela para vermos a boiada passar. Era um acontecimento comum na cidade mas uma grande diversão .
Geração dos Carros de Bois: Cortando diariamente as ruas com seu cantar sonoro, cheinho de lenha para os grandes fogões e muitas vezes, carregados com produtos das fazendas vizinhas.
Geração dos”Anos Dourados”: Hoje recordado com tanta saudade e muitos se lastimam por não tê-lo conhecido. Geração das mocinhas ,. cheias de denguices mas de uma beleza pura sem as sofisticações...
Época dos “Bailes” nos salões dos grandes sobrados dançando as valsas, boleros e os tangos argentinos. Dos namoros controlados pelos pais de “olho nas donzelas”vigiando e impedindo “liberdades”... época das serenatas quando as declarações de amor ás amadas eram através das modinhas e o choroso violão. Confesso que jamais esquecerei este tempo, em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que eu viva !
De geração em geração,cheguei até aqui século xx.
Geração da Cibernética: Hoje cada avanço tecnológico corresponde a um mergulho no tempo de amanhã.Estamos vendo o homem na lua, pisando e fotografando aquela mesma lua romântica dos poetas, das serenatas, por tantos anos inatingível
Hoje a mentalidade é outra. Mais aberta, mais liberal menos romântica. Desfrutam o prazer e o que de melhor a vida lhes oferece, numa boa inebriados pelo néctar do amor, numa enorme exaltação do sexo sem “frescuras” tendo como lema a1 certa e verdadeira afirmação do saudoso Vinicius de Moraes:
“Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure’
É verdade que o romantismo quase desapareceu e também as serenatas dos “anos dourados”.
A dança é uma verdadeira violência, parece mais uma luta. Nas boates os músculos se torcem sem nenhuma beleza, numa provocante sensualidade longe do que foram as valsas e os tangos argentinos.
A feminilidade e delicadeza da mulher quase desapareceram para dar lugar a uma constante disputa de valores. Aquela figura frágil, endeusada e paparicada pelo homem não existe mais se igualou na luta de competições, de trabalhos e posições. Não sou contra a civilização e a emancipação da mulher, longe disso, apenas acho que existe um certo exagero, um abuso, provocando desestruturação da família. Entre os jovens não há mais tempo para uma boa leitura, não param para ler uma poesia, ou escutar uma boa música clássica, correm todos dominados pela máquina como verdadeiros robôs.
Mas tudo isto é a evolução dos tempos e não há como segurá-la onde a cibernética toma conta de todos. O que poderei fazer eu que estou no outono da vida, para acompanhar esta juventude irrequieta e turbulenta e não ser tachada de “careta” e “quadrada” pela minha discordância? Procuro tentar aceitando e participando (desde que meu coração agüente) sem reclamações e censuras mas sentindo a velhice bater em minha porta, percebo que não tenho estrutura para enfrentar o terceiro milênio,que os “anos dourados” já ficaram tão longe e não pertenço a geração da máquina.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


68124
Por Ruth Tupinambá - 1/7/2011 19:03:17
PARABÉNS MONTES CLAROS

Ruth Tupinambá Graça

Você hoje está ganhando mais um aninho. 154 anos.
Que beleza!
Você é feliz, não teve um “AVC” ou moléstia grave para lhe abater e tem sido valente, superando todos os males, injustiças e traições. A vida é assim mesmo,cheia de altos e baixos.Mas sempre se consegue recuperar.
Eu me lembro muito bem do seu passado de lutas e glórias, pois a conheci quando apenas engatinhava. Já era muito forte, mas muito pobre, minha querida.
Esquecida neste imenso sertão, longe da civilização, sem comunicação, sem transporte. Suas ruas eram feias, calçadas a “pé de moleque”, calçamento grosseiro de enormes pedras que estragava os saltos dos sapatos “Luiz XV” das mocinhas daquela época. Você era escura: tempo dos lampiões para os mais ricos e candeias de querosene com pavios de algodão para os mais pobres.
Água precária sem nenhum tratamento, conservada em filtros e potes de barro. Não existiam automóveis em nossa cidade. Somente os carros de bois deixavam um rastro sinuoso e um triste som quando transitavam em suas ruas, carregados de lenha para suprir os fogões nas grandes cozinhas. Apesar de tudo de tudo você era alegre e feliz. Seus filhos trabalhavam muito e queriam vê-la crescer. Faltava-lhe luz, você era escura.
Nunca triste, porém, por que tinha o mais belo céu estrelado e à noite, uma lua linda clareava toda a cidade e os poetas e seresteiros vinham saudá-la com seus violões e lindas modinhas. Foi um tempo bom de muita paz e você era tranqüila. As pessoas se comunicavam, se entendiam, eram solidárias, sinceras, sem luxo, sem mordomia, uma verdadeira família de mineiros.
O tempo não para, você foi crescendo e envelhecendo. Aos poucos foram surgindo as oportunidades, tornando-a conhecida por que realmente era uma cidade de muito futuro. Forasteiros se aproximaram e você- sempre - com seu enorme coração recebeu-os (como faz até hoje) como seus verdadeiros filhos. A população aumentou, a política se avolumou tanto que lhe trouxe grandes problemas e confusões. Os montes claros se transformaram em “montes escuros” por algum tempo.
Uma fase bem triste, a dos “anos trinta”. O terrível golpe de 6 de Fevereiro de 1930 - tocaia para o Vice-Presidente, Dr. Melo Viana, sob o comando da Dona Tiburtina, no qual você perdeu tantos filhos queridos- foi uma fase em que Montes Claros ficou (mal)conhecida nacionalmente.Os Jornais noticiavam, com toda maledicência, aquele terrível acontecimento político que lhe trouxe a pecha de cidade assassina.
Mais vinte anos se passaram após aquela trágica barbaridade de Dona Tiburtina. Foram muitos anos de sofrimentos, vinganças e injustiças. Mas você superou com sua força e honestidade, seus filhos lutando dignamente pelos seus direitos.
Na gestão do seu filho querido o Prefeito (perfeito) que tanto trabalhou pelo progresso proporcionando-lhe tantos melhoramentos, foi uma grande fase da sua vida, muito sucesso e muita paz. A cidade cresceu muito e você vivia feliz e muito alegre. O seu centenário ,eu me lembro, foi um sucesso. O Dr. Hermes de Paula (apaixonado por M. Claros) organizou tudo com muito amor em todos os detalhes. E no dia 3 de Julho de 1957 acordamos com Banda de Música, foguetes estourando.
Era a alvorada, pelo seu aniversário, numa comemoração alegre com muita gente percorrendo as ruas principais. Houve Missa Campal na Praça Dr. Chaves celebradas pelo Bispo da Paróquia. Durante o dia foram diversas promoções: desfiles bem organizados onde toda a população compareceu com números folclóricos e várias apresentações, banquetes para os visitantes, e à noite, grandioso baile com um show especial.
Você estava feliz, minha querida!
Foi um centenário comemorado com muito amor e para completar sua alegria, o grande poeta Dr. Luiz de Paula homenageou-a com a bela música que alcançou grande sucesso:

“Montes Claros, Vovó centenária
Tu estás tão bonita de vestido novo
Olha teu céu, tua serenata
E o labor dos teus filhos criando riquezas...

Na verdade, você estava linda, conservada com 100 anos
Passaram-se 50 anos e na gestão do Prefeito Dr. Athos Avelino, em 2007, foi comemorado o sesquicentenário. Foi também uma festa bonita na qual o Prefeito e principalmente o Secretário da Cultura, Dr. João Rodrigues capricharam.
Você continuou crescendo vertiginosamente e hoje, 154 passados, você é realmente uma grande cidade conhecida e admirada por todos. Não é mais aquela “menina” pobre, tímida e desconfiada que eu conheci. Você hoje é uma “coroa” rica e poderosa e tem tudo para ser mesmo uma “rainha”.
Mas eu percebo que com tantas vitórias, não está tão alegre como antigamente. Eu, que a acompanhei tantos anos percebo este seu constrangimento: é a VIOLÊNCIA que a deixa tão perturbada e assustada.
Escuta o meu conselho: seja autêntica como sempre foi. Dispense os festejos, shows, foguetes, balões e tudo o mais. Qualquer comemoração pelo seu aniversário em nada justifica ou resolve a situação em que está vivendo. Em troca, diga que quer paz e sossego. Que a comunidade tenha uma atitude drástica para combater, juntamente com a Administração Pública e todos os órgãos responsáveis pela sua segurança, deputados e vereadores, policiais, enfim todos que possam colaborar e de qualquer forma, acabar com esta violência.
E, acredite minha querida, estarei rezando para que tudo dê certo, você seja feliz e volte sua alegria , alcançando o que tanto deseja : acabar com esta violência que se alastra desastrosamente como fogo nas “queimadas “estragando tudo o que você, à duras penas ,construiu.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


67652
Por Ruth Tupinambá - 21/5/2011 09:21:32
Apelo aos montesclarenses

Ruth Tupinambá Graça

Montes Claros, Montes Claros,
Terra de grande beleza
Começou no Arraial de Formigas,
Transformou numa linda Princesa


Oh! Minha querida Montes Claros! Estão querendo sacrificá-la tirando sua maior beleza, suas serras, seus montes, enfeando-a e descaracterizando sua origem.
Acordem montesclarenses, já dormiram bastante. Alertem os companheiros, os vereadores, os deputados da nossa região, a Administração Pública e órgãos responsáveis pela ordem e proteção da nossa cidade.
Ainda não sentiram o que estão tramando contra um patrimônio que precisa e deve ser preservado?
Não deixem que estraguem os nossos montes, principalmente a Serra do Mel.
Não deixem que casas e prédios subam morro acima, como verdadeiras feridas prejudicando a área de preservação e destruindo o verde do cartão postal da nossa cidade.
Já pensaram no que poderá acontecer futuramente?
Devemos nos preocupar, não só pelos loteamentos em questão, mas com a proteção da parte hidrográfica e com os efeitos negativos que virão pela ocupação aleatória das terras na parte alta das serras.
A natureza é sábia, se vinga e com as enchentes tudo poderá acontecer. Uma inundação pode se tornar uma catástrofe: a cidade não terá estrutura suficiente para controlar tamanho desastre.
Não sou contra o desenvolvimento da nossa “Princesa”, pelo contrário, fico muito feliz vendo-a crescer, dia a dia. O que não me conformo é com a omissão dos Administradores, por não resolverem os problemas políticos e sociais, bem assim a falta de sensibilidade e amor de certas Empresas Construtoras que, em exagerada ganância, extrapolam as áreas normais e seguras para construções. Agora apelam pelos loteamentos em nossos claros montes que numa linha sinuosa tão perfeita e bonita contornam toda a cidade, fazendo milenar contraste com o céu de um azul tão lindo que só Montes Claros possui.
E, sob esta má influência, a cidade está se descaracterizando. Está crescendo, é um fato, embora desordenadamente, pois não há um projeto geral de edificação. Edifícios subindo por todos os lados, condomínios luxuosos com magníficas mansões surgem - como num passe de mágica - em vários bairros, mas, infelizmente, a querida urbe está em crise, principalmente na saúde e na educação.
É triste chegar a esta conclusão: hospitais fechando, sem verbas, falta de leitos e médicos, macas ao chão com doentes morrendo nos corredores.
Na educação, ensino insuficiente. Faltam escolas e professores e o analfabetismo continua crescendo.
Alunos rebeldes e até drogados não respeitam os professores, ameaçando-os. Com armas, inclusive.
A violência aumenta dia a dia.
Ladrões e assassinos dominam. Às vezes, até a própria policia. A população, insegura e apavorada, se isola por trás dos altos muros e cercas elétricas.
Enquanto o cidadão sofre, os bandidos andam soltos, sentindo-se donos do “pedaço”, esnobando, pois sabem que nunca ficarão presos.
A limpeza pública deixa muito a desejar: ruas sujas e esburacadas. O lixo se acumula nos passeios em péssimas condições, dificultando a passagem dos pedestres.
Mas não devemos culpar só a Administração Pública e outros Órgãos responsáveis.
A Comunidade também é culpada e tem obrigação de cooperar e ajudar. Existe muita falta de educação. Pelas ruas, amontoados de garrafas vazias, copos, papéis de balas e biscoitos jogados pelo chão. Porque não os depositam nos engradados próprios? Deixam displicentemente para a limpeza pública.
Vamos todos cooperar e ajudar, montesclarenses!
Uma andorinha só não faz verão.Tomem conhecimento da realidade e não deixem que a Rainha do Norte se transforme em Rainha do Lixo.
De que vale tanto luxo, e tanto empreendimento se é outra a realidade da nossa cidade?
Se não agirem, com presteza, vencerá o velho ditado:
Por cima filó, filó.
Por baixo, molambo só.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


67591
Por Ruth Tupinambá - 14/5/2011 14:36:12
Coisas que acontecem

Ruth Tupinambá Graça

Hoje estou triste, muito triste mesmo, porque não consigo dormir com a janela do meu quarto aberta, sentindo a brisa suave entrar balançando levemente as cortinas e aquele ventinho gostoso soprando os meus lençóis amenizando o calor das noites quentes, enquanto uma lua bonita deixa sua luz entrar silenciosamente e permanecer, embalando-me enquanto o sono não chega. Estou impossibilitada de usufruir destes presentes da natureza, sem nenhuma despesa, apenas porque merecemos. O “Triangulo da Impunidade”, com seu barulho infernal (porque o que se ouve não é musica) com um bater de estrondoso de Caixas eletrônicas, vozes estridentes, até altas horas da madrugada, desrespeitando a Lei do Silêncio e as pessoas que têm o direito de se descansarem e precisam de repouso noturno. Fiquei surpresa, pois li nos jornais que o barulho nas noites já estava reduzido a 80% e que tudo cairia nos eixos e o silêncio seria estabelecido durante a noite. O que teria acontecido? Se esqueceram ou houve uma crise de amnésia total e tudo se voltou a estaca zero? Não creio que seja impotência das autoridades municipais, policiais e ministério publico (isto não existe) se tal acontecesse, seria um total desastre para as mesmas e uma grande decepção para a nossa cidade. Tenho a impressão que o que está acontecendo no momento, talvez seja a falta de punições aos responsáveis por esta tragédia. Pois não há continuidade na cobrança das multas nem castigo aos culpados que desobedecem acintosamente as autoridades responsáveis pelo silêncio noturno da cidade. Pode ser também que este barulho de hoje seja alguma comemoração especial talvez euforia pela vitória de qualquer time de futebol que é o que domina a população, ou algum carro que dirigido por irresponsáveis, abrem o som no mais alto volume, e o fazem perturbando, sem piedade, o sono das pessoas de bem que a noite precisam do sono para refazer as forças e equilibrar o desgaste do trabalho diurno. Seja qual for a hipótese desta desobediência ás ordens da Secretaria do Meio Ambiente aqui fica o meu “alerta” e uma sugestão: Dobrem a fiscalização e a vigilância, “bota para quebrar” apliquem as multas não perdoem as faltas insistam para que respeitem e cumpram as leis do silêncio, que de fato existem para serem cumpridas e só assim terminará esta desastrosa “novela musicada” que ao invés de distrair e proporcionar alegria só causam desespero e tortura ás pessoas de bem que têm o direito de do repouso e necessitam dele para Sobreviver, principalmente os doentes da Santa Casa, infelizmente vizinha deste “Triangulo”. Que Deus tome conta e os ilumine para que consigam, embora tardio, por fim nesta polêmica que já está passando dos limites.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


67304
Por Ruth Tupinambá - 18/4/2011 12:21:57
Saudosa Praça da Matriz

Ruth Tupinambá Graça

A antiga Praça da Matriz hoje Dr. Chaves, é muito importante para nós montesclarenses. Foi ali a nossa cidade começou.
O valente bandeirante este paulista de nervos de aço, obstinado e corajoso, que deixando família e o conforto das grandes cidades, se embrenhou na vastidão do sertão enfrentando perigos, cortando extensos chapadões, atravessando densas matas, abrindo estradas, criando povoados, escutando apenas o pio triste do “Zabelê” e do “Fogo Pagou”, naquele deserto infindo deixando por onde passava, o seu rastro de gente, onde só existiam feras.
Aqui ele edificou a Fazenda dos Montes Claros das Formigas ( Sesmaria ganha por merecimento) cuja sede a primeira casa da nossa cidade, infelizmente hoje demolida.
Nesta Fazenda ele viveu muitos anos beneficiando nossa terra, fazendo contato com centros mais civilizados. Mais tarde cansado velho e doente resolveu voltar a sua terra natal se dispôs a vendê-la ao Alferes José Lopes de Carvalho, seu segundo proprietário.
Este homem simples mas inteligente e extremamente católico, espírito empreendedor teve idéia de construir uma capela em frente sua fazenda para assistir com sua família e fazendeiros vizinhos, os sacramentos: missa, procissões, batizados e casamentos.
Esta Capela cuja licença foi conseguida com muito sacrifício foi a” célula
Vital” onde tudo começou. Á sua volta foram se agrupando primeiras casas dos fazendeiros vizinhos. Eram simples, num colonial sem luxo, agarradas umas ás outras como se estivessem cochichando. Com o passar dos anos cresceu o numero de moradores e este povoado se transformou em Arraial e depois, Vila de Montes Claros das Formigas. José Lopes de Carvalho foi durante muitos anos chefe deste “Formigueiro Humano”, lutando bravamente conseguindo vencer obstáculos que á primeira vista pareciam impossíveis. Novos fazendeiros foram se deslocando das pequenas cidades vizinhas, atraídas pelas noticias de suas riquezas naturais, clima e terreno excelentes para agricultura e criação de gado, em fim um lugar para ter uma vida saudável e se enriquecer. E aquele “Formigueiro Humano” se explodiu para todos os lados procurando recursos para tornar-se independente. E o milagre aconteceu em 3 de Julho de 1857 a Vila de Montes Claros das Formigas foi despertada , na madrugada, pela “alvorada” com a Banda de Música Euterpe Montesclarense, criada em 1856 pela grande mulher Dona Eva Barbosa Teixeira de Carvalho, mulher dinâmica , batalhadora incansável pelo progresso de Montes Claros. A população eufórica estourava foguetes e delirava com a vitória: estava criada a cidade de Montes Claros.
Durante anos ela foi uma cidade simples e apesar da sua beleza e riquezas naturais , foi por muito tempo esquecida pelos nossos governantes, perdida neste enorme sertão das Gerais, longe da civilização, sem transporte e comunicação. Era quase escura mais em compensação, um céu lindo que só Montes Claros possui (desculpe o bairrismo)a noite a lua surgia rodeada de estrelas clareando toda aquela extensão tranqüila e não faltavam seresteiros para saudá-la com um violão choroso.
Montes Claros era uma só família de autênticos mineiros. Sua gente era simples mesmo nas tradicionais famílias ricas as senhoras eram distintas mas modestamente vestidas. Os menos afortunados não se sentiam humilhados porque pobres e ricos brincavam juntos e se misturavam nas escolas públicas. As crianças tinham infância (na extensão da palavra) eram livres e felizes. Nadavam (o rio Vieira não era poluído) nas águas puras e cristalinas, pegavam piabas em peneirinhas, trepavam nas arvores, andavam á cavalo em pêlo, jogavam peladas, acompanhavam os Palhaços nas ruas, (quando surgiam circos na cidade) eufóricos com uma grande cruz de tinta preta na testa, passaporte para entrar gratuitamente nos espetáculos.
Eu tive oportunidade de passar minha infância, nesta cidade pacata e a Praça da Matriz, hoje Dr. Chaves, onde morei durante muitos anos, era o meu “castelo” e paraíso dos brinquedos .A Praça era quase escura sem
Calçamento onde a poeira fofa cobria nossos pés descalços quando a noite reuníamos brincando despreocupadamente (não existiam ladrões nem drogados e assaltantes na nossa cidade) de Boca de Forno”, Veadinho quer Mel”, Chicotinho Queimado”), correndo em volta daquela Praça imensa.
Enquanto brincávamos, dando azas as nossas energias, nossas famílias visitavam suas comadres e assentadas comodamente em cadeiras de palhinha (moda na época) habilmente colocadas em circulo na porta da rua. Não existiam automóveis, este circulo poderia prolongar-se dependendo do numero de visitas. Era de praxe servir o café ali mesmo, por sinal muito gostoso, torrado em casa, com biscoitos e rocas, pão de queijo, tudo quentinho. Nisto a dona da casa se aprimorava em oferecer o melhor para, com um doce sorriso, receber os elogios das visitas.
Esta mesma Praça era muito respeitada e até reverenciada (o que não acontece hoje) importante centro de todas as festividades religiosas, palco de todos os acontecimentos políticos e sociais da nossa terra.
Hoje mais de 70 anos decorridos eu passo em frente esta Praça Dr. Chaves e fico pensando na antiga Praça da Matriz, em tudo que ali vivi e as lembranças me vêm a mente com aquela saudade que machuca e ao mesmo tempo nos conforta. Foi um tempo feliz, onde realizei todos os meus sonhos de criança. Jamais esquecerei das novenas do mês de Maio que com tanta alegria eu subia ao altar ,vestida de anjo, coroando Nossa Senhora e cobri-la com pétalas de rosas que eu carregava com todo cuidado numa cestinha de filó. E os leilões, após a novena, onde a criançada espreitava aquela mesa cheia de doces e frutas sob o olhar vigilante do leiloeiro. As “retretas” no Coreto da Praça quando a Banda Euterpe Montesclarense aos domingos alegrava aquela Praça com os mais belos dobrados. As Festas de Agosto com os belos “Reinados” desfilando acompanhados pelos catopés, marujos e caboclinhos.
E as “cavalhadas”, representando as lutas entre mouros e cristãos, dos tempos medievais e que hoje não existe mais nas Festas de Agosto. Era um espetáculo maravilhoso. Meu pai tomou parte, muitas vezes e era o Rei Cristão. Eu me sentia orgulhosa ao vê-lo montado num fogoso cavalo correndo elegantemente em toda aquela Praça, enquanto sua capa de veludo azul volteava no ar ao som da música que executava uma bonita valsa.
É assim. O tempo passa se vai, mas não desaparece... ele sempre permanece e volta com sua força para nos lembrar o que fomos, o que somos e o que seremos.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


67154
Por Ruth Tupinambá - 6/4/2011 12:31:26
Rixa entre “Estrepes” e “Pelados”

Ruth Tupinambá Graça

A nossa cidade foi durante muito tempo, rigorosamente dividida em duas partes. Não era uma divisão projetada por engenheiros ou agrimensores, numa divisão exata, com planta caprichosamente desenhada em papel próprio com as devidas separações em quinhões através dos teodolitos, judicialmente aprovadas, nem tão pouco, pela Administração Municipal ou Estadual. Nada disto. Era simplesmente uma divisão feita por dois partidos políticos importantes da nossa cidade: Partido de Baixo e Partido de Cima com seus apelidos:”Estrepes” e “Pelados”. O de Cima com seu chefe deputado Dr. Honorato Alves que morava na parte superior da cidade. O de Baixo chefiado pelo Deputado Dr. Camilo Prates que morava na parte baixo, ou seja, na Praça da Matriz hoje Dr. Chaves. Os moradores da parte de cima pertenciam politicamente ao grupo dos “Pelados” e os da parte de baixo ao grupo dos “Estrepes”.
Era uma rixa tremenda. Os de cima não toleravam os de baixo. Eram prepotentes julgavam-se superiores e os de baixo, por sua vez, pertencendo á famílias tradicionais , gente que estudou em Diamantina (centro mais civilizado naquela época ) professores, doutores, coronéis julgavam-se “donos do pedaço”.
Acontecimentos políticos e sociais com graves conseqüências,vinganças e até mortes prejudicavam as famílias. Tudo era dividido ostensivamente: um rapaz do lado de cima não podia namorar com uma moça do lado de baixo, nem tão pouco freqüentar qualquer acontecimento social, político ou religioso dos de baixo e vice-versa.
O único lugar freqüentado pelos dois partidos era o Mercado Municipal (hoje infelizmente demolido) portanto ninguém se espantava ou se admirava quando, de repente, surgia uma discussão, uma briga e até tiros.Era a intolerância e impertinência , era o choque entre os Estrepes e os Pelados.
Em virtude destas proibições aconteceram muitos casos de fugas (em altas horas) de “donzelas” da sociedade para encontros desejados e proibidos.
Certa vez dois jovens de famílias tradicionais da nossa cidade, se apaixonaram. Ela era uma garota linda no esplendor dos seus 18 anos, morena de olhos verdes uma cabeleira loira que emoldurava um rosto perfeito. Ele também um jovem bonito, educado e que correspondia o seu amor na mesma medida. Seu único defeito era pertencer a partido contrário. Certa noite eles apaixonados (Cupido não brinca em serviço) deram uma escapulida e se encontraram ás escondidas. Mas mentira tem pernas curtas e o romance foi descoberto e o inocente encontro tornou-se um escândalo. A proibição foi cerrada. O pai da jovem sentindo-se traído e humilhado perante o partido e a sociedade e como os conselhos e proibições não convenciam a jovem enamorada, resolveu castigá-la dando-lhe uma grande surra. O romance do apaixonado casal não teve um final feliz. No dia seguinte foi uma tragédia em sua casa. Todos choravam A jovem desesperada, revoltada com a injustiça do partido, a intolerância e maldade do pai impedida de ver o seu amor, achou que a única solução da sua vida era a morte, o suicídio. E assim o fez. Ingeriu uma grande quantidade de soda caustica que a levou a morte rápida.
Foi um caso extremamente doloroso e que abalou toda a cidade.
Mas este drama não serviu de lição para os fanáticos políticos (política é uma praga) a intolerância entre os partidos políticos ainda perdurou por muitos anos.
O tempo passou e este triste acontecimento foi como um sonho, ou pesadelo, e hoje ninguém mais se lembra destas histórias e das rixas políticas de cidade pequena.
A cidade cresceu. Novas gerações surgiram mais evoluídas mais civilizadas. Aqueles políticos antigos morreram e a política tomou novos rumos. O progresso chegou trazendo nova cultura influenciada por novos
Alunos de Faculdades, formados, professores (que naquele tempo eram mais valorizados) escritores, poetas e sonhadores... A fatal animosidade e o coronelismo desapareceram e a civilização veio transformando a “Princesa do Sertão” em “Rainha do Norte de Minas”, onde há lugar para todos os montesclarenses e forasteiros (que aqui são recebidos como filhos) e aqui se enriquecem, numa convivência “quase tranqüila” todos trabalhando, acumulando riquezas, agindo com o coração, amando e respeitando esta terra abençoada exaltando sua música,sua cultura, seu folclore...
As duas partes se uniram finalmente formando uma grande e forte corrente, cujos elos envolventes, prendem e enfeitiça a quem desta cidade se aproxima.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 25/3/2011 17:40:39

Konstantin Christoff, o Mestre

Ruth Tupinambá Graça

Nossa cidade está de luto, mas luto não é o bastante para demonstrar a extensão do que perdemos. Seus amigos se expressam através dos Jornais, Internet, mas não existem palavras que possam traduzir o que todos nós montesclarenses sentimos. Mas o melhor mesmo é falar sobre o Konstantin como uma compensação, uma lembrança...
Eu o conheci ainda criança e quero mostrar as facetas desta fase, ao lado do pai, e que muita gente desconhece.
1926... Montes Claros era uma cidade pequena e pobre, triste e escura e poeirenta. Carros de bois chiando nos cocões, sulcando as ruas estreitas e esburacadas deixando atrás de si os sinuosos rastos e seu lamurioso som. Tudo era simples e simples também era a vida daquela gente.
Um dia surgiu nesta cidade, não sei como, para a surpresa de todos um homem que chamava a atenção de todos, um tipo diferente e inesquecível.
Usava roupas grossas de lã, cachecol de cores alegres aconchegado ao pescoço, característica de quem viveu sempre em clima frio, grande cachimbo no canto da boca, fala enrolada com sotaque acentuado.
Ele era para a admiração de todos, um estrangeiro e se chamava Christoff.
Forte bonachão, olhos azuis e tranqüilos brilhando num rosto excessivamente corado, era o tipo do estrangeiro acostumado a vida dura do após guerra.
Aqui chegou, aqui viveu longos anos conquistando a cidade e sua gente. Todos o conheciam e chamavam-no de Cristo para menor esforço.
Eu me lembro, era de manhãzinha ele surgia na esquina da Rua Dona Eva com Cel. Celestino (onde eu morava na primeira casa de Montes Claros), vindo dos lados da antiga ponte do Rio Vieira. O “troc - troc” dos seus tamancos grosseiros retumbavam nas ruas calçadas à “PE de moleque”.
E como era másculo! Dava gosto vê-lo com seus braços fortes sustentando duas enormes cestas rústicas cheias de verduras.
De porta em porta, sua voz se ouvia arrastando Oe “erres”no seu sotaque característico:
_ Verdurêrro chigou
_Verdurrêro chigou...
Beterrabas, cenouras, couve flor, berinjela, nabos, rabanetes, tomates graúdos, tudo num colorido maravilhoso ele nos oferecia. Suas grandes mãos calosas e mal tratadas, retrato da grande luta entre os adubos e ferramentas iam com agilidade colocando as variedades nos pratos da balancinha de mão, suspensos por finas correntes. Aquilo era uma grande novidade em nossa cidade O colorido das verduras extasiava-me e a curiosidade, própria da minha idade impelia-me e com os tostões apertados na pequenina mão eu aguardava, todos os dias, a passagem do cristo.
Foi ele quem nos ensinou a comer aquelas especiarias em verduras que até então desconhecíamos. Nós na nossa simplicidade, longe da civilização com tanta dificuldade de transporte (tirando o feijão de tropeiro e a carne de sol, o frango caipira) nosso “menu” era o que plantávamos nos quintais: abobora, quiabo, chuchu, maxixe, batata, jiló, couve, alface, pepino, tomatinho de horta, etc...
Milhares de vezes com sua voz enrolada, pacientemente nos ensinava como preparar prepará-las, salientando suas vantagens alimentícias para o organismo, nunca se esquecendo de um bom azeite nas suas receitas.
Foi ele quem descobriu o baixio da Fazenda Pequi (propriedade do João Mauricio, pai do Mauricinho) arrendou um pedaço e lá se instalou com a sua família adivinhando que a terra era boa e abençoada. Lá ele plantou e colheu o futuro da sua família.
Manhã fria, uma chuvinha impertinente castigava a cidade que ainda dormia. O atoleiro lá para as bandas do “Pai João”era um impe cilho uma ameaça menos para Christoff que vinha religiosamente,cumprindo a sua tarefa de alimentar a nossa cidade.
A principio recusavam mesmo porque não estavam acostumados com tais especiarias mas pacientemente ele foi insistindo e com a facilidade da oferta o milagre aconteceu. A situação melhorou bastante.
Os anos foram passando. A cidade foi crescendo, e seu comercio progrediu. Já não precisava andar pelas ruas com as enormes cestas. Eu o via agora, passar dirigindo sua carroça e a seu lado dois garotos: Konstantin e Raio, louros fortes e bonitos com os livros apertados em baixo dos braços, enquanto a carroça se balançava sobre as pedras irregulares, lá se iam os três muito alegres para casa após a luta diária do mercado. Christoff estava feliz.
Tinha agora uma “banca” no mercado, a melhor, mais bonita e mais sortida. Era procurado e respeitado por todos. Era enérgico e os dois garotos já taludinhos ajudavam o pai nos intervalos das aulas. O negocio ia de “vento em popa”, enriqueceu. Entretanto o dinheiro não o deslumbrou. Continuou na mesma rotina, morando no mesmo lugar, no mesmo barracão simples com sua família, exemplo de coragem, persistência, perseverança e, sobretudo amor: amor pelo trabalho, amor a família, amor a nossa terra.
Castigado pelos horrores de um pais em guerra, perseguido pelos inimigos, na luta pela sobre vivência forçado a deixar sua própria terra imigrando-se com a família. Mas ele não se deixou abater pelo sofrimento e injustiça. Christoff escolheu Montes Claros e aqui se radicou com sua família. Ele não foi simplesmente um verdureiro que se enriqueceu com seu trabalho, foi um cidadão Búlgaro, montesclarense de coração, dedicado á terra que ele adotou.
Era um homem de visão e queria o melhor para seus filhos, uma profissão menos árdua. Já velho mudou-se para Belo Horizonte quando os filhos foram fazer faculdade deixando uma grande lacuna na nossa sociedade.
Seu sonho se realizou. Para sua alegria seus filhos se formaram, sem obstáculos e rapidamente.
O velho Christoff foi um espelho no qual os seus filhos puderam se mirar com muito orgulho.
Tal pai, tal filho! Terminando os estudos, (como o filho pródigo) o nosso querido médico deixou a Capital voltando para Montes Claros que ele como seu pai, aprendera amar.
Aqui chegando, rico, bonito, ”anel do dedo” foi extremamente assediado. As donzelas da nossa terra queriam aquele “Príncipe Encantado”... mas ele escolheu a Yêde que foi o seu grande amor, a dedicada mãe dos seus filhos a amorosa companheira e sua eterna Musa.Sua vida foi um livro aberto para todos que o procuravam. Médico por excelência cuja competência, inteligência e caridade, com braços fortes amparou a Santa Casa ao lado da incansável Yrmã Beata salvando milhares de vidas!... Era na realidade um MESTRE.
Mais tarde dando azas a sua inteligência, imaginação e criatividade qualidades inatas, dedicou-se ás Artes na pintura, , desenho e escultura. Foi o ícone da nossa terra, projetando-a em todo o Brasil e no exterior.
Hoje o perdemos, mas jamais será esquecido e tenho a certeza de que lá no céu ele foi recebido com muitas bênçãos e músicas, ao lado de seus pais, filho, irmão numa recompensa pelo bem que semeou na terra.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 20/3/2011 08:38:43
S.O.S para o nosso Carnaval

Ruth Tupinambá

Gente o carnaval passou e não vimos nem notícias pelo jornal. Num silêncio profundo ele desapareceu. A cidade ficou vazia e triste. Nossos foliões foram todos procurar distração nas cidades vizinhas, pois ninguém é de ferro.
Temos que jogar fora os aborrecimentos, desopilar o fígado, dar basta ao “estresse”. O carnaval é festa universal é a festa de todos e sempre existia. É a festa em que todos se misturam: pretos e brancos sem distinção de castas, pobres e ricos, jovens e velhos, crianças e adultos, cujo único objetivo é pular, dançar, cantar, se distrair botando para fora todos os aborrecimentos, recalques, preocupações, resultados da luta pela sobrevivência, que hoje não está fácil.
Para afogar minhas mágoas, liguei a televisão e fiquei admirada! As cidades vizinhas todas tiveram o seu carnaval animado. Desde a mais simples, menores e mais pobres cujos cofres deixam muito a desejar, mas têm uma administração consciente e um povo que sabe o que quer e luta para consegui-lo.
O ano passado o nosso carnaval vivia. Estava fraco mas ainda “respirava”... mantido apenas pelo fôlego da população. As verbas destinadas para este fim desaparecem... mas elas existem.
Finalmente este ano conseguiram enterrar o nosso carnaval. A nossa cidade está em crise. Ela que começou no Arraial de Formigas e se transformou numa rainha!
Cuidado montesclarenses e responsáveis pela sua administração. Não deixem a “coroa” cair.
Não deixem que, o Aedes Aegypti (mosquito da dengue) se aloje para sempre no coração da nossa Rainha.
Que a violência cresça mais e os bárbaros assassinatos se multipliquem.
Que o nosso folclore tão lindo, admirado e respeitado se enfraqueça.
Que a cidade da cultura e rainha do Norte de Minas se transforme em “Rainha do lixo”. Ressuscitem também o nosso carnaval para alegria do povo.
Cristo não ressuscitou Lázaro?
O carnaval sempre existiu e graças a ele com sua alegria muito beneficiou seus foliões.
Eu me lembro ainda do meu tempo de jovem o carnaval era a festa mais esperada na década de 20, 30. e até 40 ...
A cidade era pequena, pobre, comunicação difícil, os cofres da administração não recebia verbas avultadas mas existia calor humano e verdadeiros foliões e o carnaval era um sucesso. O povo se distraía e era feliz. A nossa cidade foi durante muitos anos dividida e governada por dois partidos políticos; o dos moradores das ruas de Cima e o dos moradores das ruas de Baixo. Eram os Estrepes e os Pelados. A rivalidade entre eles era notória se refletindo em todas as nossas celebrações sociais, políticas e religiosas. Era tudo separado, “cada macaco em seu galho” como diziam eles. Quando a folia do Rei Momo se aproximava começavam as animosidades entre os partidos. Cada qual queria mostrar mais o seu prestígio e o seu potencial mas no fim todos se misturavam e nada atrapalhava as festas do Rei Momo.
Formavam-se os blocos, os de Cima e os de Baixo e os foliões começavam agir. Os ensaios eram animadíssimos, cada partido fazia sua própria música. Os foliões de Baixo sob o comando das famílias: Prates, Costa, Novaes, Oliveira, Fróes, Teixeira, Mendonça, Maurício, Guimarães, Tupinambá e outras.; tendo a frente Ary de Oliveira (irmão do saudoso Jair de Oliveira) com grande experiência das Capitais, arranjando e decorando os carros alegóricos, bolando canções e fantasias.
Do lado de Cima também tinha os seus animadores destacando-se as famílias: Ribeiro, Veloso, Anjos, Labonorte Vale, Alves, Maurício, Viana, Miranda, Peres, Sarmento, Fernandes, Pimenta, Ferreira de Paula e outras.
A entrega da chave da cidade ao Rei Momo era um acontecimento, e ele, com muito orgulho, tomava conta da cidade carnavalesca, nos 3 dias. O comércio e as escolas fechavam-se para que todos pudessem tomar parte. Os Pierrôs e as Colombianas se multiplicavam. Durante o dia os blocos e os Corsos carnavalescos, com suas alegorias e fantasias interessantes, num bonito desfile, nas principais ruas da cidade coloridas pelos confetes e serpentinas e o lança perfume excitantes embriagava os foliões. Havia concurso dos blocos fantasias, músicas e carros alegóricos. A disputa era forte, mas nesta hora, nada de política, o juiz era imparcial.
Ainda me lembro dos nomes de alguns blocos; os Malandros, Palhaçada, Morena Fogosa, os Marechais, Calça Furada, Balança mais não cai. Os mais famosos e com carros mais bonitos eram: Mulher engraçada e adorada (dos de Cima) e Eu vou se você for (dos de Baixo) e a disputa era tremenda.
Havia também no desfile, fantasias interessantes, extravagantes. Palhaços estilizados exibindo piruetas e malabarismos, outros com máscaras, dando largas aos recalques nos gestos e trejeitos pornográficos.
Naquele tempo não se viam gays e travestis, se realmente existiam, eram muito discretos e escondidos. Mas imitando o carnaval das grandes capitais, alguns mais audaciosos se vestiam de mulher mostrando as pernas cabeludas, num saldo alto, a peitaria postiça aparecendo num “soutien” improvisado, balançado-se ao som da música, rebolando um bumbum desajeitado. Era uma admiração e um escândalo!...
As betas se escandalizavam fechavam as janelas faziam o sinal da cruz. Mas não adiantava, os foliões queriam se distrair e a folia continuava quente. À noite os bailes à fantasia aconteciam prologavam-se até o amanhecer. Com aplausos, gritos e muita euforia elegiam a rainha do carnaval que muito emocionada recebia a faixa e a coroa das mãos da sua antecessora. O Rei Momo depositava na mesa da comissão apuradora, a chave da cidade, que no ano seguinte cairia nas mãos de quem governaria a cidade carnavalesca.
Quarta-feira de Cinzas tudo acabado. Mas ao raiar do dia, se ouvia ainda pelos cantos das ruas no meio dos confetes e serpentinas (retratos de um fim de Carnaval) num resto de pileque, as vozes roucas de pierrôs frustrados pela traição das “maldosas colombianas”, nos delírios carnavalescos:
Um pierrô apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma colombiana
Acabou chorando, acabou chorando...
É isto aí! Montes Claros já teve o seu carnaval durante muitos anos e bom demais.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 4/3/2011 12:24:57
“Trem de Ferro” que deixou Saudades.

Ruth Tupinambá Graça

Não sei mesmo porque o nosso “Trem do Sertão” foi desativado, cortado sem piedade. Um transporte que durante muitos anos nos trouxe tanta alegria e tantos benefícios.
Desde os idos de 1700, 1800, e até inicio de 1900 o sonho do montesclarense era o “Trem de Ferro”. Sonhavam com a “Maria Fumaça” atravessando este nosso sertão, deixando para trás, a estrada Enfumaçada, enquanto o seu apito saudoso escoando-se entre as imensas matas, espantando os passarinhos dos seus ninhos, correndo vertiginosamente para socorrer as pequenas cidades do interior, proporcionando melhores oportunidades aos viajantes e comerciantes.
Este sonho durou muitos anos. Vários estudos foram feitos, engenheiros foram contratados, mas não se sabe por que tudo fracassou.
O primeiro movimento foi através de uma Sociedade Anônima com sede no Rio de Janeiro da qual o Concessionário era o Cel. Cipriano de Medeiros Lima, Barão de Jequitaí e o mais importante fazendeiro daquela região. O capital era três mil contos de réis que ele passou com seus direitos á referida Sociedade. Vários estudos foram iniciados, mas não se sabe por que tudo fracassou. Outras vias férreas em 1896 foram no abandono pões os Governadores pouco se importavam com a nossa pobre MONTES CLAROS embrenhada neste imenso sertão das Gerais. Os valentes tropeiros foram os únicos e grandes , por muito tempo heróis do transporte.
Entretanto a E.F.C.B. vinha aproximando a passo de tartaruga.
Mas um dia (há sempre um dia na vida das pessoas e também das cidades) 0 Ministério da Viação caiu nas mãos de um filho do Norte de Minas o Dr. Francisco Sá E o milagre aconteceu. Ele foi o Santo milagreiro e um grande sertanejo amigo do Norte Mineiro.
Com seu patriotismo, ciente dos ideais e necessidades dos montesclarenses prometeram trazer a E.F.C.B. a Montes Claros. A inauguração da Estação de Bocaiúva estava marcada para 7/6/24 com a presença do Ministro da Viação Dr. Francisco Sá. Que naquela ocasião visitaria M. Claros para resolver definitivamente o problema da E.F.C.B.
Foi uma benção e salvação para nossa terra. Naquela época era Presidente da Câmara o Cel. Antônio dos Anjos (pai de Cyro dos Anjos) que foi um grande batalhador para que o grande sonho se transformasse em realidade.
Toda a cidade vibrava com a próxima visita do Ministro e os Preparativos para a recepção começaram desde o inicio do ano. Tudo foi programado da melhor maneira possível, com entusiasmo em todos os setores. Até os partidos Políticos (estrepes e pelados) inimigos mortais, deixando de lado as rixas políticas abrandaram-se os corações e passaram a trabalhar juntos, pois o objetivo era não decepcionar o Ministro.
Comissões foram organizadas para angariar donativos e a Câmara Municipal não poupou os cofres soltando as verbas. A cidade toda se embelezava para receber o, em seu seio o grande amigo e filho do sertão. Melhorando as fachadas das casas, lojas e prédios, com pinturas, podando árvores, reconstruindo telhados escuros e mofados, remendando paredes, trocando madeiras e telhas quebradas, encascalhando ruas sem calçamento, etc.
O único assunto era a visita do Ministro e o entusiasmo crescia dia a dia e ele não nos decepcionou. No dia marcado por ele 8/6/24 chegava a nossa cidade com a sua comitiva. Era um sertanejo de palavra o que hoje é tão raro!...
O Dr. Francisco Sá desceu á pé, acompanhado pela multidão, Banda de música, pipocar do foguetório, pelas ruas enfeitadas com arcos de bambu, flores, bandeirolas coloridas e em todas as esquinas faixas com boas vindas e agradecimentos.
Foram dois dias de festa!...Discursos,, recepções,banquetes ,bailes etc. Nossa cidade não possuía recursos para uma recepção á sua altura (cidade pobre) entretanto o Ministro se encantou com o entusiasmo, a alegria e a educação do montesclarense e a beleza das “donzelas sertanejas” que se esforçavam para agradá-lo.
O Ministro era um homem inteligente. Percebeu logo que aquela cidade tão esquecida pelos governantes, era de grande futuro, bastava apenas um “empurrão” por mãos fortes para levantá-la. E ele decidiu
fazê-lo, enfrentaria todos os obstáculos. Prometeu que no dia 01 de Setembro de 1926 o “Trem de Ferro” chegaria a Montes Claros.
E no dia marcado por ele, a “Maria Fumaça” entrou em Montes Claros apitando enquanto toda a população montesclarense esperava com Banda de Música e foguetes. Finalmente o grande sonho se realizára e comemorado com euforia total que durou Quatro dias!...
Daí para frente tudo se modificou em nossa terra que teria agora um meio de transporte diário, viagens mais confortáveis, facilidade aos jovens para estudarem na Capital e principalmente para os negociantes tudo seria mais fácil e mais econômico.
Para a Juventude e também para os adultos, o passeio a Estação Ferroviária, assistir a partida e chegada do “trem de Ferro”, todos os dias, era a melhor distração.
Quando as férias terminavam, uma hora antes da partida do trem, já se via os casais de namorados com olhares melosos, de mãos dadas na expectativa da partida. Aquela viagem (hoje tão simples) era naquela época, como se o “querido” estivesse partindo para um pais distante e a incerteza da volta preocupava-lhes.
A “Maria Fumaça” barulhenta, esbaforida soltava vapor e apitava longamente. O maquinista todo vaidoso já estava no seu posto. Um velho de boné e roupa azul marinho, lá na frente, sacudia a bandeirinha anunciando a partida. Uma campainha estridente cortava os ouvidos dos assíduos freqüentadores. Os passageiros se despediam dos seus familiares movimentando-se na estreita plataforma. Os casais amorosos se despediam e lágrimas indiscretas corriam pelas faces das mocinhas. Os rapazes, na ultima hora, corriam e se agarravam ás alças do vagão de passageiros para pisar no estribo de entrada. Saiam com o coração apertado. Era o adeus!...E a “Maria Fumaça” se afastava lentamente á principio, depois mais rapidamente e se encobria na curva, deixando apenas um lamurioso apito.
Mais tarde a maquina á óleo chegou a Montes Claros e as viagens ficaram mais confortáveis e mais rápidas. AS cabines eram um luxo, separadas por cortinas pesadas.
Quando jovem, ainda solteira, viajei muito neste “Trem” e mais tarde com meu marido e meus filhos (ainda criança) que se encantavam com as cabines separadas por cortinas coloridas.Era uma folia, e como Eles brincavam e se enrolavam nas cortinas!....
Tenho tanta saudade!... Não me conformo com o seu desaparecimento
O seu apito lamurioso ficou gravado em meus ouvidos e nunca poderei esquecê-lo.



(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 23/2/2011 13:47:41
Não troquem o Real pelo Virtual

Ruth Tupinambá Graça

O assassinato de Janinha abalou a nossa cidade causando uma revolta tão grande repercutindo em vários Estados.
Eu fiquei chocada quando, abrindo o Jornal, deparei-me com a tão deplorável noticia. Fiquei imaginando o quanto a vitima teria sofrido, sozinha naquele apartamento. O pavor, a angustia, o desespero á mercê de um psicopata, ameaçada, maltratada e ferozmente estuprada.
Bem vestido, boa pinta, com ares de “gentelman” chegou ao apartamento da Janinha o bandido Danilo Fernando (nome falso) que ela conhecera pela Internet apenas há duas semanas.
Ela na sua boa fé, amabilidade e educação, principais características da sua personalidade, recebeu o visitante julgando ter encontrado o seu “Príncipe Encantado” através dos contatos na Internet.
Hospedou o viajante, proporcionou-lhe todas as atenções, fizeram passeios, e compras no Super- mercado. O visitante demonstrando educação, desdobrando-se em amabilidades, procurando impressioná-la.
Fingindo ser um bom companheiro, foi até a cozinha preparando-lhe um gostoso almoço.
Longe estava Janinha de pensar que em baixo daquela “pele de Cordeiro’’escondia-se uma terrível “fera” que com frieza e maldade preparava-lhe um terrível golpe.
Apresentou-o aos amigos, a família e tudo parecia um mar de rosas.
Mas existe dentro de nós uma força, que chamamos de pressentimento que muitas vezes, nos salvam de sérios problemas.
E Janinha teve este pressentimento. Por mais que o Danilo se esforçasse para ser um cavalheiro ela não estava convicta e confidenciara a sua amiga que não o queria como namorado, mais apenas
amigo.Qualquer coisa em seus modos não lhe agradara.
Ao conhecê-lo pessoalmente não houve (da parte dela) aquela afinidade, aquela atração que geralmente os jovens chamam de “química” que une literalmente os amantes. A noite chegou sem maiores problemas: um bate papo alegre, músicas, filmes e chegou também a hora fatal. Na cabeça do psicopata já estava tudo planejado.
Galanteador escolado, acostumado á conquistar mulheres fracas, levou-a para o quarto pensando que iria passar uma noite de amor.
Naturalmente ela reagiu (não se sentia atraída por ele) e a “fera” revoltada com a rejeição, a agrediu cruelmente com pancadas violentou-a, e satisfazendo o seu instinto selvagem estuprou-a e para completar o prazer psicopata matou-a enforcando-a com o fio do telefone.
Afinal o assassino e ladrão conseguiu tudo que queria com absoluta frieza. Saiu vitorioso deixando na cama uma jovem morta e levando dinheiro e tudo que de melhor encontrou no apartamento da inocente Janinha.
Mas felizmente Deus existe. A policia já descobriu quem é realmente Danilo Fernando Um grande ladrão e assassino com passagem pela policia, um psicopata com outros crimes com as mesmas características .
Está foragido, mas agora é mais fácil capturá-lo.
Um conselho aos senhores pais: Atenção aos horários dos programas da Internet. Controle a curiosidade de seus filhos evitando programas e filmês que afetem a moral, levando-os a conseqüências desastrosas.
Para as mocinhas um alerta: cuidado com os programas convidativos
da Internet : “Site” do Relacionamento e outros facilitando o namoro. Isto hoje já virou moda entre a juventude e até entre os adultos.
Pensam que lá encontrarão o “Principe Encantado”.
Não troquem o real pelo virtual. Tudo na vida tem que ser verdadeiro, palpável, principalmente tratando-se de relacionamento amoroso. Não se pode realizá-lo através de imagens falsas e abstratas.
A internet hoje virou um “oratório” onde todos “rezam” e para alguns tornou-se um
Vicio. Cuidado com este falso oratório. Nem sempre ele abriga Anjos e Santos. Muitas vezes pode estar cheio de “demônios”...
Vamos evitar que mais dramas como este aconteçam; mulheres morrendo vitimas
dos “conquistadores” pela Internet .
Resta-nos agora rezar por Aninha, a inocente vitima de um psicopata.
Que Deus a receba no Céu, dando-lhe a benção e a paz que lhe faltaram na terra.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 11/2/2011 19:59:35
“Chutem o Balde”, Montesclarenses.

Ruth Tupinambá Graça

Vocês sabem o que é passar a noite inteira sob o calor insuportável, o travesseiro umido, pelo suor da cabeça, o corpo todo dolorido de tanto se virar na Cama, de um lugar para outro, procurando uma posição melhor para a sua coluna ? E para aumentar o sofrimento e a insônia , um barulho infernal(por que isto não é musica) de caixas sonoras batendo desordenadamente e um cantor se esguelando até alta madrugada, ferindo impiedosamente seus ouvidos, tirando o seu sono ?
Estive viajando , passei noites bem agradáveis,dormindo tranquilamente e aqui chegando, na minha terra querida, tive esta recepção. Não é para se reclamar ?
Pensei que tudo estava resolvido, que a Patrulha do Silêncio cumprira a promessa intensificando a fiscalização para coibir a poluição sonora de Moc, preservando o direito do constitucional do cidadão, evitando abusos . O nosso Prefeito também havia prometido e garantido que a Empresa de Call Center iria operar na cidade. Ochefe do executivo também assinou contrato , Convênio entre a Prefeitura e a Policia Militar para viabilizar os trabalhos da Patrulha do Silêncio. Por tudo isto, pensei que o Triangulo da Impunidade estava sob controle e já poderíamos dormir o sono dos justos.
Mas tudo não passou de promessas, foi o que pude constatar nesta noite terrível. A Administração e os demais responsáveis pela Lei do Silencio, andam num passo de tartaruga...
A situação da nossa cidade piorou mais ainda. Arrepia-me os cabelos só em pensar quantas noites iguais a esta terei ainda terei de enfrentar. Acho que os meus “94” não agüentarão.
E os enfermos da Santa Casa (infelizmente vizinha deste “Triangulo”) como estarão ? Naturalmente sem dormir, pré ssão descontrolada, coração descompensado, a cabeça estourando, estourando também sua resistência tão necessária a recuperação da saúde. Isto aí já é o máximo, uma Falta de caridade e amor ao próximo, desrespeitando acintosamente, os Dogmas sagrados da nossa Religião Católica.
De quem é a culpa ? Lógico que sabemos mas ninguém toma as providências necessárias para dar um “basta” nestes irresponsáveis e nestes batedores de caixas.
A Secretaria do Meio Ambiente finge que trabalha .
A Administração Pública fecha os olhos e age com passo de tartaruga., pelo menos é o que parece. Os Deputados e Vereadores da nossa terra que teriam, por certo, voz ativa, ignoram o caos das noites montesclarenses.
A nossa Comunidade também é culpada., talvez por comodidade, permanece adormecida,
Acordem montesclarenses, chutem o “balde”. Façam um movimento que aliás é muito justo. Reclamem seus direitos . Cooperem com a Administração Pública e os outros Orgãos
Responsáveis pelo silêncio noturno. Acho que ainda existe democracia em nosso país .
Ressuscitem a Lei do Silêncio em nossa terra(parece-me que ela teve uma “parada cardiaca’) E JURO QUE TERÃO CONSEGUIDO A MAIOR VITÒRIA.
E enquanto durar esta luta, eu ficarei por perto, torcendo...e rezando.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 29/1/2011 15:26:29
Um homem de fibra!

Quando conheci seu Jayme, já ele era casado e pai de muitos filhos, e eu simplesmente uma garota por demais curiosa.
Digo curiosa porque sua figura já me intrigava e me chamava a atenção. Ele era diferente das pessoas que eu conhecia.
Nesta época, eu só pensava em brincar e estava sempre em casa dos tidos Joaquina e Basílio, seus vizinhos, na Rua Dr. Veloso, onde o via várias vezes diariamente.
Ele era metódico, tinha hora certa para o almoço, o café, o jantar e, à tardinha, já escurecendo, gostava de dar uma volta, sempre impecável nos seus ternos de linho branco. Chegava até o bar do seu Helvécio (um sergipano seu amigo) e lá se encontrava com os amigos, onde se reuniam para um bate papo, desopilando o fígado com as novidades da terra, as anedotas e, às oito horas, estava de volta.
Diziam que era bravo, exigente com a família, enfim, um grande passador de pitos.
Quando ele surgia na esquina, muitas vezes eu estava pulando maré com as companheiras, encolhíamos ressabiadas, para lhe dar passagem. Não sei mesmo se ele nos via, passava tão sério!
Durante muitos anos esta foi minha impressão do seu Jayme e sentia mesmo que ele me achava uma regateira, sempre pulando e correndo naquele passeio largo em frente à sua casa, onde seus filhos nunca apareciam.
Os anos forma passando enquanto eu crescia e começava a entendê-lo e admira-lo. Por trás daquela máscara fechada se escondia um caráter nobre, honesto e íntegro a toda prova.
Quando se é criança, a cabeça é cheia de fantasias, tudo nos parece extraordinário e absurdo a ponto de nos encabular.
Mais tarde, fiquei sabendo sua história. O tio Basílio contava com admiração, sua vinda de Portugal para o Brasil quando, órfão de pai aos treze anos, resolveu enfrentar a terra de Cabral, acreditando em suas riquezas.
Que menino extraordinário!- dizia o meu tio-, e que coragem Atravessar o oceano sem parentes e sem dinheiro!
Passada a fase da aventura, o garoto corajoso viera das margens do Tejo, enfrentou duros trabalhos, ganhando a confiança dos patrões e ocupando vários postos na firma Gomes de Castro, para a qual viajou dezesseis anos.
Ele chegou aqui quando Montes Claros não era bem assim, bonita e civilizada como hoje, fazendo inveja a muitas cidades irmãs.
Ele veio quando só os tropeiros e os cometas tinham acesso. Seu Jayme foi um dos grandes e valorosos cometas e, como tal, amou Montes Claros como só um filho bom o faria.
Enfrentando mil dificuldades, trazia nos lombos dos burros aquelas mercadorias do Rio de Janeiro, abastecendo nossa praça, suprindo as necessidades daquela gente, privada dos centros civilizados, trazendo-lhes ainda a experiência de homem culto, dinâmico e inteligente, e ainda sua amizade e dedicação.
Naquele tempo, em que um fio de barba valia como documento, ele soube valoriza os sertanejos e nele confiar. Os negócios eram feitos na base da amizade, da boa fé e facilitados. Enchia de mercadorias suas prateleiras e armazéns, sem exigir-lhes os juros, dando-lhes também tempo necessário para dispor delas e os lucros chegarem às gavetas dos simples negociantes.
A vida era sem grandes emoções e acontecimentos que pudessem modificar aquela tranqüila rotina. E assim, os cometas tiveram sua época em Montes Claros e seu Jaime, como tal, marcou sua presença.
Aquela cidade pacata, dormindo tranquilamente sob um luar de prata, embaladas pelas serenatas e um violão choroso, era muitas vezes despertadas do seu sono, ouvindo os tilintas dos guizos e o som compassado dos cascos dos animais no interminável calçamento de pé-de-moleque daquelas ruas estreitas...
De repente, a cidade se animava, crianças, adultos e velhos chegavam às janelas para apreciar sua passagem.
As arriatas de prata brilhavam à luz dos primeiros raios de sol e a madrinha da tropa enfeitada de guizos e peitorais trabalhados, mantas e baixeiros corridos, ia na frente, como uma baliza pedindo passagem, à procura de pousada, descanso e alimento para aqueles obedientes e incansáveis animais.
Hospedagem para os destemidos cometas era o que nunca faltava. Eles eram recebidos com festa e tratados a pão de ló... Amparados pelas famílias principais, desejados pelas donzelas casadoiras, que sonhavam com o seu príncipe encantado.
E assim era seu Jayme recebido em Montes Claros. Foi, em verdade, um dos maiores cometas que por ali passou. Trazia na sua bagagem os melhores tecidos de algodão, sedas, lãs e linhos. Louças, chapéus, calçados, perfumarias, artigos para presente, tudo importado dos grandes centros europeus. Ferramentas para a lavoura, arame farpado e outras ferragens necessárias.
Seu Jayme conquistou Montes Claros com sua distinção e cavalherismo. Deixou definitivamente as belezas da capital brasileira com suas lindíssimas sereias, a civilização pela humilde singela do nosso sertão montes-clarense.
Com a meiga companheira, fixou aqui sua residência. Dona Laurinha, sempre ao seu lado, num companheirismo sem par, ajudou-o a constituir uma grande família e um patrimônio.
Dedicou-se, ao comercio de algodão e foi também sócio da Fábrica de Tecidos do Cedro, a convite de seu amigo e companheiro Luiz Pires.
Tornou-se, mais tarde, um dos maiores invernistas e o seu gado selecionado enchia as pastagens do Rio Verde.
Foi um chefe de família exemplar, e com inteligência e espírito de liderança ajudou nossa comunidade a solucionar os cruciantes problemas daquela época. Foi um rico sem avareza e sem egoísmo. Possuía várias casas de aluguel, mas parece-me que fazia isto mais para ajuda as pessoas, pois a renda era tão pequena! Nunca soube explorar seu inquilino, pelo contrário, de muitos nem cobrava o aluguel. Era interessante a consideração que tinha pelo inquilino, quando resolvia subir o aluguel. Escrevia-lhe uma longa carta, dando explicações e pedindo desculpas para subir uns poucos cruzeiros.
Mais tarde, já casada, fomos vizinhos e inquilinos seus a rua Dr. Veloso, quando tive a felicidade de conhece-lo de perto e com ele conviver, quando já velho, aposentado e um pouco cansado, mas com a mesma lucidez e inteligência. Adorava conversar conosco e contar os casos de sua juventude, quando era cometa e cavalgava pelo sertão, com sua comitiva, cheio de entusiasmo e desejo de vencer. Tinha especial admiração por Armênio e, todos os domingos, esperava-o em sua casa para um uísque antes do almoço. Fazia disso um capricho que o Armênio procurava atender, o que muito o alegrava. Sempre que chegava à porta, ele estava na varanda tomando sol. Fazia-me várias perguntas, inclusive se já estava ganhando mais e trabalhando menos, pois achava o salário de professor uma injustiça.
Certa vez, ele disse-me:
- Dona Ruth, acho que vou aumentar o aluguel da sua casa. Está muito barato. Não dá nem para a Célia comprar um vestido (Célia era sua filha caçula).
Eu concordei plenamente. Era realmente muito barato.
- Quanto a senhora pode pagar?
Nessa época era cem cruzeiros o aluguel. Então propus pagar-lhe quinhentos cruzeiros.
Ele ficou horrorizado e nervoso, passou-me uma grande descompostura, dizendo-me:
- A senhora está muito rica, é o que parece, e até um pouco atrevida. A senhora vai pagar só duzentos cruzeiros, nem um tostão a mais.
Posso assegurar, por experiência própria, foi o melhor e o mais consciencioso senhorio que existiu nesta terra. Se ainda fosse vivo, por certo estaria muito chocado e desiludido com o nosso meio comercial de hoje, cujos cambalachos e explorações estão chegando ao auge.
Ele que foi tão justo, tão honesto, por certo, sentir-se-ia terrivelmente envergonhado diante deste caos.
Mas ele se foi, para tristeza nossa e de todos que o conheceram, com ele conviveram e dele receberam tantos favores e provas de amizade.
Deixou marcas indeléveis na nossa sociedade, as quais oi tempo jamais conseguirá apagar.
Entretanto, de onde está, deve sentir-se alegre e feliz vendo que seus filhos não foram corrompidos e procuram seguir seu exemplo, com a mesma honestidade, dinamismo e liderança (cooperando e trabalhando pela nossa cidade), tacos característicos de um homem de fibra!


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 22/1/2011 15:49:17
Alice Neto, uma grande mulher

Hoje quero falar de dona Alice Neto, uma pessoa muito especial e a quem Montes Claros muito deve.
Embora não seja montes-clarense por nascimento, ela o era de coração.
Filha de grande e tradicional família januarense, cidade bonita, aconchegante e que sabe conquistar o coração de que tem a felicidade de conhecê-la.
Dona Alice nasceu nesta cidade ribeirinha e aí passou sua infância, adolescência e parte de sua juventude.
De cabelos soltos, pés descalços, livre como um pássaro ela soube aproveitar sua infância, desfrutando ali seus melhores momentos. Aquelas praias, aquele rio emocionavam-na demais, era uma criança sensível e inteligente ao extremo.
Quantos castelos construiu naquela areia quente, fumegante que sapecavam seus dedinhos frágeis, mas obstinados...
Com outras crianças da sua idade, corria margeando aquele pedaço de rio maravilhoso (dádiva de Deus) que não tinha nenhum segredo para ela.
Quantos brinquedos improvisava! Enquanto erguia os enormes castelos de areia, também os pequeninos barcos de papel eram soltos e de olhos velados, os via seguir balançando-se sobre as águas ondulantes que os levaria para longe. Ela corria, pegava-os novamente como a protege-los dos perigos...
Irrequieta e inteligente, ela era a própria barranqueira, ágil, rápida tornando-se líder da turminha que brincava nas margens do Velho Chico.
Ela andava muito, pesquisava, conhecia de cor e salteado todas as curvas daquele rio, as grutinhas, os esconderijos onde brincavam. Todos os barcos e canoas, com suas enormes carrancas coloridas, de dentes disformes, com suas histórias fantásticas contadas pelos pescadores... O apito melancólico do vapor Benjamim Guimarães (construído em 1913 nos Estados Unidos) chegando de viagem trazendo cargas e passageiros de outras cidades, a despertava. Voltava correndo, deixando para trás os anzóis, as peneirinhas (de pescar piabas) e todas as brincadeiras. Queria ver de perto o vapor enorme, entupidinho de gente e o porão transbordando de cargas. Queria ver os passageiros, forasteiros caras novas, estranhas, vindas de outras cidades.
Queria sentir de perto o seu calor, o ruído de suas máquinas, os gritos dos marinheiros, a voz do comandante procurando organizar o desembarque.
Aquele corre-corre a fascinaval! Ela era apenas uma criança, e na sua pequenez física, via tudo enorme e encantador.
Os anos foram passando e a pequena Alice já era uma adolescente, prenúncio de uma bela mulher.
Os brinquedos da praia foram trocados, substituídos. Já não pegava mais peixinhos nas peneiras. Já não soltava barquinhos de papel. Não perambulava pelas praias e margens do rio. Nem construía castelo de areia...
Os seus sonhos eram outros, e sensível e romântica, embalando-se nas asas da fantasia os desejos se multiplicavam.
Dotada de grande inteligência e uma vontade extremamente decisiva, sentiu que já era hora de deixar aquele bucolismo rural de sua cidade tranqüila. Sentia que precisava crescer intelectualmente, buscar novos horizontes, nova cultura. Diamantina era naquela época a única opção.
E com o coração cheio de sonhos e esperança, Alice se foi.
Aquele mesmo vapor que na sua infância tanto a fascinava, a conduziu até Pirapora, onde outra condução a levaria até Diamantina, terra da cultura, do diamante, das riquezas e das fantásticas histórias do Brasil Colônia.
Alice estava decidida (como sempre) e confiante, embora tivesse o coração transbordando de saudades de sua família, de sua terra e todas as recordações de uma fase feliz de sua vida.
Mais tarde, quando voltava, em período de férias, vinha eufórica, cheia de saudades e Januária toda vibrava com a alegria contagiante de Alice.
Sempre risonha, bem humorada, ativa, ela sabia organizar festas. Com outras companheiras, transformava a pacata cidade numa folia constante.
Muito religiosa, espírito humanitário ao lado da sua companheira de infância e juventude, Julieta (hoje a lídima irmã de Lourdes que todos nós conhecemos e admiramos) as duas juntas faziam um maravilhoso trabalho de catequese, beneficiando a comunidade januarense.
Um belo dia chegou seu príncipe encantado. O príncipe que ela sempre esperou.
Ela a descobriu entre as demais e a escolheu numa grande festa. E, tomando-a nos seus braços, ao som da música, lançou o seu feitiço.
Ele era um perfeito cavalheiro, com uma inteligência brilhante, educação requintada, elegante e bonito e se chamava José Raimundo Neto.
Foi um período emocionante para ambos: encontros, alegrias, promessas, juras, passeios nas praias, serenatas em noites enluaradas, enfim, com as artimanhas do cupido, tudo terminou no altar, com véu, grinaldas e flores de laranjeira. Um grande amor os uniu sob aquela célebre sentença: Até que a morte os separe.
Professor Raimundo era também inspetor educacional, percorrendo várias cidades na função de educação. Assim sendo, Alice, companheira admirável, o acompanhou sempre, moravam em diversas cidades, entre elas Três Corações, onde nasceu sua filha Heloísa.
Montes Claros teve a sorte de receber este casal: Alice e Raimundo Neto e durante muitos anos usufruir da sua companhia.
Presentes em todas as reuniões e acontecimentos sociais da nossa cidade, o casal tornou-se muito querido na nossa sociedade.
Raimundo Neto, a quem Montes Claros muito deve uma grande parte do seu desenvolvimento cultural e social, foi professor e diretor da nossa Escola Normal durante muitos anos e também presidente da Academia Montesclarense de Letras. Era um grande poeta e excelente orador.
Alice Neto, com seu astral maravilhoso, comunicativa ao extremo, amável e educada, conquistou logo o coração do montes-clarense.
Era muito querida em nosso meio e recebia, com alegria, em todos os lares, pois, Alice tinha uma maneira especial de tratar as crianças e moços mas também os mais idosos.
Irriquieta e alegre, estava sempre planejando alguma coisa, dando tratos à sua inteligência. Ao lado do marido, ela conseguiu ajudar muito nossa terra no seu desenvolvimento cultural e social.
Uma das maiores realizações foi o Instituto Dom Bosco, idealizado e criado por ela em 1º de fevereiro de 1935, pioneira em nossa cidade.
Numa época em que tudo era difícil em Montes Claros, sem o apoio do governo, ela conseguiu pelo esforço próprio, fundar esta maravilhosa escola que prestou tantos benefícios à nossa terra. Uma escola onde funcionava do curso infantil ao primário, com assistência psicológica e pedagógica com professores especializados.
Funcionou nos primeiros anos à rua Dr. Veloso, esquina com a rua Dom João Pimenta, numa casa adaptada.
Foi uma luta a sua instalação. Só Deus sabe o que ela sofreu e batalhou, apesar do apoio do professor Raimundo Neto e da comunidade que vibrava de alegria com aquela aquisição.
As crianças tinham um jardim de infância que, embora simples na sua fachada, possuía um ambiente adequado e saudável, onde passavam parte do dia recebendo ligações, atividades próprias da sua idade, onde a filosofia era o amor.
Quando se passava em frente ao Instituto era comum ouvir as vozes alegres das crianças numa felicidade total, cantando musiquinhas assim:

Carneirinho, carneirão.
Cabecinha de algodão.
Era assim que antigamente
Se cantava esta canção:

Pequeninos somos nós,
Nossa vida é brincar.
E depois, sossegadinhos,
Para a casa descansar.

Alice, ao lado das primeiras professoras do Instituto: Lucíola Babosa, Neusa Dias, Dezuita Ramos, Lygia Dias, Rosita Aquino, Maria Inês Versiane e outras, foram grandes educadoras na nossa Montes Claros antiga.
Mais tarde, as próprias filhas de Alice foram também professoras no Jardim de Infância, comungando com a mãe os mesmos ideais.
Muitas crianças, meninos e meninas da nossa terra, hoje pais de família, ainda se recordam com muita saudade, do querido instituto, escola tão acolhedora da sua infância. Entre eles: Hélio Brandão, Haroldo Veloso, Waldir Figueiredo, Tarcísio e Haroldo Fraga, doutor Cesário Rocha, Cecílio Barbosa, Cleonice Souto, Nancy Prado, Enza Nobre, Maria Luiza Macedo e muitas outras.
Todos têm saudades daquela diretora, que trabalhava por amor, daquela Alice que soube educar crianças, fazendo crescer em seus corações o amor e entusiasmo pela escola e pela vida.
A nossa comunidade, hoje ainda, usufrui dos benefícios que prestou, lançando aquela semente que germinou e cresceu, floriu e frutificou durante anos nesta terra.
Parabéns, Alice Neto, pelo seu esforço e abnegação em prol da cultura de nossa terra, que você viu coroada de êxito.
Parabéns pelos seus oitenta e oito anos de vida útil, vendo que por onde passou semeou apenas o bem, o amor e colheu flores.
Que você seja feliz o quanto merece!


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 15/1/2011 14:33:43
Adeus, Hermes!

(Ao ensejo de sua morte, em junho de 1983)

Você se foi, Hermes, ou talvez levaram-no. Pois, amando esta terra como você amou, é difícil de se acreditar que a tenha deixado por sua própria vontade.
Eu sei, todos nós sabemos como era puro seu amor e que o seu coração era tão grande que nos parecia impossível caber dentro do peito!
Você nasceu aqui, Hermes, e aqui viveu uma vida inteira de dedicação e amor!
Você cresceu junto com esta terra, acompanhando seu desenvolvimento, passo a passo, auscultando seu coração para sentir de perto todas as pulsações, toda suas histórias, sua luta, alegrias ou tristezas, vibrando com suas vitórias e chorando suas derrotas!
Você amou esta terra como filho e como pai.
Como filho, quando se agarrou a ela, tal qual uma criança à barra da sai de sua mãe, querendo-a junto de si, amando-a, sentido-a dentro do peito, num desejo de não abandona-la, sentindo que não poderia viver sem ela ou longe dela. Respeitando-a no que é de mais sagrado: sua história e sua gente.
Como pai você foi o mais amoroso e dedicado, aquele que quer o melhor para seu filho.
Você sonhou, Hermes, a vida inteira, procurando transforma-la numa cidade civilizada, alegre, feliz, de gente amiga, de coração sincero. E, por isto, você lutou demais!
Você queria, Hermes, que todos fossem iguais a você...
Em todos os setores, você cooperou com a comunidade; na política, artes, música, educação, saúde, parte social e econômica.
Em todas essas áreas você deixou a marca indelével dos seus passos!
Seu desprendimento pelas coisas materiais era o traço característico do seu belo caráter. Tudo fazia sem, um instante, pensar em remuneração.
Como poderemos esquecê-lo? Jamais. Você fez e é a própria história de Montes Claros.
Na sua profissão, você foi realmente o médico e a quantos socorreu, nos momentos mais difíceis, não medindo sacrifícios, sem pensar em receber nada em troca!? Você foi o verdadeiro São Francisco, principalmente para os mais pobres, levando-lhes a esperança, a paz e a alegria. Hoje, eu sei, eles choram por você e lastimam o que perderam.
A seresta que você idealizou e realizou com tanto sucesso, e que levou nossa música e o nome de nossa terra a lugares longíquos, perpetuará para sempre sua memória, lembrança e saudade. Serão estímulos e inspiração para os companheiros prosseguirem o que você começou.
Como professor, durante muitos anos, você foi o melhor amigo dos seus alunos, auxiliando e incentivando-os. Hoje se lembrarão de você, cheios de saudade e gratidão.
Os humildes catopés a quem você sempre deu tanta força, admirava-os e protegia-os, neste instante, nas batidas sonoras de seus tambores e na sua música singela e tão bonita, estão em pranto, Hermes! E os corações estão sangrando!
Os marujos, nobres guerreiros, representando uma época remota de lutas do passado, valentes soldados do mar, também estão aqui ao seu lado, deixando toda altivez que representam, para chorar conosco sua falta.
Aí está todo seu folclore, Hermes. O folclore que durante anos você sonhou, você levantou e conseguiu realizar em nossa cidade!
Hoje temos nossa história, nosso folclore é conhecido e respeitado, graças a você.
Todos choram, Hermes. Todos vieram vê-lo pela última vez. E repare como sua casa está cheia! As salas, as varandas, o pátio, os jardins. Tudo como você gostava, flores por toda parte! A cidade está de luto.
Você está impassível, frio e inerente, difícil de se acreditar! Mas, nós todos sabemos que seu coração não está indiferente a esta manifestação de pesar, de todos que o amavam e jamais o esquecerão. Ele deverá acordar e, como um milagre, baterá pela última vez num adeus a esta terra e sua gente que você tanto amou.
Toda cidade, Hermes, chora com sua família e sabe que a lacuna que você deixou jamais poderá ser preenchida. O que você constituiu para nossa cidade é um tesouro sagrado que saberemos preservar.
Você, Hermes, será a história bonita que haveremos de contar para nossos filhos, nossos netos e que nenhum montesclarense poderá desconhecer.
Adeus, Hermes! É chorando que eu também me despeço de você, nesta hora triste. Você foi um parente, um amigo, um protetor, um pai, não só para mim, mas, para todos que tiveram a felicidade de conhecê-lo e de amá-lo.
Adeus, Hermes! Que a música de que você tanto gostava e espalhava seja entoada pelos anjos na corte celestial, e o amor que você distribuiu na terra seja o passaporte para sua entrada triunfal no paraíso.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 8/1/2011 16:52:45
Um montes-clarense arraigado

Eu o conheci bastante. Era meu vizinho e acredito que muitos ainda se lembram dele.
Era um homem simples, nascido e criado na dureza do sertão. Suas mãos calosas era o retrato de uma vida de sacrifícios na sua mocidade. Era alto e forte, descarregando toda sua energia quando falava.
Pouco dinheiro, poucas opções e nenhuma ambição. Em compensação, muita saúde, muita alegria, muita tranqüilidade e um enorme coração. Seus pais vieram da zona da mata, se estabeleceram aqui e aqui ele nasceu.
Bem humorado, tinha sempre uma piada para contar, criticando muitas vezes os políticos da nossa terra, picaretando (no bom sentido) os companheiros, zombando da própria vida e enquanto o fazia enrolava pacientemente o cigarrinho de palha com fumo de rolo, picado a canivete.
Problemas difíceis para os outros a ele nada afetavam. Quem dele se aproximava tinha a certeza de que teria momentos agradáveis e descontraídos, novidades e notícias que só ele sabia. E costumava dizer: sou um cabra macho, não levo desaforo para casa e enfrento qualquer bicho brabo, desarmado e nunca perdi uma parada. Mas era manso como um cordeiro.
Antes mesmo do sol aparecer por trás dos montes claros, já o nosso amigo estava de pé, tomando um cafezinho que ele mesmo fazia no enorme fogão a lenha que era seu orgulho, afirmando sempre: comida boa tem que ser cozida com fogo forte, labaredas lambendo o fundo das panelas. A gente tem que soprar o fogo e sentir a fumaça ardendo nos olhos, pois o que é mais difícil é mais apetitoso.
Na sua simplicidade não tolerava sapatos (nem aos domingos) e enfiando os pés nos grossos chinelos de solado de pneus, em mangas de camisa, tranquilamente, ele descia todos os dias a rua Dr. Santos. Em frente o Mercado Municipal (o antigo), os companheiros já os esperavam ávidos pelas novidades. Numa alegria enorme, com um riso franco que deixava à mostra o seu repertório. Sua euforia era tanta que esgotado o seu repertório natural, intentava causos, até escabrosos que deixavam os ouvintes boquiabertos, e naquele impacto, ele ia saindo de fininho, dizendo: Amanhã tem mais. Tá na hora de pegar o grude: a família é muito grande, se eu não correr perderei o sobre e a moela do franguinho caprichado que é criado no meu quintal.
Anos atrás seu pai, temperamental e intransigente, resolveu voltar a sua terra natal com toda a sua família, mas o nosso amigo Pedro, apesar de jovem, teve o topete de discordar, deixando o pai desesperado, que perdendo as estribeiras disse-lhe: Se não me obedecer não se considere mais meu filho.
Pedro ficou muito triste, com o coração apertado, mas num rasgo de coragem, respondeu-lhe: Tá certo. De hoje em diante eu serei Pedro de Montes Claros e daqui não sairei.
Com este apelido (que se tornou seu verdadeiro nome) ele se tornou conhecido e respeitado na nossa cidade. Foi um nome certo fazendo jus ao grande amor que dedicou a esta terra que o adotou de coração aberto.
Com seu jeito simples conseguiu fazer grandes amizades e não havia um só montes-clarense que não o olhasse com simpatia.
Era brincalhão em casa mas quando dava uma ordem era obedecendo rapidamente. Aqui ele criou os filho, num exemplo de honestidade, passando-lhes desde cedo grandes responsabilidades pois acreditava no velho ditado: é de pequeno que se torce o pepino.
Nossa cidade crescia e era escura apesar do esforço tremendo do coronel Luiz Pires para manter a energia, que funcionava precariamente e só à noite.
Só em 1938, no governo de Bendito Valadares, doutor Santos, então prefeito de nossa cidade, começou a batalhar para o aproveitamento da Queda de Santa Marta, que melhorou bastante a energia elétrica, chegando para nós a época dos eletrodomésticos, até então proibitivo em nossa cidade.
Surgiram também os sofisticados fogões elétricos e a gás, chutando os antigos fogões de lenha. A grande novidade era o milagroso fogão que não encarvoava as panelas nem enfumaçava as paredes.
Mas o velho Pedro, sempre agarrado aos preceitos do seu temperamento, não aceitava aquele modernismo. Preferia ouvir todos os dias o retumbar do pilão quando alguém, pacientemente, socava o arroz em sua casa e afirmava que o café torrado e moído em casa era muito mais saboroso e cheiroso.
O tempo foi passando e assim também foi se modificando a casa do velho Pedro.
Os filhos cresceram, se evoluíram bastante, acompanhando o progresso da nossa terrinha.
Nestas alturas, Sinval Amorim, seu filho mais velho, que nascera os dentes atrás de um balcão de armazém, dotado de grande tino comercial fizera sucesso, e com as idas constantes ao Rio de Janeiro, onde mantinha grandes negócios, conhecera de perto a civilização, queria implantar em sua casa as novidades que já eram uma necessidade e um descanso para dona Anália, sua mãe.
Mas o velho bairrista não queria mudar os seus hábitos. Era o próprio sertanejo arraigado, comodista e sem nenhuma pretensão ou ambição. Bastava-lhe o que possuía, ligando muito pouco para as cifras e novidades.
Detestava as propagandas do rádio e quando, contra a vontade, as ouvia, dizia bem gritado: “Êta homem que fala, e com esta voz de taquara rachada parece mais uma cancela destrambelhada”. E alegando dor de cabeça, mandava parar aquela matraca, no que era logo obedecido, pois ainda era o galo que cantava naquela casa. A família toda queria modificar o sistema, mas o velho Pedro não concordava.
Dona Anália, eufórica com as idéias de Sinval, sonhava com o fogão a gás. Já se cansara de soprar fogo e arear o carvão das panelas. Tudo que ela alegava a família retrucava vencendo-o pela lógica. Tinha que acompanhar a evolução dos tempos.
Mas o velho Pedro não cedia. Desagradava-lhe a idéia daquele fogão sofisticado em sua cozinha. Tanto questionaram e o azucrinaram que ele já estava entregando os pontos.
De repente, teve uma idéia brilhante e foi logo dizendo:
- Não quero, não quero mesmo, só depois da minha morte (chantagem emocional) vocês poderão fazer e modificar tudo, mas agora não.
- Mas porque tanta implicância? – disse sua mulher.
- Pois fiquem sabendo – disse ele, com esse fogão merdinha, onde o meu gato de estimação vai achar o borralho para ele cochilar?
Foi uma bomba!E o velho Pedro de Montes Claros venceu a parada.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


65138
Por Ruth Tupinambá - 31/12/2010 18:52:26
A menina Élvia

De manhãzinha, tomava o meu café com farinha de milho, queijo picado e corria para casa de Élvia.
Lá me encontrava com Araci Abreu, Wanda, Heloísa Veloso e outras vizinhas.
Élvia morava na rua dos Marimbondos (hoje Cel. Altino de Freitas), uma rua feia, torta, sem calçamento, cheia de botequins e camarotes ocupados por mulheres da vida fácil (que ironia) e que passavam o dia bebendo pinga e se expondo à caça e homens... Para dizer a verdade, era uma rua muito suspeita.
A casa de Élvia era simples, como todas daquela época, com assoalho de tábuas largas na sala de visitas, enquanto os quartos e sala de jantar eram entijolados (piso muito usado até os anos vinte), mas era uma casa agradável e aconchegante.
Uma grande mesa de madeira escura e pesada, bancos de cada lado e cadeiras em xis, completavam a mobília daquela sala de jantar, onde a família passava o maior tempo.
Élvia perdeu a mãe muito cedo, ficando órfã aos oito anos.
Seu pai, Joãzinho de Sá França (era o seu apelido), tratou logo de arranjar governantas. Várias passavam pela casa, mas mostravam-se grosseiras e impacientes com as crianças, sendo que a última quebrou uma caçarola na cabeça do caçula, Olímpio. Foi a gota d’água. Joãozinho jurou que nunca mais empregadas entrariam em sua casa e maltratariam seus filhos.
Nesta circunstância, Élvia assumiu a direção da casa, cozinhando para o pai e os cinco irmãos: Antônio, Geraldo, Carlos, Chininha e Olímpio.
Élvia era muito ocupada com os afazeres quotidianos. Nós a esperávamos pacientemente no quintal brincando de circo, fazendo mágicas ou balançando em trapézios armados nas enormes mangueiras.
Na cozinha um fogão de lenha com chapa de fero esperava Élvia todos os dias, para a comida da família. Ela acendia o fogo, jogando querosene sobre a lenha amontoada na enorme boca. Enquanto o mesmo absorvia as labaredas, as panelas pipocavam sobre as chamas, exalando um cheiro de tempero caseiro. Élvia sabia fazer um arroz com carne gostoso, um feijão com caldo grosso e um molho de tomatinho da horta e cebolinha verde, colhidos ali mesmo no quintal, completava o menu da jovem cozinheira.
Às dez horas o apito do escaroçador do senhor Lucrécio lembrava à população que era hora do almoço.
Imediatamente Joãozinho vinha apressado e faminto, solfejando um dobrado, pois embora fosse comerciante, seu forte era a música e com muito honra pertencia a Euterpe montesclarense.
O rango já estava pronto. Algumas vezes dava zebra (a comida saía salgada, sem sal ou se queimava), mas ele era tolerante e compreensivo e nada reclamava nem exigia da pequena cozinheira.
Recebia o prato feito por sua filha, assentava-se e saboreava a comida quentinha.
Em seguida, dirigia-se à cozinha. O bule esmaltado permanecia na chapa para não esfriar o café. Bebia-o ali mesmo e saía cantarolando o dobrado interrompido.
Os irmãos mais velhos e que já trabalhavam no único jornal da cidade, vinham chegando, um a um, e as mesmas cenas se repetiam. Os menores, Chininha e Olímpio, comiam assentados em tamboretinhos, na cozinha e mais cedo.
Uma parte da sua tarefa quotidiana estava cumprida. Ajuntavam todos os pratos, talheres e panelas sujas, jogavam tudo numa grande gamela cheia de água e corria para o quintal. Precisava também de brincar um pouco.
Descíamos das árvores e acompanhávamos correndo, saltando as moitas de capim e alcançando o fundo do quintal, atravessávamos um portãozinho tosco, saindo na rua dos fundos (hoje Praça de Esportes) bem pior que a dos Marimbondos. Era aí a venda do Joãozinho. Élvia estava eufórica e abrindo uma pequena vitrine em cima do balcão, onde se via doces diversos e pedaços de queijos cortados em triângulos, tirava alguns e nos oferecia.
Ele fechava a cara nos passava um rabo de olho daqueles. Nós compreendíamos (que ali não era lugar para nós) e saímos murchinhas...
Ajudávamos Élvia a lavar os pratos, panelas, passar a vassoura na cozinha, colocar as vasilhas no girau para secarem ao sol e saíamos apressadamente. Estava na hora da escola.
Durante toda a minha infância, freqüentei a casa da Élvia. Com ela aprendi muito. Ela poderá ser um exemplo para todos nós. Dedicada e responsável, sem nenhum egoísmo, portava-se com gente grande.
Crescemos juntas na Escola Primária e mais tarde na Escola Normal.
Ela na mesma luta, dividida entre os estudos e os problemas de casa.
Foi uma heroína.
Casou-se, teve filhos e foi feliz. Uma compensação para quem bem merecia.
Hoje Élvia, madura, continua com a mesma solicitude para a família e amigos. Não se cansa de ajeita papéis, empréstimos do IPSEMG para os professores, anunciando sempre um aumento, uma vantagem, uma novidade para consolar as aflitas colegas.
Que Deus a proteja, minha grande e inesquecível amiga.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 24/12/2010 18:46:44
Carnaval na década de vinte

Nossa cidade foi, durante muitos anos, governada e divida por dois partidos: o dos moradores as ruas de Baixo e o dos moradores das ruas de Cima. Eram os Estrepes e os Pelados.
Existia uma grande rivalidade e hostilidade entre os mesmos, começando pela política, refletindo nas celebrações religiosas e acontecimentos sociais da nossa cidade.
Cada macaco em seu galho, diziam eles e a animosidade aumentava dia-a-dia. A divisão chegava até os sentimentos das pessoas que eram controladas e governadas pelos partidos. Os rapazes só poderiam namorar as moças do mesmo partido: era Pelado com Pelado e Estrepe com Estrepe. E o pau quebrava se ousassem desobedecer. Mas como o coração é terra que ninguém governa, de vez em quando os boatos corriam na cidade: moça pulando janela e fugindo com o namorado, pai surrando filha, outras bebendo veneno, rapazes apaixonados e se entregando à bebida, tudo por causa das proibições.
Em época de eleições, a cidadezinha fervia e os coronéis se aproveitavam para massacrar os adversários que se esperneavam, mas o lado do governo levava sempre vantagem.
Cidade com pouca distração, as fofocas e os fuxicos eram o maior passatempo das pessoas e o veneno derramado provocava intrigantes brigas, discussões e até mortes.
Quando se aproximava o carnaval começavam também as animosidades entre os partidos. Cada qual queria mais exibir seu prestígio surgindo as indiretas e as provocações. O carnaval, embora excomungado pela igreja (considerado festa do demônio) era a grande diversão do povo.
Formavam-se blocos carnavalescos: os de Cima e dos de Baixo e os foliões começavam a agir. As famílias muito preconceituosas e carolas, era difícil conseguir o consentimento para as donzelas tomarem parte nos blocos e pular os três dias. Mas os responsáveis pelos blocos iam, com todo respeito, fazer o pedido aos pais, antes que o padre arrebanhasse as moças para o retiro espiritual.
Os ensaios eram animadíssimos e cada partido fazia sua própria música. Os chorinhos eram organizados com antecedência (cavaquinho, bandolim, violão, flautas, pandeiros e caixas, etc.) e o povo era mais feliz na simplicidade de uma cidade sem grandes opções, sem ganâncias, sem o terrível domínio das cifras.
Os foliões de Baixo, sob o comando das famílias Prates, Costa, Novais, Oliveira, Fróes e Teixeira de Carvalho, tendo a frente o jovem Ary de Oliveira (irmão do saudoso Jair de Oliveira) com a grande experiência das grandes capitais, fazia valer seus conhecimentos, arquitetando planos, organizando blocos, carros alegóricos, desenhando fantasias, bolando as canções e promovendo ensaios.
Do lado de Cima também tinham seus animadores, destacando-se as famílias Câmara, Laborne Vale Alves Maurício, Viana, Miranda, Peres, Fernandes, a do Messias Pimenta, do Polidoro Figueiredo, doutor João Alves e outras.
O Rei Momo recebia a chave da cidade e tomava conta nos três dias de carnaval. Todos brincavam: jovens, velhos e crianças.
As Colombianas e os Pierrôs multiplicavam-se. Durante o dia o corso carnavalesco com os carros alegóricos, num belo desfile em todas as ruas da cidade. Havia concurso de blocos, de fantasias, dos carros alegóricos, das músicas, e a disputa se travava, pois o juiz era imparcial.
Os blocos e carros alegóricos bem organizados, fantasias interessantes, o colorido do confete e serpentina deslumbravam os espectadores e o cheiro do lança-perfume embriagava os foliões.
Havia também a parte cômica do carnaval: os engraçadinhos com fantasias extravagantes; palhaços bem estilizados, exibindo piruetas e malabarismos; e mascarados irreconhecíveis, por trás das máscaras, dando largas aos recalques, com gestos e trejeitos pornográficos. Naquele tempo não se viam gays e travestis. Se existam eram muito discretos e escondidos.
Mas imitando o carnaval das grandes capitais, alguns mais audaciosos se vestiam de mulher, mostrando as pernas cabeludas e a peitaria postiça aparecendo num soutien improvisado, balançando-se ao som da música e rebolando um bum-bum desajeitado.
Era uma admiração e um escândalo! As beatas se escandalizavam, fechavam as janelas e faziam o sinal da cruz. Mas não adiantava. Os foliões queriam se distrair e o carnaval continuava quente. À noite, aconteciam os bailes à fantasia, prolongando-se até o amanhecer. Escolhiam entre aplausos a rainha da carnaval, que muito emocionada recebia a faixa e a coroa das mãos de sua antecessora.
Na quarta-feira de cinzas, tudo acabado. Mas ao raiar do dia, se ouvia ainda, pelos cantos das ruas, num resto de pileque vozes dos Pierrôs frustrados pela traição das Colombinas, nos delírios carnavalescos:
Um Pierrô apaixonado,
Que vivia só cantando
Por causa de uma Colombina,
Acabou chorando, acabou chorando.

É isto aí, minha gente! Montes Claros já teve o seu carnaval e, bom demais!...

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 18/12/2010 16:52:52
A Marina que eu conheci

Hoje quero falar sobre Marina.
Não a Marina diretora do Conservatório, membro do Conselho Estadual de Educação etecéteras e tal, mas da Marina de seu Quinzinho (era assim que a chamávamos na intimidade), charmosa recém casada, chegando aqui em plena lua-de-mel.
Trocando a Cidade Maravilhosa, sua terra, pelo nosso sertão e encontrando aqui o desconforto da antiga cidade, Marina era alegre, feliz, tranqüila, perfeitamente entrosada em nossa sociedade.
Achava tudo ótimo, perfeito, sem esnobar (o que poderia ter feito), nem tão pouco reclamar do desconforto das residências, suas instalações, luz péssima, poeira excessivamente intolerável, muriçocas, enfim, mil coisas com as quais não estava acostumada.
Nunca por um instante sequer, ouvi a Marina mostrar-se insatisfeita por estar aqui vivendo, ou reclamar da vida social tão precária naquela época.
Foi assim que a conheci e com ela convivi, por muito tempo.
A casa do casal doutor Antônio Augusto Veloso e Jacy, era o nosso ponto de encontro.
A cidade era muito parada e para não morrermos de tédio, estas reuniões eram uma necessidade. O casal, amabilíssimo, nos deixava muito à vontade.
Todos nós estávamos nos início da vida conjugal e a camaradagem daquele casal mais experiente era um grande apoio e incentivo.
Aos domingos era para a Chacrinha, sítio gostoso e aconchegante, que nos dirigíamos, num piquenique cheio de emoções e um almoço, deliciosos e lá permanecíamos até a noitinha.
Marina, muito comunicativa, com a graça e espontaneidade da carioca, num desejo enorme de servir o próximo, nos conquistou logo, tornando-se nossa líder.
Com sua fértil imaginação, num potencial enorme de energia (pronto a explodir) foi logo nos catequizando, convencendo-nos de que era absurdo ficarmos só criando filhos e presa exclusivamente às ocupações domésticas. Poderíamos fazer algo diferente, sem contudo, prejudicar nossos lares, nem diminuir nosso papel de mãe e esposa.
Marina e seu Quinzinho formavam um casal perfeito, que se tornou queridíssimo em nossa sociedade.
Sua casa era franqueada aos amigos e Marina tinha inteira liberdade de fazer reuniões, promovendo aula de pintura em porcelana gratuita para as amigas, encontrando-se lá frequentemente: Jacy, Elisa Veloso, Taúde, Carmem Renault, Zezé Colares, Rosalva, Terezinha Tupinambá, Elza, Arlete e outras.
Era muito interessante aquela convivência e as fofocas (Sá Mariquinha, Sá Maricota) muito nos distraía. As donas de casa desopilavam o fígado, tornavam-se bem humoradas (diminuindo as briguinhas de ciúme), o que agradava bastante os maridos.
Marina, sempre gentil, um hum cem por cento estimulava aquelas que mal sabiam pegar num pincel. Algumas mais jeitosas, deixavam-na entusiasmada e com isto a escolinha crescia.
Hoje, vendo a Marina, mais madura com a cabeça a mil por hora (ocupando vários cargos ao mesmo tempo), é difícil enxerga-la (como outrora) calmamente assentada com filho ao colo amamentando-o.
Pois eu a conheci assim: Marina-mãe. Vieram-lhe os filhos, um a um, em um curto espaço de tempo. Milhares de vezes a vi amamentando, trocando fraldas, ninando os bebês, dando-lhes chazinhos de hortelã e erva doce para dores de barriga, que o doutor Antônio pacientemente receitava.
Marina e seu Quinzinho tinham tempo para os filhos, vibrando com as gracinhas, os primeiros balbucios, as caretinhas e até as birrinhas do nenezinho. Enquanto os mais velhos, já taludinhos, disputavam valentemente uma corrida de velocidade à sombra das frondosas mangueiras da Chacrinha. Acompanhei de perto e presenciei o carinho e dedicação com os filhotes que cresciam fortes, bonitos e saudáveis.
Nossos filhos cresceram juntos, colegas e companheiros em todas as horas e de tantas camaradagens, saiu até namoro forte, que por artimanhas do destino, não terminou em casamento.
Foi muito bom aquele tempo! O aconchego da Chacrinha, aquela acolhida sincera, cheia de amizade do casal Jacy/Antônio Augusto, ficarão eternamente em minha lembrança...
Mas os filhos pequenos nunca forma problemas nem atrapalhavam os projetos de Marina. Enquanto cresciam e as porcelanas eram pintadas, ela resolveu ensinar piano em sua casa.
A capacidade musical herdada de seu pai, maestro Lorenzo Fernandes, gritava em seu íntimo, prestes a explodir. Ela vivia inquieta, precisava agir depressa. Descobria gênios musicais entre seus alunos, e daí a necessidade de uma escola de música em nossa cidade.
Começou a trabalhar incansavelmente.
Desde 1955, fora criado pelo governo, alguns conservatórios em várias cidades, inclusive Montes Claros, mas nunca instalado.
Na gestão do doutor Simeão Ribeiro como prefeito e encontrando seu apoio, ela foi à Belo Horizonte tratar do assunto.
Sua decepção foi enorme ao conversar com o então secretário de Educação, que a recebeu friamente e arrematando a entrevista, disse-lhe “Montes Claros é terra de boi, portanto não é admissível um conservatório de Música”.
Marina voltou decepcionada, mas não desanimada, e o descaso do secretário indignou-a profundamente, fazendo crescer mais ainda o seu propósito.
Procurou novamente Simeão, que lhe deu inteira liberdade de ação e acreditando na suma capacidade, resolveu custear o aluguel da casa para instalação do conservatório.
E assim, na pequena casa da rua doutor Veloso, instalou-se o Conservatório Lorenzo Fernandes, com um pequeno número de funcionários e professores de música: Maria Inês Maciel, Lourdes Machado, Conceição Lafetá, Ceci Tupinambá, Arlete Macedo, Iraídes, Jacy Fróes, Terezinha Tupinambá, secretária Mary Maldonado e a única serviçal, Stela de Oliveira.
Além da música, ensinava-se inglês, pela professora dona Virgínia Crosland (americana); ballet por Maria Luíza Coutinho e espanhol, por Carmem Renault.
A dificuldade era extrema: falta de material, mobiliário, instrumentos, principalmente os pianos que foram adquiridos com auxílio da comunidade.
O número de alunos cresceu e o conservatório foi transferido para uma casa maior na Av. Coronel Prates.
Em abril de 1962, era Secretário de Educação o doutor Oscar Correia. Foi uma sorte. Oficializou o Conservatório, nomeando Marina sua diretora.
Os alunos sentiam-se estimulados, tomando parte em concurso em outras cidades e várias vezes premiados.
O Conservatório foi um verdadeiro celeiro, formando músicos que hoje se projetam nas grandes capitais, como José Imar, Armênio Graças Filho, Joaquim Carlos, Yuri Popoff, Martha Tupinambá Ulhôa, Olava Mendonça, Ângela Drumond e outros.
Existe ainda um grande número de professores que alunos ontem, hoje lecionam com sucesso no Conservatório, em todas as áreas da música.
Hoje ele aí está, um orgulho para nossa cidade, com mais de mil e oitocentos alunos e cem professores. Marina aposentou-se, mas deixou, felizmente, em boas mãos sob a direção da competente professora Lygia dos Anjos Braga.
Marina provou que Montes Claros, embora seja terra de boi, tinha condições físicas, sociais e intelectuais de possuir um conservatório de música.
Só cego não vê o que Marina fez. Só cego não enxergava o amor, o esforço, a dedicação com que Marina se empenhou nesta grande batalha.
Marina nos deixou para nossa tristeza. Assumiu a direção do Conservatório Brasileiro de Música, e do Rio de Janeiro, do qual é uma das sócias.
Mas ela jamais será esquecida. Nem um só montes-clarense poderá ignorar o valioso presente que nos deu.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 11/12/2010 16:02:35
Você desapareceu

Para onde você foi, meu querido Morrinhos?
Você era tão lindo, tão romântico!
Um enorme tapete verde cobria-o, em toda sua extensão, e no centro a alva capelinha construída em 1886, em ação de graças por D.Gervana, era símbolo da pureza e fé de nossa gente.
Durante anos você dormiu tranqüilo, embalado pela brisa fresca e perfumada das noites calmas, num silêncio profundo, quebrado apenas pelo cantar longíquo de um galo, saudando a madrugada.
Na nossa cidadão tão plana,de ruas retas e intermináveis, aquela elevação era um contraste formando o bonito morro, ponto de destaque e atração da antiga Montes Claros.
De qualquer lado, era visto com sua capelinha, como uma promessa de felicidade.
Quando viajamos cansados, após viagens estafantes sob um sol escaldante e o desconfortável lombo de um burro, já descendo a serra, sentiam-se felizes ao avisá-lo de longe.
Você era como um oratório milagroso em que nossos pais, nossos avós acreditavam, quando promessas eram feitas em horas aflitas.
Quando nossa cidade era apenas uma vila, de população minguada e atravessa os horrores da fome e seca, era comum as penitencias. Grupos de pessoas (homens, mulheres e crianças); muitos descalços, carregando na cabeça latas d’áqgua e pedras, dirigiam-se até os Morrinhos, muito até de joelhos, pés sangrando, subiam com sacrifício, animados pela fé e esperança de que o Bom Jesus lhes trouxesse a desejada chuva. E muitas vezes eram atendidos, e na volta tinham a felicidade de sentir na cabeça molhada, as roupas coladas ao corpo, o frescor da chuva, como uma bênção dos céus, e resposta às suas orações e sacrifícios!
Isso acontecia sempre, propalando-se em nossa terra os milagres do Senhor do Bonfim. Mesmo depois, chegando o progresso e com ele a civilização, a pacata vila se transformando em cidades e suas casas de adobes e enchimento substituídas por sobradões coloniais de sacadas de ferro, em arebescos e janelas envidraçadas, surgindo jornais, escolas, novos prédios, a política se alastrando, aumentando os desejos e ambições dos coronéis. Tudo isto faria a cidade crescer, mas a fé continuava inabalável, acreditando que com uma simples promessa do santo milagroso tudo se resolveria.
E os Morrinhos continuava no mesmo lugar, venerado e adorado, testemunha daquela grande fé.
Até mesmo os estudantes acreditavam que livrar-se-iam de bombas subindo os Morrinhos de joelhos. Milhares de vezes percorremos (Heloísa Veloso que o diga) a estreita estrada cheia de obstáculos e pedregulhos, que dava acesso aquele morro, depois de uma confusa prova de matemática com o professor João Câmara, e de ciências com o exigente doutor Plínio Ribeiro, da antiga Escola Normal e Oficial de Montes Claros.
Mas, para nós, nova geração daquele tempo, o melhor dos Morrinhos era a parte romântica! E quando a lua surgia, redonda e branca, derramando o seu clarão em toda cidade, os jovens se enfogueavam, pois, já era uma tradição, o célebre passeio aos Morrinhos.
A Rua 15 era o nosso ponto de apoio. Era lá que todas as noites, a mocidade se encontrava, e então era só dar ao alarme.
Num relance preparava-se tudo.
Os tradicionais seresteiros, como violão, violino, flauta, bandolim: Ducho, Carlos, Dayrel, Bahia, Mirabeau, Antônio e Luiz de Paula, Antônio Rodrigues, Haley Jansen, Cândido Canela, Telé, Wilson Maldonado, Nivaldo Maciel (e muitos outros) que estavam sempre dispostos a saudar a lua.
O mais difícil era encontrar uma pessoa de respeito, para nos acompanhar naquela romântica excursão, pois os pais não concordavam que os pombinhos voassem sozinhos...
Mas não era isto que iria atrapalhar nossos planos.
Havia sempre uma mãe mais camarada com a dona Alda Athayde, Antônia Veloso, Alzira Cruz, Maria Soares e também pessoas que gostavam de serenatas, como as saudosas Dulce Sarmento, Inhá Dias, Maria Afra e Ilza Sarmento e as irmãs Eulina e Ida Sarmento, Carmélia Barbosa, Maria de Paula, Mercês de Prates, Helena Melo Franco e outras.
Atravessávamos a cidade numa grande euforia, felizes por aquela grande oportunidade.
Já subindo a trilha serpentiante que nos levava ao alto do Morrinhos os namorados, emocionados com as melodiosas modinhas, as mãos se encontravam displicentemente, como se por acaso. A sensação do proibido e difícil aumenta o desejo acelerado dos jovens corações.
Quanta emoção o tocar, de leve, o corpo da namoradinha que muito séria, caminhava a seu lado.
Alguns casais (quanta simplicidade) eram considerados afoitos só porque se esqueciam por um momento os espiões e enquanto a lua preguiçosamente se escondia atrás de uma grossa nuvem... E aproveitando aquele cochilo da rainha da noite, se deixavam levar pela sacanagem do cupido, e alguma coisa na subida do morro... Mas nada de exagerado, apenas inocentes carinhos que não chegavam, nem mesmo, ao beijo na boca, mas naquele tempo era o bastante para levantar uma fofoca...
Andando bem devagar, para que aquele gostoso passeio nunca acabasse, chegávamos ao alto do morro, ajeitávamos procurando cantinhos, fazendo uma grande roda em volta do cruzeiro.
Por lá permanecíamos até meia noite, ouvindo as apaixonadas modinhas, cheias de juras e promessas. Os namorados tornavam-se mais apaixonados, contagiados pela música, a beleza e plenitude daquela noite enluarada e nem sentiam a noite passar...
Para onde você foi, querido Morrinhos? O que resta de você?
Transformaram-no em favela e em lugar da verde relva que o cobri a há um aglomerado de casa tortas, espremidas, cobertas de telhas escuras, desencontradas, muitas de zinco.
Enfeitando a subida, à sua volta, giraus de madeira tosca, cheia de vasilhas domésticas e nas cercas de arame, roupas surradas, num colorido, desbotado, penduradas e expostas ao sol, retratos da labuta daquela gente.
Crianças sem camisa, com o peito à mostra, canelas finas, olhos enormes, brincam com seus carrinhos ou jogam bola, se escorregando pelos caminhos estreitos.
Onde você está, eu repito agora? Até a fé e a devoção à seu santo, desapareceram com o tempo.
Você morreu, meu querido!
Ninguém acredita que você existiu e que era tão lindo!
Você hoje vive apenas nos corações dos poetas, como bem cantou Luiz de Paula, na sua bela canção Montes Claros, vovó centenária...
Daquele tempo resta apenas incólume, a branca capelinha guardando no seu interior os restos mortais da sua fundadora.
Que o senhor do Bonfim a proteja da ação dos vândalos, e ela ao menos nos lembrará que você existiu e que durante muitos anos nos encantou com sua beleza natural, suavizando vidas e emocionando corações.
Fecho os olhos para vê-lo e senti-lo, na minha grande saudade.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 4/12/2010 17:45:08
Doutor Plínio Ribeiro dos Santos
(in memoriam)

Hoje, 08 de dezembro de 1991, marca o desaparecimento de um ilustre filho de Montes claros e iniciam-se as festividades do centenário do seu nascimento, que serão comemorados com vários eventos.
O doutor Plínio Ribeiro dos Santos foi um grande benfeitor de Montes Claros, pela qual viveu e lutou pelo seu progresso até os seus últimos dias.
Na simplicidade de uma cidade do interior, carente de todos os recursos físicos, sociais e econômicos, longe do tumulto das grandes civilizações, numa noite escura e fria do mês de maio de 1892, num casarão antigo de portas largas, portais rústicos de madeira de lei, janelas com vidros coloridos, tipo guilhotina (retrato da arquitetura da época), plantada num quintal enorme, sombreado por mangueiras centenárias, naquele exato momento nascia um forte menino e que na pia batismal recebeu o nome de Plínio Ribeiro dos Santos.
Seus pais, major Simeão Ribeiro dos Santos e dona Deolinda da Silva Santos, enlevados na euforia da chegada de mais um filho, nem por instante sequer pensaram que naquele exato momento, num acontecimento tão simples e corriqueiro na vida das famílias, sem alarde, sem foguetes, nascia um grande menino, que seria no futuro, um grande homem e teria uma vida inteira marcada pelo sucesso, seria enfim, um sol brilhando a noite.
Em criança, ela foi igual a tantas outras, com as mesmas características e ações. Entretanto, desde cedo uma inteligência extraordinária transparência nas suas atitudes.
Quando brincavam juntos, irmãos, amigos e vizinhos naquela antiga rua Bocaiúva, desprovida de conforto, com os pés emergidos na poeira ou na lama quando chovia, ele já se sobressaía entre todos e ao expo suas idéias, em se tratando de brinquedos (por mais simples que fosse), ou quando procurava demonstrar sua opinião em qualquer assunto da escola, ou mesmo da vida, no dia-a-dia, ele sabia se fazer ouvido. Naquela época criança ainda, era já um líder nato.
Seu ideal foi sempre estudar Medicina e conseguiu, formando-se muito cedo.
Conheci-o, mais tarde, como médico e como médico que era o que poderia dizer: um mestre.
Aqui chegando, recém formado, cheio de ideais, e com um temperamento dinâmico e vendo o abandono da nossa cidade, a penúria e a carência em que a comunidade vivia, principalmente na área de saúde, desprovida de assistência médica e hospitalar, ele se desdobrava.
Cheio de entusiasmo fazia de sua casa uma verdadeira escola, orientando os jovens de nossa terra, incentivando-os a estudar, fortalecendo, de várias maneiras, o gosto pelas ciências e pela cultura. E conseguiu muitas vitórias.
Cumprindo fielmente o juramento que fizera, salvar vidas (ou pelo menos lutar para consegui-lo) era este o seu lema na sua profissão de médico.
Filantrópico ao extremo, traço característico da sua personalidade, seu consultório era aberto 24 horas, atendendo a qualquer hora, sem distinção de cor ou de casta, dando pouco valor a cifras.
Quando menina, eu era extremamente achacada de amigdalite. E, naquele tempo, sem antibióticos e penicilina, calculem o que sofria.
Como era agrimensor, papai viajava demais, dando duro medindo terras, enquanto a mamãe se desdobrava com os problemas domésticos e a casa cheia de crianças não poderia me acompanhar. E eu, dona do meu nariz, resolvi ir ao médico, sozinha. Não era uma tarefa difícil, numa cidade pequena onde todos se conheciam e as distâncias eram mínimas. E, enrolando no pescoço um cachecolzinho de lã, corri ao consultório do doutor Plínio. Achei-o circunspecto e de pouca conversa, mas muito atento, cuidadoso e sobretudo interessado no cliente.
Fui logo me queixando das dores e o meu ma. Ele examinou-me atentamente e com uma colher prendendo a minha língua, cutucou as enormes amígdalas que mais pareciam dois furúnculos.
Calado e sem comentários mandou-me descer da mesinha, entregou-me a receita e dando um tapinha em meu ombro, perguntou-me:
- Menina, de quem você é filha?
Fiquei afobada, vermelha (pois me esquecera de levar o dinheiro da consulta) e respondi, sem olhá-lo de frente:
- Sou filha de Tobias Tupinambá e é para debitá-lo.
Ele olhou-me bastante sério, sobrecenho carregado (gesto seu quando algo o preocupava), deve ter achado muito estranha aquela minha atitude infantil e ao mesmo tempo audaciosa.
Saiu rapidamente da sala, voltando em seguida com os medicamentos, dizendo-me:
- Não lhe custa nada. E dê um abraço no seu pai.
Cheguei em casa contente e com o pacotão de cápsulas, poções e gargarejos, sentindo-me grande e valorizada. Mamãe, admirada, se esqueceu de me passar pito.
Ele era um homem singular. Os anos passaram-se e jamais me esqueci deste seu gesto, que só mais tarde pude avaliar e entender.
Anos depois nos encontramos novamente. Ele era meu professor de Ciências Naturais e Biológicas, Física e Química, na Escola Normal Oficial de Montes Claros.
Como o admirava! Era decidido, autoritário, impertinente, mas um excelente professor, justo e amigo dos alunos.
Sua aula era atrativa e, dominando a classe pela lógica e coerência, possuía o dom de transmitir conhecimentos, provocando entusiasmo e interesse de todos.
Convivendo com ele, notava-se logo seu amor por Montes Claros, que cantou nos seus versos – os mais belos que conheci.
Sua exaltação no poema Boa Noite Montes Claros é tão profunda, com tanta sensibilidade e beleza que nos comove até às lágrimas.
Neste mesmo poema, afirma e se orgulha de ser seu filho: Ser teu filho, ó Montes Claros, é ter nervos de aço, caldeados na fogueira do sertão.
Doutor Plínio possuía como ninguém, as virtudes tradicionais do político mineiro lúcido, analistas dos acontecimentos, mas também malicioso quando bastasse para não se deixar envolver. Cauto, amante dos meios suasórios, mas extremamente corajoso. Não criava casos nem os alimentava, mas sabia como elimina-los na hora H, com agudo senso de oportunidade.
As dimensões de um homem público, acabam por inseri-lo em um contexto muito mais amplo do que o da família ou da vida privada. O seu universo é outro.
Doutor Plínio conseguiu transcrever este universo e com facilidade assolava a fé a sua lúcida percepção, porque conhecia Jesus através da pesquisa e de estudos. Ele foi um pensador.
Casou-se bem cedo com dona Neném Pimenta, dedicada companheira que muito colaborou para a realização de todos os seus ideais.
Desse casamento nasceram cinco filhos: Yedde, Myriam, Roberto, Lonne e Humberto.
Sua vida profissional se estendeu à diversas áreas: médico, fazendeiros, industrial, professor, comerciante, deputado federal e pesquisador de produtos farmacêuticos.
Exerceu as seguintes atividades: professor catedrático de Ciências Biológicas, Química e Física.
Responsável pela reabertura da Escola Normal Oficial de Montes Claros, hoje E.E.Prof. Plínio Ribeiro, cujo terreno para construção da sede foi doado por ele.
Fundador do Colégio Agrícola Antônio Versiane Athayde com os deputados Antônio Pimenta e Teófilo Pires, fundou vários grupos escolares em Montes Claros. Atuou em vários setores educativos: magistério, teatro, jornais, rádios etc.
Como deputado federal, com vários trabalhos na Câmara: erradicação da doença de Chagas no Norte de Minas, inclusão de Montes Claros na área do Polígono da Seca – SUDENE.
Criação da Escola da Medicina, em Montes Claros. Inspirador-fundador, juntamente com outros ilustres confrades, da Academia Montesclarense de Letras. Um dos fundadores do Sanatório Santa Terezinha. Fundador da Associação Comercial de Montes Claros e seu primeiro presidente.
Participou de várias entidades de classe: Associação Rural de Montes Claros, Rotary Clube e deu paio a todas as iniciativas da época em Montes Claros. Fundador da Sociedade Educação e Cultura de Montes Claros, ponto inicial para fundação das escolas de nível superior em Montes Claros.
Fez várias doações particulares a educandários e entidades beneficentes. Fundador da Legião de Assistências Recuperadora-LAR, para assistência à criança.
Pesquisador arqueológico com outros estudiosos no assunto, na Lapa Pintada, descobrindo valiosos achados pré-históricos.
Convocando a participar do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, não chegou a tomar pose, devido ao seu falecimento.
Nasceu no dia 26 de maio de 1892.
Faleceu no dia 8 de dezembro de 1967, em Montes Claros.
Assim são decorridos vinte e quatro anos e sua memória, viva e imperecível está em nós, a saudade que nos deixou aquele ilustre benfeitor de Montes Claros, cuja perda ainda sentimos.
Foi uma individualidade inconfundível em nosso meio e deixa de si um nome e uma lembrança, que jamais serão esquecidos.
Merecida homenagem que vão prestar-lhe na comemoração do centenário de seu nascimento. No decorrer do ano de 1992.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 27/11/2010 14:46:34
O Milagre aconteceu:Toninho

(Por ocasião do aniversário da cidade, julho de 1982)

Você vivia triste, minha querida Montes Claros, porque era feia e desajeitada!
Sua pele era grosseira, suja e esburacada!E como mulher vaidosa, queria ser muito bonita e admirada! E você sofria muito, minha querida Montes Claros. E nós sofríamos também.
Os anos foram passando e você envelhecendo cada vez mais.
Sua mocidade e alegria foram desaparecendo também e você quase se conformara em ser uma velha triste e sem atrativos... E nós, seus filhos dedicados, que gostamos tanto de você, procurávamos uma solução para seu caso e um remédio para seu mal.
E o milagre aconteceu!Você deixou de ser a velha rota e mal vestida e, como num conto de fadas, sob o toque benfazejo de uma varinha mágica, é hoje bonita, elegante, e admirada por todos!
Agora tem a pele lisa, limpa, cheirosa, bonita e bem tratada. E cresceu muito!Largas ruas e avenidas rasgaram seu coração, como mananciais fecundos, levando a seus filhos mais distantes e humildes, conforto, alegria e segurança!
Com grande prazer e uma felicidade enorme, nós sentimos que, a cada dia que passa, você fica mais bonita e dentro das vestes multicoloridas de suas praças e avenidas, seus encantos naturais mais se realçam.
Sei que você hoje é muito feliz, minha querida Montes Claros! Você está tranqüila porque é amada demais por seus filhos e, tranqüila, dorme e sonha sem pesadelos, porque um filho mais amoroso pensa em você, dia e noite, e fielmente a protege e a defende, em todas as horas, para que seja grandiosamente bela, exuberante e realizada.
Sem ser um doutor Pitanguy, transformou-a da cabeça aos pés, realizando a mais bela plástica, minorando seus sofrimentos, resolvendo grandes e angustiosos problemas de seus filhos, incansável, cheio de fé e amor por você, como um grande artista da maior obra prima!
Só ele, idealista na sua imensa filantropia, poderia realizar este grande milagre. E, repito, o milagre aconteceu!
Todos vêem a grande transformação. Vêem e admiram esta obra maravilhosa, extraordinária de um administrador inato e que antes de tudo ama demais sua terra.
Só por amor constrói e idealiza as belas obras, e só com amor se chega à perfeição.
Obrigada, Toninho!Deixo de lado a cerimônia que lhe é devida e repito: mil vezes, obrigada, Toninho!
Se falo com esta simplicidade, acredite, o faço de coração aberto,porque só ele poderá traduzir o que sinto agora! Se assim falo é porque pra mim você foi, é e será sempre, o Toninho que conheci, anos atrás, quando éramos crianças e nossa cidade era escura ew triste.
Você era um menino forte e alegre, que liderava um grupo de companheiros quando jogava bola na pracinha singela da Igreja do Rosário. Você já era, Toninho, o mais querido da turma, o companheiro ideal com quem os meninos contavam certo na hora dos apertos, apaziguando os mais exaltados e defendendo os mais fracos no momento exato!
Naquela época remota, você não era apenas um menino comum, ou um líder nos brinquedos das crianças daquele tempo. Você era um grande menino, de alma simples e coração puro, cheio de nobres ideais e altruisticamente humanos e que, apenas em embrião mais tarde se desenvolveram moldados pelo exemplo paterno de honradez e retidão e que se identificaram e se firmaram hoje beneficiando uma comunidade inteira.
Não era por simples curiosidade, Toninho, que eu o observava, tantas e tantas vezes, encolhida no portãozinho da tia Joaquina, sua vizinha, enquanto com meus primos você brincava e se misturava às outras crianças humildes, numa camaradagem espontânea e feliz, longe de preconceitos.
É que as crianças são as grandes espectadoras obscuras, invisíveis, às vezes, talvez as mais sinceras do mundo dos adultos.
E eu, naquele tempo, já admirava sua agilidade e destreza, quando driblava a bola num incansável campeonato infantil de jogadores de pés descalços e bola de meias... Também, vibrava com seu entusiasmo quando dirigia outros brinquedos, correndo sem se amofinar com os pedregulhos, enquanto grossos pingos de chuva ensopavam sua cabeça descoberta, fazendo açudes e soltando barcos de papel nas grandes enxurradas, que com enorme correnteza descambavam pelos grandes sulcos da rua Joaquim Nabuco, hoje Gonçalves Figueira.
E, quando, transformado em cowboy, corria ao redor da Igrejinha do Rosário, e em ponto estratégico derrotava os bandidos, salvando os companheiros.
E aquela Montes Claros, Toninho, que o conheceu de calças curtas, vende-o correr alegremente, sentindo o contato dos seus pés descalços, quando se atolavam na poeira quente de suas ruas desprovidas de qualquer estética e que você já sabia amar, está transformada, nesta grande metrópole que, feliz, lhe agradece!
Que Deus lhe proteja, Toninho, e não o abandone jamais, permitindo anos afora, a continuação das grandes e belas obras que você vem fazendo, dia-a-dia, na nossa querida Montes Claros.
Que continue dirigindo, com eficiência e entusiasmo, como vem fazendo, esta consciente equipe que você possui dentro da Prefeitura.
Parabéns, Montes Claros, pelo seu aniversário e pela maquiagem linda que você ganhou. Parabéns, pelo prefeito que possui!
Obrigada, Toninho, por tudo que você conseguiu fazer nestes anos de sua gestão – a nova Montes Claros -, a querida e bela cidade que você idealizou, e pelo que você conseguiu realizar. Obrigada!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 21/11/2010 09:34:21
ESPERANDO O NATAL

Ruth Tupinambá Graça

Dezembro é o mês mais alegre do ano, aguardado com ansiedade e esperança. Mas também tem os seus apertos e preocupações.
Para as crianças, na sua inocência, é só alegria.
Esperam o Papai Noel, pensando somente nos brinquedos.
Hoje são verdadeiras artimanhas que deixam as crianças maluquinhas.
Para os estudantes, o mês de dezembro é mais preocupante: exames finais com as provas e recuperações de matérias.
Alguns aguardam ansiosos as datas dos vestibulares, na expectativa de entrarem vitoriosos numa faculdade e outros aguardam eufóricos as festas de formatura.
A juventude, de modo geral, espera a realização de outros sonhos: namoro, noivado, casamento e as badaladas festas do “réveillon” no Automóvel Clube e nos demais clubes sociais espalhados em nossa cidade.
Os mais velhos, já casados, planejam férias com a família, pesquisando preços de pacotes promocionais nas agências de turismo, procurando praias, que, aliás, o nosso Brasil tem as mais belas.
Para os comerciantes este mês é o mais sufocante: estressados ( na maioria)e preocupados com os balancetes, na ânsia de faturar 100% ou mais,abarrotam as vitrines de mercadorias para atrair a freguesia.
O 13º (esperado o ano inteiro) chega a tempo. As famílias se desdobram na compra de presentes.
Há tumultos, correrias à procura das “célebres” promoções com propagandas enganosas, onde só os comerciantes levam vantagens.
Mas o povão gosta de ser passado para trás em todas as situações (sociais,políticas e financeiras) às vezes fazem sacrifícios e se afundam nas compras.
Acontece até de se arrependerem das loucuras feitas numa hora de entusiasmo, vítimas de propagandas enganosas, mas já é tarde e os “cheques sem fundos” os incomodam.
O dinheirinho suado do funcionário público, especialmente professores, faz milagres: presente para toda a família (filhos, netos, bisnetos, genros e noras) e ainda reserva um pouquinho para a infalível ceia: um peru defumado, leitão à pururuca, com os devidos acompanhamentos:
bebidas, bombom e sobremesas em montão. É a hora alegre de reunir toda a família, filhos e parentes que vêm de longe.
Em muitos lares, enquanto adultos bebem e destrincham o peru, as crianças brincam em volta da árvore de Natal com os carrinhos eletrônicos e as bonecas sofisticadas (como a Baby) presentes do bom velhinho.
Mas o Natal é privilégio de todos e sempre existiu.
Com ou sem civilização o Menino Jesus foi sempre esperado com festas em todos os lares, pobres e ricos.
É a festa universal em que todas as crianças, desde a miserável, das favelas e cortiços, que nem sempre têm o que comer , até as nascidas em “berço de ouro”, aguardam o Papai Noel esperando um presente.
Felizmente já existem hoje as Organizações Sociais que, em grande solidariedade, se movimentam levando para estas pobres crianças um pouco de alegria, fazendo-as sentir que não foram esquecidas. É muito gratificante fazer uma criança feliz.
Todos estes acontecimentos em vésperas do Natal me fazem pensar e sempre me vejo, viajando no tempo, voltando ao passado, no Natal da minha infância.
Era tão diferente...
Já existia a lenda do Papai Noel, as crianças ganhavam apenas um presente, talvez dois, vindo de um carinhoso padrinho.
Mas era tudo tão simples!
O primeiro lugar era do Menino Jesus, esperado com muito amor e alegria!
O ponto alto era o presépio em todos os lares.
Era uma festa a visita das Pastorinhas com suas roupas coloridas, pandeiros e arcos enfeitados com flores de papel de seda.
Cantavam e dançavam saudando a chegada do Menino Jesus.
As crianças eram mais sensíveis e se emocionavam.
Muitas até choravam (na sua inocência) olhando aquele menininho quase nu, talvez com frio, deitado sobre palhas, numa pobre manjedoura.
O Menino Jesus era realmente valorizado e visitado por todos os católicos, numa demonstração de fé cristã.
Quantas vezes eu vi minha mãe plantando arroz, em latinhas para enfeitar o presépio armado na nossa sala de visitas. Muitas vezes eu fui - com meus irmãos menores- procurar pedrinhas bem bonitas e
diferentes, cogumelos, lodos e ramagens na margem do Rio Vieira (ele ainda não era poluído) tudo para valorizar o nosso presépio. Não existe Natal como antigamente.
Esqueceram-se do Menino Jesus. Poucas famílias o cultuam.
Hoje o adorado e festejado é o Papai Noel , de todos os tamanhos e numa grande variedade de estilo, e abarrotam as vitrines das casas comercias. Ele comanda o Natal em todas as casas e em toda a cidade e as famílias cultivam e estimulam este privilégio do “bom velhinho”.
E o Menino Jesus onde está? E os presépios?
A maioria das crianças os ignora. Mas elas não têm culpa, crescem em mundo diferente, fora da realidade.
São voluntariosas, exigentes, algumas cobram dos pais o que às vezes, eles não podem lhes dar (brinquedos caríssimos) e vivem insatisfeitos. Por quê?
É o consumismo galopante que tomou conta de tudo e de todos. E os pais se deixam levar. Comodismo talvez...
E os cifrões dominam a humanidade.
Assim o mês de dezembro chega ao fim, cheio de contrastes.
Depois do Natal vem o imponente “Réveillon”, a grande festa de confraternização.
Ano Novo! Aleluia, Aleluia!
Encontros desejados, muita alegria, fogos de artifício em profusão marcando o embarque do Ano Velho, todos acreditando que, com ele, na virada do Ano Novo, ir-se-ão todas as preocupações,decepções, tristezas e angústias.
Que Deus os ouça, compadeça e os ajude nesta terra de tanta maldade e violência.
Que não se decepcionem (os puros de coração) os que acreditam que teremos, um dia, um mundo melhor e mais justo.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 13/11/2010 16:43:21
Chico Pitomba e Mané Juca

A famosa rua 15, hoje Presidente Vargas, estava muito movimentada de curiosos e interessados no grande acontecimento.
A banda de música local, executava os dobrados costumeiros, ensaiados para as grandes festividades políticas e sociais.
As moças, numa alegria contagiante, desfilavam muito embonecadas naquela movimentada rua, espalhando charme e beleza, com olhares melosos e provocantes aos guaipos rapazes de prontidão nas esquinas.
Tudo era alegria naquela noite em que a grande atração do momento era a ZYD7, Rádio Sociedade do Norte de Minas.
A população minguada, da pequena cidade com menos de quinze mil habitantes, aproximadamente, aguardava cheia de entusiasmo (população urbana). Inaugurava-se naquela noite de 05 de março de 1945, os novos estúdios da ZYD7 (suas ondas com 250 wats de antena) localizados no edifício Maria Souto, na Rua 15, hoje Edifício Jabbur.
Jair Oliveira, o dinâmico jornalista, era o diretor proprietário da importante emissora montes-clarense, que até então funcionava precariamente na Rua Governador Valadores, 223, no antigo prédio do extinto Cine Renascença, onde é hoje o cine Montes Claros.
Após a bênção da emissora, por sua excelência reverendíssimo bispo de Montes Claros, Dom Aristides de Araújo Porto, foi iniciado o esperado programa de irradiação que abalou toda a cidade, e que durante muitos anos encantou aquela população simples e ávida de emoções.
Às dezoito horas, impreterivelmente, a luz chegava preguiçosamente, e os estalos estridentes de rádios mal sintonizados nos davam sinal de que o programa estava no ar.
Gente que era gente possuía o sue radinho e, com euforia, escutava a voz forte do radialista Marcos Alexandre, o locutor da emissora.
O programa era bem elaborado, e agradava em cheio a população.
Ainda me lembro bem de Melodias de Outrora (que nada ficava devendo ao grande programa Hora da Saudade da Rádio Inconfidência de Minas Gerais, Belo Horizonte, nos anos quarenta).
Ouvíamos as canções melodiosas, as modinhas sentimentais, na voz bonita de Ceci de Alencar, pseudônimo de Maria Inês Mariello, num bom bolado dueto com Antônio Rodrigues, grande violinista da época.
Neste mesmo programa, o Geraldo Prates era hábil apresentar, fazendo interessantes comentários, ouvíamos também as vozes bonitas das senhoras de fina flor da nossa sociedade: Neuza e Argentina Dias, Edith Leão, Sílvia dos Anjos, Marinha Prates, Zélia de Oliveira Miranda.
Eunice Fialho marcou época com sua voz maravilhosa, começando aqui a sua carreira artística, sendo mais tarde contratada pela Rádio Inconfidência de Minas Gerais, chegando a ser coroada Rainha do Rádio. As irmãs Lucrécio Também fizeram furtos nas vozes bonitas de Alda, Normanda e Fely Lucrecia, formando o trio sentimental de grande categoria. Abrilhantavam este programa, Nivaldo Maciel, Wilson Maldonado, Edgar Camargos, com vozes excelentes, acompanhados por Godofredo Guedes e o conjunto Oswalto Lagoeiro, Augusto de Freitas e Sabur.
A ZYD7, se esforçava para agradar o público e periodicamente contratava artistas de fora para shows, sendo que Nivaldo Maciel fazia a abertura do mesmo. E assim, tivemos oportunidade de ver e ouvir de perto: Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Gregório Barrios (argentino) que numa de suas vindas a Montes Claros encantou com a voz de Nivaldo Maciel, convidando-o para substituí-lo um mês no seu programa El Mundo na Argentina enquanto ele permanecesse no Brasil. Mas, Nivaldo não aceitou, o bairrismo era demais.
A criançada de Montes Claros também tinha a sua vez no programa Guris em Desfile com concursos, prêmios e tudo mais, dando oportunidade aos calouros infantis, bem sucedidos da nossa cidade, assim como João Leopaldo e Adélia Mianda, que fizeram sucesso. Foram a revelação daquele tempo, de criança, e ainda hoje os dois brilham na Seresta João Chaves.
Alma cabocla era o grande e excelente programa caipira com os dois maiores cômicos da época: Chico pitomba e Mane Juca.
Neste horário, ajuntava muita gente nas esquinas para ouvi-los e principalmente na Casa Lotérica de seu Donato Quintino (Rua 15 com Simeão Ribeiro) era o ponto fino dos curiosos ouvintes assíduos, pra comentários e críticas do programa, como os mais entendidos no assunto.
Os dois caipiras faziam misérias com suas anedotas e piadas picantes, versos e cantigas sertanejas, arrancando gargalhadas dos mais sizudos montes-clarenses.
Hoje, quando vejo programas sertanejos de grandes emissoras do nosso País, de cômicos de alto gabarito, fico a pensar em nossos jecas Chico Pitomba e Mane Juca... Como se esforçavam para o sucesso da tradicional e antiga emissora.
Como artistas, eles nada deviam aos grandes de hoje. Eram naturais, realmente sertanejos, sem sofisticação, com total vivência do meio ambiente do sertão! Eram devotados, trabalhavam por amor, sem nenhuma remuneração, desejando apenas o sucesso da ZYD7, recém-inaugurada.
O Mane Juca (Antônio Rodrigues) quem não o conheceu? Fora do palco era, também, alegre e folgazão e nas festas um tremendo pé de valsa. Seresteios de nascimento, cantador de modinhas nas noites enluaradas (quando solteiro) conquistava facilmente as donzelas com sua bonita voz (Célia que o diga), tendo sempre uma anedota ou uma piada nova, que tornava sua companhia muito agradável.
Era comerciante e dava um duro no balcão, mas quando chegava a tardinha ninguém o segurava (nem a Célia com toda sua diplomacia e os truques para prender marido em casa...) e, à noitinha o botão da ZYD7, lá estava o artista com suas interessantes piadas. Por vezes tínhamos a impressão de que, realmente estávamos diante dos próprio matuto, com sua voz pausada e palavras vindas do coração sertanejo puro, autêntico, deixando extravasar toda emoção contida no mais íntimo de sua alma, apaixonada e sentimental.
Aí vinha as lembranças, a saudade, nas canções cheias de amor e humor sertanjeo. Os anos passavam. A emissora crescia em tamanho e em qualidade, mas Chico Pitomba e Mane Juca se despediram da rádio e dos ouvintes, deixando um grande vazio no programa e na cidade.
Chico Pitomba, com sua saúde abalada, se retraiu para melhor concentrar-se no livro que pretendia escrever e que por sinal, realizou com grande sucesso.
Entretanto, não podemos esquecer de que, parte deste sucesso ele deve aos modestos e mais dedicados artistas dos anos 40, que com entusiasmo, amor e desprendimento pela cifra, foram um marco na trajetória brilhante deste importante e tradicional e emissora Rádio Sociedade do Norte de Minas ZYD2263.
O Chico Pitomba (Cândido Canela) o nosso grande e imortal sertanejo, inconfundível e inigualável, fora do palco era retraído, chegando mesmo a timidez. Mas no rádio era uma revelção com seu estilo humorístico, dando rédeas à sua veia, sucesso elogiados pelos maiores críticos.
Mane Juca mudou-se para Belo Horizonte, ciladas do destino. Foi viver mais intensamente para a mulher, filhos e netos (é o verdadeiro vovô coruja) mas continua o mesmo Antônio, alegre, comunicativo, contanto suas anedotas e piadas (na intimidade), jogando buraco.
Sob qualquer pretexto ele pega o violão e sonha!Sonha com o passado, transmitindo ao violão amigo as suas mágoas, suas alegrias e tristezas. É um grande saudosista. Sente saudades daquele tempo em que os compradores Chico Pitomba e Mane Juca fizeram sucesso e marcaram época em nossa cidade.
Era, sem dúvida, os maiores, sem rivais, e nos deram horas alegres, quando desconhecíamos ainda o Chico Anísio e O Gordo...
Mas eles eram diferentes, eram regionais, qual o pequi, eram nosso!
Deixo aqui um voto de louvor aos dois maiores cósmicos que conheci.
A ZYD7 dos anos 40 é hoje a Rádio Sociedade do Norte de Minas Ltda., ZYD2263, esta grande potência que, aí está aos nossos olhos, modernamente equipada, levando o progresso, civilização a alegria a grande distância, sob a atual direção do dinâmico Elias Siuf, que com sua grande inteligência, tino administrativo e capacidade de trabalho, tem conseguido o grande sucesso desta emissora.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 4/11/2010 19:12:47
De quem é a culpa?

Ruth Tupinambá Graça

Atualmente moro no Edifício Vila Rica, na Av. Mestra Fininha, 536, ao lado da Santa Casa de Caridade. Da janela do meu quarto, no 6º andar, numa vista maravilhosa, eu vejo toda nossa cidade, de canto a canto. Às vezes, fico horas contemplando e chego a agradecer a Deus por conceder-me, aos 94 anos, a lucidez e a visão.
Sinto uma alegria tão grande e fico vislumbrando, ao longe, as serras de um verde tão bonito, contornando toda a nossa cidade, desenhando, em traços sinuosos, as mais belas curvas num contraste com um céu tão lindo e diferente que (modéstia a parte) só a nossa Montes Claros possui.
O morro dos “Dois Irmãos” realçam, naquela paisagem, como dois guardiões que espreitam e protegem a nossa cidade. Eu ficou orgulhosa e feliz em perceber tanta beleza, tanta magnitude deste nosso sertão. Como a nossa cidade cresceu!
Avenidas presunçosas rasgaram as pequeninas ruas. Edifícios subiram modificando totalmente a arquitetura antiga da nossa cidade. Bairros se formaram por todas as partes.
Eu que acompanhei de perto quando ela apenas “engatinhava” e crescemos juntas posso avaliar o seu enorme desenvolvimento, graças aos seus filhos que sempre lutaram pelo seu crescimento e sucesso, enfrentando todas as dificuldades: falta de verbas, comunicação e transporte, numa cidade como era a nossa, esquecida pelos nossos governantes, esta “gema” maravilhosa plantada em pleno sertão das Gerais.
Mas, com toda esta beleza e desenvolvimento, existe em nossa cidade um problema sufocante que aflige grande parte da sua população.
Olhando bem esta paisagem eu fico a pensar: durante o dia é tudo tão lindo e gratificante. Todos trabalhando, juventude alegre, estudantes freqüentando as várias faculdades que aqui já existem, cada qual preocupado com suas obrigações, saúde e sobrevivência. Mas, quando chega a noite, que tristeza!

Desta mesma janela do meu quarto, ao invés de uma paisagem maravilhosa, deparo-me com a Avenida Deputado Esteves Rodrigues campeã de lanchonetes, bares, restaurantes e boates, onde fica o “Triângulo da Impunidade”. E, à meia-noite, o pior acontece.
Eu não consigo dormir, nem tão pouco os vizinhos desta Avenida. O barulho vem direto para minha janela. Uma música infernal que fere meus ouvidos e o retumbar dos tambores e caixas de som quase me estouram os miolos, e este barulho prossegue até a madrugada.
Que saudades daquela cidade pacata e silenciosa, onde se podia dormir tranquilamente a noite inteira, escutando apenas o cantar dos galos que, de vez em quando, cortava aquele silêncio.
Acordem montesclarenses. Onde estão os governantes desta “Princesa do Sertão”? Por que a “Lei do silêncio” não funciona nesta terra, com tantos deputados e vereadores?
E a polícia não percebe o absurdo que atormenta as pessoas que moram perto do “triângulo da impunidade”? Quando o barulho ensurdece e chega ao auge, moradores aqui do prédio telefonam, dão queixas, mas nada acontece, e o barulho continua.
Não pensam no repouso dos doentes da Santa Casa em frente esta Avenida? Eles sofrem, não conseguem dormir, passam a noite assustados, chegando ao desespero e crises nervosas, prejudicando o tratamento.
Os responsáveis pela tranqüilidade da nossa cidade não tomam uma providência enérgica, por quê? Parece que existe algum interesse em proteger este bando de irresponsáveis.
A comunidade se omite, a administração pública fecha os olhos. Onde a andam a “Patrulha do Silêncio” e a Secretaria de Meio Ambiente?

Tem que haver uma solução urgente. Acordem montesclarenses!

Façam como as “Formiguinhas” (símbolo da nossa terra), ajuntem-se e trabalhem. Gritem, esperneiem, “mordam” se for preciso, mas façam os responsáveis tomarem providências com estes “shows infernais” quebrando o silêncio da noite, infernizando a vida de pessoas de bem, que trabalham e precisam de descanso, e dos sofredores doentes da Santa Casa, que precisam de repouso e tranqüilidade para sobreviver.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 29/10/2010 19:18:57
Comemoração do Aniversário de Norma

Ruth Tupinambá Graça

Estamos agora reunidos para homenagear uma pessoa muito especial e muito querida, pelo seu aniversário.
Aniversário é dia de festa!
É dia muito importante.
É dia de se sentir criança novamente e ouvir emocionada:
“Parabéns a você”!
É dia de se sentir lembrada e amada.
Norma, nos amamos você!
Hoje você completa 70 anos.
Setenta anos bem vividos, tranqüila e feliz.
É certo que você não colheu só rosas.
Houve também alguns espinhos, mas você com sua sabedoria soube arrancá-los sem contudo ferir as rosas...
Deus disse no Livro Sagrado:
Tudo passa na vida como sombra: a nave que singra as águas ondulosas sem deixar rastro... Também os pássaros que voam pelos ares... Mas quando se refere a humano, que passa pela vida semeando o bem Deus fala de modo diferente: o rastro que ele vai deixando é uma trilha e uma grande estrada”.
Norma, aqui começa a sua estrada. É com muita saudade que eu recordo o passado.
Em 1940, no mês de Junho, um mês alegre das Festas Juninas e das fogueiras, dos foguetes e dos balões você nasceu para a alegria e felicidade do casal.
Ruth e Armênio naquela Montes Claros que 70 anos atrás era uma cidade longe da civilização, esquecida pelos nossos governantes, uma “gema” plantada no imenso sertão das Gerais.
Faltava-lhe tudo até a luz era precária.
Mas em compensação a noite uma lua linda rasgando as nuvens daquele céu estrelado, prateava toda aquela cidade simples e traquila. E as serenatas aconteciam.
Mas, para mim era a mais bonita e a melhor cidade do mundo porque lá você nasceu Norma, e também todos os seus irmãozinhos.
Você foi a primeira dos meus 6 filhos.
A sua chegada uma benção do Céu, trazendo grande alegria e felicidade para o nosso lar.
Você cresceu tranqüila, cercada pelo carinho de nossa família.
A primeira neta, paparicada pela vovó Dona e vovô Tobias, pelas tias Fely e Tiinha, extremamente dedicadas.
Seu pai era o seu maior “fã”, caducava. Quantas vezes o vi, pondo de lado a sua seriedade (que era um das suas características) pegando você nos braços e dançando de “rosto colado”ao som da vitrola, o tango La Cumparsita, que era a sua música predileta.
E assim você cresceu mimada e durante muito tempo teve o seu reinado na nossa família.
Mas a cegonha que é muito esperta e não brinca em serviço gosta de fazer surpresas. Foi trazendo seus irmãozinhos um a um: Márcia, Ana Ester, Nara, Alberto e Armênio.
A nossa casa encheu e a alegria e felicidade tornaram-se maiores ainda.
Você procedeu muito bem.
Era uma criança legal e compenetrando-se no papel de mais velha e muito responsável ajudava-me trocar as fraldas e dar as mamadeiras.
O tempo não para e com ele chegou a fase da escola. E entre as obrigações do estudante, brincadeiras e festinhas, chegou a fase da adolescência, e você tirou de letra e nada de aborrescência.
Sempre saudável, alegre e feliz tinha um grande círculo de amiguinhas muitas das quais conserva até hoje, haja visto a Virgínia companheira desde a infância.
Freqüentava festas (embora o pai fosse muito rigoroso eu facilitava e protegia) gostava de dançar, por sinal que tinha “aquele gingado”...
A juventude chegou àquela fase linda de sonhos e esperanças.
É quando o amor começa realmente a balançar os corações.
Você se tornou uma moça elegante, charmosa e muito bonita, bastante cortejada tanto que encontrou logo o seu “Príncipe Encantado” casando-se muito cedo.
Foi um casamento perfeito com muito amor e compreensão.
Você foi uma excelente esposa, presente em todos os momentos: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.
Deus na infinita bondade concedeu-lhe uma grande graça, dando-lhe dois filhos: Marcelo e Juza.
Você foi aquela “mãezona” que soube criá-los e educá-los muito bem, que hoje são duas pessoas maravilhosas completando sua vida e são o seu orgulho.
Mais tarde, chegaram os netinhos: Mariana e Rodrigo completando sua felicidade e também o genro, José Flávio e a nora Elenice, seus verdadeiros amigos.
Mas, na vida há sempre os momentos de tristeza e assim foi a sua viuvez. Perdeu um grande companheiro que, com sua bondade, amor e companheirismo, proporcionou-lhe momentos felizes. Esta foi a fase mais triste de sua vida cujos espinhos feriram o seu coração.
Como na vida tudo passa, com o carinho e assitência da sua família, pais filhos e amigos você foi se recuperando, aos poucos, e encontrando no trabalho diário forças para continuar vivendo, sempre tranqüila, proporcionando a sua família todo bem que o seu enorme coração podia lhes dar.
Sempre atenta aos problemas da família, dos amigos, companheira em todas as horas, fazendo o bem sem olhar a quem (uma das suas características) própria das grandes almas.
Generosa e extremamente caridosa, perdoando mais que perdoada. Sua vida, Norma foi e é sempre uma bela estrada. Mas Deus não dorme.
Ele é justo e lá de cima, Ele vê tudo e sabe quem merece recompensa. Foi Ele que planejou tudo.
O cupido (Deus do amor) e grande casamenteiro percebeu e trouxe de longe o Carlos Alberto, extremamente “gentleman” e excelente pessoa.
E o milagre aconteceu.
Picando-se com suas flechas inflamadas que atingiram, em cheio, o seu coração.
Você também se entusiasmou Norma, e abriu o seu coração.
Foi o bastante. Amor a primeira vista.
Encontros aconteceram, atenções, promessas, carinhos, amor e rapidamente tudo se concretizou pra felicidade do casal que vive em eterna lua de mel e grande alegria da família.
Que Deus os conserve e os proteja por muitos e muitos anos com muita paz, amor, sombra e água fresca. E lógico, com a minha benção!


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 25/10/2010 15:10:51

Infelizmente... Eles Se Foram

Ruth Tupinambá Graça

Houve um tempo em nossa terra em que a classe do Fazendeiro era a mais privilegiada. Nada melhor do que ser fazendeiro. Eram realmente fazendeiros, e só cuidavam das fazendas. Ganhavam muito dinheiro e tinham uma vida folgada. Engordavam os bois tranquilamente, esperavam as safras para vendê-los aos “marchantes” (pelo melhor preço) que apareciam periodicamente em nossa cidade. Eram firmes nos negócios e tinha experiência passada pelos antepassados, de pais para filhos. Mas havia também os que possuíam terras, grandes pastagens, gado selecionado, cavalos de raça. Eram educados, honestos (gente fina), amavam demais a nossa terra, mas não eram fazendeiros. Eram donos de fazendas. Eu conheci três senhores, naquela época que de fazendeiro só tinham o nome... eram donos de fazendas. Não possuíam aquela vontade firme de criar bois, esperá-los, pacientemente engordar nos pastos, numa demora de dois ou três anos para vendê-los pelo melhor preço. Aos “marchantes”. Eram diferentes, pouco ligavam para as “cifras”, gostavam de movimento e negócios imediatos. Dois destes, Lucio Narciso e Norival Vieira, freqüentavam diariamente a nossa casa; o terceiro, era o Armênio Graça, meu marido. Todos os dias, impreterivelmente, se encontravam no Café Galo, ou no Bar Sibéria e os “negócios” aconteciam. O Lucio Narciso era um tipo curioso. Um pouco tímido, mas isto não impedia de se expandir, (entre amigos) e tinha sempre uma anedota e piadas “picantes” para diverti-los. Extremamente tranqüilo e de bem com a vida (não sei se era assim em casa) e de uma disponibilidade a toda prova. Estava sempre ajudando a quem o procurasse e o fazia na melhor das intenções. Para ele tudo estava dentro dos conformes. A crise e a inflação não o perturbavam. Vivia modestamente, sem grandes ambições, era a honestidade em pessoa. Onde os três estivessem, ele era o que mais falava e se divertia. Possuía uma grande fazenda, mas esta ficava em segundo plano. Não se estressava nem perdia o sono com os “problemões” do dia a dia. Os companheiros diziam-lhe (só para vê-lo nervoso) - você só não domina a “Patroa”... ela é brava e pega no seu pé. De fato, ele obedecia mesmo, era um enterno “camisolão”, sempre atento e preocupado com o horário de chegar em casa, pois a D. Odília detestava os “botecos” e a família para ele era sagrada.
O segundo fazendeiro, Norival Vieira (o Nonô), era o oposto do Lucio. Era muito comunicativo, exigente, mas o coração mole como manteiga. Agitado e um grande negociante. Descobria sempre os melhores negócios, não perdia uma demolição, principalmente dos sobradões e prédios antigos. Era “vidrado” nas peças retiradas dos mesmos, principalmente portas, janelas, armários, madeiramentos, etc. para vender. Apaixonado pela família, a esposa Lena (como a chamava) e pelos filhos. Sonhava vê-los formados e famosos doutores. Teve esta alegria. A trancos e barrancos, conseguiu realizar este sonho, todos os filhos se formaram, venceram na vida como excelentes profissionais. E o Nonô não perdia a oportunidade de elogiá-los, era o verdadeiro “pai coruja”. O terceiro fazendeiro era o Armênio Graça, o mais inexperiente. Criado dentro dos escritórios do Rio de Janeiro, veio para o sertão como Inspetor da International Harvester Companhia Americana de Caminhões, tratores e máquinas agrícolas. Aqui logo se adaptou, era muito alegre e comunicativo, tanto que iluminou e padronizou com tratores e maquinas agrícolas todas as fazendas desta região. Era apaixonado por Montes Claros (e por mim também). Aqui se casou, comprou fazenda e nunca mais voltou para o Rio. Mas não tinha a mesma experiência e não conhecia as manhas do sertanejo e muitas vezes levou “tombos” nos negócios. Era um grande sonhador. Gastava exageradamente arrumando as fazendas. Tudo muito perfeito: casa dos empregados, cerca, e currais, gado muito selecionado, as melhores vacas holandesas, os pastos eram verdadeiros jardins, que causavam admiração aos negociantes de gado.
Estes três “fazendeiros”, eram muito amigos e tinham um ponto fraco: os “negocinhos”. Todas as tardes, Lucio e o Nonô passavam lá em casa, tomavam um cafezinho e saíam, os três, para o Bar Sibéria (esq. Dr. Veloso com Presidente Vargas) - hoje ele já não existe mais, e o proprietário acolhia, com prazer, a turma dos fazendeiros. Era o ponto certo para aos negócios.
Conversavam tranquilamente, bebiam umas “pingas, socialmente”, (muito controlados) e as fazendas ficavam mais entregues aos gerentes e peões responsáveis. Todos os três possuíam boas vacas leiteiras, pois o fornecimento de leite á Cooperativa Agro Pecuária de Montes Claros era o melhor negocio daquela época. Mal chegavam ao Bar os negócios aconteciam, e eram deste tipo:
O Nonô, com sua facilidade de negociar:
- Tenho uma vaca holandesa que é uma beleza, forte, boa parideira e, como leiteira, não tem igual. Ela dá 15 litros de manhã e 15 à tarde, todos os dias. O Lucio, sempre matreiro e desconfiado, (com um risinho de deboche) dizia para incucar o Nono:
_” Deve ser um preço!... e esta peça tão rara não serve para mim. Prefiro as “curraleiras”, não adoecem, não são luxentas, comem qualquer ração, o leite é pouco mas é certo.
_” Nada de carestia, diz o Nonô; é negócio de amigo para amigo; o Armênio, que era encantado com as “estrangeiras pintadas”, fez sua proposta:
_” Escuta Nono, eu tenho um touro que também é um colosso. Vale o quanto pesa e tem um “Pedigree” famoso e grande campeão nos cruzamentos.
_” Mas eu precisava vê-lo, não faço negócio no escuro. Você conhece, Lucio, o famoso touro? Confio na sua palavra e no seu conhecimento.
Pego de surpresa, Lucio gagueja um pouco, não querendo se intrometer no negócio, mas também não quer ser desmancha prazer e com seu jeito de conciliador responde:
_” Conheço”. É uma beleza o tal “machão”. Forte, bonito, e não dá sossego ás “pintadas” do Armênio. Nono satisfeito com as informações, fecha o negócio: holandesa pelo touro. Neste momento, entra o Wilson Athayde, que também era um grande fazendeiro e companheiro nos negocinhos. E o Nonô foi logo dizendo-lhe:
_” Meu amigo você chegou na hora certa. Comprei um garrote famoso, mas não preciso. Quem sabe lhe interessa?
_” Depende. Cadê o machão?”
_” Está nos pastos do Armênio, quer vê-lo? É peço de promoção.
Saíram os três, na maior alegria, como se fossem para uma festa!
E o negócio se realizou. Eram assim as trocas e barganhas, mas um sempre ajudando o outro a empurrar a “mercadoria”.
Ás vezes estas “proezas” aconteciam lá em casa.

Certa vez, estavam os dois no maior papo. De repente, o Armênio disse:
_” Lucio vamos faze um negocinho? Vou lhe fazer uma proposta, mas é negócio sério.
_” Me vende um pedaço da sua fazenda, somos vizinhos, e 5 alqueires não vão lhe fazer falta e melhorar muito a minha fazenda.”
Lucio tomou tanto susto, quase caiu da cadeira, e respondeu:
_” É assim que você se diz meu amigo? Eu não vendo, não empresto, não troco nem um palmo das minhas terras.”
Armênio ficou chocado com a reação.
_” Não precisa extrapolar; você não é disto, meu amigo, está sempre brincando e negociando... pensei que um dinheirinho é uma boa para você. Dim-dim nunca é demais.
_” Você está igual uma barata tonta, Armênio só por que hoje não fez ainda um negocinho e vem me fazer esta proposta absurda, aleijando a minha fazenda! Mas eu tenho um revolver 38 cano longo, cabo de madrepérola, capa de couro bem caprichada. Não preciso desta arma; não mato nem uma formiga...
O Armênio mais que depressa:
_” Ta certo. Eu tenho uma cabra importada, de luxo, verdadeira mãe de leite e com sua patroa está esperando mais um herdeiro (talvez a raspa do tacho) está na hora de aproveitar, o leite da cabra é igual ou melhor que o materno.
_” Negócio feito, só tem um porém. Onde vou colocar este animal tão especial?
_” Pode deixar na minha fazenda, tenho pasto sobrando. Fomos visita-lo, poucos dias depois. A “cegonha” já havia trazido o “herdeiro” esperado e o Lucio estava eufórico com a chegada de mais um machinho. Mas era tão pequenininho que o Armênio (muito brincalhão) foi dizendo, ao vê-lo: é um Chimbica. Está na hora de entrar com o leite da cabra... mas o Lucio a trocara por um garrotinho desmamado...
Infelizmente, os três fazendeiros já se foram. Nos meus 93 anos foram as melhores e mais sinceras pessoas que eu conheci. Fieis aos amigos, dedicados ás famílias. Desconheciam a maldade, a inveja, o orgulho e a ganância. Eram puros. Souberam cultivar grandes amizades e deixaram muita saudade!
***
- A foto acima é uma rara imagem de um dos três fazendeiros citados - Lucinho Narciso, falecido em 1964. Na foto - recentemente localizada - ele, à esquerda, aparece na companhia do amigo e poeta Cândido Canela (de branco), andando pela avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 16/10/2010 10:53:02
Eterna Lembrança

Ruth Tupinambá Graça

O sol nasce.
O sol desaparece no ocaso, numa caminhada que nenhum fenômeno cósmico poderá impedi-lo, dia após dia.
O tempo passa e a vida o acompanha levando nossas esperanças.
As cidades crescem.
Crescem também as crianças e outras tantas nascem a cada momento. Partem também, para nossa tristeza, os nossos entes queridos.
É interessante como o tempo se encarrega de modificar as coisas. Não só a paisagem, o aspecto e a estrutura das cidades, mas também seus usos e costumes.
Vai-se a infância,a juventude, a mocidade, tudo tão rápido e a velhice se aproxima.
Começamos então a pensar, porque só agora temos mais tempo para as reflexões.
Os sonhos vão se dissipando, os desejos e anseios da juventude diminuem cada vez mais.A força , o vigor e os desejos de sexo desaparecem.Somente a saudade nos bate a porta.
Tudo tão diferente!
Olhamos para o passado e as lembranças povoam nossa mente, tudo tão distante que chegamos mesmo a crer que foi tudo um sonho.
Somente as lembranças ficam para registrar o que fomos e o que sentimos.
Como a nos consolar e embalar quando os fios prateados, indiscretamente, começam brilhar em nossas cabeças...
A saudade então é nossa companheira e , ao nosso lado ( em alfinetadas gostosas) um misto de dor e prazer nos recorda tudo. Um passado que não volta mais e que permanece em nosso coração como uma eterna lembrança.
Apenas lembranças e saudades.
Muita saudade mesmo da minha infância quando tudo eram risos, alegrias e inocência.
Da minha adolescência e juventude, o coração repleto de sonhos e ilusões embalados pelo amor...
Saudade ainda das coisas boas que perdi, dos sonhos que sonhei, dos versos que escrevi, dos desejos insatisfeitos, dos beijos que não foram dados ...
Saudade da Montes Claros antiga - pequena mas grandiosa no seu passado - de lutas e vitórias.
Da sua gente simples e amorosa, das mocinhas cheias de “denguices”, livres do luxo e sofisticação das grandes cidades.
Do “footing” da Rua Quinze, hoje Presidente Vargas, que era um espetáculo de beleza e alegria, agradável e delicioso para os olhos e o coração. Era lá que começava o “flirt”, que se transformava em namoro, noivado e casamento. A “Rua Quinze” era a mola mestra em todo romance daquela época.
As moças (de todas as idades) arrumadas e perfumadas, impecáveis nos seus vestidos vaporosos, magnificamente femininas (não se usava roupas “jeans”, nem os sapatões de lona e borracha ou tênis que masculinizam as mulheres) nos elegantes saltos Luiz XV, cabelos longos e boquinhas de coração, surgiam aos bandos, de todas as partes da cidade para o animado “footing” da Rua Quinze.
O horário era das 19 às 21 horas. Aos domingos, quando a animação chegava ao auge, prolongava-se até as 22 horas. Os rapazes, muito alinhados de terno , gravatas e “englostorados”, permaneciam nos passeios, de cada lado da rua. Não perdiam a passagem daquelas formosuras ...E os flertes aconteciam.
Saudade dos sobrados, tão bonitos, retratos de um passado feliz e distante. Austeros na sua aparência mas habitados por pessoas que amaram nossa terra e tanto lutaram pelo seu progresso.
Eles deveriam estar presentes, hoje em dia, mas muitos já foram demolidos.
Para nossa tristeza.
Saudade do antigo Mercado Municipal, que foi - por muito tempo - o ponto vital da nossa cidade : os encontros diariamente aconteciam, os bate-papos, conversas políticas, negócios decisões familiares, até problemas de casamento eram resolvidos no Mercado. O seu relógio antigo está hoje silencioso na Catedral e era ele que durante anos quebrava o silêncio daquela Praça, com suas badaladas fortes e compassadas, cujo eco as levava para longe, desaparecendo atrás dos montes.
Quantas vezes acordava crianças para a escola e homens para o trabalho com seu badalar amigo e pontual? A Praça Dr. Carlos perdeu o seu companheiro.
Saudade da linda Igrejinha do Rosário ( que hoje não mais existe, infelizmente) onde me casei e aos domingos ouvia a missa com minha família.
Saudade das novenas no mês de Maio e as coroações de Nossa Senhora.
Era o grande acontecimento da velha Igreja Matriz.
E os leilões na porta da Igreja, as touceiras de cana encostadas nas paredes e suas folhas balançando-se ao sopro do vento, como bandeiras, chamando os fiéis. A tosca mesa coberta de frutas, doces, bolos e biscoitos em bandejas enfeitadas com papel colorido e repicado.
E ainda as célebres ceias, que de longe a gente já lhes sentia o cheiro: do tempero gostoso dos frangos assados e tutus de feijão com lingüiça e lombo de porco.
Saudade das Praças sombreadas por mangueiras centenárias, do coreto e banda tocando aos domingos e as crianças correndo a sua volta, livres como pássaros!...
Saudade daquela lua linda, brilhando num céu estrelado, clareando nossas ruas desertas, inspirando poetas e seresteiros.
Das Festas de Agosto (do meu tempo de criança) dos Catopés com os capacetes brilhando ao sol, os pés atolados na poeira da grande Praça, balançando os estandartes de Nossa Senhora e São Benedito, ao som dos tambores, pandeiros e flautinhas de bambu. Tudo tão simples!...
Saudade dos carros de bois. Seu canto lamurioso era um apelo aos nossos corações.
Saudade da Semana Santa, da “Procissão do Enterro” que eu ia com minha mãe, à noite, segurando uma pequenina vela que ia pingando cera quente nos meus sapatos, ouvindo o som horrível das matracas e da música fúnebre, enquanto minha mãe rezava o terço e olhava piedosamente para Nossa Senhora das Dores, com uma lança trespassada em seu coração, acompanhando seu Filho, crucificado e morto. Eu achava que aquilo era verdade, Jesus estava realmente naquele esquife.
Hoje, nos meus noventa e três anos - embora com saudades - olho para trás e sinto-me feliz pelo que vivi, pelo que realizei e conquistei.
Noventa anos bem vividos.
Não me arrependo nada do que fiz. Se pudesse voltar, eu faria tudo de novo.


(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 31/7/2010 11:50:22
Santo Antônio, o Santo Casamenteiro - Ruth Tupinambá Graça
O mês de Junho é um mês alegre e regateiro. É o mês das Festas Juninas, das fogueiras e dos balões.
É o mês do Santo Antônio, o Santo casamenteiro, do São João, o Santo cordeiro de Deus, e de São Pedro, o dono das chaves do céu.
O Santo Antônio é o mais alegre e protetor dos namorados. Também as solteironas, neste dia, fazem promessas e desesperadas se agarram ao Santo Milagroso colocando de cabeça para baixo, sacrificando-o para resolver os seus problemas. Caso não haja resultado satisfatório (não aparecendo o candidato) o pobre Santo aguentará o sacrifício até o próximo ano.
Ma as festas juninas já não são as mesmas. Ao invés das fogueiras em casa das famílias, glorificando os Santos, inventaram o “Dia dos Namorados” que descaracterizou totalmente, a tradicional e folclórica festa junina. É mais um consumismo exagerado. Comerciantes ávidos de ganhar mais e mais, abarrotam as vitrinas com artigos (presentes para os namorados) de luxo numa “propaganda enganosa” que os jovens inexperientes caem como patinhos na água doce, sentindo-se na obrigação de presentear as suas eleitas, neste dia.
E é aquele “corre, corre” exagerado. O movimento na cidade é tanto, tornando-se impossível a movimentação dos pedestres. As lojas abarrotadas. Crianças, jovens e adultos “embasbacados” com a variedade e beleza dos artigos e das decorações procuram ansiosos os atendentes que, nem sempre, dão conta de resolver satisfatoriamente os pedidos daqueles fregueses afobados e exigentes.
E haja “dim-dim” para as compras exageradas. Muitos se sacrificam, gastando o que não podem, só para demonstrar (através dos presentes) o grande amor de sua vida.
Passam o dia dos namorados, 12 de Junho. Tanto sacrifício e nem sempre os presentes alcançam o objetivo desejado. Quantas decepções, quantos sonhos desfeitos!...
Acordam com a realidade batendo à sua porta. O cartão de crédito (o vilão da atualidade) que não dá moleza, acima do limite. Não desespere, não adianta chorar o “leite derramado”. Cuidado jovem e adulto também. Não se iludam. Fujam das facilidades de crédito, dos parcelamentos oferecidos no dia a dia... “Olho vivo” nas propostas enganosas. Só assim terão sossego e se livrarão dos cheques em fundos e do terrível e ameaçador SPC.
Os tempos mudaram. Houve uma troca geral de tudo aquilo que prestigiávamos e que durante muitos anos nos acompanhou. As festas juninas dos grandes terreiros. Nos enormes quintais sombreados pelas mangueiras centenárias, testemunhas das melhoras fogueiras, das festas juninas com o levantamento dos mastros, uando os Santos eram tão reverenciados, e todo bom cristão queria ser o próximo “mordomo” e no ano seguinte, ao som do reboar dos foguetes e dos cantos religiosos, o levantamento da bandeira com o santo do mês de junho. E logo depois a enorme mesa com os biscoitos mais gostosos, feitos com muito capricho, a canjica, o quentão para espantar o frio, e todos caíam. Caíam na dança até o sol raiar.
Toda essa beleza regional hoje foi trocada pelos sofisticados encontros nos salões dos Clubes Sócios. Somente nas Escolas Estaduais e Municipais as professoras ainda lutam para ter de volta as antigas festas juninas, mas nem sempre encontram o apoio dos pais dos alunos que preferem, por comodismo, levá-los para os Clubes.
Cadê o romantismo das festas juninas? E as quadrilhas que eram esperadas com tanta ansiedade, e era o ponto máximo dos festejos de junho?
E as “festas caipiras”, onde as mocinhas se embonecavam com os vestidos de chita, bem coloridos e rodados, os chapeuzinhos de palha enfeitados com flores de papel de seda nas cores bem alegres e as faces bem rosadas, num “carmim”.
Exagerado e as boquinhas de coração, e os “casamentos da roça” com os noivos bem caracterizados desfilando, em carroças bem paramentadas, puxadas por um burro (muito lerdo) que não se espantava com o reboar dos foguetes do acompanhamento, enquanto os assistentes batiam palmas, aplaudindo aquele desfile tão regional!...
E a sanfona chiando, noite inteira, enquanto os casais caipiras dançavam e cantavam numa alegria própria do nosso sertão mineiro:
“Chegou a hora da fogueira, é noite de São João
O céu fica todo iluminado pintadinho de balão,
Pensando na cabocla a noite inteira
Também fica uma fogueira, dentro do meu coração”
Não adianta chorar... mas a saudade, com alfinetadas gostosas, nos pica o coração e nos faz voltar ao passado.
Academia Montesclarense de Letras
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 31/7/2010 10:07:54
16/7/2010 - Candido Canela: O Imortal - Ruth Tupinambá Graça - Comemorando agora o centenário de vida de Cândido Canela, eu não poderia deixar de falar sobre o grande escritor e poeta, que deixou em sua passagem uma trilha luminosa, retrato da sua personalidade plena de amor e dedicação a esta terra, seu berço e de toda sua família.
Eu conheci o Cândido na minha juventude e daí por diante, sempre o encontrava nas festas, pois ele era um “verdadeiro Pé de valsa” e nas reuniões festivas com o inseparável violão chorando as magos por algum amor insatisfeito. Era extremamente romântico e dotado de grande senso crítico e humorístico.
No seu primeiro livro, “Lírica e Humor do Sertão”, que tive a oportunidade de ler, fui levada a paragens longínquas onde deparei-me, mais de perto com os aspectos, as distâncias, as figuras, os fatos e todos os ângulos das coisas panorâmicas do sertão, de que ele fala diretamente com tanta naturalidade e acuidade sintética que dão as suas páginas delicioso sabor.
Ele fala numa linguagem de ternura e amor pulsando insistentemente o calor humano e generosidade. No livro a alma do poeta se abre com suas recordações mais profundas e mais presentes. Por vezes tive a impressão de estarem diante do próprio matuto, a voz pausada, as palavras vindas do coração, no entanto, de tudo isso que nos fala o livro, essa coisa tão ligada ao seu espírito e a sua emoção, mas com o poder de expor esses aspectos de sua rara capacidade criadora sem contudo poder conter certa mágoa, certa tristeza que vêm transparecer discretamente no sentido de cada poesia.
Posso aqui afirmar que este escritor, vivendo no sertão, seu estilo não é um arremesso dos escritores dos granes centros porque ele escreve para toda gente entender. E aí está sua arte. Nada de artificialismo. Emoção apenas que é mesmo que dizer _Vida.
Cândido escreveu outros livros, com o mesmo sucesso:
Rebenta Boi, Mãe da Lua, Grito do Sertão e Quando as Estrelas Choram.
A riqueza do vocabulário, cultura e prodigiosa criatividade e uma improvisação exuberante cativa a todos que os lêem.
Amigo da natureza mantém uma simplicidade cristalina para descrever uma paisagem gestos amorosos sem excesso de adornos que, muitas vezes, prejudicam a beleza. Suas palavras impressas tem as tintas necessárias que um mestre de pintura usaria para descrever uma paisagem ou uma alma que retrata. O nosso Cândido Canela era um homem diferente, uma personalidade versátil. Durante muitos anos colaborou a ZYD7, Rádio Sociedade do Norte de Minas (a primeira emissora de Montes Claros, reinaugurada em 1945 com novos Studio. Funcionava precariamente na “Rua 15”hoje Presidente Vargas no antigo edifício Maria Souto onde é hoje a loja “Ponto Frio”.
“Alma de Caboclo” era o excelente programa sertanejo com os dois cômicos: Chico Pitomba (Cândido Canela) e Mané Juca (Antônio Rodrigues).
O Chico Pitomba, o nosso grande imortal poeta sertanejo inconfundível e inigualável, fora do palco, era retraído, chegando a timidez. Mas no rádio era uma revelação com o seu estilo humorístico. Suas piadas picantes anedotas, versos e cantigas sertanejas faziam “miséria” arrecadando gargalhadas dos mais sisudos montesclarenses. Esta dupla era sem dúvia a maior, sem rival e nos deram horas alegres quando desconhecíamos o Chico Anízio, e outros...
Mas eles, Chico Pitomba e Mané Juca eram diferentes. Eram regionais, tal qual o “Pequi” – eram nosso.
Academia Montesclarense de Letras
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 25/5/2010 11:58:06

A RÉPLICA DO MERCADO MUNICIPAL

Ruth Tupinambá Graça

Foi em 1996 que fiquei encantada com o entusiasmo de Wanderlino Arruda, secretário municipal naquela época, falando-me do seu Programa de Trabalho e, principalmente, sobre a construção de um teatro, réplica do antigo Mercado Municipal, no mesmo local.
Graças a Deus ainda existem homens como Wanderlino, que valorizam o passado e procuram preservar os monumentos que traduzem e conservam a memória da nossa cidade. Mas, infelizmente, Wanderlino pregou no “deserto”...
E a réplica do Mercado Municipal caiu no esquecimento.
Quem não se lembra do nosso antigo Mercado Municipal que durante muitos anos dominou a Praça Dr. Carlos?
Para alguns era considerado grotesco e mal construído, mas para outros ele era o máximo. Considerando as dificuldades, ele merecia um voto de louvor.
Em 1897, então Presidente da Câmara o Dr. Honorato Alves, comerciantes daquela Praça enviaram-lhe um ofício pedindo a construção de um mercado moderno, que satisfizesse as necessidades da nossa comunidade. Atendido o pedido, a planta foi feita por um engenheiro da época, assistido por João Fróis, um “prático” curioso, apressado e com muita vontade de servir.
Este achou por bem não fazer alicerce de pedra (como projetara o engenheiro) resolvendo -por sua conta - fazer o travamento de madeira, suprimindo algumas exigências da planta (para andar mais depressa).
Como em todo grande acontecimento, sempre existem os prós e os contras. Neste, do Mercado Municipal, aconteceu o mesmo.
Na cidade já existiam dois partidos: o “de Baixo” e o “de Cima”. Foi só iniciar a construção, começou uma guerrinha. Os “de Cima” aplaudindo a ideia e os “de Baixo” fazendo grande pressão, contra.
A construção foi rápida e uma certa noite, toda a cidade acordou com um forte estrondo. A esperteza de João Fróis deu zebra. O Mercado, que já estava de cumeeira inaugurada (com cerveja e tudo mais) havia desabado. Felizmente sem vítimas.
Com isto, os “de Baixo” ficaram, obviamente, contentes e os “de Cima” se lastimaram.
Uma tragédia, mas não desanimaram.
Novas lutas, novos fracassos, mas a vontade maior dominavam aquele “formigueiro humano”.
O Cel. Antonio dos Anjos, grande batalhador e sempre ligado na solução dos problemas da cidade - embora desapontado - não perdeu a cabeça e, liderando uma turma de amigos, foi de casa em casa, com uma subscrição para recomeçar a obra.
Cassimiro Mendonça (meu avô) encabeçou a lista com 200#000 (duzentos mil réis).Um escândalo!
A cidade toda comentou a sua doação chamando-o de estroina e todas as demais derivações da palavra gastador.
Assim, milagrosamente, as doações se multiplicaram. Em pouco tempo o Cel. Antonio dos Anjos (pai do Cyro dos Anjos) conseguiu 2.360#000 (dois mil, trezentos e sessenta mil contos de réis).
Desta vez seguiu-se as instruções do engenheiro e, aos dois de setembro de 1899, sendo Presidente da Câmara Simeão Ribeiro dos Santos, o Mercado foi solenemente inaugurado.
A partir desta data tornou-se o assunto da cidade.
Um enorme casarão branco (tipo chalé) com quase 30 metros de frente e 32 de fundo, com sete cômodos de cada lado para as vendas, onde se instalaram os comerciantes.
Ao centro, uma enorme área vazia onde os tropeiros e bruaqueiros espalhavam suas bruacas. Mais tarde ampliaram-no com uma torre de 17 palmos, onde colocaram um Regulador (marcador oficial da hora certa da cidade) Público, inaugurado em 1906 - com muita festa - já no governo do Dr. Honorato Alves.
Este mercado foi por muitos anos o ponto vital da nossa cidade, onde a preferência para os “bate papos”, assuntos políticos, religiosos e sociais, negócios, decisões familiares, até batizados, casamentos e desquites, tudo era ali discutido e não existia lugar melhor para as “fofocas”.
Aos sábados, tornou-se o hábito de todos: era o dia da feira. Todos os moradores da nossa cidade antiga dirigiam-se ao Mercado para suas compras. Era feira de verdade onde se encontrava de tudo: arroz com casca ou socado no pilão, açúcar mascavo, rapadura cerenta gostosa, doce de cidra, laranja em formas embrulhadas em folhas de bananeiras, batidas de Santo Antonio, café em grão (torrado em casa) tão saboroso.
Os bruaqueiros com enorme variedade de mercadorias iam chegando, aos poucos, desde a madrugada e enchendo o Mercado: farinha de milho bem torradinha, queijos, requeijões, farinha de mandioca do Morro Alto, beiju de goma tão clarinhos. As carnes de porco, carne de sol de “dois pelos”, em grandes montes.
Colocados em jiraus de madeira, muita linguiça feita em casa, com muito tempero, cheirosa... Muita fruta: banana roxa, mulata, caturra, cachos enormes; lima da Pérsia (que hoje não existe mais), coco azedinho, muita manga rosa, espada, sapatinha, umbu, tão bonitas!
Melancias aos montões, verdinhas e lustrosas, cabeça de negro, panãs, araticuns, gravatás, pitombas, tamarindos, jatobás, e o nosso célebre pequi. Muito caldo de cana, tabuleiros enormes de bolo de arroz, doce de mocotó de boi, daquele escurinho, gostoso, sem sofisticação.
Biscoito caseiro, cascorão, míngau de milho verde, pamonha, goiabada embrulhada em palhas de milho, uma delícia.
Os bruaqueiros ofereciam suas mercadorias naquela simplicidade do caipira: “Compra minha dona, é feijão novo catado, cuzinha ligirim, com uma só água, arroz do bão mesmo, cuido agora e socado no pilão, sem quebrá, os ovos fresquinhos, cuido de manhãzinha ovo de galo bão mesmo”.
As mocinhas da roça que vinham vender suas verduras cultivadas na beira dos regos (abóboras, quiabo, chuchu, maxixe, tomatinhos para molho, salsa, cebolinha; tão verdinhas) eram bem bonitinhas de vestido novo de chita, um “rouge” muito vermelho, boquinha de coração, brincos e colares de contas coloridas, mas quando riam mostravam sempre falhas de dentes na frente. Era uma pena. De boca fechada até que passavam. Mas mesmo assim com toda “jecura”, faziam conquistas com moços da cidade que lhes davam uma “colher de chá”.
No fundo do Mercado, do lado de fora ficavam os animais e também as bruacas espalhadas pelo chão.
Muito fumo de rolo e cachaça em “banquinhos” atrás do Mercado. Era ali o paraíso dos roceiros. Um cheiro forte de pinga e fumo espalhava-se por todo o Mercado. No final do dia havia sempre bruaqueiros “escornados” no chão, dormindo com chapéu no rosto, protegendo-se do sol. Na maioria das vezes nem este cuidado tinham e com a boca aberta lambuzada, roncavam alto, enquanto os mosquitos passeavam saboreando, entrando e saindo, escondendo-se nos bigodes molhados de pinga e saliva.
Os animais eram tão mansos que não se espantavam nem davam coices. Eram mesmo treinados para transportar bruacas pesadas e bruaqueiros folgados e pacientemente esperavam que seus donos fizessem bons negócios, dessem suas “voltinhas proibidas”, bebessem à vontade, não tinham hora certa para voltarem pra casa. E o dia inteiro era aquele movimento no Mercado.
Era comum vê-los voltando para casa, à tardinha, alguns montados e tocando cargueiros; outros bêbados procurando se equilibrar em cima do cavalo, tombando de um lugar para outro, conversando sozinho; outros a pé com alpercata de couro cru, chapéu desabado pelo tempo e pelas chuvas, cigarro de palha no canto da boca, tocando seu burrinho lerdo, as bruacas vazias, e os “cobrinhos” no bolso. Iam felizes da vida, já pensando na feira do próximo sábado pra tomar outra bebedeira.
Este espetáculo durou anos. A cidade cresceu e aos poucos foi se modificando. Estas lembranças simples ficam guardadas em nossos corações.
O Mercado anos depois foi demolido. A Praça Doutor Carlos perdeu seu companheiro. A cidade assistiu tristemente àquele espetáculo como se fosse o enterro de um amigo. E com isso a cidade vai se descaracterizando, perdendo o encanto natural. Os casarões e os sobrados que nos lembram HISTÓRIAS DO PASSADO estão desaparecendo...
O relógio antigo do Mercado Municipal está hoje silencioso na Catedral. Era ele que durante anos quebrava a monotonia daquela praça, com suas fortes e compassadas badaladas, cujo eco levava para longe, desaparecendo por trás dos montes.
Quantas vezes acordavam as crianças para a escola e os homens para o trabalho com seu badalar amigo e pontual?
Ele hoje deveria estar ainda funcionando para ver e sentir o progresso desta cidade, que viu engatinhando e dando os primeiros passos!
Agora só nos resta a saudade...
E a esperança de que a cidade acorde, grite e proteste contra a demolição dos monumentos do nosso passado.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 2/4/2010 08:02:19
Vox populi, vox dei”

Ruth Tupinambá Graça


Abrindo o jornal deparei-me com uma noticia alvissareira que causou-me grande alegria.
O Prefeito Tadeu Leite interrompera o desmatamento da Serra do Sapucaia.
A “ferida” enorme provocada pelos tratores em seus pés, causou uma grande revolta em todos os montes-clarenses e o pior é que este ato absurdo não era ilegal.
A Prefeitura autorizara vendendo 3 lotes à Associação dos Arautos do Evangelho no loteamento do Ibituruna, aprovado em 2/3/2004. Em 2008 a Administração passada declarou a referida Associação como entidade de utilidade pública, o que facilitou o desmatamento que, aos poucos, ia acabar com a beleza dos montes que rodeiam nossa cidade. Em 2009, com posse da certidão emitida pelo Prefeito de Moc, os Arautos começaram o trabalho com tratores.
Mas é certo o ditado: “Vox Populi, Vox Dei”.
(A voz do povo é a voz de Deus)
Surpreendido positivamente, o Prefeito - sensibilizado com o clamor do povo - num ato de magnitude acabou de vez com a “tragédia”, propondo aos “Arautos” uma troca de terreno (o que foi logo aceito), acabando assim o pesadelo que angustiava todos nós.
Mas, acreditem. Enquanto os tratores, impiedosamente, jogavam por terra aquelas árvores centenárias - afugentando os pássaros, atirando longe seus ninhos e seus filhotes... Eu sofria.
Da janela do meu quarto (sétimo andar) eu via aquela cratera e me revoltava. Não me conformava vendo desaparecer toda a beleza daquele morro.
As lembranças logo se afloravam em minha mente ao ver aquela serra tão maldosamente arrasada. Na certa, outros lotes seriam vendidos e os desmatamentos acabariam descaracterizando a nossa cidade, acabando com os montes que lhe deram o nome.
Eu não queria que isto acontecesse. Conservava na mente toda a beleza daquele lugar, quando ali mesmo - onde hoje são os bairros nobres - outrora foi a “Fazenda do Melo”, propriedade do Dr. Santos, aquele grande homem, médico, que foi prefeito da nossa cidade e por ela muito trabalhou.
Ele era muito dinâmico, inteligente, muito evoluído e naquele tempo (anos 20) construiu lá uma grande piscina. Era a única em toda a redondeza da cidade e uma grande novidade que os jovens montes-clarenses aproveitavam. Toda a extensão - onde hoje estão localizados os bairros Melo, São Luiz e Ibituruna - pertencia à sua fazenda. Muitos anos antes pertencera ao meu avô Domingos Garcia Tupinambá que, vindo da Bahia, aqui se estabeleceu com uma fazenda e grandes negócios. Com sua morte, a mesma foi passando para outros proprietários, até chegar ao Dr. Santos.
Quando menina, na época do meu avô (era muito criança), tenho poucas lembranças daquele lugar mas na minha juventude eu me lembro de tudo.Com saudade.
Frequentei muito aquele pé de serra.
Naquela época a nossa cidade era muito pequena, pouca distração, de sorte que a nossa maior alegria era o passeio na piscina do Dr. Santos.
Saia todas as manhãs com as companheiras: Yeda e Yolanda Maurício, Ydoleta Maciel, Mary e Zuleika Bessone, Alaide Amorim, Natália Peixoto, Luíza Guerra, Yris Sarmento, Helena de Paula, Lia Prates e as minhas irmãs Fely e Maria que, embora mais velhas, sempre nos acompanhavam.
Íamos a pé pela Av. cel. Prates até a Santa Casa e, por incrível que pareça, aí terminava a cidade. Daí pra frente seguíamos dentro do mato por uma estrada estreita e poeirenta. Mas íamos felizes pois na juventude não se conhece tristeza e estávamos naquela fase de ilusões, sonhos e esperanças.
Apostávamos que naquelas idas à piscina os exercícios e a natação nos dariam belas formas, fazendo desaparecer a barriguinha e alguma gordurinha indiscreta que tanto nos preocupavam.
Mas não há bem que sempre dure.
A piscina não era como as de hoje, tratada e com muito luxo. A água entrava e saia naturalmente (vinha de algum riacho ou córrego) e era aproveitada para molhar o pomar e a horta.
O Dr. Santos, médico estudioso, descobriu que a piscina era um foco de Xistosomose.
Com grande tristeza interrompemos nosso passeio matutino: a nossa “Academia” estava condenada.
Até hoje eu me lembro, com saudade, daqueles serras e da fazenda tão bonita que desapareceu transformada hoje nos luxuosos Bairros: Melo, São Luiz e Ibituruna. Que Deus tome conta das nossas serras, conservando-as para o embelezamento da nossa cidade.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 13/3/2010 09:01:13
Aquela viagem foi uma aventura, dizia a minha mãe.

Ruth Tupinambá Graça

Janeiro de 1918.
Eu tinha apenas 4 meses, era a terceira da minha família. Meu pai era agrimensor e casando-se muito cedo, tinha que se “virar” para dar conta das obrigações de pai de família.
Nossa cidade era de uma pobreza e atraso de fazer dó, ele então resolveu tentar a vida em outro lugar e aparecendo uma chance em Várzea da Palma, se entusiasmou. Embora esta cidade fosse menor e menos civilizada do que a nossa Montes Claros, a ferrovia dava-lhe certas vantagens e algumas oportunidades.
A maior dificuldade para a nossa mudança era o transporte da família.
Estradas não existiam, apenas os carros de bois (nosso único transporte) conseguiam vencê-las. A única opção era o cavalo.
Meu pai levou vários dias preparando a viagem que seria longa, com paradas obrigatórias para pernoites.
Os animais foram escolhidos a dedo: Mansos, bons de sela e de cilhão (que era imprescindível) pois naquele tempo uma mulher se escanchar as pernas numa sela era um verdadeiro escândalo.
Precisava também arranjar dois ajudantes e um cozinheiro, para o trabalho durante o transporte. Mas o problema maior era o meu. Com 4 meses de idade o colo seria ideal, mas impossível numa viagem tão longa.
Naquele tempo as famílias eram muito unidas, filhos obedientes, excessivo cuidado com as mulheres (assim era em casa do meu avô) tanto que o filho mais velho era obrigado a acompanhar suas irmãs em qualquer circunstancia.
Meu avô muito sistemático, foi logo dizendo:
_ “O João irá acompanhá-los e poderá levar a caçulinha”.
Mas como? Eu era apenas um bebê não poderia viajar no “cabeçote” (frente da sela) como viajavam as crianças daquela época.
Meu tio João (irmão mais velho da mamãe) era um rapaz forte e treinado nestas viagens á cavalo, prontificou-se e garantiu que me levaria com todo cuidado.
“Mas como seria esse transporte a mamãe perguntou-lhe”.
Ele simplesmente respondeu:
_ “Com uma toalha em volta do meu pescoço, caída na frente como uma rede, uma acomodação confortável e sem nenhum perigo.
As minhas duas irmãs mais velhas, Fely e Maria, com 7 e 5 anos também não tinha condições de montar sozinhas durante tão longa viagem, poderiam cochilar. O jeito era viajar como “carga”, e num cavalo bem manso, foram colocados 2 caixotinhos, forrados com cobertores, (presos á cangalha) um de cada lado, e as duas se acomodaram e bem refesteladas, pois sabemos como crianças gostam de novidades e “viver perigosamente”. E assim tudo resolvido, naquela madrugada partimos.
A cidade ainda dormia, aquele sono tranqüilo que só acontece nas pequenas cidades do interior, sem carros e motos e os “conjuntos musicais”, com “shows” barulhentos, que batucam a noite inteira, perturbando o silêncio da cidade e o sono das pessoas.
Disse a mamãe que eu não dei o menor trabalho, a não ser as paradas para troca de fraldas e mamar, tarefa bem complicada para a mamãe e um descanso para o tio João.
A viagem corria bem, atravessando matas desertas e fechadas ouvindo apenas, o “troc-troc” das ferraduras dos animais no cascalho das tortuosas estradas e o canto triste dos pássaros escondidos entre os galhos dos enormes arvoredos.
No fim da tarde paravam a beira de um riacho e já descansados, comiam uma farofa de frango, os animais bebiam água e se relaxavam sacudindo as crinas, aliviados das selas molhadas de suor.
A noite chegava a e lua prateava toda a extensão, causando uma sensação de tranqüilidade amenizando o cansaço daqueles viajantes. Mais tarde acediam fogueiras para espantar os mosquitos e outros insetos, armavam as redes e ali pernoitavam.
Pela manhã, recuperadas as forças, quando o sol preguiçosamente surgia por trás cós montes , espalhando seus raios brilhantes por toda a floresta partiam novamente.
Somente um acidente aconteceu durante todo o percurso que durou quase uma semana.
De repente, depararam-se com uma velha ponte sobre o Rio das Velhas, na qual faltavam algumas vigas, Todos os animais, bem guiados, já alcançavam o final da ponte quando o cavalo que carregava os caixotinhos com minhas irmãs, tropeçou e afundou os pés em um dos buracos.
Foi um tumulto geral! Papai desceu imediatamente do cavalo e apressadamente agarrou um dos caixotinhos colocando-o a margem da estrada e voltou correndo para pegar o outro que já estava bem inclinado.
Foi um momento de grande aflição. Com auxilio dos ajudantes conseguiram retirar o cavalo.
Finalmente chegaram a Várzea da Palma. O papai se estabeleceu com uma grande pensão. Um ano depois a cidade foi atacada pela Gripe Espanhola, a terrível epidemia que matou quase toda a população.
Durante este período terrível da “espanhola” nasceu o meu irmão Domingos, forte e muito saudável. Felizmente nossa família não sofreu nada desta epidemia, mas o susto fez papai voltar correndo para Montes Claros. E mais uma vez o tio João armou a rede de toalha no pescoço para transportar o sobrinho recém-nascido. Mais tarde, eu já adulta ouvia sempre minha irmã Maria se queixando (só para encabular meu pai) e dizendo:
_ “Papai gosta muito da Fely porque pegou primeiro o seu caixotinho, enquanto eu poderia ter caído no rio junto com o, cavalo e me afogado”.
Coisas que acontecem (principalmente na infância) e das quais a pessoa jamais se esquece... mas, coitado do papai, ele não teve culpa.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 6/2/2010 11:09:25
A inesquecível Felicidade Perpétua Tupynambá

Ruth Tupinambá Graça

A data 20 de Junho de 1909 é sagrada para mim. Neste dia, no sobrado número 18, (que ainda existe) na Praça Dr. Chaves, ao lado do Centro Cultural Dr. Hermes de Paula, nasceu numa hora feliz, Felicidade Perpétua Tupynambá.
Filha do casal Josefina Mendonça Tupynambá e Tobias Leal Tupynambá. Começou sua vida escolar no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, onde fez o primário e mais tarde diplomando-se normalista na Escola Normal Oficial Melo Viana, de Montes Claros. Era estudiosa, perspicaz, que, apesar de dificuldades de transporte e comunicação da nossa cidade, com grande força de vontade, ela conseguiu fazer vários cursos em Belo Horizonte e São Paulo: Arte na Educação, Psicologia da Arte em função de Recreação, vários cursos de psicologia infantil que lhes proporcionaram cultura, talento, experiências das quais ela soube aproveitar transmitindo às nossas escolas no esforço de bem servir.
Com o diploma em mãos, lecionou na Escola Estadual Professor Plínio Ribeiro, Colégio Imaculada Conceição, Instituto Norte Mineiro, Colégio Diocesano, aulas de Educação Física, Artes, Sociologia e Psicologia, aposentando-se depois de 30 anos de magistério.
Sua caminhada foi um rastro de luz deixando por onde passava seus raios incandescentes de amor. Naquele coração só existia espaço para a ternura, tinha sempre uma palavra amiga para acalentar o coração dos que sofriam.
Fely (como carinhosamente a chamávamos) deixou uma maravilhosa obra literária. Da sua mente prodigiosa passaram para a posteridade muitos livros de contos e poesias e durante muitos anos seus poemas e crônicas abrilhantaram as páginas de diversos jornais de nossa terra, com tanta sensibilidade que levou o escritor Nelson Viana chamá-la de “A Pérola de Montes Claros”.
Foi ela que com sua experiência e vontade de servir implantou, juntamente com a Marina Fernandez Silva, o Conservatório Estadual Lorenzo Fernandez, que tantos benefícios vem prestando a juventude montes-clarense e de toda nossa região.
Implantou o Curso de Pedagogia (normal) no Colégio Imaculada Conceição. Também o Centro Cultural de Moc deve a Fely a sua fundação.
Como artística plástica de reconhecida capacidade criativa, na década de 40, juntamente com Godofredo Guedes, a primeira exposição “Salão de Artes Plásticas em Montes Claros” pertencia a Academia Montes-clarense de Letras como sócia efetiva e secretária ao lado da Presidente Professora Yvonne Silveira que até hoje se lastima pela sua ausência e a falta da sua eficiente colaboração.
Fely era uma mulher extremamente bonita, educadíssima, elegante, uma perfeita “Lady”. Era alegre, gostava de cantar, dançar, declamava muito bem tanto que era solicitada em todas as reuniões e festas em que ela estivesse presente e o fazia com tamanha sensibilidade e perfeição que muitos assistentes não conseguiam conter as lágrimas...
A característica principal da sua personalidade era ajudar a quem precisasse.
Para ela não havia diferença ente ricos e pobres, pretos ou brancos. Era afável com qualquer um e amiga de todos.
Nunca se casou embora tenha sido muito cortejada. Teve muitos namorados e até noivo, mas ela queria mesmo era ser livre.
Mas os seus feitos não se restringiram só a área cultural. Era decidida, enérgica e firme nos seus objetivos, valores que impulsionavam suas atitudes. Por isto ela foi a primeira mulher que, enfrentando os preconceitos da nossa sociedade (e os “tabus” daquela época) aceitou o cargo numa repartição pública. Admitida na Prefeitura Municipal de Montes Claros (gestão do Dr. Santos) permanecendo no cargo de Chefe de Gabinete por 30 anos. Passou por onze Prefeitos ocupando por duas vezes, o cargo de Vice-Prefeito (por afastamento dos titulares) onde governou a nossa cidade.
Podemos afirmar que entre os filhos de Montes Claros, nos últimos 60 anos ninguém tenha exercido ou ocupado maior espaço político e cultural na vida da cidade do que esta abnegada professora.
Sua cultura emoldurada pelas pesquisas se eternizou como autora da preciosa obra “O Mundo Interior da Criança”.
Numa linguagem clara, precisa e objetiva, a autora torna possível, através da arte e do desenho penetrar na alma infantil de uma maneira mais delicada e mais agradável.
Com sua experiência adquirida na Escolainha de Artes (fundada por ela) e como professora de Artes Plásticas e Psicologia, a autora oferece aos pais, Educadores e alunos do Curso de Especialização, Pós-graduação, Pré-primário, uma oportunidade para grandes descobertas e válidas experiências.
Nesta comemoração do centenário de vida de Felicidade Perpétua Tupynambá, ela marcará com este livro sua passagem por esta Montes Claros que ela tanto amou e tanto beneficiou. Que ele seja bem aproveitado, fazendo jus ao que sua autora sempre almejou.
Que o exemplo de Felicidade Perpétua Tupynambá seja uma Bandeira para seguirmos. Que todos os Montesclarenses perpetuem a memória desta inesquecível professora, que dedicou sua vida inteiramente a Montes Claros, durante os 90anos de sua existência.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 8/1/2010 15:56:06
A “Doce Vida” Dos Antigos Fazendeiros

Ruth Tupinambá Graça

Até os anos 90 (mais ou menos) a classe dos fazendeiros era uma das mais importantes da nossa cidade. Eram muito ricos, possuidores de enormes extensões de terra, e grandes invernistas. Ainda me lembro de alguns dos mais antigos: Crispim da Rocha, Antônio Athayde, Niquim Teixeira, Geraldo Figueiredo, Elpidio da Rocha, Levindo Dias, Jaime Rebelo Levi Peres, Dominguinhos Braga, Nozinho Colares, Mauro Moreira, Ylidio do Reis, Renato de Andrade, D. Plínio e Filomeno Ribeiro, Pedro e Geraldo Veloso, Cesário Rocha e outros. Levavam uma vida tranqüila e despreocupada. Não existia esta correria atrás dos Bancos como hoje a luta com os cartões de crédito, perseguição de “SPC”, cheque sem fundo, etc.
O fazendeiro tinha uma vida invejável, descansando-se nas imprescindíveis redes, nas varandas de suas fazendas, enquanto os bois se engordavam nos extensos pastos. Ia às fazendas periodicamente para verificar como estava a criação, ferrar os novos bezerros, conferir o controle do leite para fornecimento da Cooperativa da nossa cidade. Esperava tranquilamente a “safra” para vender seus bois por melhores preços. Os “marchantes” vinham periodicamente e os negócios eram feitos na camaradagem, sem muitas exigências, tudo na base da palavra, pois naquele tempo existiam pessoas muito honestas, que um “fio de barba valia como um documento”.
Recebiam os amigos com alegria e logo mandavam “sapecar” uma leitoa, “degolar” um frango caipira para um ensopado com quiabo, e um anguzinho de milho verde e não faltava a “pinga”, fabricação própria, por processos rudimentares. E era aquele “almoção”. Mais tarde (lá pelas 15 horas) hora da “merenda” como diziam, uma mesa farta com café com leite, chá, broa de fubá, requeijão quente, biscoito de fubá, pão de queijo, biscoito frito, etc.
Muitas vezes participei deste “banquete”, pois meu pai era Agrimensor (media as fazendas e separava os cobiçados quinhões) e quando ele chegava era aquela adulação.
Naquele tempo o desejo de quase todo Montesclarence era ser fazendeiro, de sorte que os filhos eram criados com aquela idéia e cedo aprendiam andar à cavalo, acompanhar os “peões” nas tarefas com animais, ganhando experiências para o futuro. Os pais se sentiam realizados e orgulhosos quando os filhos se interessavam pela vida do campo e todos desejavam um genro fazendeiro. Mas este tempo bom passou. Com o crescimento da cidade e as propostas do governo com a “Linha de Crédito” nos bancos para outras áreas da agricultura. Oferecimento de projetos (facilidade de verbas) para plantação de bananas e outras frutas, com auxílio dos “pivôs” para facilitar a irrigação, máquinas apropriadas para a lavoura.
Foi um entusiasmo geral. A maioria dos fazendeiros aceitos as propostas. Alguns passaram as responsabilidades para os filhos que já se achavam entrosadas na vida do campo. Outros (desconfiados com tanta oferta) não aceitaram se recusaram. Continuaram na “vidinha tranqüila”.
No princípio, houve um grande sucesso, as plantações iam de “vento em poupa...”
Mas o nosso pobre sertão, às vezes, nos decepciona. A seca é terrível, a chuva cai na terra por milagre... As plantações sofrem sede e as pragas se encarregavam de castigá-las.
Muitos fazendeiros preocupados com os compromissos bancários, ao poucos, foram se desanimando com a perda de tempo e dinheiro.
Os mais antigos se decepcionaram e a vida já não era a mesma. Os filhos não tiveram a mesma capacidade dos pais, o mesmo “jogo de cintura” de velhos experientes. Foram atirados, afoitos e precipitados nos negócios (foram com muita sede ao pote) e os prejuízos aconteceram.
A falta de braços também piorou a situação. Não existem mais aqueles empregados fieis ao patrão, dedicados que trabalhavam muito e ganhavam pouco, mas eram agarrados a terra.
Hoje o pensamento do trabalhador rural é outro. O pessoal do campo vive entusiasmado com o oferecimento do governo (bolsa de estudos, bolsa família, vale gás), e aos poucos foi se deslocando pra cidade procurando uma vida melhore para suas famílias. Tudo isto concorreu para o enfraquecimento das antigas fazendas.
Hoje aqueles grandes fazendeiros citados acima já não mais existem. Nem os seus filhos e netos continuaram o mesmo trabalho dos pais.
Muitos venderam as fazendas herdadas para as “grandes firmas” (de outras cidades e outros estados) e tornaram-se comerciantes ou empresários. Outros tantos herdeiros, loteavam as fazendas mais próximas transformando-as em bairros nobres como o melo, São Luiz, Ibituruna, etc.
Os mais persistentes e os mais amigos do campo, continuavam com as plantações de banana, magas, maracujás, mas as fazendas transformadas em firmas e empresas, sujeitas a exportação que não é fácil e trabalhando muito.
Estão satisfeitos, mas andam assustados (medo do enfarte) estressados e preocupados com a queda do dólar, as propostas enganosas, cheques sem fundos, a inflação que aumenta dia a dia (por mais que Lula tenta disfarça e acalma os brasileiros) tudo isto lhes tirando o sono... e adeus “doce vida dos antigos fazendeiros”.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 6/11/2009 11:40:22
Bendito Casarão da Fafil

Ruth Tupinambá Graça

Há momentos em nossa vida que não encontramos palavras para traduzirem o que sentimos e o que vai em nosso coração. Foi o que realmente me aconteceu na reinauguração do centenário Casarão da Fafil.
A escada para o segundo pavimento de madeira de lei e o corrimão artisticamente trabalhado (cópia perfeita do antigo) eu fiquei emocionada, recordando-me das milhares de vezes que eu subia e descia aquela escada correndo numa alegria e curiosidade infantil procurando descobrir o que se passava lá em cima nos enormes salões.
Confesso que senti muita saudade. A Fely do meu lado percebeu a minha emoção e perguntou-me: “Dona Ruth a senhora quer ir lá em cima, para matar a saudade?”
Apesar dos meus 93 anos, eu aceitei o convite só que subi muito devagar, degrau por degrau, (as pernas já não são as mesmas) mas a alegria de rever aqueles lugares tão queridos e que tantas recordações me traziam, deram-me forças e consegui.
Percorri todos os cantinhos (e foram tantos) e as lembranças afloraram no meu velho coração, que quase chorei com saudades do que ali passei na várias fases da minha vida.
A minha infância dos 7 aos 14 anos, quando a vida se abria para mim, iniciando ali o meu curso primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves que ali se instalara, até sua mudança para prédio próprio na Praça Dr. João Alves onde funciona até hoje.
Esta foi a primeira etapa da minha vida de estudante e estudante. Eu era apenas uma criança sem maldade, inexperiente, deixando, pela primeira vez, a casa, a família, os brinquedos, para enfrentar uma nova vida, cheia de responsabilidades. Eu estava assustada, insegura. Mas este Casarão acolheu-me, como uma Galinha de longas asas, agasalhando-me, protegendo-me e naquele ambiente tão agradável eu me adaptei logo. Foi um tempo feliz. Tive professores responsáveis, dedicadas, carinhosas. Quando eu já estava na terceira série, (eu me lembro) a minha professora Dona Eponina Pimenta convidava-me para tomar um cafezinho gostoso acompanhando de biscoitos.
Caseiros que a empregada trazia-lhe todos os dias. Naquela época não existia a merenda nas escolas como hoje, então eu adorava aquele convite. Estas lembranças jamais esquecerei, em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que eu viva”!
Fiz um primário bem feito, que me deu base para prosseguir, com sucesso, as outras etapas.
Os anos passaram. A Escola Normal Oficial de Montes Claros foi criada funcionando no mesmo Casarão chegando então a minha vez de fazer o Curso Normal (magistério) era o que a nossa cidade podia oferecer a juventude nos “anos 30”.
Foi o melhor tempo da minha vida. Eu era alegre, sonhadora e tudo me divertia. Recordo-me com saudade das minhas colegas, as conversas no recreio, os segredinhos sobre as conquistas e os namoricos os sucessos e as decepções, todas no auge da juventude e o coração cheio de sonhos e esperanças. E os “Bailes” em benefício da Caixa Escolar eram freqüentes nos grandes salões do Casarão (não havia Clube Social em nossa cidade) eram esperados com a maior ansiedade pois era a única oportunidade de se encontrar com o namorado e dançar de “rosto coladinho” pois, naquele tempo em que tudo era proibido e “pegava mal” às donzelas, isto era uma grande aventura, pois os pais eram muito severos.
Mas muitos namoros começados nos Bailes do Casarão floresceram e realizaram-se em casamentos formando as tradicionais famílias da nossa cidade, das quais existem hoje muitos netos e bisnetos. Eu mesma conheci o meu “Príncipe” num deste bailes, naqueles momentos alegres e românticos.
Hoje fecho os olhos, e procuro me recordar sempre do nosso primeiro encontro. Estas sacadas tão bonitas que vi reconstruídas foram testemunhas das nossas juras e do nosso amor. Nos casamos, mudamos para Belo Horizonte onde moramos dez anos. O destino trouxe-nos novamente para nossa terra. Nestas alturas a Faculdade de Ciências e Letras de Montes Claros estava inaugurada e funcionando no velho Casarão. Cheia de entusiasmo resolvi fazer faculdade. Foi o meu terceiro contato com este Sobradão maravilhoso onde passei minha infância, parte da minha juventude e finalmente o período mais gratificante da minha, já com 56 anos.
No dia da minha formatura em 1976 com 60 anos, ao lado do meu marido, rodeada pelos filhos e netos recebi o diploma de Pedagogia.
Acredite quem quiser, mas eu tenho razão de “paparicar” esse Casarão, ele fez parte da minha vida.
Estou realizada, vendo-o agora lindo, maravilhoso (como conheci no passado) e espero que nele se instale logo o Museu Regional do Norte de Minas, para que eu possa, mais uma vez, usufruir do seu convívio e dele receber as melhores informações.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 15/8/2009 13:06:51
Velho casarão da Fafil

Ruth Tupinambá Graça

Abrindo o Jornal deparei-me com uma boa notícia; a Restauração do “Velho Casarão da Fafil”.
Fiquei felicíssima. Entristecia-me vê-lo, através de fotografias nos jornais, em tamanha decadência.
Graças a sensibilidade do Secretario de Estado da Cultura Ângelo Oswaldo, desencadeando uma campanha para restauração do Casarão na qual Walduque Wanderley, demonstrando o grande amor a sua terra foi o primeiro a aderir em generosa doação em dinheiro para início da referida reforma.
E no dia 18 de agosto de 1999 na Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais foi realizada a assinatura do convênio entre a Construtora Cowan e a Unimontes com intervenção da Secretaria da Cultura, do IEPHA (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico).
As obras foram iniciadas mas a passo de tartaruga... pela falta de verbas do governo.
Resolvi então mostrar (principalmente aos montesclarense de coração) que ele não é apenas um sobrado em decadência, um sobrado qualquer, ele tem uma história muito bonita e que deve ser conhecida e reverenciada.
Este Casarão pertenceu ao Cel. José Antônio Versiani, chefe de uma das principais famílias tradicionais da nossa cidade. A sua construção (edificada na Rua Cel. Celestino n° 45) começou em 1886, mas só em 1989 foi terminado e inaugurado com uma pomposa solenidade, inclusive uma “missa campal” celebrada pelo então vigário do senhor do Bomfim (hoje Bocaiúva) Cônego José Maria, Tio do proprietário.
Nesta época em que a cidade não contava com engenheiros, máquinas apropriadas para construções, nem mesmo transporte fácil, este sobrado foi uma bela construção e até com certo luxo.
Ainda me lembro dos detalhes das grandes e maciças portas, na pura madeira de lei, torneadas e com lindíssimo trabalho em florões; caprichadas venezianas, forros de largas taboas, com pintura de duas cores.
No grande salão da frente, com nove portas, sacadas de ferro trabalhadas em arabescos, com desenhos interessantes.
Este salão era original, o seu teto chamava atenção. Bem no centro, sobreposto ao forro, um enorme sol com grandes raios, de cor diferente, talhado em madeira, e no centro do mesmo, protegido por um vidro, uma fotografia da família do Cel. José.
Este detalhe dava uma nobreza àquele salão onde a família se reunia com visitas nas noites festivas e também para os saraus daquela época.
A cidade foi crescendo e para a instalação da Escola Normal (recém-criada) precisava de um prédio, grande exigência do Governador de Minas.
Em 1896 o Cel. José Versiani, num gesto de solidariedade, cedeu o seu sobrado ao Governo para instalação da primeira Escola Normal de nossa cidade, mudando-se com sua família, para a Rua Bocaiúva (hoje Dr. Santos).
Em 1905, esta Escola foi impiedosamente cortada pelo nosso Governo, causando enorme prejuízo à população montesclarense.
Entretanto, o Cel. José Versiani, mais uma vez, se sacrificou cedendo-o aos Cônegos Premonstatenses, recém-chegados a Montes Claros.
Este gesto do Cel. Foi bem recompensado pois estes Padres muito fizeram pela cultura e progresso de nossa terra, fundando o “Clube Dramático São Genesco”, “Clube Literário Monte Alverne”, com excelente Biblioteca, Posto Metereológico, Museu etc, onde a juventude montesclarense poderia aprimorar seus conhecimentos.
Mais tarde com a necessidade de uma Escola Pública, onde todas as crianças tivessem acesso, a Câmara Municipal, com a boa vontade do seu Presidente, comprou o sobrado por 30 contos de reis (moeda da época).
O prédio foi cedido pela Câmara ao Governo Estadual e no dia 22/07/1909 nele se instalou, o Grupo Escolar Gonçalves Chaves, o 1° de Montes Claros, sendo o seu 1° diretor o Sr. José Rodrigues Prates Júnior.
Mais tarde esta Escola mudou-se para a Praça Dr. João Alves, onde funciona até hoje em prédio próprio.
A Escola Normal que foi tão injustamente fechada pelo Governador, foi equiparada mais tarde pelo decreto 6.670 no Governo de Melo Viana, instalando-se no “Casarão” recebendo o nome de “Escola Normal Dr. Melo Viana”.
Em 1928 Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ganhando a eleição, em represália (ao Dr. Melo Viana) mudou o seu nome para “Escola Normal Oficial de Montes Claros” pelo dec. 8.245 em 18/12/28.
Esta Escola funcionou maravilhosamente, muitos anos, proporcionando educação e cultura a milhares de Montesclarense.
Sabemos que grandes inteligências e brilhantes escritores de nossa terra passaram pelos simples bancos desta Escola: Cyro dos Anjos, Darci Ribeiro, Hermes de Paula, Darci Bessoni, Cândido Canela, Mário Ribeiro, Manuel Higino, Simeão Ribeiro, Felicidade Tupinambá, e muitos outros, com professores dedicados que lutaram pela cultura de nossa cidade, pouco se ligando para as “cifras”.
Eram advogados, médicos, engenheiros ocupadíssimos, entretanto, as aulas e o compromisso com os alunos eram sagrados e na hora certa lá estavam eles: Dr. Plínio Ribeiro, Dr. Alfredo Coutinho, Dr. José Thomaz, Dr. Marciano Maurício, Dulce Sarmento, Prof. João Câmara, Dona Nieta Veloso, Dona Joana D’Arc Veloso dos anjos e outros.
Eu freqüentei esta Escola. Lá fiz o Curso de Magistério, com muito orgulho. Este “Casarão” me traz grandes recordações.
Levantando as teias de aranha (cortina do passado) eu me vejo adolescente, cheia de sonhos e esperanças quando freqüentava aquela Escola nos “anos 30”.
Eu me sentia orgulhosa e feliz como se estivesse cursando grande Faculdade da Inglaterra, França, Estados Unidos.
Cheia de entusiasmo que queria aprender tudo, fazendo planos, para o futuro, galgar um Curso Superior.
Eu me recordo de tudo como se estivesse vendo um filme do passado: Cada cantinho daquele “Casarão me traz recordações significativas que marcaram minha infância, adolescência e juventude. Neste eu fiz o primário, o curso Normal (professora) e mais tarde (com 60 anos) eu fiz a Faculdade de Pedagogia, na “Fafil” recém-inaugurada.
As conversas, no recreio, com as colegas, quando alegres e esperançosas trocávamos confidências, falávamos dos namorados das conquistas, as paixões, dos beijos que não foram dados e que morreram nos lábios...
As comemorações cívicas, os piqueniques, as serenatas, os teatros da Escola, onde éramos as grandes artistas.
O “Chá Dançante” que a professora Dulce Sarmento promovia (todos os domingos) para pagar o piano, comprado corajosamente por ela, para melhorar nossas aulas de música e Canto Coral.
E pensar que este “Casarão”, com seus nobres salões (que hoje são apenas caricaturas) se tornou, mais tarde, o ponto de concentração de toda a sociedade montesclarense, visto não existir, ainda, Clube Social na nossa Terra. Lá se realizaram festas saraus.
Era lá os “célebres bailes” em benefício da Caixa Escolar, que saudade! Foi num destes que conheci o meu “Príncipe”...
Esperávamos com ansiedade, Mês inteiro, passando ingressos, era obrigação das alunas.
O salão da frente era unicamente ornamentado com flores artificiais (não existia floricultura) e o assoalho de taboas largas era esfregado com as folhas ásperas de sambaíba e lustrado com raspas de velas, para que os pares, se deslizassem melhor, ao som das valas.
As belas sacadas de ferro nas portas da frente eram o refúgio dos namorados. Por trás das pesadas cortinas as atrevidas mãos se entrelaçavam e sob o olhar terno das donzelas, as juras de amor, enquanto os outros casais se rodopiam ao som das valas dolentes executadas pelas ágeis mãos da professora Dulce, o sax do Tonico de Nana, o bandolim do Ducho e a clarineta do Adail Sarmento. Tocavam a noite inteira gratuitamente. Sentiam-se felizes com a alegria dos casais e prestigiando nossa Escola.
Quantos namorados começaram naqueles animados “bailes”, floresceram e se concretizaram em casamento, graças ao romantismo e o ambiente acolhedor daquele magnífico sobrado, formando as tradicionais famílias de nossa cidade, que ainda existem hoje na multiplicação dos filhos, netos e bisnetos.
E o “Casarão” continuou, por muito tempo, de coração aberto, recebendo a sociedade montesclarense e paralelamente a escola Normal Oficial, recebendo alunos instruindo-os e educando-os.
Mas, o “espírito de porco” da politicagem enganosa, quando o Dr. Benedito Valadares, Interventor do nosso Estado, resolveu suprimi-la (ninguém sabe porque) pelo dec.N° 65 de 15 de janeiro de 1938.
Foi o ato mais absurdo que um governo poderia praticar, prejudicando totalmente a cidade.
No ano seguinte o “Casarão” (desocupado) e como uma “galinha de longas asas” transformou-se em abrigo de imigrantes que, fugindo da seca do nordeste lá encontravam abrigo enquanto aguardavam “passes” da Prefeitura ou de seus agenciadores, para seguirem, com as famílias, para São Paulo.
Em 1947 foi requisitado para funcionar o Grupo Escolar Carlos Versiani, enquanto durou a reforma da referida escola.
Em 1949, no Governo de Milton Campos a escola Normal Oficial de M. Claros voltou a funcionar novamente, (no “Casarão”) graças ao esforço do Dr. Plínio Ribeiro, (Deputado Estadual na época) até sua mudança para a Av. Mestra Fininha, terreno doado por Dr. Plínio, onde funciona até hoje.
Na década de 60 foi sede da Faculdade de Ciências e Letras (Fafil) o primeiro Curso Superior de Montes Claros, embrião da atual Universidade de Montes Claros Unimontes que mudando-se mais tarde para o Campus Prof. Darcy Ribeiro, em instalações próprias, vem crescendo dia a dia (graças ao magnífico trabalho do Reitor Paulo César Gonçalves de Almeida) para a felicidade da juventude e orgulho da nossa cidade.
Com esta mudança o “Casarão da Fafil” (como ficou apelidado) caiu em completa decadência, demonstrando visíveis estragos em sua estrutura física, descaracterizando pela ação do tempo e dos vândalos.
Confesso que doía-me vê-lo desmoronar ano após ano.
O esqueleto do velho Casarão está firme, por incrível que pareça, para mostrar que ainda existe uma centelha de amor e doação que continuará beneficiando nossa terra e preservando (á duras penas) o seu passado glorioso retratado neste patrimônio de inestimável valor histórico para nossa terra.
É inegável o trabalho, esforço e dedicação do Reitor da Unimontes Paulo César G. Almeida, para que se realize o grande sonho: o “Casarão” todo reformado e nele o Museu Histórico Regional funcionando, beneficiando nossa comunidade e de cidades vizinhas.
Que esta realização não se demore muito para que eu possa aproveitar, desta vitória, e a alegria de ver o meu querido “Casarão” recuperado, (fazendo jus ao que tanto doou no passado) e lindo como o conheci na minha infância, adolescência e juventude.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 8/8/2009 12:41:44
Um Casamento Planejado

Ruth Tupinambá Graça

Nossa cidade progredia. O trem de ferro trazia, diariamente, gente nova e como a cidade era pequena, os visitantes eram bem vindos e a moçada, cheia de sonhos e esperanças aguardava a vinda do “Príncipe Encantado” para tirá-las do “barricão”.
Certa vez, com a graça de Deus, o trem de ferro (hoje já extinto) trouxe dois viajantes muito alinhados e interessantes, para nós “casadoiras:
Armênio Graça e Aluízio Pinto.
Vindos da capital eram protótipo da elegância e diplomacia.
As moças se alvoroçavam e cada qual se empenhava mais em conquistá-los e as mães também interessadas em casar suas “donzelas”.
Houve muita disputa e também decepções, mais como é certo aquele ditado:
“O que é do homem o bicho não come”, os visitantes recém-chegados, abandonando todo cortejo das interessadas “caíram de para quedas” nos braços de duas fortes concorrentes: Ruth e Luiza.
Houve muita reação das candidatas, ate ameaças, mas o cupido estava do nosso lado e a nosso favor.
O meu escolhido Armênio Graça era um “gentleman” educadíssimo.
Elegante e bonito, moreno de olhos azuis (um pedaço de mal caminho) que não resistiu aos encantos da “índia” montes Clarense. Ele possuía uma rural azul e branca (naquele tempo em que os carros eram escassos em nossa cidade) e motorizado subia e descia a rua Dr. Veloso (onde eu morava) milhares de vezes, buzinava e eu corria para vê-lo.
Certa noite (bendita noite) escutei a buzina. Eu e Luiza chegamos à janela e ficamos assustadas. O carro estava parado poucos metros abaixo da minha casa e os rapazes, Armênio e Aluízio vinham subindo a rua, e de repente, paravam para nos cumprimentar. Houve um “clima especial” e o Armênio calado e desapontado (ele era tímido) não conseguia disfarçar, enquanto o Aluízio foi logo se explicando: “O carro enguiçou, temos que providenciar um mecânico”.
Começamos aquele bate papo e o Aluízio foi logo dizendo que estava adorando nossa terra e pretendia ficar, pelo menos enquanto durasse a gestão de seu irmão Dr. Orlando Ferreira Pinto, primeiro prefeito de Montes Claros.
O Armênio, mais calado de vez enquando se arriscava a dizer alguma coisa e o Aluízio ajudava “bancando o padrinho”. No final deram a entender que queriam aproximação.
A Luiza, antes de ir para casa disse-me: “Acho que o “grandão” (Armênio) está caído por você” e eu retruquei-lhe: Eu acho que o “pequenino” (Aluízo) esta tentado conquistar-lhe.
Foi nosso primeiro encontro, daí por diante, outros vieram, o amor tomou conta em breve ficamos noivos.
Só mais tarde, meses depois, ficamos sabendo que tudo aquilo foi planejado. O enguiço do carro foi apenas uma desculpa para aproximação, pois o Armênio não tinha coragem de fazê-lo sozinho.
O destino se encarregou de promover os acontecimentos. Por coincidência, a Luiza estava comigo naquela noite e o Aluízio não resistiu ao seu jeito simples de sertaneja e formosura em pessoa, logo se apaixonaram.
Os noivos logo se oficializaram e os casamentos demoraram um pouco... é que os dois solteirões, já mais velhos não queriam perde a liberdade e iam adiando o casório. Nenhum deles queria se casar primeiro, enquanto o outro permanecesse solteiro. Mas na vida “há sempre um dia” e abrindo a folhinha de 1939, os dois foram passando a página e chegando ao mês de junho contornaram o dia “15 de junho” (em vermelho) chegando finalmente a conclusão: Seria naquela data 15/06/39 os nossos casamentos, no mesmo dia, na mesma igreja.
Eu e Luiza começamos os preparativos para o grande acontecimento: Convites, organização da festa, decoração da igreja, musica, bufê, flores e o celebre vestido de noiva, com tudo a que tínhamos direito: Véus, grinaldas com flores de laranjeira (símbolo da virgindade e tabu daquela época) contando os dias com muita ansiedade.
O Armênio não tinha férias naquela data, (era funcionário de uma empresa americana), portanto não viajaríamos na nossa lua de mel.
O contrario se deu com o Aluízio, conseguiu uma licença com o irmão na prefeitura.
Luiza e Aluízio se casaram pela manhã, fomos padrinhos dos e a Luíza estava lindíssima no seu vestido de noiva e os dois não escondiam a felicidade de estarem vivendo aquele momento inesquecível.
Mas quando o trem de ferro já estava bem longe, o casal de pombinhos, desfrutando o grande momento (emfim sós) o Aluízio teve aquele estalo e de repente disse: “E se o Armênio não se casar hoje”?...
A Luiza, com muito jeitinho disse-lhe: _ “Agora é tarde meu amor. Estamos amarrados para sempre, no católico e no civil... até que a morte nos separe.
À noite, chegou a nossa vez, (trato é trato) na mesma Igreja do rosário entrei pelo braço do meu pai. E modéstia á parte estava linda e feliz, ao lado do meu eleito, muito elegante no seu traje especial: calça listrada e palitó de mescla inglesa, o traje mais chique da época.
No altar sob bênçãos do saudoso Padre Marcus Van In, juramos eterno amor, e acreditem, não foi um juramento falso.
Dois meses se passaram. Finalmente o casal chegou. Apesar do enjôo da Luiza os dois estava feliz com a vinda da cegonha (que não brinca em serviço) e a perspectiva da chegada do primeiro herdeiro que no batismo recebeu o nome de José Aluízio, tenho como padrinhos eu e Armênio.
Logo depois a cegonha bateu a nossa porta e foi com muita alegria que eu também ia ser mãe, e o Armênio todo orgulhoso ia ser papai...
E a “cegonha” continuou trazendo outros filhos: Norma, Márcia, Ana Ester, Nara, Alberto e Armênio Filho.
Filhos queridos que nos deram muita alegria e se multiplicaram, ate hoje, em 16 netos e 15 bisnetos que são nossa alegria e felicidade.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 21/6/2009 09:45:30
Texto lido por Ruth Tupinamba no final da missa, realizada na ultima sexta feira, e que, abriu as comemorações do centenário de sua irmã Felicidade Perpétua Tupinamba:

Felicidade Perpétua Tupynambá, nasceu em Montes Claros, no sobrado na Praça Dr. Chaves, ao lado do Centro Cultural Dr. Hermes de Paula. Lá ela passou parte da sua infância em casa dos avós.
Fez o Curso Primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e o 2.º grau (curso de magistério) na Escola Normal Oficial de Montes Claros a 1.ª da nossa cidade.
Com o diploma nas mãos, começou sua vida de professora, lecionando pela 1.ª vez na cidade de Pedra Azul no Norte de Minas.
É estranho, que ela se desloque de Montes Claros, para tal fim, numa época em que não existiam estradas nem transportes confortáveis. O mais cômodo era a boléia do caminhão, era como ela viajava.
Este sacrifício ela fazia porque queria lecionar o que na nossa cidade era difícil. Só possuía um Grupo Escolar era o Gonçalves Chaves, as vagas eram difíceis. A cidade era governada pelo “Coronelismo”, e só nomeava a professora da sua política, isto dificultava para as outras que não “bajulavam” os coronéis.
Lá em Pedra Azul ela ficou durante 3 anos e voltando para Montes Claros, bem mais tarde, lecionando na Escola Normal Professor Plínio Ribeiro, Colégio Imaculada Conceição, Instituto Norte Mineiro, Colégio Diocesano, dando aulas de Educação Física, Artes e Sociologia, aposentando-se depois de 30 anos de magistério.
Felicidade era uma mulher extremamente bonita, muito educada, elegante uma perfeita “Lady”.
Era uma pessoa alegre, gostava de cantar, dançar, declamava muito bem, o que acontecia em todas as festas e reuniões onde ela estivesse presente.
Naquela época em que as mulheres eram totalmente submissas, com uma educação rigorosa acreditando que a única finalidade da mulher era apenas casar, criar filhos, cuidar da casa e do marido, a Felicidade já tinha outro pensamento, outra visão, sentindo que a vida não se resumia só nisto, queria galgar outros horizontes, com outras oportunidades. Por isto foi a primeira mulher aqui em nossa cidade que ocupou um cargo numa repartição pública. Admitida na Prefeitura Municipal de Montes Claros, ficou 30 anos como Secretária. Passou por 11 Prefeitos chegando até a “despachar pedidos e dar autorizações” quando os mesmos se ausentavam.
Além do seu cargo na Prefeitura coordenava todas as Escolas Municipais, orientando as professoras pois naquela época eram todas leigas (não possuíam diploma) e muitas sem traquejo social e sem prática de magistério.
Além disto era responsável por todos os eventos sociais e políticos da Prefeitura e também da cidade.
Não existiam os “bufês” particulares (que tanto facilitam) naquela época e a Felicidade tinha que “se virar” organizando as recepções do momento, banquetes para “200 ou mais talheres”.
Tudo isto ela fazia sem reclamar, com a maior boa vontade, esforçando-se para que tudo corresse maravilhosamente e que a nossa cidade (pobre, escura, e sem verbas governamentais) não decepcionasse as “visitas importantes” (políticos) que vinham a nossa cidade para aumentar o prestígio e angariar votos nas vésperas de eleições.
Felicidade se desdobrava, até hospedagem tinha que providenciar (não existiam bons hotéis) indo de casa em casa procurando alojamentos para as importantes comitivas.
Mas ela era carismática e com a sua educação e diplomacia tudo se arranjava.
A característica principal da sua personalidade era ajudar a quem precisasse, fazendo os maiores sacrifícios e assim ela viveu até os 90 anos.
Pertencia a Academia Montesclarense de Letras como sócia efetiva e secretária onde prestou relevantes serviços, sempre ao lado da Presidente Yvonne Silveira procurando resolver todos os problemas.
Escrevia para Jornais e Revistas de nossa cidade e da nossa Capital, com grande sucesso, ajudando e prestigiando várias entidades sociais da nossa cidade.
Nunca se casou, embora fosse muito cortejada , tendo vários namorados e até noivo, mas ela queria mais era ser livre.
Em casa era excelente filha, adorava sua família, ajudando em todos os problemas financeiros e sociais, e a melhor irmã que Deus já produziu, dando assistência constante a todos os sobrinhos como se fossem seus próprios filhos.
Confesso que ela tinha uma preferência por mim. Por ser eu a caçula sentia-se na obrigação de orientar-me e proteger-me e assim sob a sua sombra eu vivi muitos anos e desta convivência, tirei as melhores lições de vida, e jamais a esquecerei, em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que eu viva!
Se ela ainda vivesse completaria, hoje 100 anos; 100 anos de lutas e glórias!
Pena que ela aqui não esteja para ver a grandeza e o progresso desta cidade que ela tanto amou e a ela dedicou tantos anos de sua vida.
Resta-nos rezar por ela, única maneira de agradecê-la por tudo que fez durante sua existência.
Agradeço ao Colégio Imaculada Conceição na pessoa da Irmã Dulce que prontamente nos proporcionou esta missa nesta Capela e ao Padre João Batista que a celebrou.
Agradeço também ao Conservatório Lorenzo Fernandez, abrilhantando esta missa com o magnífico Coral.
Agradeço a presença de todos amigos e parentes de Felicidade Perpétua Tupynambá.

Poesia de Yolanda Fonseca lida no final da missa comemorativa do centenário de Felicidade Perpétua Tupynamba. Em vida, ela adorava declama-la.
Buena Dicha
Yolanda Fonseca
E a cigana falou
Fitando as minhas mãos:
“Tens um bom coração
Um coração capaz de sentimentos nobres
Que não faz distinção entre ricos e pobres,
Compreendes?”
Compreendo sim, pode continuar
Ela sorriu de leve e tornou a falar:
“És orgulhosa e, concentrada também
Não gostas de dizer o que sentes a ninguém.
Embora, tenha sempre um riso de prazer,
Vejo que em tua vida existe muita mágoa contida
Que ninguém pode ver
Gostas de divertir, gostas de distrair
Mas seu coração é sempre triste
Compreendes?”...

Ai de mim e compreendo sim,
Mas não diga o que eu sou
Porque o que sou bem sei
Dia o que eu serei?...

Ela fitou em mim
Os seus olhos misteriosos
Olhos maravilhosos
Inundados de luz
Nas sombras das olheiras.
E minhas mãos tremeram
Em suas mãos trigueiras
E de novo falou:
“Eu vejo , vejo alguém
Um bonito rapaz
Que te quer muito bem
Com ele ás de casar,
Terás honras, glórias, carinho
Tudo que a vida encerra de beleza
E terá cinco filhinhos
Nesta ventura sem par
À sombra deste amor viverás
E sorriu a dizer:
Sorte bonita ...”
Mas a cigana mentiu
Nunca amei ninguém
Nem nunca houve alguém
Que me quisesse bem
Por isso hei de viver sempre
Sem amor, sem glória , sem carinho
E quando for velhinha
Não terei netinhos
A quem contar histórias
Oh! Era uma tarde linda
Eu bem me lembro ainda
Havia uma cigana
Era uma cigana linda
Mas muito mentirosa...

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


46529
Por Ruth Tupinambá - 30/5/2009 08:57:45
Compensação da velhice

Ruth Tupinambá Graça

É interessante como o tempo se encarrega da modificar as coisas. Não só a paisagem, o aspecto e a estrutura de qualquer cidade, mas também de seus usos e costumes. Então, em se tratando das pessoas, o tempo não tem piedade e não há quem o segure, transformando lindos rostos num amontoado de rugas e manchas, e corpos saudáveis e ágeis, em corcundas. Nós não percebemos a passagem do tempo absorvidos com os prazeres da vida. Somente seus estragos nos alertam, lembrando-nos que o tempo passa e nem sempre sabemos ocupa-lo.
Vai-se a infância, a juventude, a mocidade, tudo tão rápido e a velhice se aproxima.
Começamos então a pensar, porque só então temos mais tempo para reflexões. Os sonhos vão se dissipando, os desejos e anseios da juventude vão diminuindo cada vez mais, a força e o vigor da mocidade, os desejos do sexo desaparecem e somente a realidade nos bate à porta.
Tudo é tão diferente! Diferente e triste e é quando nos sentimos sozinho. Olhamos para o passado e as lembranças povoam nossa mente. Parece tudo tão distante, chegamos a crer que foi tudo em sonho, um sonho tão gostoso!...
Como um filme lindo e colorido, as recordações permanecem gravadas em nossa retinha e constantemente a invocamos e insistimos em relembrá-las: amores que passaram por nossa vida, na adolescência e na juventude, quando o coração bate mais forte, cheio de sonhos e se transborda de paixões. Desejos insatisfeitos, beijos que não foram dados, que ficaram nos lábios, sonhos que não se realizaram, mas também, grandes amores que completaram nossa vida, encheram-na de prazer e felicidade e que para nossa tristeza, se foram, deixando saudades e marcas profundas em nosso coração.
Quem na vida não sofreu por alguém? Amor é vida, é bálsamo que acalma e alivia o sofrimento.
Nesta fase em que tudo nos parece tão triste e a vida sem sentido, que chegamos a acreditar que estamos realmente sozinhos, nunca se considere um velho sem um objetivo de vida, saiba envelhecer com otimismo.
Reaja, erga-se e não se entregue e não deixe que a solidão tome conta de você.
Procure um lazer, uma distração ou um trabalho, qualquer coisa para encher seu tempo.
Leia, escreva ou faça versos, volte a ser poeta enfrente a vida sonhando...
Se nada disto lhe der prazer (o que não me acontece), assuma o seu papel, mas assuma-o com alegria e seja a Vovó Coruja, agarre-se aos netinhos.
Ame-os com intensidade e entre beijos, abraços e mil carinhos, extravase seu coração, entregue-o a estas cabecinhas lindas e inocentes que são sua vida, seu sangue e são apenas crianças e na pureza de sua alma retribuem, em dobro, todo o seu carinho e ávidas pelo seu amor, sentem-se felizes e alegres com a maravilhosa companhia da querida vovó.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


46391
Por Ruth Tupinambá - 25/5/2009 15:49:40
Professora não tem vez

Ruth Tupinambá Graça

Revolta-me o descaso, a maneira como o nosso Governo trata as professoras, principalmente as do primeiro grau.
Entristece-me sentir que cada dia que se passa estas criaturas são humilhadas, mal remuneradas, sem nenhuma esperança de melhora.
É inegável o quanto elas trabalham numa sala com 45 (ou mais) alunos de todas as idades, tipos, raças e cores, numa abnegação (que só Deus poderá recompensá-las) procurando incutir nestas cabecinhas, o amor ao próximo, a lealdade, a dignidade o bom caráter da pessoa humana, enfim a cidadania.
Desgastam-se e muitas vezes adoecem na luta e preocupação de transmitir aos alunos um Programa de Ensino um tanto exagerado.
Estas criaturas descortinam um horizonte mais belo mais puro mais saudável para estas crianças que vivem como “fantoches” (principalmente neste século) influenciadas por um meio de violência e corrupção. Graças a elas muitas se salvam e chegam a ser adolescentes equilibrados conseguindo alcançar a Faculdade, seguindo melhores destinos, pois sabemos que, o Curso Primário é a base para a instrução, é o primeiro degrau da escada para se galgar e chegar ao topo vitorioso. Um primário bem orientado, bem aproveitado pelo aluno lhe dará, na certa, um grande sucesso nos outros Cursos que enfrentará no futuro.
Mas infelizmente poucos reconhecem o sacrifício e o valor de um professor.
Por incrível que pareça, o Governo quer tirar-lhes alguns benefícios (motivo de economia) inclusive o “pó de giz” que é uma verba destinada ao tratamento de garganta e alergia caudado, (as regentes de classe) pelo uso constante do quadro negro.
Estas reformas da Secretaria de Educação, só prejudicam além de criar exigências (Pós Graduação, Mestrado, etc,) para o plano de carreira. Ganhando tão pouco como poderão costeá-los? O certo seria o Governo promover tais recursos gratuitos para melhorar a situação dos professores.
Este sofrimento já vem de longa data. Eu me lembro quando comecei a lecionar. Não existia a Delegacia de Ensino (que muito facilita os trabalhos da nossa Região) e o nosso pagamento atrasava porque os nossos atestados de freqüência tinham que ir para a Secretaria de Educação e só recebíamos depois de publicado no Minas Gerais, ato que demorava meses até um ano. Muitas professoras não podiam esperar, tocavam os atestados de freqüência (com negociantes ou procuradores) e recebiam com desconto.
Sofremos demais naquela época. Só no Governo de Magalhães, Pinto que, reconhecendo nossas dificuldades, normalizou nosso pagamento com menos atraso, mas enfrentando filas enormes. Isto durou muitos anos.
Agora, graças ao nosso governador Aécio Neves, nosso pagamento está em dia, e nos dias certos, com décimo terceiro. Foi uma grande vitória.
A nossa esperança é que ele melhore a situação do professor, na proporção que ele merece.
Quanto ganha um Deputado? Sabemos que é um salário invejável e ainda muita mordomia.
Por acaso trabalha mais que uma professora primária que com chuva ou sol, tem que cumprir diariamente o horário, muitas vezes doente, pois nem sempre os médicos facilitam-lhe uma justa licença.
Elas lutam, esperneiam, fazem greve são humilhadas e até escorraçadas, (com banho de mangueira) o que já aconteceu na porta do Palácio do Governo de Minas gerais alguns anos atrás.
Tal procedimento, tanto descaso dá para entender o que?

Membro da Academia Montesclarense de Letras
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


46162
Por Ruth Tupinambá - 17/5/2009 08:55:42
Lembranças de um “Casarão”

Ruth Tupinambá Graça

Muitos montesclarenses conhecem o “Casarão” da “Fafil” mas nem todos conhecem sua história e sua influência benéfica por mais de um século, para a nossa comunidade.
Foi Lá que eu cursei o Primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves funcionando Lá até a sua mudança para a Praça Dr. João Alves em prédio próprio, onde funciona até hoje.
Levantando as teias de aranha (cortinas do passado) eu me vejo adolescente, cheia de sonhos e esperanças quando freqüentava aquela Escola nos “anos trinta” já fazendo o “Curso Normal” (magistério).
Eu me sentia orgulhosa e feliz (com minha pobre Escola) como se estivesse cursando uma grande Faculdade da Inglaterra, França, Estados Unidos.
Cheia de entusiasmo eu queria aprender tudo fazendo planos, para no futuro, galgar um Curso Superior.
De repente tudo me vem a mente. Cada cantinho daquele “Casarão” me traz muitas recordações e muita saudade. As conversas no recreio, com as colegas, quando alegre e esperançosas trocávamos confidências, falávamos dos namorados, das conquistas, das paixões, dos beijos que não foram dados e que morreram nos lábios...
Nossa cidade não possuía Clubes Sociais, portanto”, eram Lá todas as festas. Esperávamos com ansiedade os Bailes em beneficio da Caixa Escolar, que saudade! Foi lá que conheci o meu “Príncipe Encantado”
O mês inteiro vendíamos os ingressos aos rapazes, era obrigação das alunas.
O salão da frente era ricamente ornamentado com flores artificiais (não existia floricultura na nossa cidade) e o assoalho de taboas largas era esfregado com as folhas ásperas de sambaíba e lustrado com raspas de velas para que os pares deslizassem melhor, ao som das valsas.
As belas sacadas de ferro, nas portas da frente, eram o refúgio dos namorados. Por trás das pesadas cortinas as atrevidas mãos se encontravam e sob olhar terno das donzelas, as juras de amor, enquanto os outros casais rodopiavam ao som das dolentes valsas, executadas pelas ágeis mãos da professora Dulce Sarmento, o sax do Tonico Teixeira, o bandolim do Ducho e a clarineta de Adail Sarmento. Graças ao romantismo do ambiente, muitos namoros ali começados se concretizaram em casamentos, formando as tradicionais famílias que ainda hoje existem na multiplicação dos filhos, netos e bisnetos.
Anos passaram, eu me casei e mudamos para Belo Horizonte, quando voltei o “Casarão” já estava ocupado pela “Fafil” (Faculdade de Ciências e Letras) o primeiro Curso Superior de nossa terra, embrião da Unimontes, que cresceu muito, mudou-se para prédio próprio onde funciona até hoje. Nestas alturas, eu resolvi estudar novamente e optei pela Pedagogia, a qual terminei com 60 anos.
Por isto é que este Sobrado me marcou tanto e guardo dele as melhores recordações e espero ver este magnífico Monumento Histórico reformado, alegre e bonito (como o conheci) e nele funcionando o tão esperado Museu Histórico Regional de Montes Claros.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


45242
Por Ruth Tupinambá - 8/4/2009 12:56:09
O inesquecível Niquinho de açúcar

Ruth Tupinambá Graça

Não se pode deixar que a fumaça dos tempos venha cobrir, em nossa imaginação e nossa lembrança, acontecimentos, e principalmente, pessoas que durante quase um século de existência forma figuras importantes no cenário da nossa cidade.
Não será preciso fazer uma biografia do Niquinho de Açúcar, pois muita gente o conheceu e ainda se lembra dos seus feitos em prol de nossa comunidade.
Quero apenas, obedecendo os impulsos de um coração saudosista, contar como ele marcou minha infância.
Quando o conheci, já ele era casado e pai de sete filhos. Possuía uma alma de artista e, sobretudo, de poeta, aqueles que vêm ao mundo com olhos da poesia, do sonho, usando o coração mais do que a cabeça.
Niquinho de Açúcar, tal era o seu apelido, não tanto porque fosse muito claro e corado e possuísse os traços de um europeu fino, mas talvez, justamente, por ter mesmo um coração açucarado.
Natural de Conceição do Serro, hoje Conceição do Mato Dentro, Antônio Ferreira de Oliveira veio para Montes Claros em 1912.
Por que teria escolhido Montes Claros para dedicar-lhe os melhores anos de sua vida?
Por que se afastara dos grandes centros civilizados, vindo lutar com os montes-clarenses pelo progresso deste nosso sertão? Cilada do destino quis que Montes Claros ganhasse mais este filho, que aqui viveu, lutou e morreu como um montes-clarense de coração.
Tantas dificuldades enfrentou para chegar até aqui, neste sertão longínquo, sem estradas, longe da civilização!
O lombo do burro, numa viagem exaustiva, era o único transporte. Mas, para sua alma sensível, tudo era festa e motivo para dar expansão ao seu coração de poeta. E quando, no trote duro e compassado do animal, pelas estradas que serpenteavam as imensas matas, ouvindo apenas o canto triste do zabelé e das pombas verdadeiras; e quando, ao nascer do sol, as saracuras o saudavam com seu canto de duas notas, seu Niquinho não sentia o desconforto nem o cansaço, mas apenas seus ouvidos se deleitavam com a música da natureza.
Havia, também, o perfume gostoso das flores silvestres, naquelas tardes quentes, nas entranhas das florestas virgens, quando uma brisa soprava mansamente arrepiando-lhe a pele, trazendo-lhe o perfume e a lembrança de uma mulher bonita...
E quando, à noitinha, já arranchado à beira de um riacho ouvindo o cantar das águas cristalinas, ondulantes em pequenas cachoeiras e o luar derramava seu clarão prateando em todo aquele imenso sertão, os olhos do poeta brilhavam, seu coração pulsava mais forte, sentindo toda aquela beleza!
De olhos semi-cerrados, sua alma povoava de sonhos e os belos versos afloravam em sua imaginação. E como se sentia feliz!
Ainda moço, em plena juventude quando se tem o coração cheio e esperanças, ele sonhava com esta Montes Claros.
Esperava encontrar aqui o futuro. Realizar-se profissionalmente, amar, constituir família, ter filhos e netos. Tudo isto o impelia para Montes Claros, tendo a intuição de que alguém aqui o esperava – uma sertaneja. Sua chegada foi um grande acontecimento na bucólica cidade.
A princípio morou em casa dos amigos (família Sarmento). Formado pela Escola de Farmácia de Ouro Preto, exerceu a profissão em sua terra natal até 1912, quando se transferiu para Montes Claros.
Inteligente, culto grande orador, era constantemente solicitado (o que fazia com prazer). O jovem poeta era o assunto, como porta-voz da coletividade.
Aqui chegando, estabelecido e boa pinta, estava com a corda todos e as jovens casadoiras se alvoroçavam, havendo muita disputa. Seus versos encantavam-nas e eram uma forte arma para conquistas. O jovem poeta era o assunto das fofoqueiras nos serões das austeras famílias.
Em breve, o cupido acertou-lhe em cheio o coração. Casou-se com Cândida, filha do seu Francisco Peres, uma das principais famílias.
Nos intervalos, entre as pílulas, poções e receitas, seu Niquinho encontrava sempre uma folguinha para poetar.
Agradavam-lhe mais as rimas do que as drogas e, muitas vezes, enquanto a farmácia regurgitada de fregueses aflitos, necessitando de elixires, purgantes, cápsulas de quinino para debelar a febre, palustre da região e, muitas vezes, para apressar partos, ele tranquilamente fechava-se no laboratório (e, longe do mundo, da maldade, doenças e tristezas) se deixava levar pelos impulsos de sua alma passando para o papel os mais belos sonetos.
Sua farmácia chamava-se Farmácia Americana, justamente onde é hoje a Drogaminas, no cruzamento das ruas Camilo Prates com Presidente Vargas, onde ele sempre estava com um sorriso franco, pronto a servir a quem o procurasse. Era extremamente social.
Grande jornalista dirigiu o Montes Claros a partir de 1916, semanário onde publicava não só suas produções poéticas como artigos de fundo, editoriais e comentário.
Em qualquer movimento da comunidade, ele estava pronto e à frente, liderando.
Exerceu o cargo de vereador da Câmara Municipal, da qual foi várias vezes secretário. A filantropia era a característica marcante da sua personalidade. Sua farmácia não visava lucros, as cifras não lhe interessavam muito e o fiado enchia seus livros de contabilidade. Os pobres iam buscar o remédio em sua farmácia e nuca comprá-lo. Isto nunca o molestou, razão por que não acumulou fortuna.
A Fortuna maior e que o tempo não consome, morava dentro dele – era o seu interior.
Basta dizer que, em 1918, quando a espanhola grassava aqui e na sua região norte-mineira, a ele nos deu uma lição de amor ao próximo, socorrendo a população vítima da epidemia, pondo-se à disposição dos pobres, bem como sua farmácia assistindo os enfermos incansavelmente, sem remuneração. Nessa ocasião, foi homenageado com uma medalha de ouro, pela população.
Muitas vezes presenciei seus gestos, sua maneira de ser, tanto na farmácia como em casa de seu Chico Peres, seu sogro e vizinho, e onde eu brincava sempre com as colegas Zélia e Zelândia, local onde se reuniam seus netos.
Encontrava-o lá e me admirava de sua educação e atenção comigo, seu bom humor, perguntando sempre por meus pais e meus estudos. Trazia balas escondidas na manga do paletó, e fingindo mágicas, as tirava do nosso nariz, nossos ouvidos, nos deixando eufóricas e encabuladas. Criança gosta de ser notada, ser amada. Ele amava criança.
Lembro-me, era tão carinhoso com os filhos, ficando de prosa, horas e horas com eles e comigo, como se fôssemos da mesma idade, numa camaradagem pouco comum naquela época, em que criança deveria ser tratada à distância, para não perder o respeito dos mais velhos.
Adulava muito a Yvonne. Devia ser a filha predileta. Ela era dengosa, bonita, com sua pele muito clara, longos cabelos pretos e lisos. Vivia encarapita em seu colo. Era uma menina muito chic, com seus vestidos, de cassa, vaporosos, enfeitados de fitas e rendas. Na escola, fazia-nos inveja seu uniforme bem cuidado, sapatos de verniz pretos, sempre brilhando, e as meias rendadas. Que inveja! Ninguém tinha iguais.
Por diversas vezes vi seu Niquinho beijando-lhe as faces rosadas, num embevecimento total, alisando-lhe os cabelos enquanto ela, muito falante (como até hoje), recitava os versos que ele lhe ensinava.
Os dois, pai e filha, deveriam ter já naquela época, muita afinidade. E até hoje muito me encanta a maneira como a Yvonne (Silveira) cultiva a memória do pai, a saudade e as recordações que o tempo jamais conseguirá apagar do seu coração.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


44839
Por Ruth Tupinambá - 28/3/2009 09:16:01
Velhice não é doença

Ruth Tupinambá Graça

O velho não é um doente, nem sempre um esclerosado.
Com os cabelos grisalhos, as alvas barbas e, sob sua pele enrugada e muitas vezes encarquilhada, existe um coração que palpita cheio de vida, e uma alma transbordando de sensibilidade e experiência.
O velho é geralmente triste e solitário, traz a alma cheia de recordações de um passado longínquo e de uma felicidade perdida nas brumas do passado.
O velho é muitas vezes desiludido com a desigualdade social e injustiças que os anos lhe deram oportunidade de presenciar e julgar.
Quantas vezes o velho é ignorado e simplesmente esquecido dentro do seu próprio lar?
Quantos se sentem frustrados, por não serem compreendidos, e são considerados um estorvo, um obstáculo por sua própria família?
Quantos acabam seus dias num asilo qualquer, longe do convívio dos seus, angustiados pela saudade dos netinhos, sonhando tê-los ao colo, acaricia-los, ouvir sua tagarelice, sentir a carícia de suas mãozinhas frágeis e delicadas, percorrendo seu rosto envelhecido, alisando-lhe os cabelos brancos...
Quantas vezes, acusados, injustamente, por estragar os netinhos, só por amá-los demais e tolerarem pacientemente suas peraltices, sempre considerados os responsáveis pelas traquinagens e birra dos netos, por mimá-los excessivamente?
Quanta injustiça comete a família e, numa análise fria, chega a conclusão de que o netinho deverá se separar da vovozinha. Ambos sentem-se chocados com a separação e mais ainda a vovó porque nessa fase, os filhos se vão um a um, seguindo seu destino, o seu amor. Para sublimar esta ausência, os velhos se apegam aos netinhos...
Ninguém poderá viver sem um afeto.
Façamos um exame de consciência:
Será que, absorvido com o conforto, o aconchego da família, passeios e mordomias, você não estará cometendo uma injustiça, esquecendo-se daquele que, em outras épocas, lhe deu tudo, talvez o melhor de sua própria vida?
Que por você sacrificou uma existência inteira e ainda hoje o faria, se lhe fosse possível?
Será que, por desencargo da consciência, você não o jogou num asilo qualquer, negando-lhe sua assistência e o seu convívio no lar?
Isto seria uma crueldade; uma violência seria negar-lhe tudo.
O velho geralmente se conforma em ser um rejeitado, um marginalizado e se deprime, sentindo que realmente não serve mais para nada, nem mesmo para um conselho, uma opinião.
Mas não devemos pensar assim, eles valem muito, não só pela experiência que transmitem, de um passado bem vivido, como pelo conforto de sua companhia.
Nesta semana, em que homenageamos o idoso, pensemos um pouco, não só nos nossos velhinhos, mas também naqueles que estão perambulando pelas ruas, infelizes ou deitados nas calçadas sujas e frias, à mercê da caridade humana, ou espalhados pelas favelas, num desconforto total, doentes e famintos, numa repugnante promiscuidade!
Que esta bem lembrada homenagem não fique só nos jornais, mas que chegue até o coração da comunidade, conscientizando-a para que cada um de nós sinta necessidade, não só de amparar o idoso, mas amá-lo e respeita-lo, proporcionando-lhe uma vida melhor, digna, uma vida tranqüila, enfim, uma vida feliz!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


44569
Por Ruth Tupinambá - 21/3/2009 08:21:22

Hermes de Paula: sua adolescência, sua juventude

Ruth Tupinambá Graça

Não há necessidade de mostrar aqui hoje, uma biografia do Hermes de Paula, o médico, o historiador que todos conheceram, o cidadão montes-clarense que durante sua vida só fez o bem e aqui viveu até os seus últimos dias.
Sua vida foi uma história conhecida por todos, páginas belíssimas de um livro aberto, passagem de um espírito cheio de abnegação e amor do próximo, características de sua alma de sertanejo (100% montes-clarense) dando-nos o maior exemplo de solidariedade humana , lutando para o crescimento desta terra que ele tanto amou.
A sua companheira também, a fiel Josefina, que todos conhecem e admiram pela grandeza do seu coração, a firmeza do se caráter, a sua disponibilidade no bem servir, continuando “pari passu” a obra que o Hermes iniciou.
Portanto, vou falar apenas sobre passagens, que vocês desconhecem da vida de ambos, adolescência e juventude numa reminiscência de velha amiga, parenta e contemporânea.
Hermes era um rapagão elegante, bonito e com alhos muito verdes, olhos tranqüilos que espelhavam sua própria alma.
Andava despreocupado e feliz, sem grandes ambições.
Vivendo numa cidade do interior, sem grandes atrações, sua maior distração era pegar passarinhos no “Beco da Guarda”.
Por ali eles sumiam aos bandos, Hermes com seus companheiros: Jacinto Froes, Pedro Santos, Geraldo de Donato, Cassimiro Tupinambá, Abelardo Câmara, Túlio Froes, Raul Peres, Geraldo Athayde, e outros, com as tradicionais espingardas de cano de guarda-chuva, os bodoques, os estilingues bem caprichados.
A tiracolo um grande embornal com as munições: pólvora, chumbo, pedras de todos os tamanhos, bem escolhidas, complemento dos estilingues, na caça dos passarinhos. Por lá ficaa o dia inteiro e quando matara uma pomba verdadeira improvisava um guisado ali mesmo, à beira do Rio Vieira e o saboreava com os companheiros.
Depois de nadar bastante regressavam felizes. Para o Hermes nada melhor do que aquela excursão, era como se tivesse dado uma volta ao “mundo da fantasia”...
Nesta época o nosso rapazinho já estava com seus 14 anos.
Terminara o curso primário com louvores e distinção na Escola de Dona Alice Costa, a única Escola Particular da nossa cidade.
Percebia-lhe uma grande inteligência que urgia ser cultivada, mas nossa cidade tinha tão pouco a oferecer!...
Ele crescia livre como um pássaro, neste nosso sertão agreste e sem perspectivas.
Hermes era muito estudioso, gostava de ler romances de escritores franceses, que chegavam aqui, ou fascículos semanais como: “Aventuras de Pardilha”, “A Ponte dos Suspiros”, “ O filho de Pardillau”, “Os Miseráveis”, etc, romances vividos na França no tempo da “Guilhotina”, daquela luta tremenda entre a plebe e monarquia, a extravagante burguesia a fala nobreza.
Estes romances eram um acontecimento para todos nós que, já naquela época gostávamos de ler e para tal nos reuníamos em casa da tia Joaquina (mãe do Hermes) pois éramos todos “quebrados”. Ninguém tinha nem pretensão de ter dinheiro. Nossa sorte era o tio Basílio (pai do Hermes) que também gostava de ler e era tão camarada!... ele mesmo ia apanhar, na Banca de Revistas do ‘Zé Curió” (a 1ª de Montes Claros), os fascículos tão ansiosamente esperados. Lia primeiro, depois para o João, depois para o Hermes, e pela ordem de idade, a revista ia passando de mão em mão. Eram muitos os leitores, irmãos e primos que se abancavam na acolhedora casa dos tios Basílio e Joaquina.
Quando mais tarde eu aparecia por lá, o Hermes gentilmente dizia-me: “tem revista nova”, aí era minha vez.
Mas a infância passa depressa e eis que chegamos à adolescência com suas manifestações emocionantes, suas exigências e inclinações. O menino despreocupado de ontem, começa a sentir os anseios e impulsos próprios da idade. A sede de brincar afasta-se para dar lugar a coisas mais sérias e reais.
De repente sente que precisa trabalhar, já é hora de pensar no futuro. Foi o que aconteceu.
Mas numa cidade como a nossa 1 século atrás o que fazer? E como continuar os estudos?
Na falta de um colégio, empregou-se. Por sorte sua, o primeiro patrão foi o Dr. Plínio Ribeiro. O salário era insignificante, mas a lições do Mestre, valiam milhões.
Hermes era responsável e inteligente, seu patrão (que possuía o dom de prescultar a alma) descobriu cedo, que ele prometia grande futuro, começando logo a “lapidar” aquela inteligência em desenvolvimento, imprimindo-lhe o amor ao belo, a arte, a ciência, incentivando-lhe, no espírito, o sentimento humanitário indispensável ao médico, que, aliás, era característica marcante da sua personalidade.
Dr. Plínio Ribeiro foi o seu mestre e nesse contato cotidiano com seu discípulo, sentiu que ele deveria estudar, desenvolveu suas potencialidade numa Escola Superior. Mas como? Seus pais eram pobres. Tudo era difícil e precário em nossa cidade. Hermes ansioso aguardava uma oportunidade para realizar o seu sonho que já era uma obsessão.
A tia Joaquina também alimentava o mesmo sonho. O seu maior desejo era um filho médico, mas os obstáculos eram intransponíveis.
A minha tia era inteligente e já naquele tempo, em que as mulheres eram submissas (julgavam-se inferiores aos homens) e que o seu papel era apenas criar filhos, supervisionar a casa, ela já sentia a necessidade de proclamar seus direitos e a participação da mulher em todos os problemas (financeiros e sociais) da família. E como boa comerciante arquitetou um plano: conseguiu uma agênciazinha da “Loteria Mineira”. No afã de vender e prestar contas diariamente sempre sobrava algum bilhete e ela era obrigada a ficar.
E eis que um dia estourou na cidadezinha pacata a grande notícia: sorte grande para M. Claros. E quem era a felizarda? Joaquina de Paula!...
“Duzentos contos de reis”. Era dinheiro (naquele tempo) que nem ladrão carregava. Foi um alvoroço na cidade: foguetes, banda de música, muito café com biscoito, cerveja, pinga etc.
A família se enriqueceu como um “toque de mágica”! O Hermes antegozava sua ida para o Colégio e tudo se transformou na casa da Rua Dr. Veloso.
Trocaram grande correspondência, opiniões com amigos mais experientes, políticos da cidade e da capital e tudo ficou decidido. O enxoval foi feito às presas e o Hermes iria para um internato – o melhor da época: “O Granbery” em Juiz de Fora. Lá ele se adaptou muito bem tanto nos estudo como nos esportes. Quando regressou, em férias, era outro Hermes. Não era mais aquele tímido rapaz, que se consumia entre o balcão da farmácia e as lições do mestre. Praticara esportes e transformara-se em atleta, muito falante e desenvolvido, num humor admirável, e já com ares de Doutor. As mocinhas da terra se alvoroçaram e ele “mandava brasa”... nas férias
Durante o mês de férias a acolhedora casa da tia Joaqina era cheia de visitas e o nosso “bate-papo” era mais interessante porque ele agora era o professor, procurando transmitir, aos “primos pobres” as novidades do “Granbery” que ele não se cansava de exaltar.
Hermes era um tremendo “pé de valsa” e como não existiam Clubes Sociais em nossa cidade ele improvisava festas com sanfona, com os cultos estudantes em férias. Cobrava 1.000 reis dos rapazes (só para pagar o sanfoneiro) e arrebanhar as moças no celebre “footing da Rua 15”.
A tia Joaquina não se incomodava por sua casa se transformar em clube e o Hermes apenas dizia: “Mamãe, bota mais água no filtro”...
Estas festas de sanfona eram o delírio da juventude daquela época e ficaram celebres na nossa história.. e muita gente ainda se lembra com saudade da
“Cecília meu bem
Cecília meu xodó
Chorou pra ir mais eu
Êta pena, êta dó”
O Hermes muito cedo, demonstrou grande entusiasmo pelo nosso folclore e o exaltava apaixonadamente, cultivando prenuncio do que seria hoje, pois ninguém ignora que, graças a ele, hoje o nosso folclore é conhecido e admirado até no exterior.
Terminando o curso no Granbery, transferiu-se para o Rio de Janeiro e na Faculdade de Medicina, tudo correu maravilhosamente, ocupando sempre lugar de destaque.
Formado foi convidado pelo Instituto Virtual Brasil para continuar trabalhando em pesquisa (onde já vinha fazendo um grande trabalho) com vantagem, mas ele se recusou, preferindo voltar a esta terra que tanto amava. E aqui chegando, anel no dedo, rico, bonito, “boa pinta”, não faltavam candidatas e mães ansiosas, desejando-o para suas filhas “casadeiras”.
O primo Hermes foi mesmo muito cobiçado, mas não resistindo os olhos da prima Josefina (que já estava de “tocaia”) ficou encabulado.
Era realmente uma forte concorrente e justiça seja feita, era bonita para ninguém botar defeito.
Sim, eu a conheci e posso falar como prima, e como companhia desde a infância.
Alta, formas bem delineadas, um rosto muito bonito, pele muito alva e rosada, realçando grandes olhos esverdeados e uma farta cabeleira de um castanho mais puchado a mel, emoldurava o seu belo rosto.
Lá na “Rua de Baixo” (hoje Padre Texeira) ela era uma princesa e conquistava corações. Mas a Josefina era muito presa, o regimem do tio Olimpio na dureza e dizia: “mercadoria exposta não tem valor”. Criava filhas para se casarem e não para bater pernas nas ruas se oferecendo.
Coitada da Josefina!.. Para se espairecer, um pouco, arranjava umas aulas de bordado, corte e costura, flores e esporadicamente dava aquelas “fugidinhas”.
Portanto quando ela aparecia na “Rua de Cima”, fazia aquele sucesso! Todos queriam saber de onde surgia aquela “Cinderela” que, raramente aparecia na Rua de Cima, e fugindo apressadamente, sem que os “jaús” a acompanhasse, pois se tal acontecesse, era certo, ouviria um grande “sermão” e adeus aulas de bordado!
Mas o destino é um velho matreiro e se encarrega de armar as “arapucas” e o cupido se encarregava do resto.
As visitas do primo Hermes, em casa de tia se multiplicavam e as prima Josefina fazendo honras da casa, se desdobrava em atenções. Ele já era um doutor!...
E entre bandejas de café com biscoito, licores caseiros e tudo mais, os olhares se cruzavam, começando aquela linguagem que tudo traduz, deixando transparecer os segredos mais íntimos.
A beleza sem artifícios da prima, seus modos delicados, sua simplicidade, seu jeito de menina tímida, recatada sacudiam o coração do primo Hermes.
As mães dando o maior apoio, torciam e protegiam para que o romance não ficasse só no entusiasmo.
A Josefina desenganando os outros pretendentes, descobriu logo que o primo era mesmo o seu “Príncipe Encantado” e se entregou de corpo e alma, às artimanhas do cupido.
Hermes enfeitiçado até os ossos e se embalando na rede do amor, caiu “como um patinho na água doce”. Quando acordou (com prima não se brinca) estava “amarrado” no Padre e no Juiz.
Foi um casamento perfeito com véu, grinalda e flores de laranjeira e tudo mais que a noiva tem direito”
Desta união nasceram os filhos: Valéria, Valmor, Virgílio e Virgínia.
Hoje estamos homenageando Hermes e Josefina, pois é impossível falar dela sem se lembrar dele. Um está muito ligado ao outro.
Hoje, principalmente, estamos com o coração pertido, sentindo muito a sua ausência e uma grande saudade.
Ele ajudou a fundar o Elos Clube, ele viveu o Elos Clube. Ele adorava o Elos Clube.
O nosso querido Hermes se foi. Talvez ele nem quisesse ir tão cedo, pois pensava em realizar muita coisa!
E amando esta terra como ele amou, deve ter sido levado por Deus, que achou melhor dar-lhe o céu, como recompensa pelo grande amor que distribuiu entre nós aqui na Terra.
A história de Hermes todos conheceu. São páginas belíssimas de um livro aberto, passagens extraordinárias de um espírito cheio de abnegação e amor ao próximo.
É certo, ele se foi. Mas deixou conosco o seu grande amor, Josefina, que durante 42 anos foi a sua companheira ideal. Josefina foi sempre o delicado suporte, entretanto nele apoiado, falando a linguagem do amor; inspirando-se na música, Hermes constituiu maravilhas, pois só o amor constrói e a música é a linguagem do coração.
Hermes e Josefina se completavam. Juntos levaram nosso “folclore”, nossa música, a longínquas paragens, tornando-os conhecidos e respeitados.
Hoje, contemplando-a eu vejo o Hermes. Eles se tornaram tão parecido!...
Eu sei. Todos nos sabemos o quanto ela sofre neste momento, entretanto, o que a consola é a certeza de que onde quer que ele esteja, o seu espírito estará aqui presente entre nós, amando-nos e amando esta terra com a mesma intensidade e ainda mais: ele estará muito feliz sentindo a força e o amor que não pereceu em Josefina que procurou seguir suas pegadas invocando, em todos os momentos a sua presença.
E sentirá também muito feliz e tranqüilo ouvindo esta seresta, que todos nós adoramos, e que infelizmente morrendo o Hermes, a incansável Josefina não deixou que a Seresta também morresse!...
E que certamente, lá do céu, um “coro de anjos” ele acompanha tôo o sucesso desta Seresta que ele criou e tanto amou!...

* Ruth Tupinambá Graça

Membro da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 3/1/2009 10:34:07
Exupério, o ferrador

Ruth Tupinambá Graça

Foi uma grande época, a do cavalo. Hoje ele é vendido por milhões de dólares nos grandes e sofisticados leilões e é o hobby dos ricos criadores.
Mas antigamente, a história era outra. O conceito do cavalo era bem diferente e tinha um valor imprescindível, útil e necessário a todos. Um bom cavalo gozava de grande prestígio, era respeitado e cobiçado. Obediente uma vez amansado, relativamente barato e de grande serventia.
Todo fazendeiro que se prezava, possuía uma tropa bem tratada e até mesmo, os que moravam na cidade (os comerciantes), sustentavam aquele luxo, alugando pasto onde seus animais de estimação, principalmente um puro sangue (treinado para o cilhão de dona patroa) eram tratados com todo carinho, como ilustres pensionistas nas pastagens mais próximas dos compadres e amigos.
Era com enorme satisfação que, aos domingos, aqueles fazendeiros de verdade – Nozinho Colares, Valeriano Lopes, João de Figueiredo, Altino Maciel, João Mendonça, Orfeu Fróes, Elpídio da Rocha, Ilídio dos Reis, Levindo Dias, seu Dantas, Argemiro Machado, João Salgado, Zezé de Alfredo, Santos Braga, Antônio Lucrécio, Chiquinho Viriato e muitos outros, - desfilavam pelas ruas da cidade, elegantemente montados e com muito orgulho, mostravam um bom marchador ou um esquipador, cria da sua fazenda, numa sela amazonas da melhor qualidade, arriatas de prata brilhando ao sol, pelegos de pele de carneiro para melhor conforto do cavaleiro.
Aquele desfile de senhores sérios era um acontecimento importante, assistido e apreciado por um grande número de fazendeiros, criadores de curiosos, sendo uma boa oportunidade para fazer bons negócios e trocas.
Os animais, com suas crinas bem tratadas e penteadas, ancas lisas bem delineadas, pêlo reluzente, pernas firmes e pescoços perfeitos, davam um show de boniteza, enquanto as patas bem ferradas tiravam faíscas naquele grosseiro calçamento das nossas ruas.
Geralmente, o sábado era o dia escolhido para ferrar os animais, num ritual todo especial.
Exupério Ferrador (conhecido por todos), que em época remota foi jagunço, atuando bravamente no tiroteio de 06/02/1930, por ocasião da visita do vice-presidente da República, doutor Fernando de Melo Viana à nossa cidade, era o exímio ferrador, merecendo a total confiança dos fazendeiros.
Com a mesma facilidade e competência com que manejava uma carabina, ele dominava o animal, por mais arisco que fosse, e cravava-lhe a anca o ferro fumegante com as iniciais do seu dono, e também calçava-lhe as ferraduras, ajustando os cravos com rapidez e competência incríveis.
Ele sentia orgulho daquela profissão e tinha um jeito especial para trabalhar nas patas de um poldro de raça, um garanhão famoso ou uma égua de estimação. Era o preferido da cidade e ferrava pra ninguém botar defeito. Muito minucioso, media cuidadosamente as ferraduras, adaptando-as aos melindrosos cascos e aquecia, ao mesmo tempo, o ferro com as inicias, ao calor das labaredas numa fogueirinha, nos fundos do Mercado Municipal antigo, onde improvisava uma mini-oficina para aquele trabalho especial.
Durante aquela operação os donos dos animais assistiam atentamente, pois o cavalo era como se fosse gente, ou atém mesmo um parente que submetesse, no momento, a uma melindrosa cirurgia.
O Exupério, durante aquela função, torcia os enormes bigodes (que era seu orgulho), fazia mil piruetas, pegando e largando com agilidade as patas do animal, apertando os cravos nas ferraduras e na hora de cobrar, arrancava o couro dos fazendeiros, que pagavam sem resmungar pois com o Exupério, era pegar ou largar, não adiantava pexotear.
O cavalo era indispensável ao Tropeiro e ao Cometa para o transporte de mercadorias; ao fazendeiro, para o serviço de campo e modo geral para as viagens.
Foi uma época difícil, sem as rodovias e as ferrovias, em que o lombo do animal era o único transporte. Nossa cidade muito deve àqueles tropeiros que, durante séculos, supriram o nosso comércio com mercadorias trazidas de longe, enfrentando obstáculos e perigos sob um sol escaldante, poeira e calor, ou chuva, vento e frio, o tropeiro incansável seguia embrenhado-se nas matas e pacientemente arreava e desarreava os animais nas longínquas pousas sem conforto. Durante as viagens, que duravam três a quatro meses, com o coração embalado pelo tilintar dos guizos da madrinha da tropa, espantando melancolia, o tropeiro sentia-se feliz e alegrava-se com o retorno a Montes Claros, rever a família, os amigos e matar a saudade e sentir novamente o carinho do lar, tantos meses privado.
Esta luta durou anos e anos e hoje ninguém é capaz de avaliar quanto esses valentes tropeiros sofreram e o bem que nos fizeram.
Mas a civilização chegou trazendo o automóvel para desbancar o cavalo. Ao invés das quatro patas, as quatro rodas passaram a dominar e em lugar das selas de couro para as viagens, existem hoje as confortáveis e luxuosas poltronas. O som melancólico dos guizos da madrinha da tropa e do trote compassado dos animais nas estradas desapareceram e os nossos ouvidos sofrem com o som estridente de buzinas e o chiar dos velozes pneus no asfalto.
E a situação do cavalo é outra. Tratado especialmente em cocheiras luxuosas, deixam de ser o transporte de todos, todo dia e toda hora.
Hoje existem os haras modernos com todo luxo e conforto, onde os animais têm uma alimentação balanceada, rica em vitaminas e proteínas, controlada por veterinários competentes e atendimento em clínicas especializadas.
São transportados em carros especiais, estofados, com ar refrigerado e até música relax.
São vendidos por milhões de dólares em leilões sofisticados que mais parecem show da alta sociedade.
A criação do cavalo de raça é hoje privilégio de alta classe. É um hobby dos grandes empresários e fazendeiros quatrocentões, que fumam cigarros e charutos finos, bebem uísque importado, possuem jatinho para não perderam tempo, e, cheio de orgulho aguardam, tranquilamente, o sucesso e os lucros da sua criação famosa nos grandes leilões, nas importantes capitais.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 27/12/2008 08:37:11
Um casal inesquecível

Ruth Tupinambá Graça

Éramos crianças ainda, unidas pelos laços de família, numa convivência feliz ligados por uma grande amizade. Reuníamos em casa de tia Joaquina que morava na rua Direita, hoje Dr. Veloso. E preciso salientar quão maravilhosa e acolhedora era aque1a adoráve1 casa. Tia Joaquina e tio Basílio formavam o casal mais extraordinário que conheci até hoje. Ele era caseiro por temperamento, avesso a visitas. A primeira vista parecia um tipo displicente e indiferente. Era como se vivesse por acaso, it medida que os dias passavam. Sem vaidade, sempre metido num temo de brim ``KAKI`‘, um homem simples por natureza. Mas, quem com ele convivesse notaria logo um temperamento extraordinário de persistência e ação, ao lado de grande inteligência, que por circunstâncias precárias de sua infância e juventude não teve oportunidade de aprimorá-la nos estudos. Sua infância foi dura, sendo o filho mais velho e ficando cedo órfão de pai viu-se com a grande responsabilidade de criar uma família enorme. Entretanto discutia com os mais "sabidos" da cidade, dando-lhes "quinau", sobre a política internacional, direito, crise econômica e financeira do país. Ele ficava horas ouvindo pelo rádio as notícias da guerra.
Minha tia Joaquina era outro temperamento. Irrequieta, comunicativa, não sabia ficar parada, fazendo só as tarefas comuns das esposas domésticas daquela época. Era de uma inteligência, atividade e capacidade de trabalho admiráveis e, já naquele tempo, quando as mulheres pacientemente se julgavam inferiores aos "machões", ele já sentia a necessidade de proclamar seus direitos e participar dos problemas financeiros da família. A mulher a seu ver, poderia supervisionar o lar e ainda concorrer, de qualquer maneira, com a ajuda monetária.
Dentro do regime patriarcal daquela época estes pensamentos eram absurdos.
Os "machões" sentiam-se ofendidos e assim as mulheres se acomodavam ao mais fácil e nenhuma se sentia capaz de responsabilidades além de cozinhar, lavar e criar os filhos.
Mas minha tia Joaquina era diferente, dinâmica e, antes de tudo, uma perfeita comerciante, descobrindo, quando a nossa cidade não oferecia ocupação nem para os homens, tarefas que a mantinham ativa o dia todo. Ela ``bancava`` o Jogo do Bicho, que naquela época era livre, para a satisfação de todos. Não é extraordinário? Fazendo sua "fezinha" para as despesas eventuais e ainda nos presenteava com entradas para "matinês" que nos deixavam eufóricos.
Tinha uma freguesia certa de pessoas recatadas e discretas da cidade (que faziam sua "fezinha” escondido) e ainda uma turma de cambistas que vendiam nas ruas. O certo é que o negócio era bom e ela tinha uma sorte incrível, acertava sempre os passes.
Tio Basílio não travava suas atividades, pelo contrário, considerava até louváveis suas atividades comerciais. E com isso os dois se entendiam maravilhosamente.
Ele tinha os seus hábitos, que chegavam a ser manias, mas ela respeitava e não implicava com suas excentricidades. Já pensaram numa fogueirinha acesa todas as noites (durante a estão fria) numa sala de jantar? Era esse foguinho o seu maior prazer e nos (criança gosta muito de fogo) vibrávamos a seu lado. Ele se assentava num tamborete e ficava esquentando as mãos abertas com as palmas viradas para as labaredas enquanto nós, de cocares, ouvíamos embevecidos as aventuras tão interessantes do seu tempo de rapazinho. Ele tinha sempre uma história nova para nós, reminiscências de sua vida de tropeiro. Sim, ele fora um desses valentes e autênticos tropeiros a quem nossa cidade muito deve. Transportava de longe tudo que a nossa cidade precisava. E nesta conversa ao pé do fogo ele se abria conosco, recordava cheio de saudades de seus companheiros, das aventuras na mocidade, quando a juventude grita dentro do peito e as emoções nos embriagam. Das partidas ao alvorecer, saboreando uma gorda feijoada e da pinga forte que os esquentava nas manhãs e noites frias. Era um contraste: ele grande saudosista e ela prática e nunca fazia-lhe companhia nesta conversa ao pé do fogo. Ela percebia sua grande saudade já depois de velho, cabeça branca) dos tempos em que cheio de vigor, incansável, cortava extensas chapadas atravessando densas matas, ouvindo apenas o canto triste das zabelês e a música angustiante do tinir dos guizos da tropa...
E ali mesmo, mais tarde a tia Joaquina nos servia o infalível cafezinho quente gostoso acompanhado de "João Beó" (biscoito de fubá mimoso que ela fazia com perfeição) e que ainda hoje eu sinto o gesto na boca!
Vendo as labaredas subirem (desenhando no teto e nas paredes figuras exóticas) ele se animava com estimulado por um vigoroso tônico e se expandia. Contava os apertos de sua vida ate que se estabilizou aqui descobrindo a filha de Cassimiro Mendonça, morena bonita e faceira por quem se apaixonou,casando-se mesmo sem economias.
Incapaz de negar a quem o procurasse, muitas vezes o vi, à beira deste mesmo fogo, queimar promissórias pagas por ele, dizendo: "coitado, não tem coma resgata-las". Fazia isso sem alarde, por humanidade. Quando aqui se fixou casado, deixando as aventuras de viajante primitivo, foi durante muito tempo comerciante e, mais tarde fiel tesoureiro e coletor da antiga Câmara Municipal de Montes Claros, acumulando dois cargos sem pensar nas "cifras".
Era um funcionário "Caxias". Por nada deste mundo faltava à repartição, trabalhando de sol a sol e ainda tinha a petulância de ir à Câmara aos domingos. Isto porém por prazer, não era obrigado.
Por muito tempo ele foi presidente da Banda Euterpe Montesclarense, e um grande amigo e protetor dos músicos. O ensaio era toda semana em sua casa com o célebre café. A tia Joaquina, muito solícita, arrumava a mesa muito farta, com biscoitos e bolos deliciosos feitos especialmente para o café dos músicos. Juntava muita gente nas janelas para ouvir a banda tocar, e ai eles se esmeravam nos dobrados cientes de que eram observados e apreciados.
E era assim a casa de meus tios. Casa farta onde todos se sentiam à vontade, servindo-se e a qualquer hora do pão e café, sem cerimônia. E nada faltava na vida do casal. Mas, a tia Joaquina tinha visão mais avançada e trazia consigo a angústia de não dar aos filhos uma educação mais esmerada, um futuro mais brilhante, enfim, queria um filho doutor. Era o seu sonho. E isto estava fora do orçamento da laboriosa família. E, insatisfeita como umas formigas de longas pernas, tratou de ir mais além e, naquela época tão difícil, conseguiu uma "agênciazinha" da Loteria Mineira. Eu acompanhava suas atividades procurando ajudá-la no que podia, fazendo contas, tirando porcentagens, cobranças e, no fim do dia, ela na sua generosidade, sempre me presenteava com uma “notinha nova" que eu colecionava...
E nesta luta cotidiana, de vender e prestar contas era sempre obrigada a ficar com um ou dois bilhetes que não conseguira vender. E de uma destas feitas a notícia estourou na cidade. Duzentos contos para Montes Claros. E a felizarda era Joaquina de Paula! Foi um alvoroço. Foguetes e mais foguetes. A Banda Euterpe com seus músicos eufóricos, como se fossem soldados empunhando seus instrumentos reluzentes, se postaram em frente à casa saudando o rico e feliz casal. Muita cerveja, muito vinho, conhaque e café com biscoito.
Dai em diante tudo mudou na casa tranqüila da rua Dr. Veloso. A família estava rica, talvez a mais rica da cidade. Duzentos contos de reis, apuradinhos! Adquiriram bons e bem situados imóveis; uma farmácia para o filho mais velho, o João de Paula, que já praticara e tinha muita habilidade para preparar pílulas, poções e cápsulas, discípulo do saudoso Frois Neto. Depois de trocarem grande correspondência com os amigos de influência, firmou-se do Rio de Janeiro. O colégio para o Hermes de Paula, que tinha vocação para médico, trabalhando com Dr. Plínio que já descobrira belas qualidades do seu discípulo. A Maria de Paula, filha mais velha e não queris estudar, resolveu dar um passeio na capital para apanhar um "vernizinho". Aprendeu prendas domésticas, tornando-se uma ótima florista. A outra, mais nova, a Helena, formou-se na Escola Normal Oficial e arranjou logo um casamento. Rica e professora, não foi difícil, embora ela fosse muito avessa ao matrimonio. O caçula, Antonio de Paula, adulado e na barra da saia, continuou estudando aqui mesmo. Seguiu a mesma profissão do pai na Câmara Municipal, tomando-se um excelente profissional. Foi uma manobra feliz em casa dos tios, graças à “sorte grande" da tia Joaquina.
Tio Basílio foi um herói. Criou quatro famílias que ficaram ainda cedo sob sua responsabilidade, cujas irmãs viúvas com filhos e sem recursos encontraram abrigo e proteção do tio Basílio durante muitos anos. A sua doação ia mais além pois, quando tinha notícia de um sobrinho ou parente que morava longe, sem recursos para estudar,trazia-o para sua própria casa, dava-lhe toda assistência necessária, física, moral, intelectual e financeira até que tivesse condições de enfrentar a vida com sucesso. A tia Joaquina concordava e ambos repartiam o pão com quem precisasse. Entretanto o querido casal não mudou os seus hábitos. O dinheiro não deslumbrou nem afetou a generosidade de ambos. Continuaram a mesma vida simples e laboriosa e com as mesmas atividades. Ele com os mesmos temos de brim "KAKI" e ela com as mesmas "toilets" costumeiras, na mesma casa simples na rua Direita, onde moraram pobres e depois ricos os restos de suas vidas.
Ele continuou na Câmara Municipal e ela bancando o seu Joguinho do Bicho , e fazendo a sua fezinha na Mineira, por sinal que ainda ganhou mais duas vezes a sorte grande. E aquela casa tão querida por nós, tão acolhedora, deixou a tantos que a freqüentaram as melhores recordações.
Aquela casa continuou por muito tempo com as portas abertas para os parentes e muitos outros que dela se aproximaram solicitando amor e proteção, com uma imensa árvore com muita sombra e carregadinha de frutos.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 20/12/2008 08:12:39
Natal da minha infância

Ruth Tupinambá Graça

Pronunciado por Ruth Tupinambá Graça por ocasião da novena do Natal realizada no Edifício Vila Rica, na avenida Mestra Fininha, 536.

Queridas companheiras,
Hoje termina a novena, há momentos em nossas vidas que não encontramos palavras para traduzirem o que sentimos e o que vai em nossos corações. Acreditem, gostei demais dessa nossa convivência e não poderia deixar de manifestar-me.
Quero, neste momento, agradecer a Nossa Senhora, Nossa Mãe Santíssima, esta oportunidade de acompanhar, com vocês, esta novena de Natal, esta demonstração de amor e piedade como verdadeira cristã.
Ouvindo estes cantos tão bonitos e emocionantes, as preces e depoimentos tão cheios de fé, durante este nosso encontro, eu me transportei ao passado, especialmente à minha infância e a saudade bateu forte neste velho coração, tudo veio a minha imaginação, como um filme lindo, colorido, que vimos na infância e do qual jamais esqueceremos.
Como num “passe de mágica”, lembrei-me da antiga Praça da Matriz, (hoje Dr. Chaves) onde passei toda minha infância, acompanhando todas as festas religiosas, nesta Matriz de nossas Senhora e São José, principalmente, as comemorações do Natal. Eu ficava encantada, com o presépio daquela igreja!
Era com verdadeiro amor e devoção que eu ia visitá-lo e na minha inocência eu sofria vendo o Menino Jesus com seu corpinho seminu, deitado sobre palhas, numa manjedoura, somente aquecido pelos animais que o cercava, enquanto Nossa Senhora e São José contemplavam extasiados aquele milagre!
A mamãe (quanta saudade) dava-me todos os dias, uma moedinha que eu levava (apertada na pequenina mão) para colocá-la aos pés do Menino Jesus, Isto eu fazia com aquela alegria, fé, inocência e sinceridade que só as crianças sabem fazê-lo. Como me recordo de tudo! O Natal daquele tempo era tão diferente.
As crianças tinham mais fé e adorava o menino Jesus e o Natal era um acontecimento importante em todos os lares. Acreditavam no Papai Noel e esperavam o “bom velhinho” com ansiedade; e pela manhã quando acordavam os olhos brilhavam de alegria vendo, nos seus sapatinhos, os esperados presentes.
Mas era tudo tão simples! Sem o exagero de hoje, mas cheio de amor e devoção. Naquele tempo, nossa cidade era pequena e longe da civilização, mal servida de comunicação, esquecida pelos nossos governantes, mas extremamente tranqüila e solidária. As famílias se comunicavam encontrando tempo para visitar os amigos, vivendo como uma só família, livre das cercas elétricas e dos muros altos, que hoje, infelizmente, dificultam as visitas.
Eu me recordo de tudo (a cabeça ainda está boa), em todas as casas o presépio era o grande acontecimento do Natal e cada qual se esforçava para fazê-lo mais bonito.
Lembro-me da minha mãe, tingindo os jornais de preto (com pó de carvão) para fazer a gruta, plantando também o arroz em latinhas (no dia de Santa Luzia) para enfeitar o presépio de nossa casa; colocando espelho fingindo água, onde os patinhos nadavam...
Eu ajudava a minha mãe, arranjando sempre uma novidade (uma pedrinha diferente, uma casca de pau coberta de lodo, um cogumelo) para ornamentá-lo.
As famílias preparavam-se para receber as visitas e juntas rezavam o terço e cantavam emocionadas as melodias do nascimento de Jesus.
O grande Largo da Matriz era o ponto alto onde tudo acontecia.
Vinham também as pastorinhas, lindas com roupas e arcos coloridos. Ao som dos pandeiros dançavam e cantavam alegrando ao ambiente.
Eu me recordo, também, da Folia dos Santos Reis, que vinha de longe trazida por meu tio Pedro Mendonça, que a organizava e era o mais entusiasmado “folião”. Em noite alta, quando a lua prateava aquela praça, acordávamos com os seus cantos, visitando as famílias, pediam licença e entravam.
A felicidade daquele grupo de homens do campo, na simplicidade de seus trajes, com alvas toalhas bordadas em volta do pescoço, cujas pontas caíam na frente onde se descansavam as violas, rebecas e violões, era cativante. Prestavam homenagem aos Reis Magos com seus cantos numa extraordinária devoção e fé inata de corações tão puros.
Entristece-me hoje sentir a diferença do Natal de outrora. O consumismo tomou conta de tudo e de quase todos, e as compras exageradas se multiplicam.
De modo geral, enaltecem demais o Papai Noel e os presépios estão cada vez mais escassos. O menino Jesus deixou de ser o símbolo do Natal. Mas, felizmente, ainda existem famílias como vocês que comemoram com muito amor o 25 de dezembro enaltecendo Nossa Senhora e se amado filho.
Agradeço de coração a oportunidade de participar com vocês desta novena, que termina hoje, e me fez voltar ao passado e recordar a minha infância.
Rezamos juntas, e juntas nos conhecemos melhor, nesta convivência de religiosidade que, por certo, recordaremos com muita saudade na certeza de que: Haverá sempre um Natal enquanto existir amor verdadeiro em nossos corações.
Um feliz Natal para vocês e familiares, e que o Jesus esteja sempre presente em nossas vidas e nos proporcione outros encontros, outras novenas, outros Natais.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 27/9/2008 09:31:26
Um saudoso piano... e sua história

Ruth Tupinambá Graça

Dulce Sarmento era a nossa professora de música e canto coral na Escola Normal Oficial de Montes Claros. Lecionava em todos os turnos, para todas as turmas, ainda ensaiava, em horas extras, com os alunos para os teatros que organizava em beneficio da Caixa Escolar.
A Escola Normal era de uma pobreza de fazer dó. Faltava-lhe tudo. Longe da civilização, nos anos 30, o que seria Montes Claros, abandonada, esquecida, principalmente nessa área de educação?
Mas o montes-clarence (que já era teimoso naquele tempo) querendo o melhor para sua terra, enfrentando todas as dificuldades, fazia nossa escola crescer, sendo já considerada escola modelo nesta região norte mineira, a qual prestava grande beneficio acolhendo todos os alunos daquela região.
Na nossa escola havia de tudo um pouco e o currículo enriquecido com as aulas de artes, artesanato e até culinária. Saíamos daquele educandário prontas para enfrentar a vida.
As aulas de estágio eram apertadas e fiscalizadas por inspetores da capital e quando alcançávamos o terceiro ano do Magistério, chamava-nos de alunas-mestras, título que muito nos empolgavam.
Mas, ai é que morava o perigo. A turma das classes anexas à Escola Normal (própria para estágio) nas quais fazíamos o treinamento para professora, era por excelência, composta por alunos espertos e inteligentes. Estudávamos muito, para não passarmos vexames com as perguntas maldosas e indiscretas dos espertalhões daquela classe.
Ainda me lembro do Mauricinho (hoje doutor Maurício) e do Zé Narciso. Adoravam colocar as alunas –mestras em apuros. Não perdiam oportunidade, fazendo cada pergunta...
Ficávamos de olho vivo peraltas, não obstante, muitas caiam em suas picaretagens e se encabulavam, perdiam o controle, o que lhes dava o maior prazer.
Mas havia muita mestrinha bonita, de olhar lânguido e de belas formas... e se aproveitando dos dons com que a natureza lhe dotara, jogava o seu charme, enfeitiçando aqueles moleques que, absorvidos com tamanha boniteza, se esqueciam as picardias.
Mas, voltando à música, Dulce no seu idealismo, procurava um meio de melhorar as suas aulas e aprimorar o nosso gosto musical. Queria nos ensinar a apreciar Chopin, Bethoven e Sebastian Bach.
Sonhava muito alto... sonhava com um piano para nossa escola.
Foi uma novela a compra daquele requintado instrumento. Houve discussões entre a diretoria e professores. Consideravam a idéia absurda, peso demais para nosso fordinho...
Mas a Dulce não desanimou com os protestos da velha guarda e embalada pelo entusiasmo dos alunos, prosseguiu naquela idéia. Houve troca de cartas, propostas e o negócio foi fechado com uma grande firma de Belo Horizonte.
Um belo dia o piano chega em Montes Claros, depois de uma longa viagem e muitas peripécias pelas estradas precárias do nosso sertão.
Instalaram-no no salão de festas, coberto com uma capa de feltro verde. A notícia correu rápida entre os professores e alunos. Mão houve aula naquele dia. Todos queriam ver a bela peça, admirar a beleza de suas linhas e brancura imaculadas de suas teclas, o brilho intenso do seu verniz. Era um legítimo Essenfelder.
Dulce, eufórica, caminhava nervosamente para lá e para cá, enquanto os curiosos tomavam conta do salão. Não resistindo aos impulsos do seu coração e os pedidos dos presentes , assentada na banqueta alcochoada de veludo vermelho (que acompanhava aquele belo instrumento), tocava músicas românticas, clássicas, retratos do seu gosto apurado.
Mas a euforia passou. O entusiasmo arrefeceu e tudo chegou nos devidos lugares. Estava na hora de pensar nas prestações, promissórias e nos juros.
Coitada da Dulce! Arcou sozinha com toda a responsabilidade daquela enorme dívida. Não contava com as mensalidades dos alunos, na maioria pobres. A caixa escolar mal dava para pagar as despesas da escola e a verba do governo, nem em pensamento.
Teve uma idéia: tirar dinheiro do próprio piano. Mas como? Fazendo chá dançante aos domingos, cobrando ingresso dos rapazes.
Alguns pais ranzinzas, não gostavam da idéia. Mas, que mal havia numa dança inocente (sem bebida) e durante o dia?
Entretanto, havia um porém. O prédio era muito grande, o quintal um matagal onde o colonhão crescia à vontade e se estendia até ás margens do Rio Vieira e quem sabe?... algum casalzinho afoito tentasse um passeio pelos campos e aprontasse...
Haveria, portanto, uma dupla proteção: alem dos familiares, professores seriam escalados, sob o sistema de rodízio, para vigiar as moças...
Diante daquela medida, os pais cederam e as filhas conseguiram livre arbítrio.
Tudo combinado. As alunas passariam os ingressos aos rapazes (dez mil réis), com exceção do Haley Jansen e Antônio Rodrigues que os recebiam gratuitamente toda semana. Eles seriam os animadores daquela promoção pois, com bonita voz, a alegria e humorismo dos dois, verdadeiros pé de valsa e que nunca se faziam de rogados.
Não existiam clubes sociais em nossa cidade. Portanto, aquela notícia foi recebida com entusiasmo entre a rapaziada. A dança era um meio de se aproximar mais das moças que eram extremamente presas e controladas pelos pais.
Todos os domingos, das 13 às 17 horas, o som maravilhoso do piano ecoava-se pelas ruas próximas da Escola Normal, acompanhando pelo saxofone do Tonico de Nana, a clarineta do Adail Sarmento e do bandolim do Ducho, numa contribuição gratuita.
As alunas vibravam numa euforia total, aquela oportunidade não era de se jogar fora. Embonecavam-se com vestidos leves, cheio de renda e rococó saltos Luis XV, perfumadas, bonequinhas de coração, especialmente femininas, numa beleza natural sem artifícios.
Não existia salão de beleza, recorríamos a colegas mais habilidosas para nos quebrar o galho.
A Maria Soares era disputadíssima. Tinha mãos de fada para fazer cachinhos, papelotes, ondular cabelos com perfeição e ainda bancava a manicure. Era execepcional.
Logo cedo corríamos a sua casa tirando-a da cama.
Aracy (sua mãe) ficava nervosa com aquela invasão de domicílio, antes mesmo dela passar a vassoura na sala de visitas.
Maria, com sua disponibilidade e bom humor, nos recebia com um sorriso. Ela gostava de ouvir as fofocas e novidades de primeira mão e, enquanto suas mãos habilidades procuravam dominar os rebeldes cabelos, despejávamos as novidades da semana, as rixas e briguinhas amorosas das colegas.
Nem sempre ela conseguia atender a todas (ela também era filha de Deus) e teria que se cuidar, para fazer como nós, aquele sucesso no esperado chá dançante.
A Dulce, com sua criatividade, não deixava a peteca cair. Inventava novidades para animar os pares, distribuía Cotillons, trovas, cartões para contra-dança, prendas etc.
Era com ansiedade que os namorados aguardavam ouvir seus nomes ligados àquelas brincadeiras interessantes e emocionados trocavam olhares naquela linguagem que só eles entendiam.
Foi um tempo bom graças ao piano e o dinamismo da querida e saudosa Dulce Sarmento, que dedicou a Montes Claros grande parte de sua vida.
Muitos namoros, noivados e casamentos floresceram e se realizaram à sombra daquele piano.
E foi assim que pagamos as dividas, melhoramos nossa escola, ajudamos nossa comunidade a crescer e... multiplicar-se.
E o piano, onde andará?
Confesso que tenho vontade de revê-lo, pois tenho dele as mais gratas recordações e uma enorme saudade!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 20/9/2008 08:22:19
Menino de rua

Ruth Tupinambá Graça

Menino de rua, infelizmente você existe e persiste. Espezinhado, maltratado, roupas em farrapos, pés descalços, faminto, vocês é o retrato da nossa displicente assistência social.
Como os lírios do campo que brotam na terra ressequida após as queimadas, e crescem maravilhosos, com suas pétalas sedosas e encarnadas num contraste com a terra esturricada, assim também você, menino de rua, nasce dos meios mais sujos e miseráveis, numa promiscuidade repugnante.
Mas você nasce puro, belo como os próprio lírios, porque todas as crianças nascem boas mas a sociedade e o meio as corrompem.
Filho sem pai (porque pai é aquele que assume a paternidade de seu filho) de mães solteiras, na maioria alcoólatras inveterados, sem lar e sem pão.
Você dorme debaixo das marquizes dos viadutos, das árvores, apinhado com irmãos menores e a mãe recendendo cachaça, encolhido, tendo como leito o chão frio, como teto um céu estrelado...
Você existe sim, menino de rua, mas a humanidade o ignora, não o vê, porque o pior cego é aquele que não quer enxergar... porque não lhe convém.
Cansado e rasgado com a barriga vazia, você perambula pela cidade em busca do pão encostando-se aos portões dos bares e restaurantes, catando sobras de comida nas latas de lixo.
Você existe sim, menino de rua, mas você não tem nome. Despersonalizaram-no.
Você é hoje, simplesmente, um pivete (um perigo para a sociedade) assustando as madames, quando num gesto faminto, você procura tirar-lhe a bolsa, e apavorando as crianças quando, com olhos agressivos e curiosos você tenta dar uma voltinha na caloi (seu maior desejo) ou num patinete.
Ninguém o perdoa por esse gesto e o castiga esquecendo-se de que você é também criança e que brincar é um direito seu.
Você, menino de rua, aprendeu a roubar para matar sua própria fome, e a frieza e indiferença da sociedade fizeram da você um marginal.
Você se tornou precoce na escola da vida, conhecendo muito cedo a maldade dos homens que, ao invés de colocá-lo numa escola com assistência social própria para sua idade jogam-no nas deprimentes prisões, sob castigos e torturas que o tornam cada vez mais agressivo e revoltado.
Prisões onde o menor se torna mais viciado ainda, e muitas vezes são forçados por presos tarados e anormais, a satisfazer seus instintos sexuais animalescos e então, os delinqüentes se multiplicam.
Você existe sim, menino de rua, em vésperas de eleições e com toda a demagogia política, você é então lembrado, quando milhares de candidatos se aproveitam da boa fé dos eleitores usando o menor abandonado como um dos temas principais das suas campanhas.
Durante meses seguidos se lembram de você, os jornais, revistas e televisão nos dão à impressão de que falam a verdade, prometendo minorar seu sofrimento, dando-lhe moradia, alimento e instrução, enfim, uma assistência completa.
Mas, eis que as eleições se findam e com elas, a vergonhosa campanha das promessas e barganhas...
Os derrotados nada têm a fazer. Perderam, portanto, estão livres dos compromissos... e os vitoriosos, os marajás, preocupam-se somente com as ascensões, ocupando os mais importantes e rendosos cargos, empregos paras os afilhados e interesseiros eleitores.
Os problemas asfixiantes do governo são adiados, e o menor abandonado, ponto alto da campanha eleitoral, cai no ostracismo, ficando todas as promessas nos palanques...
Mas existem ainda, pessoas conscienciosas, que acreditando nas promessas, insistem no problema na esperança de uma solução. Vão para a televisão, nos mostram casos angustiantes, a degradação em que vivem estas crianças sem lar, sem família, sem amor, os jornais e revistas exibem fotografias deprimentes. Os órgãos de assistência social mais credenciados, nada fazem, esperando verbas que nunca chegam, ou se atrasam. A justiça para o pobre não existe. O pivete é o zero à esquerda. Ninguém o defende, ninguém fica do seu lado, acusam-no e os pivetes se multiplicam.
Em quem poderão estes infelizes se apoiar e em quem confiar?
Por acaso alguém se lembra de oferecer-lhe um prato de comida, quando estão morrendo de fome e inanição? E roupas para cobrir seu corpo sujo, tostado pelo sol e maltratado pelo vento frio das altas madrugadas ao relento?
Crescem agressivos, revoltados, carentes de tudo, sem o amor dos pais e a tolerância dos adultos.
Quantos tentam ser gente (aqueles que de qualquer maneira tiveram alguma orientação) procurando um trabalho, engraxando ou lavando carros. Outros, arriscando a vida, atravessam os sinais e se aproximam tentando vender frutas em saquinhos, doces balas e até bijouterias.
Mas não há cooperação. As pessoas são trias, indiferentes. Estão muito preocupadas com os negócios, os milhões, as festas, o futebol e nunca com os pivetes. Não lhes dão atenção, pelo contrário, desestimulam e até os maltratam.
Abre o sinal e os carros partem, como flechas, deixando-os com os braços estendidos numa eterna imploração e os olhos cheios de mágoas e decepção.
Você, menino de rua, você insiste em sobreviver, investindo contra a miséria humana? Até quando?
Só mesmo um milagre poderá mudar sua sorte. Enquanto isto que o pivete se dane, multipliquem os delinqüentes e morram crivados de balas, aos olhos de todos, como aconteceu ao pobre e infeliz Pixote!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 13/9/2008 09:01:29
Irmã Beata e seus anjos

Ruth Tupinambá Graça

Irmã Beatriz (carinhosamente a chamávamos Irmã Beata) nasceu em Batton na Holanda a 20 de Janeiro de 1880. Deixou todo o conforto das grandes cidades do seu pais, trocando-as pelo nosso abandonado sertão.
O seu bondoso coração gritou mais alto sabendo das necessidades e sofrimentos principalmente dos pobres da nossa terra, dando sua assistência como enfermeira na Casa de Caridade, criada pelo Governador da Província sob o decreto n° 1776 de 21/12/1871, com verbas conseguidas pelo Dr. Carlos Versiani e o Deputado Justino Câmara.
Infelizmente não existia um patrimônio próprio, a Instituição sem recursos, para socorrer desvalidos, era sustentada por pequenas quotas consignadas nos orçamentos Provinciais. O povo também colaborava por intermédio da Sociedade Religiosa Nossa Senhora das Mercês a qual era responsável por todos os negócios e direção da Instituição.
A Casa de Caridade era apenas um casarão(localizada na praça hoje Dr. Carlos) sem nenhum recurso. Faltavam aparelhos cirúrgicos, enfermeiras, remédios leito e alimentação. A cozinha á lenha, era a mais rudimentar possível, com vasilhames escassos. A falta de água canalizada tornava-se difícil a limpeza geral do hospital e as roupas eram lavadas em bacias e ferventadas em grandes calderões.
A partir de 1887 a vida da Casa de Caridade foi uma verdadeira “novela”, enfrentando obstáculos políticos, sociais, religiosos e financeiros, sobrevivendo por milagre.
Em 1903 a Casa de Caridade mudou-se para o fim da Av. Cel Prates (Av. Estrela na época) ocupando 3 chalés antigos.
O 1° médico da cidade e o1° diretor clínico da Instituição foi Dr. Carlos Versiani trabalhando 58 anos (quase sem remuneração). Por sua morte foi substituído por Dr. Honorato Alves.
Em 1908 Daniel Costa, talvez o maior benfeitor da Casa de Caridade, deixando em testamento, todos os seus bens para esta Instituição e pobres da nossa cidade. Com a valorização dos imóveis, a situação, financeira desta Casa melhorou e também as suas instalações e atendimentos.
A partir de 1911 (época da sua chagada a M. Claros) Irmã Beata assumiu a direção da Santa Casa permanecendo até 1951 (quando faleceu) trabalhando incansavelmente, atendendo ricos e pobres com o mesmo carinho e paciência. Quase todos os montesclarenses, que hoje estão formados e realizados, comerciantes, industriais e fazendeiros, enfim, pais de família, passaram por suas mãos.
Ela passava noites inteiras á cabeceira de doentes e no dia seguinte continuava no “batente”, lutando para salvar vidas, que viam nela sua última esperança. Era uma verdadeira Santa, como disse o Dr. Luiz Pires em seu depoimento: -“Ela tinha capacidade para resolver todos os problemas da Santa Casa quase sozinha”. Ele confessou (quando foi provedor) que ficava assustado; ele não conseguia resolver um “problemão daqueles” e pacientemente ela dizia-lhe: -“Não fique preocupado Pirezinho, Deus vai resolver.”.
E as soluções sempre vinham satisfatórias.
Naquela época existiam médicos parteiros, o encontro com a “cegonha” era missão das parteiras e elas atendiam nossa comunidade e o município.
No final da década de 30, chegaram em nossa cidade os primeiros médicos parteiros: Dr. Alfel de Quadros, Dr. Hermes de Paula, Dr. Pedro Santos, Dr. Aroldo Tourinho, recém-formados. Mas a preferência era ainda Irmã Beata. Não só pela confiança e segurança que ela inspirava, pela pratica, carinho e paciência, mas também pelo constrangimento e inibição que as mulheres (daquele tempo) sentiam ao enfrentar um médico parteiro.
O parto era difícil e doloroso. Horas intermináveis, sem analgesia, numa cama patente comum, desconfortável. Não existia sala especial, mas com a presença da Irmã Beata, todas as pacientes se sentiam tranqüilas. Ela não se afastava um minuto siquér, pacientemente esperava, com fé em Deus, a chagada do bebê, confiada na resistência da mãe e nas reações do próprio organismo.
E o milagre acontecia! O bebê nascia realmente. Não se fazia cesariana (naquela época) em nossa cidade.
Seus olhos brilhavam de alegria e segurando-o ainda sujinho de sangue e exclamava: ”É mais um anjinho que Deus me mandou!”.
Cortava o umbigo, fazia curativo enquanto o bebê esguelava! Dava banho ali mesmo, arrumava-o todo cheirozinho, colocando-o ao lado da mamãe, que era só felicidade.
A chegada do nenê era uma grande festa! O pai vinha (depois de horas de aflição, fumando se parar) todo contente e curioso para conhecer o “herdeiro” e os irmãozinhos chegavam, desconfiados, querendo ver o nenê que a cegonha trouxera para a mamãe.
E ali, naquele quartinho sem luxo, a felicidade estava presente.
Durante o dia o bebê permanecia ao lado da mãe, recebendo as visitas de praxe. Como não existia berçário, a noite Irmã Beata levava-o para seu quarto, para a mamãe dormir tranqüila. Isto era maravilhoso! Saber que seu filho estava protegido pelas mais santas mãos.
No dia seguinte, depois do café, ela aparecia no quarto, com aquele sorriso constante dizendo: “Está aqui o seu filhinho, procedeu como um anjo, mas agora ele quer mamar.”.
Apesar das dificuldades da Santa Casa as pacientes eram tratadas como princesas. A comida caprichada e leve; pirão de frango e variada, tudo com muito cuidado para não “quebrar o resguardo”. No café da manhã e no lanche, biscoitinhos caseiros deliciosos (feitos por Irmã Beata) e a noite um chasinho de canela para recuperar as forças.
Com tamanha mordomia, a mamãe não tinha pressa em sair e se esbaldava 8 a 10 dias. Quanto ao pagamento (nada estipulado) ficava á critério do cliente que dava o que podia,ou queria.
Este tratamento era para todas as pacientes, sem distinção de classe ou de cor.
Devemos louvar, agradecer e bendizer aqueles pioneiros desta grande Instituição, que no passado trabalhavam tanto para que ela crescesse e se transformasse neste Hospital que é hoje: Irmandade Nossa Senhora das Nercês, uma potência em todas as áreas da medicina, com aparelhamento mais modernos, assistência médica com um atendimento para ninguém botar defeito.
Pena que a Irmã Beata, que tanto lutou, não esteja aqui hoje para ver o seu sonho realizado.
Há muito ela se foi. Está no céu. Os anjos devem entoar.-lhe lindos cantos e rodeada por eles, fazendo jus ao que ela fez aqui na terra, durante toda sua vida: salvando vidas e recebendo anjos, os lindos anjos de nossa terra!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 9/9/2008 16:42:42
DULCE SARMENTO, A INESQUECÍVEL

Ruth Tupimanbá Graça

Desnecessário se torna uma biografia de Dulce Sarmento, montes-clarence cem por cento que viveu e conviveu aqui conosco, numa enorme doação, tanto como professora e mulher na nossa sociedade, cheia de entusiasmo, amor e persistência, dando-nos o maior exemplo de solidariedade humana, colaborando em tudo com todos, em qualquer acontecimento de nossa sociedade.
Voltando ao passado, um passado longínquo, quando esta Montes Claros adulta, grandiosa e forte, transbordando de população e progresso, era apenas uma criança começando a engatinhar.
A nossa praça Dr. Carlos, hoje tão movimentada, cheia de barracas coloridas e infinidades de objetos, de todos os tipos, artigos do Paraguai e de nossos artesãos, exposto como uma grande feira, ao contrario dessa paisagem bizantina, esta praça apenas um largo tranqüilo, cercado de arame farpado e se chamava Largo de Cima.
Este Largo simples sem grandes atrativos era a sala de visitas da nossa cidade e também um lugar aconchegante, sombreado por árvores seculares, onde a tarde as crianças brincavam correndo entre os canteiros, onde apenas a boa noite, flor agreste, desabrochava em profusão, numa demonstração de força da natureza.
Neste largo, uma grande e confortável casa colonial antiga, de telhado escuro pelo mofo (retrato do incontrolável tempo), enormes janelas envidraçadas tipo guilhotina, morava o coronel Sarmento, chefe de uma grande e tradicional família de nossa terra, onde a Dulce era a décima segunda filha. Nessa casa, Dulce passou sua infância cercada pelo carinho de seus pais e irmãos. Era uma casa alegre, cujos saraus se repetiam constantemente, pois o coronel Sarmento gostava de música e alegria.
Brincando despreocupadamente neste largo que a viu crescer, Dulce Sarmento chegou a adolescência e já era uma mocinha bonita e saudável. Bem cedo demonstrou grande inteligência, sobressaindo entre suas colegas na escola, com um temperamento excessivamente alegre, comunicativo e dinâmico, voltado para a música.
Dulce era o dodói do coronel Sarmento e como homem inteligente e culto percebeu cedo, a vocação de sua filha, que ao seu ver, era gênio, uma artista inata e que se tornava urgente a sua ida para a capital cursar um bom colégio.
Foi um drama sua ida para Belo Horizonte, até conseguir convencer dona Afra, sua mãe, se separar da alegre e querida Dulce.
A falta de estradas, o desconforto da viagem, a separação dificultavam o sonho do coronel Sarmento, mas Dulce era persistente e sabia o que era melhor para si e que aquele sacrifício, deixando a casa, a cidade e a convivência familiar, seria compensado futuramente.
E numa manhã clara e ensolarada, uma grande comitiva com pessoas da confiança do coronel Sarmento, partia daquele mesmo Largo, a cavalo, conduzindo a Dulce até Corinto, onde pegaria o Expresso para Belo Horizonte.
E assim, Dulce se foi para realizar seu sonho e do seu velho pai.
Os anos passaram, as dificuldades de transporte prenderam-na na capital e as cartas, embora atrasadas, eram o consolo para toda a família, narrando o sucesso daquela aluna aplicada, que surpreendia seus professores pela sua capacidade e criatividade musical, enchendo de alegria o coração do saudoso pai.
Sem perder tempo e aproveitando todas as horas de folga para um constante treinamento, a Dulce formou-se rapidamente, com muitos elogios e prêmios. Foi uma aluna brilhante.
Convidada para lecionar na capital, preferiu retornar à sua terra natal, da qual sentia muita saudade e amava demais.
Aqui chegando, recém-formada e cheia de entusiasmo, a cabeça e coração transbordando de sonhos e esperanças, sua vontade era trabalhar e repartir o que aprendera. Mas nossa cidade era muito pequena e com um campo de trabalho restrito. Entretanto, não desanimou e com alegria contagiante atendia a todos que a procuravam, não se fazendo nunca de rogada. E assim, tocava em festas, em sertões de famílias (não existiam elites sociais na cidade), nas igrejas e no único cinema local (no antigo Cine Montes Claros) numa total boa vontade.
Uma vida inteira dedicada às obras da Matriz. Era ela que ensaiava os anjos nas coroações de Nossa Senhora, ensinando-lhes os mais belos cantos, orgulhosa e feliz quando dentre eles, descobria uma voz mais afinada e forte. Era como se descobrisse um tesouro. Para ela, os lindos anjos da cidade eram a vida da Matriz, eram a vida de Montes Claros, eram a sua própria vida. E à noite lá estava Dulce, incansável, a pedido dos pais, acompanhando os cantos nas coroações, juntamente com o Toninho de Naná, Ducho e Adail Sarmento.
Sua estréia no Magistério foi no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, Substituindo sua irmã Lainha, sentindo-se felicíssima e desdobrando-se nas aulas de Canto Coral.
Temperamento ativo e capacidade de trabalho extraordinária, excedia o horário normal, organizando teatros com seus alunos em beneficio da Caixa Escolar. Centenas de vezes levava as crianças para sua casa para os ensaios e, enfrentando todas as dificuldades financeiras, realizava o teatro que era um sucesso. Socialização e desenvolvimento para as crianças de nossa terra e beneficio para a escola, sobretudo a sua manutenção. Com a renda do mesmo aplicada em material escolar, alimentação e vestuário para os alunos, na maioria carentes.
Naquela ocasião, não existia para a nossa escola pobre a merenda escolar e o governo nem se lembrava que Montes Claros existia. Era a dureza do sertão. Entretanto a Dulce já sentia o problema e procurava ameniza-lo.
Mais tarde, foi nomeada professora de música da Escola Normal Oficial de Montes Claros e também do Colégio Imaculada Conceição, mantendo ainda um grande número de alunas particulares, podendo se dizer que quase todas as pianistas da nossa cidade foram suas alunas.
Durante anos foi também inspetora educacional em várias escolas da nossa cidade.
Conservou-se solteira, mas nuca se sentiu frustrada por não ter encontrado o seu príncipe encantado, que geralmente é o sonho de todo mulher.
Realizou-se plenamente na sua vocação, sempre tranqüila e feliz, tocando o seu piano em todas as oportunidades, ensinando música, espalhando e transmitindo alegria por onde passava, aos alunos e amigos e principalmente às crianças, pelas quais tinha um carinho especial.
O bom Deus concedeu-lhe a grande graça do bom senso nunca perturbado por sentimentos de ódio, de vingança, de ambição exagerada e orgulho, sentimentos aqueles que são por eles influenciados.
O bom humor não a abandonou jamais. Chegava a ser humorista de graça e benevolência nos ângulos que descobria em certas situações difíceis. Mas era séria e austera em todos os atos, justa em todas as decisões: quer na escola ou entre alunos e professores e principalmente uma pacificadora. Teve sempre especial aptidão para conciliar, para amenizar, para eliminar incompreensões e antagonismos. A paz, a concórdia, valores que muito estimava, reinaram por fim em toda sua vida.
Dulce, lídima expressão do equilíbrio e do bom senso, oferecia segurança e paz.
Dulce Sarmento, personalidade marcante em Montes Claros, em todos os tempos: poetisa , compositora, exímia pianista, onipresente em todos os movimentos sociais de nossa terra, marcou época merecidamente. Muito mais importante que contar sua infância pessoal ou mesmo familiar e para compreender-se bem o seu valor, sua atuação em montes Claros, na escola e na sociedade, que se fizesse a história dos acontecimentos, principalmente na cultura de nossa terra, que geralmente o seu tempo, que pode muito bem ser chamado: tempo de Dulce.
Em meu coração de saudosista, eu guardo recordações desta Dulce Sarmento que foi minha professora e também grande amiga que marcou minha infância, minha adolescência e minha juventude, da qual jamais poderei me esquecer, em qual quer parte que eu esteja ou melhor, que eu viva.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


37745
Por Ruth Tupinambá - 18/8/2008 16:52:23
Você também é culpado

Ruth Tupinambá Graça

Você minha querida Montes Claros parece uma “coroa” que envelheceu e ficou feia... e como toda mulher vaidosa você quer ser bonita e admirada. Os anos foram passando e você foi se envelhecendo cada vez mais...
Sua mocidade e alegria foram se desaparecendo e você quase se conformou ser velha triste e sem atrativos. Você sofre muito e nos sofremos também. Nós que somos seus filhos dedicados e que gostamos muito de você procuramos uma solução para o seu caso e um remédio para o seu mal.
Você cresceu muito minha querida Montes Claros. Largas ruas e avenidas rasgaram o seu coração como mananciais fecundos levando a seus filhos mais afastados e mais humildes , conforto alegria e segurança. Como grande prazer e uma felicidade enorme nós sentimos que dia a dia você cresce mais e dentro das suas vestes multicoloridas de suas praças, jardins e avenidas surgem novas residências numa arquitetura dos grandes centros urbanos.
Dia a dia surgem novos bairros requintados onde seus filhos se esforçam, se esmeram, numa disputa continua de ter a melhor, mais confortável e luxuosa residência.
Você minha querida Montes Claros, esta talhada para ser a grande Metrópole Norte-Mineira. Sua hospitalidade é famosa de norte a sul, por que você não conhece egoísmo por que haverá sempre um lugar para mais um em seu coração de sertaneja simples e pura. Entretanto eu sinto que você esta triste, calada, magoada...
Enquanto tudo se agita dentro de você, enquanto as chaminés das grandes Industrias se elevam comprovando seu sucesso econômico, sobrem novos edifícios, dia a dia inauguram-se grandes centros comerciais surgindo novos empregos. Carros e motos entopem suas ruas escolas em todos os bairros, faculdades surgindo (como num passe de mágica) crianças brincam em suas praças, namorados e seresteiros decantam seu luar. Mas enquanto tudo cresce assustadoramente você hora.
Você chora, querida Montes Claros, e eu sei porque:
Embora você cresça,
Embora você seja amada,
Embora você se desenvolva.
Você Chora por que você não é feliz. Você não é feliz porque se esqueceram que você tem alma. Esqueceram-se que você é vaidosa que você que você é a mulher e como tal, possui um coração muito sensível cheio de amor e esperança para seus filhos.
Que você quer beleza, conforto, civilização mas também quer limpeza e higiene. Que você sente desgastada, insultada cheia de rugas e sulcos, como uma mulher desprezada, maltratada... não percebem que seu coração se sangra vendo suas ruas, praças,avenidas tão sujas cobertas de papeis imundos jogados por mãos movidas pelo vil metal (que corre abundantemente em propagandas eleitorais) num movimento puramente egoísta e interesseiro. E também pela falta de educação de milhares de pessoas que transitam pelas ruas e não têm o mínimo de respeito pela cidade transformando suas ruas e praças num verdadeiro lixo.Que você não poderia ser feliz vendo a indiferença da comunidade em relação ao seu aspecto.
Sua comunidade também é culpada pela sua tristeza sua decepção. Ela se preocupa mais com as “cifras” com a política com o futebol “com o poder e o ter” código que existe exceção felizmente. A maioria corre numa euforia meio alucinada pelos lucros pelos grandes empregos pelas oportunidades. Não pensa em você que está se acabando e se tornando ridícula em seu aspecto físico.
Esquecem-se, tão atarefados, andam, que você precisa de mais atenção mais carinho mais cuidado.
E todos culpam a administração.
É uma maneira muito tranqüila e consoladora jogando toda a culpa na administração publica! Sejamos sinceros “dando César o que é de César”. A administração atual esta se desdobrando fazendo o possível para tornar a cidade limpa agradável sobretudo reparando erros que nossa cidade sofreu nesses últimos anos.
Sabemos que a união faz a força e que a administração jamais poderá fazer tudo sozinha, arcando com erros e galhas de administrações passadas. Portanto é necessário que a comunidade se desperte libertando-se do egoísmo doentio fomentado pela política errada, deixando de lado as paixões partidárias e se conscientize do seu dever como gente. Gente de coração e fibra como é nosso sertanejo. É só questão de sacudi-lo acordando-o para sentir sua responsabilidade dentro da nossa cidade.
Trabalhemos juntos, de mãos dadas com a nossa administração publica, formando uma corrente cujos elos se entrelacem numa cooperação constante com um grande propósito: Que a nossa Montes Claros cresça. Mas cresça maravilhosamente em todos os sentidos e aspectos para a alegria e felicidade sua e de seus filhos.
E para que, minha querida Montes Claros,
Você nunca mais chore!

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).


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Por Ruth Tupinambá - 9/8/2008 08:32:11
Retrato da Praça de Esportes

Ruth Tupinambá Graça

Causou-me tristeza quando a Praça de Esportes começou a ser na administração passada com a construção de “quiosques” em uma de suas laterais.
Se isso não bastasse, vejo no jornal a notícia da sua institucionalização como local de “shows”.
É triste constatar o desprezo da administração publica.
Resolvi então ressaltar sua história, o seu valor e os benefícios prestados à nossa cidade.
Em 1941 a Praça de Esportes surgiu bela e majestosa, conquistando todos os corações. Este acontecimento que marcou a época em nossa cidade, não surgiu facilmente, como um passe de mágica.
Nem todos sabem o que foi outrora o local onde ela se localiza hoje. Era uma várzea, servindo de logradouro público e, na época de chuvas, ela se transformava num verdadeiro pantanal. Servia também de deposito de lixo da cidade e nos seus últimos tempos, até animais mortos e abandonados nas ruas, eram ali atirados o que constituía o paraíso dos urubus.
Em 1845 o Vigário Antônio Gonzaga da Figueira, presidente da Câmara Municipal de Montes Claros das Formigas, com uma comissão, por ele nomeada na sessão de 25/10/1848, acharam por bem indicar a “Várzea” ( em toda sua extensão) o lugar escolhido como servidão pública, abrindo duas cisternas (único lugar de água potável) próprias para lavagens de roupa no tempo da seca, e onde podiam encostar os animais de passageiros, carros de bois, gados, tropeiros que ali se arranchavam para a entrega de mercadorias.
Até 1938 esta “Várzea” permaneceu abandonada. A noite era tranqüila e o único sinal de vida era o coaxar dos sapos, que na sua orquestra extravagante, quebrava a monotonia daquela “Várzea” escura e triste, que se chamava Prado Oswaldo Cruz. Um largo enorme maltratado, algumas casas comerciais antigas espalhadas ao seu redor e no centro um grande “Papa Vento”.
As autoridades competentes da nossa cidade, até então ,nunca conseguiram transforma – lá numa Praça atraente e bonita, nem tão pouco aproveitar aquela enorme extensão para fins melhores.
Os anos foram passando e o destino (para sorte de Montes Claros) deu-lhe um novo prefeito. O Dr. Antônio Teixeira de Carvalho, o “Dr. Santos” como era chamado.
Ele era dinâmico, inteligente e capacitado de inimitável força de trabalho, empreendedor de grande coragem e otimismo. Bom caráter, personalidade forte que levava as pessoas a respeitá-lo, inclusive amigos e correligionários.
Nunca foi prefeito de gabinete, acompanhava de perto todas as obras até as mais simples, como verdadeiro fiscal. Não para criticar ou repreender os operários, mas para estimula-los, dando-lhes apoio e valor.
As verbas da prefeitura eram sagradas e sabia como aplicá-las,, espichando-as para fazer o máximo com o mínimo de gasto.
Dr. Santos sonhava com o progresso de nossa cidade, e cheio de entusiasmo, idealizou a Praça de Esportes. Queria um esporte orientado e bem planejado de maneira que a infância, adolescência e juventude montesclarense pudessem pratica-lo desenvolvendo-se física e socialmente.
Esta obra era caríssima e difícil, levando em conta os cofres vazios da prefeitura. Ele conseguiu vencer todos os obstáculos, graças a sua capacidade de trabalho e prestígio político junto ao governador do estado Dr. Benedito Valadares.
Em 15/03/1939 foi lançada a sua pedra fundamental, começando imediatamente a drenagem daquele famoso pântano.
Dois anos mais tarde, 1941, estava pronta a tão sonhada Praça de Esportes, com Quadras de tênis, vôlei, piscina, etc.
Fazendo muita questão da estética e beleza, trouxe de Belo Horizonte plantas variadas e um jardineiro especializado para cuidar do jardim e também treinar os jardineiros da prefeitura, que desconheciam as técnicas de jardinagem. Nossa praça ficou um luxo! O primeiro jardineiro foi Jair carneiro, que cheio de entusiasmo e amor cuidou de todos os jardins e praças durante muitos anos.
Até então a Praça de Esportes era um atraso de fazer dó e as famílias tão preconceituosas e ignorantes não consentiam que os filhos (principalmente as “donzelas”) freqüentassem a Praça de Esportes, achando que certos esportes (principalmente natação) prejudicavam as mulheres perturbando seus órgãos genitais. Também não ficaria bem a moral das moças usando “maiôs”, exibindo o corpo em frente à rapaziada.
Algumas mais afoitadas em desobediência total, iam se refrescar na deliciosa água azul da piscina, mesmo assim no horário feminino.
Mas a praça, sonho do “Dr. Santos”, veio com força total quebrar o tabu da família montesclarense, que aos poucos foi se acostumando e soltando suas “donzelas” que se transformaram em verdadeiras “sereias” de piscina, nadando com tanto estilo, que chegaram a disputar campeonatos em outras cidades conquistando taças para nossa cidade. Graças ao Sabú, que foi um excelente professor de natação, extremamente dedicado, treinando os jovens da nossa cidade e transformando-os em atletas livrando-os de vícios e das drogas.
Mais tarde foi construída a sua sede social luxuosa e confortável, anexa à Praça de Esportes. Era o ponto onde aconteciam todas as festividades sociais de nossa cidade.
Aos Domingos as célebres “matinês dançantes”, a “coqueluche” dos anos dourados. No salão repleto reinava alegria, animação e respeito.
E como se dançava naquele tempo!... Época boa dos boleros, de rosto colado, única extravagância permitida aos namorados. Nada de bebidas alcoólicas. Era só o prazer de dançar e sentir o calorzinho do par muito querido e desejado.
A nossa cidade foi crescendo, surgindo novos clubes sociais e a Praça de Esportes foi ficando no escanteio. Até a sede oficial foi demolida, nem sei mesmo por que. Coisas que só em Montes Claros acontecem...
Hoje ela está mais velha e triste. O seu jardim, antes tão bonito, perdeu aquele colorido e as “boungainvilles” que formavam uma cerca em sua volta, numa festa de cores, vão desaparecendo, pouco a pouco. Árvores enormes tomaram conta, quebrando sua estética.
Tornou-se cada vez mais isolada, com ausência dos namorados, dançarinos e atletas da terra.
Dês prezaram-na. Esqueceram-se dos 57 anos de benefícios prestados á nossa comunidade.
Nossa Praça de Esportes está morrendo... É triste constatar o desprezo da administração pública!
É mais um monumento histórico que vai desaparecer assim como: a Igrejinha do Rosário, O mercado Municipal, o Colégio Diocesano e muitos outros que desapareceram da nossa cidade para nossa saudade e tristeza.


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Por Ruth Tupinambá - 2/8/2008 07:58:47
Pedaços da minha vida

Ruth Tupinambá Graça

Em 1972, a nossa cidade era tão tranqüila e a Rua Dr. Veloso (onde eu morava) cheinha de casas coloniais, habitadas por famílias tradicionais, vizinhos que se comunicavam, se divertiam, sempre prestimosos e prontos a cooperarem no que o vizinho precisasse.
Não havia esse “corre corre” de hoje, essa loucura atrás das “cifras” dominados pelo consumismo, nem tão pouco estes muros altos e cercas elétricas (isolando os moradores) dificultando a comunicação.
Nesta época eu fazia faculdade (na antiga Fafil) na Rua Cel. Celestino e descia, a pé, pela Rua Dr. Veloso, sem me preocupar com os atropelos, os acidentes causados hoje pelo acumulo de carros e motos nas estreitas ruas.
A rua era tão tranqüila e tão silenciosa que eu ia, calmamente, recordando-me (para melhor gravar) principalmente os trechos mais difíceis que estudara para provas.
Eu me sentia feliz (já com 56 anos) freqüentando uma faculdade que antes não tive oportunidade. Era a vovó da turma e não podia deixar a “peteca cair” tinha que estudar e estudar muito, para competir com aquela mocidade brilhante, ávida de conhecimentos. Alunas especiais, muito inteligentes compunham nossa equipe: Ana Maria Resende (hoje deputada estadual), Yeda Romano, Mundinha Quintino, Yvany Teles, Miriam Murta, Maria do Carmo Santiago, Irmã Ângela e Irmã Terezinha e Ruth Tupinambá Graça.
Mas eu tive muita sorte, terminei o meu curso de Pedagogia, aos 60 anos e não fiz uma prova final, compensação pelo meu esforço e aplicação.
Como era gostoso, no fim das aulas, depois de uma preocupação estafante, sentir que fizera boa prova e voltar para casa com essa sensação de vitória!
Íamos felizes sabendo que no dia seguinte voltaríamos e a escola nos acolheria como uma galinha de longas asas e nos protegeria.
Quando entrava em casa era aquela alegria! Os netos já me esperavam, cada qual mais bonitinho (desculpe a falta de modéstia) querendo saber o que a vovó guardava, onde estavam as balas de mel e chocolate, os pirulitos e os biscoitinhos de coco deliciosos que se desmanchavam na boca. Era aquela folia!
Também nesta hora, meu marido já chegara da fazenda e me esperava ansioso, de olho no relógio e sempre “candonigando” sobre o meu atraso, uma vez que a faculdade era tão perto!
De fato era perto, mas quando passava em frente à Praça da Matriz, (hoje Dr. Chaves) ela envolvia-me, atraía-me e meus pensamentos voavam.... Aquela praça onde vivi os melhores anos da minha vida: infância, adolescência, juventude, quando trazemos o coração cheio de sonhos e esperanças! Quando sentimos que, tudo que nos cerca é cor-de-rosa e que na vida só encontraremos flores... Nenhum espírito possa nos ferir...
Aquela Praça tranqüila me envolvia tanto, tanto, que até me esquecia que a família me esperava (em casa) e me entregava às recordações.
As lembranças vinham, uma a uma, como um filme colorido, lindo, que se viu na infância e do qual nunca se esquece.
Eu me via, em criança, correndo naquela Praça tão querida, com os pés atolados na poeira, feliz com aquelas brincadeiras de roda, chicotinho queimado, Veadinho quer mel, de crianças, simples como a nossa cidade.
Lembro-me da Banda Euterpe Montesclarense toda empolgada enchendo o antigo “coreto” (já demolido) com seus instrumentos reluzentes espalhando um som maravilhoso por todos os lados....
Em minha lembrança vinham as festas da Matriz: as coroações do mês de Maio, onde os anjos da nossa cidade homenageavam a virgem Maria com lindos cantos. Havia tanta disputa naquelas coroações! Toda criança daquela época queria subir no altar e colocar a coroa resplandecente na cabeça da mãe de Jesus e cobri-la com pétalas de flores que se espalhava pelo singelo altar da Matriz...
E as novenas do mês de Maio? Eram animadíssimas. E os leilões na porta da Igreja? Ninguém perdia uma só noite, principalmente os jovens, pois era a oportunidade para os namorados se encontrarem fugindo da vigilância dos pais (aproveitando o escurinho da Praça) as mãos se encontravam e os lábios roçavam, levemente, as faces ruborizadas da namoradinha... Naquele tempo isso era uma grande aventura.
E as Festas de Agosto? Quanta saudade. Os catopés com seus capacetes, enfeitado de espelhos, contas coloridas e aljôfares, dançando com suas fitas coloridas que volteavam no ar, ao som forte dos tambores.
Os caboclinhos, crianças alegres com suas tangas de penas coloridas e o corpo pintadinho de urucum empunhando flechas e arcos, felizes sob o comando da “mamãe vovó” que tinham enormes tranças (de corda de bacalhau), saia rodada e tecido florido e alegre, fazendo mil piruetas na “trança do cipó”, chamando a atenção da meninada que acompanhava, (pulando ao som dos pandeiros), aqueles pequenos índios.
Os marujos com suas roupas de cetim, coloridas, e as grotescas mascaras de arame (que muitas vezes me assustavam), espadas brilhantes relembrando as batalhas dos tempos medievais. Era tudo tão lindo!
As “Cavalhadas” que hoje não mais existem, eram o ponto alto das festas de Agosto. Recordo-me do meu pai, quanta saudade! Durante muitos anos (da minha infância) eu o vi correr Cavalhada, era o mais bonito Rei Cristão.
Eu me sentia feliz e orgulhosa, vendo-o naquele uniforme de cetim azul, tão lindo, dragonas douradas, montado num fogoso cavalo, desfilando com tanta elegância, espada encostada ao peito e a brilhante coroa em sua cabeça...
A Banda tocava uma valsa dolente (Saudades de Ouro Preto) e ele sobressaia entre aqueles cavaleiros que o acompanhavam (simulando uma batalha entre mouros e cristãos) e sua capa de veludo azul volteava no ar movida pelo vento...
Os anos passaram, a “Cavalhada” desapareceu dos festejos de Agosto, mas eu nunca a esqueci. E do meu garboso Rei Cristão guardo as melhores recordações.


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Por Ruth Tupinambá - 26/7/2008 08:25:16
Uma “Mãe de leite Especial”

Ruth Tupinambá Graça

Todos nós sabemos as grandes vantagens do leite de cabra na alimentação, principalmente das crianças. Muitas vezes me perguntam:
_ “Dona Ruth, como a senhora atingiu os 90 anos com tanta saúde”?
_ Eu respondo calmamente: fui criada com leite de cabra.
Devo confessar que os antigos tinham muita sabedoria, tanto que muitos procedimentos usados pelos nossos antepassados são atualmente indicados pelos médicos e também recomendações e conselhos que aparecem constantemente no programa do “Globo Repórter”, foram outrora usados pelos nossos avós.
Lá em casa tinha sempre uma cabra no quintal responsável pelo leite da nossa família. Fomos todos criados com leite de cabra.
O leite de vaca era mais difícil, o transporte era precário, não existia geladeira para conservação de sorte que o papai optava pelo leite de cabra. Papai viajava muito (era agrimensor) e para a tranqüilidade da família ele tinha o cuidado de arranjar uma cabra que desse bastante leite principalmente quando a “cegonha” chegava. O nosso quintal era enorme verdadeira chácara; além das árvores frutíferas e frondosas, no fundo, uma grande parte era só pasto de sorte que a cabra tinha como se alimentar. Mas nós gostávamos de dar-lhe milho e farelo para aumentar-lhe o leite. Era uma alegria nesta hora; deliciávamos vendo a cabrita (com seu cabritinho) avançando gulosamente para agarrar a ração que jogávamos, mudando sempre de lugar (verdadeira molecagem) só para vê-la dar “aqueles pulinhos...”
Até hoje sinto na boca o gostinho daquele leite de cabra quentinho (tirado na hora) que a mamãe trazia toda manhã para todos (os 7 filhos) que já reunidos em volta da grande mesa da sala de jantar. Era a nossa primeira refeição. Depois vinha um café gostoso com biscoitos caseiros. Naquele tempo não existiam padarias que hoje facilitam tanto para as donas-de-casa. Era uma hora muito divertida. Enquanto a mamãe ocupada nos afazeres da cozinha, nós na sala, traçávamos nosso programa do dia: as mulheres arranjando sempre uma hora para as distrações (tão raras naquele tempo) e os homens pensando nas escapulidas para o Rio Vieira (éramos vizinhos) para uma nadada com os companheiros. Tínhamos nossas tarefas e obrigações pois a mamãe não admitia empregada em nossa casa, já estávamos crescidinhos e podíamos ajudá-la. Ela era exigente e muito cuidadosa nos seus deveres de dona-de-casa e nunca encontrava uma faxineira bastante caprichosa. A arrumação era por conta da Fely e Maria, as mais velhas. O quintal, inclusive a “horta” era obrigação dos homens: Cassimiro, Raymundo e Domingos. O Ruy que era o caçulinha (ainda nenê) ficava assentadinho no caixotinho forrado com cobertor. Não existiam os carrinhos de hoje confortáveis e incrementados, onde os bebês de hoje passeiam pela manhã como verdadeiros reizinhos. A minha obrigação era tomar conta do caixotinho para que o nenê não caísse.
Não havia água canalizada de sorte que em todas as casas existiam cisternas. Certo dia acordamos com os berros da nossa Cabritinha. Saímos assustados e procuramos por todo o quintal e não a encontramos.
Descobrimos que ela estava dentro da cisterna que já começava diminuir a água por causa da seca.
Foi aquele alvoroço! Começamos a chorar (todos em volta da cisterna) assustados com medo da Cabritinha morrer. Ela era tão mansinha! Até meus irmãos conseguiam tirar o leite.
Papai ficou logo incomodado, a nossa “mãe de leite” não poderia morrer. Mas como tirá-la do fundo daquele poço? De repente teve uma idéia brilhante. O “Circo de Meloso” estava armado na Praça da Matriz bem perto da nossa casa. Papai com toda diplomacia e educação pediu ao dono do Circo socorro e explicou toda a tragédia, o nosso desespero, a falta que a cabra ia nos fazer principalmente pelo leite das crianças. Papai conseguiu convencê-lo. Logo vieram dois rapazes fortes acostumados fazer acrobacias nos trapézios e deram um espetáculo em nosso quintal. Tomaram as precauções necessária e um deles desceu até o fundo da cisterna. Amarou a Cabra (berrando sem parar) e o seu companheiro foi puxado devagarzinho...
Graças aos dois valentes voluntários finalmente ela apareceu esperta com os olhinhos vivos e arregalados e um pouco assustada. Felizmente não quebrou nada foi aquela alegria!
Naquela hora de espera descobrimos como ela era importante para nós e como amávamos. E por nada deste mundo queríamos perder aquele “leite quentinho”, que todas as manhã fazia parte da nossa primeira refeição.


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Por Ruth Tupinambá - 28/6/2008 08:26:10
Montes Claros é Assim

Ruth Tupinambá Graça

Em 1986 eu lancei o meu livro “Montes Claros Eram Assim”. É um livro de reminiscências, lembranças e Histórias de nossa antiga Montes Claros. Era uma cidade pacata, tranqüila, poucos habitantes que viviam felizes como uma só família mineira. O Francisco Azevedo (amigo do meu filho) residente no Rio de Janeiro, lendo o meu livro fez esta observação:
“Dona Ruth li o seu livro, gostei muito, mas ele trouxe-me um grande problema”. Fiquei assustada e perguntei-lhe: O que aconteceu?
- Eu queria muito conhecer Montes Claros.
- É muito simples, têm avião todos os dias. Ele retrucou com uma risada.
- Eu queria conhecer a Montes Claros antiga, tão decantada em seu livro e que toda a população era feliz, sem grandes ambições. Havia muita alegria nos acontecimentos mais simples, valorizavam o que a cidade possuía, longe do atual consumismo exagerado, da vaidade, do egoísmo e da ganância.
- Meu caro Francisco, o seu desejo é impossível se realizar. Aquela Montes Claros não existe mais. Ele então me sugeriu que eu escrevesse um outro livro: “Montes Claros é assim”.
Acho difícil. Eu cresci juntamente com Montes Claros e pude acompanhar todos os seus acontecimentos e todas as alegrias. Mas agora eu não tenho mais aquele “pique”. A cidade cresceu muito e ninguém mais a segura. “A Princesa do Sertão” é agora “Rainha do Norte de Minas”. Montes Claros desenvolveu assustadoramente, sobre todos os aspectos: Social, político e religioso, educacional, físico e arquitetura é outra.
As presunçosas avenidas rasgaram as pequeninas ruas. Surgiram os Bairros por todos os lados. Edifícios subiram como num “passe de mágica”, com apartamentos luxuosos e confortáveis. Os antigos largos, sem nenhuma decoração arquitetônica transformaram-se em bonitas Praças, com jardins bem planejados, A poeira das ruas (que tantas vezes atolei os pés brincando no Largo da Matriz) desapareceu. O asfalto chegou sem cerimônia acintosamente cobriu o calçamento á “pé de moleque”, em todos os pontos da Praça Dr. Chaves (antigo Largo da Matriz) que foi a “Célula Mater”. Onde nossa cidade começou, quase nada mais existe. Aquelas casas Coloniais pequenas, de telhados enegrecidos e mofados pelo tempo e chuvas, agarra umas as outras (que pareciam estar cochichando) deram lugar ás butiques, lanchonetes, agências, lojas de grande porte.
O Coreto antigo, onde a Banda Euterpe Montesclarense tocava todos os domingos anpits (ponto de encontro das famílias) não existe mais. Restam poucos sobrados para nos lembrar o esforço, o trabalho e dedicação daqueles homens valorosos e das famílias tradicionais que ali viveram, sonharam, sofreram e lutaram pelo desenvolvimento de Montes Claros e que nos deixaram uma nobre descendência da qual tanto nos orgulhamos: a família do grande Cônego Gonçalves Chaves. Dos Prates, Costa, Guimarães, Teixeira, dos Anjos, Veloso, Câmara, Mendonça, Tupinambá, Versiani, Alves Mauricio, Ferreira de Paula, Ribeiro Pimenta, Machado, etc.
Ao invés dos carros de bois, com suas grotescas rodas de madeira, que sulcavam as ruas desertas e espalhavam no ar os seus cantares lamuriosos , hoje os automóveis modernos luxuosos, num colorido brilhante e apaixonante entopem as ruas, espremendo os pedestres nos passeios estreitos. Milhares de motos, paixão dos adolescentes, entopem as ruas (provocando acidentes) julgando-se “donos do pedaço”. As antigas ruas Dr. Veloso, Camilo Prates, Dr. Santos, São Francisco não são mais aquelas tranqüilas, onde as famílias residiam, se entendiam, se comunicavam e viviam felizes. Estas ruas viraram Super mercados, entupidas de lojas, centenas de Lanchonetes e Sorveterias Agencias Bancárias, Drogarias etc... Hoje todas as famílias se mudaram para os Bairros e as mais ricas, para os luxuosos Condomínios Fechados nas mais belas mansões.
Na Rua Dr. Santos existe apenas uma casa habitada por uma família. A casa do Dr. Luiz de Paula. Só ele persiste em meio a este torvelinho comercial. Mas eu tenho certeza que, com a sua alma poeta, sua sensibilidade á flor da pele, ele fecha os olhos e sonha com a “Vovó Centenária”, de nobre passado, lutas e glórias e tantas belezas e sente saudade da antiga RaD r. Santos.
Na área da educação Montes Claros fazendo grande sucesso, principalmente com a Unimontes, que já é considerada uma das melhores Universidades do nosso Estado.
Eu fico pensando porque nossa cidade, com tanta riqueza e belezas naturais, tanto esforço e dedicação dos seus filhos, vive um momento tão angustiante? Tem todas as características para ser a melhor cidade do Estado e vive atualmente um drama de violência, crescendo diariamente o numero de assassinatos, parece cidade sem dono, porque tanta vingança na luta pelo império das drogas?
Classificada como a cidade mais violenta de Minas Gerais, principalmente por causa dos assassinatos, que acontecem diariamente deixando toda população preocupada e desesperada. Só em 2007, 79 pessoas foram brutalmente assassinadas em diferentes circunstancias e situações. Muitos assaltos durante os quais 10% perderam a vida, crimes passionais e até casos de abuso sexual (estupros) causando revolta a população. E o que é mais triste é constatar que a maior parte das vitimas não chegaram aos 25 anos.
È a juventude barbaramente assassinada. Como explicar a razão de tanta violência? E porque na nossa cidade? Existe um desequilíbrio qualquer... Culpa de quem? Dos governantes, pela displicência? Da policia que não age como devia? Dos montes Clarenses? Dos professores, das faculdades, das escolas que mal preparam a juventude? Sabemos que o trafico de drogas é responsável por 70% dos crimes. A demônios na cadeia. Meu Deus! Tem que haver um jeito. Não podemos cruzar os braços e deixar o “circo pegar fogo”. A esperança é que ainda existem alguns deputados da nossa região que trabalham para resolver alguns problemas, que são muitos. Vamos apostar e pensar que dias melhores virão e que todos juntos conseguiremos dar um basta nestes traficantes que usam e abusam das armas.
É isto ai, minha querida Montes Claros. Você é uma grande cidade, mas poderia ser maior e mais respeitada. Você está na “berlinda” e precisando de ajuda. Dê um grito de “SOS” e ponha todos para trabalhar.
Eu fico (de perto) torcendo... Por você!


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Por Ruth Tupinambá - 21/6/2008 08:27:09
A evolução dos tempos

Ruth Tupinambá Graça

É bem agradável sair de casa à noite e dar uma voltinha pela Av. Deputado Esteve Rodrigues.
Quanta luz, quanto movimento!
Barzinhos, lanchonetes, boites, tudo entupidinho de gente, moças e rapazes, muita alegria, muita música, parece uma esta.
Dou um mergulho no passado e afastando as teias de aranha (cortina o tempo) vejo a Montes Claros antiga, a Montes Claros de meus avós, de meus pais e da minha infância, adolescência e juventude. A diferença é assombrosa, chego mesmo a sentir um nó na garganta e vontade chorar, pensando nos nossos antepassados que não tiveram a oportunidade de usufruir dos conhecimentos, tantas invenções e descobertas que nem sequer conheceram: avião, telefone, televisão, computadores, o progresso na área da medicina, engenharia, astrologia, ciências etc.
Mesmo na parte doméstica quanta facilidade para as donas-de-casa! Hoje os eletrodomésticos fazem de tudo com rapidez e perfeição, enquanto, no passado, nossas mães sofreram no pilão, nos pesados ferros de engomar e no calor e desconforto dos enormes fogões à lenha.
A cidade era triste, poeirenta e mal iluminada. Puçá música, pouco movimento e nenhuma diversão. Não existia esse som de civilização, essa vertigem de prazeres que deixa todos eufóricos e os velhos até meio tontos e aflitos.
A juventude hoje tem tudo: dinheiro, conforto, chegando até ao luxo e mordomia. Entretanto, a maioria dos jovens vive angustiada, buscando, muitas vezes, refúgio das drogas.
Contentávamos com tão pouco quando tudo era mais difícil e sem opções! Com que ansiedade esperávamos uma festa, o que era raro. Os bailes na Escola Normal, em benefício da caixa escolar, eram a diversão mais badalada da cidade e mais prestigiada pela nossa sociedade.
Uma semana antes fazíamos castelos (como Gata Borralheira) e como a Cinderela sonhávamos encontra o nosso Príncipe...
A preparação na véspera, era emocionante. Tirávamos do fundo dos baús, os vestidos de gala (chamados vestido de Solrée) cheirando naftalina, colocando-os ao sol para afastar a poeira e o mofo.
A nossa preocupação maior era com a falta de rapazes. Receávamos cozinhar peru (ficar num canto sem dançar), o que era muito comum por falta de par. Era uma disputa e as mais bonitas e melhores dançarinas levavam vantagem.
Os rapazes da nossa sociedade estudavam fora, aparecendo só nas férias. O forte eram caixeiros (balconistas) das Casas Pernambucanas (a loja mais chic da cidade na época), os bancos: o Hipotecário e Agrícola e o Comércio Indústria de Minas /Gerais; alguns comerciantes solteiros e os viajantes que apareciam temporariamente vindos da capital, hospedados no Hotel São José (recém-construído), cabelos englostorados, perfumados e bem falantes, puxando os xis, conquistavam na certa.
A festa era um delírio, para as moças casadoiras. A orquestra tocava sem parar. Objetivo dos jovens era dançar mesmo, nada de bebidas.
As mães se assentavam em cadeiras colocadas em volta do salão enorme e de olho das donzelas, o máximo que poderia acontecer era uma raspadinha de leve, na face da companheira, quando rodopiavam ao som da valsa ou ao compasso lento e gostoso do bolero.
Os mais amorosos aproveitavam a música romântica para traduzir seus sentimentos e apertando, docemente, a amada declaravam sua paixão. Era só isto, nada mais, nem um beijo sequer...
Quando a música terminava, ansiosos pediam bis para prolongar um pouco mais, aquele doce enlevo.
Lá pela meia noite terminava o baile. Os casais se separava, com olhares que traduziam amor e desejos insatisfeitos, a as mães, como guardiãs, conduziam suas donzelas sãs e salvas.
Voltávamos para casa felizes e embora sentido os pés queimando-se, dentro dos sapatos Luiz XV, o coração trasbordava de felicidade. Era certo que, antes do raiar do dia, viria a serenata e com a lua por testemunha, o violão, a flauta e o bandolim, numa música bem romântica, implorando o amor da sua querida namorada.
Hoje o romantismo quase desapareceu e também as serenatas e o sentimentalismo dos anos dourados. A dança é uma verdadeira violência. Parece mais uma tremenda luta (nas boites e discotecas), os músculos se torcem e retorcem, sem nenhuma beleza.
Aquele cavalheirismo não existe mais entre os jovens (a juventude que me perdoe); há uma excessiva liberdade, uma realidade total, sem preconceitos. A feminilidade e delicadeza da mulher quase desapareceram, para dar lugar a uma constante disputa de valores. Aquela figura frágil, endeusada e paparicada pelo homem, não existe mais, se igualou na luta das competições de trabalho e posições.
Tudo isto é a evolução dos tempos, onde a Cibernética toma conta de tudo e de todos.
Não há mais lugar para uma boa leitura, para a poesia ou uma boa música. Todos correm dominados pela máquina como robôs.
Estamos vendo o homem na lua, pisando e fotografando aquela mesma lua romântica dos poetas, das serenatas, por tantos anos inatingida. Já existem ônibus espaciais navegando perfeitamente pelo espaço sideral e os mísseis de precisão matemática, assegurando a paz no mundo, através do equilíbrio das pretensões hegemônicas. Até mesmo o sentimentalismo humano, casamento, serão no futuro, controlados por computadores.
Nós, os velhos, no outono da vida, como ficaremos nesta Nova Era?
Que faremos para acompanhar esta juventude vibrante e não sermos tachados de caretas e quadrados?
O jeito é embarcarmos nesta, gemendo e chorando; e enquanto a mocidade vibra e confia no futuro, nós percebemos que o nosso fubá está medido e o nosso tempo curto... entretanto, temos a nossa consciência tranqüila, prontos para prestarmos nossas contas ao velho São Pedro, pois não temos estrutura para enfrentarmos o Terceiro Milênio, não pertencemos a geração da máquina.


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Por Ruth Tupinambá - 14/6/2008 08:20:05
REMINISCÊNCIA DE UMA ESCOLA

Ruth Tupinambá Graça

Que saudades sinto ainda hoje da velha Escola Normal Oficial de Montes Claros, criada pelo Decreto n° 8.245, de 12/02/1928, em substituição à antiga Escola Normal Melo Viana.
Aquele casarão antigo de portas gigantescas, portais rústicos, sacadas de ferro em arabescos (lugar preferido pelos namorados nos saudosos bailes da Escola Normal dos anos 30).
Largas escadarias com corrimão trabalhados em madeira de lei, majestoso e acolhedor, retrato de uma arquitetura antiga, executada por simples mestres de obras que nunca viram nem em sonhos, uma escola de Arquitetura e Engenharia, entretanto esforçados e sobretudo inteligentes, que deram a nossa cidade, antiga Vila das Formigas, belos sobrados que até hoje estão aí firmes, enfeitando as nossas ruas e praças.
Fecho os olhos e recordo o meu tempo de estudante, novinha em folha, cheia de vida e o coração transbordando de sonhos e paixões...
Da sacada do velho casarão, onze horas, dia claro e ensolarado, eu vejo os meus professores, um a um, descendo apressadamente, a Rua Dona Eva, com os livros apertados embaixo dos braços.
Doutor Plínio Ribeiro, de pontualidade inglesa, não atrasava um só minuto. Sistemático, enérgico mas competente professor, transformando suas aulas de Ciências Naturais num show de sabedoria e cultura.
Doutor Alfredo Coutinho, extremamente educado e fino, um perfeito cavalheiro se esmerava nas suas aulas de História.
Doutor José Thomaz, sério, intransigente, mas amigo dos alunos, sabia transmitir suas aulas de Geografia.
Professor João Câmara, grande mestre matemático.
Um tanto sério, sisudo, mas de coração mole, não sabia dar notas zero e olhe que sua matéria era fogo.
Dona Joana D`Arc Veloso, a tranqüilidade em pessoa, competente nas suas aulas de Francês.
Dulce Sarmento, com as aulas de Música e Canto Coral. A ela teria que dedicar uma página inteira.
Dona Lilia Camara, no seu Português impecável (devo-lhe o que sei até hoje) se esforçava para nos ilustrar.
Doutor Marciano Maurício, galanteador, a diplomacia em pessoa (o Mauricinho tem a quem puxar) era conhecedor da matéria que lecionava: Psicologia Infantil e Higiene Escolar.
Dona Nazinha Maurício, dona Nieta, Taude, Sinhazinha Alves, Anelita Vale, Zinha Sarmento, com que saudade as recordo... extremamente dedicadas, cumprindo religiosamente a missão de ensinar só por amor, pois a remuneração era mínima e vinha com tanto atraso...
Aprendemos assim trabalhos manuais: o bordado, a tapeçaria, desenho, flores e até culinária, enfim, mil prendas domésticas para a mulher verdadeira dona-de-casa. Saíamos daquele educandário, escoladas para o salão e também para o fogão...
Doninha Câmara era a nossa inspetora de alunos e, como era enérgica! Vigiava-nos incansavelmente e ai daquela que tentasse trazer o namoradinho até as portas da escola. Para comentarmos as fofocas e as novidades da terra precisávamos muitas vezes, nos esconder debaixo das escadas do velho casarão. Ela não admitia grupinhos contando piadas e anedotas... mas em certas oras, era tão camarada! Muitas vezes se encarregava de nos levar a festas e lá ia ela, com um bando de moças para as fogueiras na Malhada de Santos Reis, no Pequi do Senhor João Maurício.
A Escola Normal nos proporcionou cultura e também muita alegria. Era lá que coordenávamos todos os nossos passeios, festas, piqueniques. Foi um tempo bom que não consigo esquecê-lo, por mais que os janeiros passem e meus cabelos se transformem em nuvens brancas.
A nossa Escola Normal foi fundada com grandes sacrifícios, sem qualquer amparo oficial, a 10/10/1915, por um grupo de professores abnegados, tendo à frente o doutor Olintho Martins da Silva, que foi o seu primeiro diretor. Conseguiu-se a sua equiparação pelo Decreto nº 6.770, de 23/01/1925, passando-se a Escola Normal Norte Mineira, nome com o qual foi fundada, a denominar-se Escola Normal Melo Viana.
Pelo Decreto n° 8.245 de 18/02/1928, o presidente Antônio Carlos determinou o seu financiamento pelo Estado e por questões policiais passou então a denominar-se Escola Normal Oficial de Montes Claros. Foi quando a conheci e dela desfrutei todo o meu curso de normalista, sendo o seu diretor nessa época, doutor Floriano de Paula, vindo de Belo Horizonte, recém-casado, residindo aqui
por vários anos.
Para a infelicidade da juventude e toda a comunidade montes-clarense a Escola Normal foi suprimida pelo doutor Benedito Valadares, a 15/01/1938, pelo Decreto número 63. Esse ato tão infeliz quanto inexplicável do governador de Minas causou, como era de se esperar, a maior estranheza, pois aquela autoridade sempre demonstrou a melhor boa vontade para com o município de Montes Claros, não só com benefícios já a ele concedidos, como pelo melhoramentos que iria prestar no futuro. Essa tragédia que prejudicou tanto a nossa terra, se deu quando eu já havia terminado o meu curso. Seu diretor naquela época era o professor José Raymundo Neto.
O velho casarão ficou vazio, triste e mudo. Aquela mocidade alegre, ávida de conhecimentos e que enchia e transbordava seus salões, ficou sem opção com o fechamento daquela escola que era de pobres e ricos, brancos e pretos, sem distinção de classe e de casta. Foi um tremendo desastre para a nossa cidade.
De 1938 a 1952, ela permaneceu fechada. E então, graças ao dinamismo e esforço, persistência do doutor Plínio Ribeiro, então deputado federal e outros políticos daquela época, a 5 de fevereiro de 1953, a Escola Normal Oficial de Montes Claros foi restabelecida, nomeando o doutor Plínio Ribeiro dos Santos seu diretor. E então o casarão da Rua Cel. Celestino abriu novamente as suas portas. A alegria e vigor da juventude voltaram a encher seus salões...
Mais tarde, a 10 de maio de 1961, foram iniciadas as obras de construção do novo prédio da Escola Normal, no prosseguimento da Av. Mestra Fininha, no bairro Melo. A área para a construção do educandário foi doada pelo doutor Plínio Ribeiro, na sua magnífica bondade e amor à terra que era sua de coração. Nesta obra, o doutor Darcy Ribeiro também muito colaborou para sua complementação, conseguindo verbas, quando então ministro da Educação. Os políticos eram tão desprendidos das cifras!... trabalhavam por amor, fazendo o melhor possível para a sua terra. Não pensavam em tirar vantagens ou mamar nas tetas, geralmente murchas e exploradas do nosso País.
Terminada a construção da Escola Normal, ela mudou-se do velho casarão da Rua Cel. Celestino, instalando-se confortavelmente no prédio moderno da avó Mestra Fininha, recebendo o nome de Escola Estadual Prof. Plínio Ribeiro, em homenagem aos serviços prestados.
E, hoje, ela aí está, grandiosa aos olhos de todos, com a mesma filosofia de quando foi fundada, pela primeira vez em 1915. Suas portas abertas a todos: pobres e ricos, brancos e pretos, sem distinção de raças ou castas...
Benditos sejam os políticos de bem, homens honestos, coração cheio de amor e patriotismo que ajudaram esta terra crescer, não obstante, todas as dificuldades econômicas e sociais, falta de escolas, comunicação, transportes e civilização...


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Por Ruth Tupinambá - 7/6/2008 08:11:19
DONA EVA, SUA RUA, SUA CASA

Ruth Tupinambá Graça

Em 1924 eu morava na Rua Dona Eva n° 34 (uma rua pequena, mas muito importante para mim), construída em 1768 por José Lopes de Carvalho, o segundo proprietário da Fazenda dos Montes Claros.
Quem foi Dona Eva? Garanto que a maioria da população desta cidade não sabe. Pertencia a uma das mais antigas e tradicionais famílias de nossa cidade. Era filha de Antônio Teixeira de Carvalho Júnior e Dona Rosa Frutuosa de Lima. Casou-se com Ezequias Guimarães.
Dona Eva Barbosa Teixeira de Carvalho foi uma grande mulher, dinâmica, batalhadora incansável pelo progresso de Montes Claros.
Durante muitos anos foi professora primária, quando Montes Claros era apenas a pobre Vila de Formigas.
Musicista inata, cheia de entusiasmo e grandes ideais, incentivada por doutor Carlos Versiani, o vigário Gonçalves Chaves e o coronel José Rodrigues Prates (aos quais muito devemos) mandou buscar em Diamantina (cidade mais civilizada da nossa região àquela época) o mestre Risério Alves Passos, grande músico, fundando em 1856 a Banda Euterpe Montes-clarenses.
Em 1857, nos festejos da elevação da Vila de Montes Claros das Formigas à categoria de Cidade de Montes Claros, a Banda Euterpe saiu à rua pela primeira vez, bem organizada e brilhante no seu uniforme de gala, dando um show de musicalidade. Desta data em diante tomou parte em todos os acontecimentos sociais e religiosos da nossa cidade, tendo a duração de mais de um século, a tradicional corporação musical.
Depois de aposentada em 1871, dona Eva continuou instruindo moças que lhe eram confiadas, os princípios de Educação Moral, Doméstica e Literatura. Faleceu em 1887 com cinqüenta e oito anos.
Mereceu bem esta homenagem figurando o seu nome na rua onde foi construída a primeira casa de Montes Claros.
Nesta mesma casa, passado mais de um século, tive a felicidade de morar. Pertencia, nesta época, a um amigo do meu pai.
Em frente, nesta mesma rua, ficava o sobrado do doutor Marciano Alves Maurício, construído em abril de 1853, com a fachada para a Praça da Matriz, hoje Doutor Chaves.
Suas filhas, Yeda e Yolanda, eram minhas companheiras de infância.
Este sobradão tinha um quintal que era um verdadeiro paraíso, sombreado por enormes mangueiras e jabuticabeiras, onde armávamos o Nosso Circo rodeado por lençóis de linho, improvisando trapézios com cordas de bacalhau, correntes e arames (Mauricinho que o diga), pois era assíduo freqüentador do nosso circo, pagando dez paus de fósforo para entrar, procurava encabular os artistas, criticando e vaiando-os sem dó.
Aquela rua Dona Eva marcou muito minha infância.
Sua proximidade com a Praça da Matriz permitia-me assistir, de perto, todas as festividades sociais e religiosas que aconteciam naquela praça simples, desprovida de belezas arquitetônicas, de calçamento, apenas no centro um bonito coreto, construído em maio de 1919 (hoje demolido), onde a Banda Euterpe se reunia todas as noites e era também o ponto de reunião da meninada da Rua de Baixo. Enquanto a banda ensaiava os seus dobrados, nós corríamos eufóricos brincando naquele largo enorme.
Muitos anos se passaram...
Eu cresci, me casei e minha vida tomou novos rumos.
Mas o tempo não apagou aquela lembrança e como Filho Pródigo eu voltei. Voltei e encontrei tudo mudado. A rua Dona Eva estava diferente, e a Praça da Matriz já não era a mesma. A casa onde morei não existia mais. Demoliram-na e em seu lugar existe hoje uma moderna mansão.
E eu chorei com saudades de tudo: da minha infância, dos inocentes brinquedos à sombra das mangueiras, do Largo da Matriz, onde corria com os pés afundados na poeira, ao som da música, procurando o Chicotinho Queimado, Veadinho Quer Mel, a Cabra Cega e os Brinquedos de Roda... saudades da Rua Dona Eva e daquela casa...
Tudo me veio à mente como um filme lindo que se viu na infância e do qual nunca se esquece.
A primeira casa de nossa cidade, o início da nossa História, a História de Montes Claros, deveria ser tombada.
Quantos dramas se encerravam naquelas paredes. Ela que resistiu firme por mais de um século, assistindo o crescimento da nossa cidade pedra por pedra! Presenciando com os antepassados, todas as lutas, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, dores e prazeres, em todo o desenrolar da História de nossa terra, seu crescimento, sua transformação, em várias gerações.
Na minha imaginação, eu a vejo como na minha infância: as paredes altas, o assoalho de tábuas largas e rústicas, os grandes portais, das portas e janelas, arredondados na parte superior, numa linha colonial antiga, simples mas muito bonita, retrato da habilidade, daqueles marceneiros, numa época em que não existiam, para nós, ferramentas nem máquinas especializadas para o preparo da madeira retirada ali mesmo sob golpes do machado, e faziam trabalhos especiais.
Tantas venezianas bonitas, delicadas, forros de madeira perfeitos, com desenhos embutidos nos tetos, retratos das famílias, flores e rosáceas, arabescos trabalhados em ferro nas sacadas dos velhos sobrados. Toda beleza de uma época perdida nas demolições inconscientes.
Sinto, hoje, vontade de rever o quarto onde dormia com minhas irmãs mais velhas. Rever novamente o quarto onde dormiam meus pais, que já se foram. Quanta saudade!!!
Quanto amor, quanto carinho aquelas paredes presenciaram!!!
Quanta alegria nos nascimentos e também quantas dores nas mortes de entes queridos!!!
Da janela do meu quarto, eu via o quintal com as mangueiras carregadinhas de frutos!
Em vão, volto sempre àquela rua, procurando uma casa que não mais existe. É uma força que me impele, uma saudade que me acompanhará sempre.
Doce e triste recordação. Dela eu guardo apenas um retrato. Um retrato simples, sem moldura, que consegui na Prefeitura.
Hoje, olhando este retrato, esta fachada com três portas e cinco janelas, foi o que sobrou. Resta-me, agora, a esperança de que a cidade acorde, se levante, grite e proteste contra a demolição dos monumentos do nosso passado (quantos já se foram!) e preserve, ao menos, o que ainda resta de nossas tradições e de nossa História!


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Por Ruth Tupinambá - 24/5/2008 10:08:14
Aquele Ringue... foi o máximo

Ruth Tupinambá Graça

Muita gente não sabe, mas por incrível que pareça, Montes Claros já teve um rinque de patinação.
Isto foi lá pelos anos trinta. Uma empolgação tremenda tomou conta da juventude. Era uma grande novidade e ele surgiu, milagrosamente, pode-se dizer, pois quem se arriscaria construir e equipar um rinque quando Montes Claros não possuía estrutura para o mais simples esporte?
O santo milagreiro foi um sírio que se chamava David Persiano. Ele veio para Montes Claros antes mesmo da Central do Brasil, como mascate, vendendo sedas, casacos de pele, perfumes, colchas chinesas, tapetes, tudo importado e da melhor qualidade.
Gostou da hospitalidade do sertanejo e aqui se instalou com uma grande casa de móveis e artigos importados, localizada na Praça Dr. Carlos ao lado, onde é hoje o prédio da Caixa Econômica Federal. Apaixonou-se por esta terra e para cá trouxe sua mulher e filhos. Levava vida de rico, era hábito seu passear à tarde (para lá e para cá) em frente à sua loja.
Andava impecável, terno de linho branco, colete e uma grossa corrente com relógio de ouro, à tiracolo, sapato de duas cores, um enorme charuto, da melhor qualidade no canto da boca. Apreciava um jogo de baralho, principalmente o Poker.
Fez grandes amizades com políticos da terra (companheiros de jogo) e sua casa era freqüentada pela nossa melhor sociedade.
Sua mulher, dona Sara, era uma mulher gorda e baixa, sem vaidade, neste ponto o oposto do marido. Vestia-se simplesmente. Era amável e atenciosa. Presenteava os vizinhos com pratinhos de quibe e outras especiarias que fazia, é claro, com perfeição, que era para nós grande novidade, pois em matéria de culinária estávamos muito atrasados.
O nosso forte era arroz com carne e pequi, feijão de tropeiro, carne de dois pelos e tutu com lingüiça, que embora deliciosos, estavam muito aquém do sofisticado menu estrangeiro.
Não sei mesmo porque, uma família síria e muito rica se interessaria tanto por nossa terra, tão desprovida de conforto e atrativos, naquela época. Nem mesmo o comércio era tão vantajoso. Talvez quisesse apenas o sossego e a paz do sertão. O dinheiro viria por acréscimo.
Seus filhos cresceram aqui e muita gente ainda se lembra da sua filha Rosinha Persiano, uma turquinha bonita e muito alegre, que se casou com Gabriel Cohen, negociante de móveis aqui durante muitos anos (montes-clarense do coração) deixando aqui grandes amizades.
E foi nesta disposição, bastante relacionado em Montes Claros, que seu David resolveu brindá-la com um rinque de patinação.
Ao lado de sua loja, possuía um terreno que servia de depósito de mercadorias e que se alongava até a Casa Alves, com fundos para a rua Simeão Ribeiro, hoje Quarteirão do Povo.
De repente começaram os preparativos para a construção que era acompanhada com ansiedade pelos montes-clarenses. Aquela novidade caíra do céu, para uma cidade sem nenhuma diversão, além do rádio e um cineminha duas vezes por semana.
Seu David, de mãos no bolso, peito estufado e charuto no canto da boca, inspecionava a grande obra cheio de entusiasmo. Mas a lerdeza dos nossos operários já irritava o turco que, no seu sotaque enrolado de estrangeiro, gesticulava nervoso enquanto a obra, não obstante, seguia em ritmo de tartaruga...
Os curiosos também, diariamente visitavam admirados com tantas novidades e que o turco explicava, todo vaidoso, pois ninguém no nosso meio conhecia, de verdade, aquele esporte a não ser através de revistas e cinemas.
Depois de uma peripécia, o rinque ficou pronto, mas veio a novela dos patins, que a morosidade do nosso transporte foi o culpado. Mas chegaram e finalmente a inauguração foi anunciada. Muita gente, cerveja à vontade, banda de música e até foguetes.
Seu David felicíssimo ao lado da família, recebia os cumprimentos explicando o funcionamento dos patins ali expostos.
No dia seguinte, a mocidade montes-clarense já se movimentava para a estréia do esporte. Foi uma loucura. Não havia um treinador e o aprendizado seria por conta própria.
De patins nos pés e soltos na arena, enquanto um gramofone rouco tocava valsas lentas (Danúbio Azul, Saudades de Ouro Preto, Branca etc.) a moçada se agarrava ao cano que circulava a enorme extensão cimentada. Num esforço tremendo, soltava um pouco aquele bendito cano, mas eram tombos e mais tombos. As moças, preocupadas em segurar as saias (naquele tempo o uso de calças compridas e shorts era proibido) se descontrolavam, não conseguiam se equilibrar e rodopiar ao som da música. Foi uma luta, mas ninguém desistiu. Todas as tardes tentavam e aos poucos, foram progredindo, à custa de tombos, escoriações e até pernas e braços quebrados.
Moças e rapazes disputavam e faziam grandes apostas. No fim de um mês já conseguiam soltar o cano, dar voltas ao longo da pista e os mais espertos faziam até piruetas.
A nossa turminha famosa: Yeda e Yolanda Maurício, Zuleika e Mary Bessone, Carmem e Íris Sarmento, Ydoleta e Maria Maciel, Luíza Guerra, Ruth Tupinambá, Alaíde Amorim, Wanda e Heloísa Veloso, Stela Jansen, Biá e Jaci Veloso, Helena de Paula, Lia Prates e muitas outras.
Os rapazes dos bancos, Comércio e Indústria e o Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais (únicos da cidade) e estudantes em férias: Hermes de Paula, Jacinto Fróis, Raul Peres, Pedro Santos, Waldir e Darcy Bessone, Abelar e Aderval Câmara, Antônio Augusto Veloso, Benjamim dos Anjos e outros. Eles pagavam dois mil réis pe¬los patins e poderiam rodar à vontade. Para as moças eram gratuitos.
Nossa turminha mais esperta (gente mais nova) já conseguia dar show. Usávamos saia rodada e comprida e ao som das valsas rodopiávamos em toda extensão do rinque. Por mais cuidado que tivéssemos, as saias se levantavam e as pernas sempre apareciam... e eram admiradas e cobiçadas pois naquele tempo, só mesmo as pernas, e mesmo assim davam o que falar.
Aquelas tardes de patinação eram animadíssimas e os curiosos não perdiam aquele espetáculo!
As famílias mais preconceituosas não deixavam as filhas freqüentarem o rinque, consideravam imoral e indecente aquele extravagante esporte.
Nas temporadas do Rei Morno o rinque era bem aproveitado para os festejos carnavalescos.
Seu David cedia-o gentilmente, pois era o próprio folião, com fantasia de sua terra, por sinal, muito cara e bonita. Com turbante e tudo mais, exibia o lança perfume Rodo, muito cheiroso e embriagante, mas quando acertava nos olhos...
Pouca gente tinha condições de usá-lo, pois era caro e vinha de longe e quem conseguia este privilégio, ao invés de gastá-lo perfumando o cangote das donzelas usava-o, por maldade, nos olhos dos curiosos que sapiavam no sereno.
Seu David era civilizado e entre confetes e serpentinas, sabia se divertir com sua família nos três dias de carnaval.
Naquele tempo (mocidade em flor) ninguém se preocupava nem avaliava o furo que aquele belo esporte causava aos cofres do seu David. Não sei mesmo porque ele acabou, foi uma pena.
Talvez a valorização chegando em nossa terra despertou o interesse pelas cifra (há tempos adormecido) e o seu David resolveu vender aquele terreno ou transforma-lo em lojas.
Todos aproveitaram muito do rinque de patinação que marcou época em Montes Claros. Até os senhores papéis queimados nunca perdiam a hora da patinação. Horas agradáveis, descontraídas e uma oportunidade para os namorados.
Muitos romances começados ali, ao som das valsas lentas (em contraste a chieira dos patins) terminaram em casamento.
Para seu David foi só prejuízo, mas para nós aquele rinque foi o máximo, e nos deixou muita saudade.


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Por Ruth Tupinambá - 17/5/2008 08:48:12
Nos tempos em que os bebês nasciam

Ruth Tupinambá Graça

Logo após o casamento toda a cidade (que ainda era pequena) ficava curiosa aguardando a grande novidade do casal.
Quando demorava muito uma comadre mais curiosa procurava o casal bisbilhotando: Qual o motivo daquela demora? A cegonha estava atrasada voando por fora... o que seria?
O normal era, logo após a lua-de-mel, aparecer o enjôo e aos nove meses, o bebê.
Era pecado, evitar filhos. A mulher casada não tinha outra escolha, teria os filhos que Deus mandasse. E por mais pobre que fosse a família, o ditado era consolador:
Deus dá, Deus cria. E assim a casa enchia.
Os bebês nasciam e como nasciam!
A maioria num desconforto tremendo, após um sofrimento de oito a doze horas. Os poucos médicos da cidade eram só para doenças graves e parto (não é doença) ficava a cargo das parteiras, na maioria das vezes, sem nenhuma noção de higiene. Eram apenas curiosas, num grande desejo de servir.
Durante a gravidez a gestante deveria se abster de certos alimentos considerados maléficos, presa a crendices daquela época: não podia comer pele torrada (a placenta ficaria agarrada), pimenta e couve (provocava dor de barriga no neném), carne de porco sem castrar (atrasava o parto).
Depois vinha o resguardo, ainda mais severo: limonada e frutas ácidas nem em sonhos. Surubi, bacalhau e dourado eram remosos (indigestos), carnes de caça (veado, tatu, paca etc.) provocava alucinações (o parto subia para a cabeça).
Em compensação, havia o Vinho Reconstituinte, a cerveja preta, canjicas e mingaus para ajuntar leite.
Os frangos eram tratados em poleiros separados, comendo ração especial, durante os nove meses, para a alimentação da parturiente, um pirão gordo de farinha do Morro Alto e temperos especiais durante os trinta dias de resguardo.
O tratamento dos bebês era outro drama. Após o corte do umbigo (qualquer tesoura) o curativo era feito com azeite de mamona quente e pó de fumo torrado, durante sete dias.
Era comum a criança morrer durante esse período, principalmente nas roças. Muitas mães só completavam o enxoval depois dos fatídicos sete dias, se a criança escapasse... a maioria morria com o mal dos sete dias, mas na verdade o mal era infecção umbilical. As parteiras menos esclarecidas acreditavam que aquele mal levava impiedosamente as criancinhas.
Com os meus seis anos, eu já entendia e percebia certas coisas em casa. A mamãe estava incomodada, dizia o pai, passeando na sala, de um lado para outro; muito afobado. Algo estava acontecendo.
A Martha, uma velha escrava, cria do vovô e que nos pageava, imediatamente nos levava para o quintal, procurando nos distrair.
A cegonha ia chegar e depositar o neném no balaio que já o esperava (suspenso por cordas presas ao teto), enfeitado com fitas e tiras bordadas. Não existia maternidade, tudo era resolvido em casa mesmo, apenas com a parteira.
Na cidade havia três especiais: Sá Germana, Sá Theófila e Sá Rosinha Leite. Eram as mais esclarecidas e conscienciosas, atendiam as grávidas de melhor nível social. Eram procuradas e respeitadas por todos e até pelos médicos. Mamãe gostava mais de Sá Germana, era muito discreta e paciente. O papai ia buscá-la com muito respeito.
Ela chegava tranqüila, vestida de preto (era viúva), trazendo em baixo do chale de lã, com grandes franjas em marambaias os apetrechos para a importante tarefa. Fazia o parto, a seu modo. Tudo dependia da natureza da parturiente e assim ela sofria esperando a hora mandada por Deus. Nenhuma anestesia e, após doze a quinze horas (era normal) de dores fortíssimas, as dilatações se completavam auxiliadas apenas por cápsulas de quinino, fomentações quentes na barriga, banhos e escaldas pés.
Acontecia às vezes, não completar a dilatação, vindo, em conseqüência, a hemorragia.
Chamava-se o médico na última hora e nem sempre dava tempo de salvar o neném, usando o fórceps. O bebê nascia sozinho, debatendo-se, sofrendo juntamente com a mãe. O esforço era tremendo e nascia tão inchados! Muitas vezes até com hematomas.
Hoje os bebês não sofrem e noventa por cento não nascem. Existe, para a tranqüilidade de todos, a cesariana que resolve o problema com conforto, sem dores e sofrimentos, só que exige muita grana...
Eu rezava para que Deus desse a mamãe uma boa hora, fazia promessas incríveis, enquanto a Martha inventava mil coisas para nos prender no quintal. Eu opinava sempre pelo guisado completo até com sobremesa de melado de rapadura com mandioca. Ela concordava, havia tempo, a cegonha não tinha pressa. Ela nos punha para catar gravetos naquele enorme quintal.
Tudo pronto, eu subia cuidadosamente com o prato de comida, na mangueira. Era gostoso comer nas alturas e depois jogar o prato lá embaixo... era uma grande aventura.
Quando tudo serenava, éramos chamados para ver o irmãozinho que já dormia enroladinho no queiro de baeta vermelha (para dar sorte), bem refestelado no pequenino balaio. A mamãe dormia tranqüila, que alegria! Olhávamos desconfiados procurando entender aquele milagre.
Na cozinha começava um movimento diferente. A própria parteira preparava o pirão para a mamãe com temperos especiais para não secar o leite nem provocar cólicas no bebê.
O Vinho Reconstituinte e a cerveja preta, comprados de véspera, já estavam no armário e a marmelada Colombo, para a sobremesa da mamãe.
Em casa tudo mudava. Não podíamos correr dentro de casa, fazer barulho, nem dormir tarde.
Papai falava pouco sobre a situação, apenas gestos, mas entendíamos tudo. Tínhamos que ser educados e bonzinhos.
A parteira vinha todos os dias para o banho e o curativo do umbigo do nenê, que geralmente caía no oitavo dia.
Às vezes atrasava. O bebê tinha o umbigo muito grosso e que dificultava a cicatrização. A parteira gracejava: isto é porque ele vai ser muito rico ou um político muito importante.
Era comum enterrar o umbigo logo que caía. A mamãe era muito supersticiosa e para a sua tranqüilidade guardava-os (de todos os filhos) numa caixinha de couro preto, com bordados de tachas douradas. Os supersticiosos acreditavam que se rato o carregasse, o menino mais tarde seria um ladrão, e se o perdesse, ficaria desorientado na vida.
Durante muitos e muitos anos, vi aquela caixinha com os tesouros da mamãe... bem guardadinhos.
Mas, com o correr dos anos e as nossas mudanças, eles se perderam com o tempo... mas nenhum azar nos aconteceu.
Não existe nenhum ladrão na nossa família (modéstia à parte), e até agora, nenhum desorientado...


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Por Ruth Tupinambá - 3/5/2008 09:40:36
A visita do ministro da viação, doutor Francisco Sá

Ruth Tupinambá Graça

Desde 1889 os montes-clarenses, confiantes no governo, esperam uma estrada de ferro para nossa terra.
Vários estudos foram feitos. O primeiro movimento foi através de uma Sociedade Anônima com sede no Rio de Janeiro, da qual o Concessionário era o tenente coronel Cipriano de Medeiros Lima, barão de Jequitaí e o mais importante fazendeiro daquela região.
O capital era de três mil contos de réis que ele passou, com seus direitos à referida Sociedade. Uma estrada de ferro que ligasse Montes Claros a Extrema, no São Francisco. Vários estudos foram iniciados, engenheiros foram contratados, mas não se sabe porque, tudo fracassou.
Além desta, outras vias férreas, em 1896, foram projetadas mas tudo promessas do Governo, e a nossa cidade continuou no abandono. Os valentes tropeiros foram, por muito tempo, os grandes heróis do transporte.
Entretanto, a E.F.C.B. já vinha se aproximando com o passo de tartaruga. .
Mas um dia (há sempre um dia na vida das pessoas e também das cidades), o Ministério da Viação caiu nas mãos de um filho do Norte de Minas - o doutor Francisco Sá.
Com o seu patriotismo, ciente dos nossos ideais e nossas necessidades, prometeu trazer a E.F. C.B. a Montes Claros. A inauguração da Estação de Bocaiúva estava marcada para 7/6/1924 com a presença do ministro da Viação, doutor Francisco Sá, que naquela ocasião visitaria Mon¬tes Claros, para resolver definitivamente o problema da E.F.C.B.
Foi uma bênção e salvação para nossa terra. Naquela época era presidente da Câmara o coronel Antônio dos Anjos, que foi um grande batalhador para que o grande sonho se transformasse em realidade.
Toda a cidade vibrava com a próxima visita do ministro e os preparativos para a recepção começaram desde o início do ano. Tudo foi programado da melhor maneira possível e com o maior entusiasmo, em todos os setores.
Deixaram de lado as rixas e até na política, entre partidos, inimigos ferrenhos (Estrepes e Pelados) abrandaram-se os corações passando a trabalhar juntos, para o sucesso da chegada do ministro.
Comissões foram organizadas para angariar donati¬vos, todos colaboravam e a Câmara Municipal não poupou os cofres soltando verbas.
A cidade se embelezava para receber em seu seio o grande amigo e filho do sertão, melhorando as fachadas das casas, dos prédios, das lojas com novas pinturas; poda¬vam-se as árvores, andaimes improvisados em todos os pontos da cidade, reconstruindo telhados escuros e tortos, remendando paredes, trocando madeiras e telhas quebra¬das, encascalhando ruas sem calçamento.
Durante o dia inteiro se ouvia o martelar das enxa¬das, arrancando a grama teimosa agarrada entre as pedras do calçamento a pé-de-moleque das ruas de nossa cidade.
Era a tarefa dos meninos de rua, que se sentiam valoriza¬dos.
Novos automóveis surgiam movimentando-se pelas ruas, sinal de que visitantes chegavam, dos municípios vizinhos, alugando casas, abarrotando as pensões.
As famílias também estavam preocupadas com a aparência e as de maior poder aquisitivo, mandando vir da capital tecidos finos, calçados e bijuterias.
As mães encheram-se de esperanças. Estava na hora de colocar as suas donzelas casadouras, pois já sabiam que na comitiva do ministro viriam engenheiros, deputados e até senadores solteiros.
As costureiras, felizes com o grande número de encomendas, desenterravam os figurinos, cobertos de poeira, nas prateleiras, tanto tempo sem serventia.
As moças, eufóricas, já disputavam os candidatos, pois alguns já eram conhecidos dos pais e com ótimas referências.
Lá em casa também tinha moças, minhas irmãs, que eram muito novas ainda, mas meu pai muito sociIa, achou por bem arrumá-las. Queria que fizessem sucesso e, quem sabe? .. pescariam algum doutor ...
Ele tinha um amigo em Belo Horizonte, um turco, negociante na famosa Rua dos Caetés, onde se encontra-va de um tudo e por menor preço. Trocaram correspondên¬cia e o papai resolveu ir à Capital. Uniria o útil ao agradável
Ficamos aguardando, com ansiedade, a sua chega¬da e nos encantamos quando ele abriu as malas entupi-dinhas de pacotes. Foi tirando para cada um de nós o seu quinhão. Ele era agrimensor e sabia, muito bem, como fazer a divisão, para não haver briga nem disputa.
Trouxe tudo preparado, embrulhadinho e com os nomes, inclusive ternos, camisas e sapatos para os rapazinhos, tudo da melhor qualidade.
Numa alegria enorme, rasgando os embrulhos, fo¬mos comparar quem tinha levado o melhor quinhão.
Ele me adulava muito, mas como era a caçula e ainda não tinha inclinações pelo sexo oposto nem pretensões a conquistas, não estava, portanto, interessadas nas toilletes de festa.
Mas ele trouxe para mim um sapatinho de tressê azul marinho, branco e vermelho, que era um doce e causou inveja a muita gente boa. E ele se justificou dizendo que daquele só tinha o meu número (pezinho de Cinderela). Para mamãe (embora não gostasse de festas), ele trouxe uma linda toillete de seda japonesa e sapatos Luís XV e para ele, um terno de casimira azul marinho, um colete, camisa branca e gravata borboleta. Assim como meu pai, todos os chefes de família preparavam-se com esmero para a grande festa. Corno era diferente! Havia tanta alegria, tanta sinceridade e espontaneidade naqueles corações tão puros!
O entusiasmo crescia dia-a-dia. Em ambiente amistoso, o assunto era um só e girava em torno da chegada do ministro.
As mães, preocupadas com a educação das filhas (para causar boa impressão), pensaram numa aula de boas maneiras e a cidade possuía um elemento espetacular. Era dona Lilia Câmara: farmacêutica, professora da Escola Normal, com finíssima educação e muito traquejo social poderia socorrê-las. Urna comissão de mães foi à sua casa; ela aceitou e preparou-as com grande entusiasmo, afinal de contas, era uma importante cooperação.
Em poucos dias as nossas sertanejas ficaram afia¬das, treinando a postura, a voz, sorrisos e gestos discretos e delicados, abanar os leques com elegância, olhares lânguidos, maneira de andar e se vestir, tornando-se bem femini¬nas, charmosas e educadas para impressionar os visitantes.
Pararam-se todas as atividades e de todos os municí¬pios vieram representantes.
O professor Polidora dos Reis Figueiredo, na véspe¬ra, publicou na Gazeta do Norte, as boas vindas aos douto¬res Francisco Sá, Daniel de Carvalho, Melo Viana e Alfredo Sá, e também versos elogiosos, demonstrando a alegria e a gratidão dos montes-clarenses por aquela visita impor¬tante.
E o ministro não nos decepcionou. No dia 8/6/1924 chegava a nossa cidade, com sua grande comitiva e era alvo de todas as atenções.
O doutor Francisco Sá desceu a pé pelas ruas enfeitadas com arcadas de bambu, flores, bandeirolas coloridas e em todas as esquinas faixas de boas vindas, até a casa antiga onde funciona atualmente o Colégio Imaculada, na avenida Estrela, hoje Cel. Prates, onde se hospedou por dois dias. Nessa trajetória foi acompanhado pela multidão, ao som da Banda Euterpe e o pipocar do foguetório.
À noite realizou-se o banquete preparado com luxo e requinte, com cem talheres e bebidas importadas.
Mais tarde, foi o esperado Baile de Gala que foi um verdadeiro sucesso. Os visitantes ficaram encantadíssimos com a beleza e educação das sertanejas e alguns engenhei¬ros mortalmente feridos pelas setas envenenadas do
Cupido. .
No dia seguinte, para a tristeza de todos, o ministra se foi com sua comitiva, mas deixando a certeza, no cora¬ção dos montes-clarenses, de que voltaria em 1926, para inaugurar a Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil em Montes Claros.


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Por Ruth Tupinambá - 11/4/2008 19:49:15
Piquenique a cavalo

Ruth Tupinambá Graça

Quem não tem cão caça com gato.
Era o que acontecia, precisamente nos anos trinta.
Com a falta do automóvel, principalmente em nossa cidade, os passeios a cavalo eram a grande moda.
Era um piquenique programado e discutido, bem organizado, no qual os mais interessados eram os rapazes e moças da nossa sociedade.
Hoje, que os carros entopem as ruas dificultando o trânsito, e qualquer guri de quatorze ou quinze anos brinca de cavalo de pau em plena avenida, pondo em risco a sua própria vida e principalmente a dos pedestres, o inocente passeio a cavalo parece à juventude atual coisa da Idade da Pedra. Entretanto, isto acontecia a pouco mais de meio século, quando o automóvel era fruta rara em nossa cida¬de, poderia ser contado nos dedos, pertencendo, na certa, a algum político importante ou a representantes de firmas estrangeiras.
Com a falta das rodovias, o veículo chegava aqui no sertão encarapitado nos vagões da Central do Brasil recém¬inaugurada. Este espetáculo causava admiração e muita gente boa largava seus afazeres para assistir o desembarque dos carros.
Nesta altura, o cavalo gozava de grande prestígio.
Era respeitado e cobiçado. Todo fazendeiro que se prezava, possuía uma boa tropa, um puro sangue marchador para suas viagens, um muito especial para dona patroa e filhas donzelas, e ainda um pequira para o caçulinha.
Avaliem então, a importância daquele passeio a cavalo, naquela época. Além do esporte, unia o útil ao agradá¬vel, pois para os namorados era uma grande oportunida¬de...
Uma semana antes começava a nossa via-sacra (desculpando a comparação) pois o mais difícil era conseguir os benditos cavalos, bons e bonitos, dignos de nossa excur¬são. Queríamos montar elegantemente e não em qualquer pangaré.
Os fazendeiros se esquivavam a emprestá-Ios (os mais supersticiosos) alegando que a mulher estragava os passos dos garanhões, que uma vez montados por elas, perdiam o calor e se tornavam fracos e mofinos.
Mas a nossa turma era insistente: Ieda Maurício, Maria e Ydoleta Maciel, Walkíria Teixeira, Bela e Lourdes Oliveira, Alaíde Amorim, Lucy e Aracy Zuba, Zuleika e Mary Bessoni, Nenzinha Athayde, Biá e Jacy Fróes, Car¬men e Yris Sarmento, Alba e Yika Fróis e outras, com os respectivos namorados e vários outros rapazes que aderiam ao nosso piquenique, com muita alegria.
Nós perseguíamos os fazendeiros enfrentando-os numa tremenda cara de pau. Muitas vezes recebíamos um não e até grosserias, mas havia, em compensação, os educados e cavalheiros: seu Athaydinho, João de Figueiredo, Levindo Dias, Dr. Plínio, Mauro Moreira, Nozinho Cola¬res, Orfeu Fróis, João Câmara, Chiquinho Veriato, Altino Maciel, Carlos Sapé, Elpídio da Rocha, Domingos e Valeriano Lopes, Chico Peres, João Mendonça, Argemiro Machado e outros. Estes, embora preocupados, eram incapazes de desapontar aquelas beldades.
E (com cara de anjo), conseguíamos tudo: cavalos especiais, celas e arriadas caprichadas, até chicotinhos de estimação encastoados de prata.
No domingo cedinho, enfatiotadas num culote e guarda-pó de brim, botas de cano alto, encarapitadas nos enormes cavalos e enquanto a turma se reunia no Largo da Matriz, as que montavam melhor, galopavam pelas ruas da cidade numa total exibição de boniteza sob os olhares curiosos espiando aquelas amazonas improvisadas que cavalgavam com desembaraço, açoitando os chicotinhos. E, apertando as esporas nas gordas barrigas dos animais que, ao se sentirem espetados, arribavam as enormes caudas, soltavam aquela barreIa e disparavam loucamente.
Nesta estrepolia os bonitos chapéus Ramenzoni (o mais chic da época) voavam das nossas cabeças enquanto os moleques os apanhavam, correndo atrás dos cavalos, fazendo grande anarquia.
Reunida a turma, partíamos para a Fazenda da Lapa Grande, propriedade do senhor Filomeno Ribeiro. Era um percurso bem grande para quem não tinha experiência de cavalgar. Mas, ao lado do bem amado, ouvindo doces palavras, o canto dos passarinhos, a beleza das flores e dos verdes campos, queríamos mesmo era que aquela estrada nunca terminasse.
Na Fazenda, dona Laudy, uma perfeita anfitriã, nos esperava com uma enorme mesa de lanche. Um café com leite caprichado, biscoitos e bolos variados, queijo e requeijão especiais, mingau e pamonhas de milho verde, caldo-¬de-cana fresquinho, tudo numa incrível fartura.
Até o sanfoneiro já nos esperava. Dona Laudy era muito alegre e gostava de ver a moçada dançando, num forró animado, que nem as botas nem o calor nos impedia de aproveitar ao máximo.
Na volta já não galopávamos com tanto entusiasmo.
Algumas companheiras, menos experientes, com o bumbum em pandarecos ansiavam por um banho refrescante. Isto acontecia também a certos rapazes, que vindos de Belo Horizonte, principalmente bancários (inexperientes em equitação) ficavam totalmente extropiados.
Um mês depois, prazo suficiente para os fazendeiros curarem as pisaduras dos seus belos animais, e esquecer¬mos os estragos provocados pelas selas, começávamos novamente a organizar o próximo passeio. Aquele piquenique a cavalo era de fato uma festa constante para todas nós, do qual não abríamos mão, e que até hoje ainda senti¬mos grande saudade... tempo bom que passou deixando marcas profundas, que maltratam o meu velho coração.


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Por Ruth Tupinambá - 29/3/2008 09:04:32

Uma rua tranqüila

Ruth Tupinambá Graça

A rua Bocaiúva era uma rua tranqüila, pouco iluminada, e de ponta a ponta cheinha de casas residenciais.
As famílias se visitavam, constantemente, num relacionamento perfeito. Era como se fosse uma só família. As casas com telhado coloniais antigos, escurecidos pelo tempo, onde o lodo se acumulava, agarradas uma as outras, pareciam eternamente abraçadas e cochichando...
Trocaram-lhe o nome: rua Dr. Santos, em homenagem ao brilhante e dinâmico prefeito dos anos 30 (isto foi até louvável) mas descaracterizaram-na, com o passar dos anos.
As casas simples, acanhadas e que se abraçavam constantemente, foram derrubadas para darem lugar aos edifícios, lojas e butiques com vitrines sofisticadas, clínicas, barzinhos, lanchonetes, enfim, transformaram-na numa rua fria, totalmente comercial.
As famílias tradicionais, por onde andam agora?
Com tristeza e saudades eu as procuro.
Aquela camaradagem, o carinho do dia-a-dia e relacionamento gostoso entre vizinhos, tudo isto desapareceu, sem que déssemos conta do ocorrido.
Aquela era uma das mais importantes ruas da cidade: casas melhores, famílias mais abastadas e os chefes eram, na maioria, grandes comerciantes.
Iniciando na esquina, com a rua 15, hoje Presidente Vargas, morava o coronel João Fróes, com grande família. Comerciante e fazendeiro, sua casa era bonita, espaçosa, tinha até um sótão com sacada de ferro em arabesco. Em frente, ainda na esquina, ficava o Hotel dos Viajantes.
Logo acima, à esquerda, numa grande casa com vidraças coloridas, morava dona Altina, viúva do Juca Versiani, com filhos e netos.
Do mesmo lado, na esquina onde é hoje o Banco Nacional, ficava o antigo Hotel Sul Americano mais tarde de Antônio de Neco. Em frente morava o seu Orlando Fernandes, recém-chegado de Minas Nova com a esposa, dona Antoninha. Gente fina, bem acostumada, casa cheia de moças alegres e bonitas, grandes foliãs no nosso carnaval faziam grandes sucesso com seus saltos Luiz XV e boquinha de coração...
Em frente o coronel Artur Valle, casado com dona Aurora, da tradicional família Laborne, de Grão Mogol, dono do Cartório de Imóveis e professor da antiga Escola Normal. Suas filhas, Nelcínia e Anelita, já moças casadoiras e muito "viajadas" davam as coordenadas na moda feminina da nossa cidade. Os filhos, rapazes solteiros e grandes conquistadores, Geraldo Valle que o diga...
Logo acima, a família do Juca Fróes, viúvo, e suas filhas, Laura e Helena, que adoravam um sarau, apesar do pai ser ranzinza e ciumento. Era fazendeiro e grande criador de porcos.
Em frente, dona Júlia dos Anjos, viúva, professora, com seus filhos Ataliba, Olga e Dominguinhos. Foi minha mestra, da qual guardo as melhores lembranças.
Numa grande parte da rua (em dois quarteirões), morava os Mirandas. Família enorme, gente simples e pacata, preocupada com o comércio e donos de várias lojas e fazendas.
Na esquina com Dom Pedro II, onde é hoje Deusdará Sport, morava o juiz de Direito - doutor José Bessone, num imponente chalé -, casado com dona Quita Bessone, da tradicional família Fróes. Ele era viúvo e bem velho. Ela era muito elegante, se esnobava vestindo-se na última moda, sobressaindo entre aquelas senhoras simples. Era um casal fino, educado, cujos filhos Darcy e Waldir já estudavam fora. As filhas Zuleika e Marly eram meninas da nossa turma.
Mais adiante, do mesmo lado, a família do Totone Leão, com numerosa prole. Sua esposa, muito tranqüila (era um contraste), enquanto ele parecia um "furacão", de grande atividade nos negócios, e em outros assuntos também, mas gente muito boa.
Em frente, morava Sá Guiomar, uma mulher sofrida, viúva, costureira e grande especialista em ceroulas e camisas de homem. Andava sempre de preto, o que a tornava mais alta e magra. Nunca pude entender (quando menina), porque ela tinha barba e bigodes.
Adiante, do mesmo lado, morava seu Conrado Pereira, comerciante no Mercado Municipal e fazendeiro. Cara fechada (apenas para impor respeito), a mulher e as três filhas: Francisca, já adolescente, Lóca e Laura, muito alegres, excelentes companheiras, topavam qualquer brincadeira.
Em frente, subindo a rua, morava Lindolfo e seu Luiz, os melhores alfaiates da cidade. Eram dois amigos solteirões e que moravam juntos. Faziam todos os anos, um presépio maravilhoso, onde todas as figuras se movimentavam por uma engrenagem inventada por eles. E o presépio ocupava toda a sala de visitas e era admirado e visitado por todos da cidade.
Mais tarde se mudaram e o doutor Alfredo de Souza Coutinho, grande advogado, recém-chegado na cidade, casado com a bela Nazinha Ribeiro do Nascimento, ocuparam-na. Nesta casa nasceram todos os filhos deste casal. Era uma família famosa pela educação. Doutor Coutinho foi professor da Escola Normal e presidente da Câmara Municipal da nossa cidade, trabalhando muito para o seu progresso.
A Milene deve ter grande saudade desta rua, onde passou grande parte de sua vida.
Logo em seguida e do outro lado, havia uma agência do Correio e também a residência do casal Zezé dos Anjos e dona Antônia Veloso. Ambos de tradicional família, das mais antigas da cidade. Trabalhavam nos correios durante muitos anos. Ela era alegre, comunicativa, bem-humorada, dava notícia de todos os acontecimentos da cidade, sempre disposta a um bate-papo. Casa alegre, família numerosa, onde as crianças se viravam, principalmente Wanda e Heloísa, companheiras de infância dia e noite naquela saudosa rua.
Adiante, o doutor Urbino Viana, casado com dona Amélia, ambos baianos. Ele era professor da antiga Escola Normal e funcionário da Secretaria da Agricultura. Era um grande pesquisador, escreveu a Monografia Histórica e Geográfica de Montes Claros.
Logo acima, a Família Prates. Casal retraído, cujo chefe Catão Prates era culto, professor e diretor do Grupo Escolar Gonçalves Chaves por algum tempo, um casal bonito, cujos filhos herdaram esta qualidade, principalmente as filhas Juracy (tocava violão e cantava) e Maninha, que já naquela época balançavam o coração da rapaziada.
Do mesmo lado, na esquina com a Rua Dom João Pimenta, morava os Silveiras, cujo chefe Olegário Silveira era a calma e bondade em pessoa, juntamente com a sua mulher, dona Mariazinha. Era um casal perfeito e dedicado as obras de caridade, devotos de São Vicente.
A casa era cheia de moças casadoiras, prendadas, habilidosas, extremamente trabalhadoras, principalmente a Fininha, já viúva (mãe de Darcy e Mário), onde se faziam os melhores doces e os famosos quindins.
Nesta época, Mário era muito criança, mas já conhecido pelas peraltices. Sua inteligência e atividade já se manifestavam e como a cidade era pequena, o jeito era aprontar...
Bem em frente aos Silveira moravam o coronel João Câmara, grande matemático, fazendeiro e durante anos professor da antiga Escola Normal e por algum tempo seu diretor. Era casado com Dona Cândida Mendes Siqueira, natural de Salinas, cujo apelido era Daninha. Ele era o pai da paciência, ela era alegre, irrequieta, foi professora em Montes Claros cerca de quarenta anos. Era idealista, fundou a Escola Isolada, freqüentada por todas as crianças da Rua Bocaiúva e grande parte da cidade. Família numerosa, os mais velhos estudavam fora, e Naire Noeme eram moças elegantes e viajadas, promovendo sempre festas animadíssimas na residência dos pais. Família extremamente fina e educada, ainda hoje temos uma amostra, o nosso amigo Abelar Câmara com sua família, o professor João Câmara foi coletor das Rendas Estaduais e Federais, no município de Montes Claros.
Aos sábados e fim de semana, o movimento daquela rua era diferente, dedicado aos doces e biscoitos. Os grandes fumos nos quintais eram esquecidos. Mais tarde o cheirinho de pão quente se espalhava por toda a rua e, entrando pelas narinas excitava o desejo de um cafezinho acompanhado...
Começava a troca de pratinhos (hábito da rua) cobertos por alvos paninhos de crochê engomado, contendo o agrado para o vizinho.
A satisfação era enorme, quando na devolução do mesmo, vinha o pedido da receita, sinal de que agradara.
A troca de receitas era importante, pois uma novidade para o estômago sempre arrancaria um elogio do guloso e exigente marido.
Esmeravam-se nas especialidades do pão de queijo, biscoito de farinha, de fofão, João Beó, broa de milho, brevidade, bolo de arroz, de mandioca e o célebre espera marido...
E à noite, enquanto os menores dormiam, os maiores jogavam bola na rua, e os maridos davam suas voltinhas. Era a hora de tomar a fresca.
Colocavam cadeiras de palhinhas na porta da rua e as comadres vinham chegando, uma a uma, formando um grande grupo em semicírculo. Começava o bate-papo. Tratavam ali de diversos assuntos de família e da cidade, enquanto um gostoso café torrado em casa era servido com deliciosos biscoitos, especialidade da dona da casa:
Existia tranqüilidade nos lares, sem a necessidade dos altos muros que isolam, hoje, as famílias. Não existia a preocupação com o carro novo, a poupança, dólar, o esnobismo da moda com as etiquetas famosas, enfim, o consumismo sufocante.
Contentavam-se com o que possuíam, sem grandes ambições, naquela rua simples, meio cafona... mas cheia de amizades.


(Todas as fotos que ilustram esta crônica são da seção Fotos Antigas, do montesclaros.com, que podem ser consultadas. As duas primeiras revelam aspectos da rua Dr. Santos, antiga rua Bocaiúva, foco da presente crônica. A terceira foto é panorâmica da cidade. Todas três são posteriores a estas recordações, extraordinárias, da escritora Ruth Tupinambá. O que a memorialista conta, com riqueza de detalhes de uma prodigiosa memória, é ainda anterior a estes registros fotográficos. Mais e mais pessoas se referem a dona Ruth como a Cora Coralina de M. Claros, referência à poeta goiana)


33109
Por Ruth Tupinambá - 15/3/2008 08:41:50

Relembrando os anos dourados

Hoje os computadores são os senhores do dia!
O consumismo virou modismo e tomou conta dos homens...
Os homens viraram máquinas. Que será, no ano 2000?
A humanidade está tensa, dura, parece que, há muitos anos, os corações se transformaram em relógios, que apenas batem, mas não sentem, são incapazes de amar...
Todos correm, ninguém tem tempo para pensar, refletir ou pelo menos, ouvir uma boa música, ler um bom livro...
Quem se importa, hoje, com a poesia?
Pouca gente a aprecia e consegue senti-la, ou pelo menos, traduzir o sentimentalismo, maravilhoso que existe na alma do poeta!
Tudo hoje é frio, calculista e o homem quer o domínio a qualquer preço.
Tudo se desmorona, infelizmente, aos nossos olhos. A família se desestrutura. A mulher, por si mesma se desvaloriza. Os homens estão céticos e os jovens já não são aqueles entusiastas cheios de ideais. Têm luxo, conforto e vivem entediados, frustrados, cheios de angústia e muitos encontram refugio nas drogas.
Os anos dourados (das valsas, boleros e tangos) ficaram bem longe. As garotas ingênuas, tímidas, de anáguas engomadas, saias rodadas, sapatinhos de salto alto, de pele delicada e pintura suave, meigas e românticas, que se coravam com um simples beijo na face...
Onde estarão, ou não existem mais?
Muita gente ainda tem saudades daqueles tempos e até mesmo as novelas e filmes atuais têm procurado revivê-los.
Havia muita poesia e muito sonho! É muito difícil viver sem sonhar. O sonho nos faz bem.
Durante nossa vida muitos dos nossos desejos não se realizam, mas enquanto sonhamos há esperança que nos embala e nos acalenta, e enquanto há esperança há vida!
Relembrando os casamentos, como eram diferentes!
Como os noivos sonhavam e esperavam ansiosos aquele dia!
O noivado era um período difícil, a noiva muito recatada e vigiada, pela mãe ou pelo irmãozinho mais novo e indiscreto. As oportunidades mínimas levavam o noivo a apressar o casamento, que era um grande acontecimento na cidade em que todos tomavam parte.
As comadres e amigas ofereciam imediatamente, os préstimos para qualquer trabalho: bainhas nos lençóis de linho, bordados em toalhas de chá ou um crochê nos paninhos de prato.
Algumas mais despachadas eram requisitadas para os conselhos à noiva, prestando com isto, uma grande ajuda à tímida amiga. E todo aquele preparo para a festa final era de uma simplicidade e pureza longe das sofisticações, que hoje observamos, em certos acontecimentos sociais.
Para a grande recepção, a família já sabia onde encontrar os doces e salgados. Corriam a casa de Sinhá Cândida (famosa doceira dos anos 30) que recebia a freguesia com um largo sorriso e numa grande euforia mostrava os modelos folheando um caderno (já bem gasto pelo tempo), lendo as mais interessantes receitas.
Quem não se lembra dos famosos pudins de leite, coco e o famoso pudim veludo? E da caçarola italiana, espera marido, papo de anjo e siricaia?
E o famoso Colchão de Noiva, que era imprescindível nos grandes casamentos. Era como um símbolo. Dentro era escondida, cuidadosamente, uma aliança, e ao parti-lo as moças casadoras esperavam e torciam pelo grande prêmio. Quem a tirasse seria a primeira a se casar. E quanto mais rica era a noiva, maior e mais incrementado era o colchão, todo coberto de coco ralado (para ficar fofo) e salpicado de confeitas prateados e recheado com finos doces. Era a grande novidade de nossa cidade, que a doceira Geralda Boi aprendera em Belo Horizonte num curso de doces especiais para as grandes núpcias. Hoje ninguém se lembra mais deste colchão, tão saboroso e significativo. Que pena!
E os doces cristalizados? Estes não podiam faltar e era só procurar a dona Luíza de Totó (mãe da nossa querida Arinha). Tinha mãos especiais para preparar as cascas de laranja, limão, os figos, para cristalizar.
Arinha tem bem a quem puxar, os freqüentadores das Quebradas e assíduos fiantes dos saborosos almoços que o digam. A mestra Fininha com seus célebres quindins, nunca poderá ser esquecida, sua variedade de docinhos: maçãzinhas de coco, balainho de Sinhá, amor em pedaços, cajuzinhos de queijo e amendoim, olho de sogra. E era tão barateira! Sua fama corria de boca em boca e como era caprichosa e minuciosa nos detalhes, colocando nas maçãzinhas coloridas, um cravo fingindo haste e minúsculas folhas de jabuticaba.
Os assados e as massas, eram com as irmãs Conceição e Helena de Melo Franco. Empadas e pastéis deliciosos, tortas amanteigadas para ninguém botar defeito.
As doceiras tinham disponibilidade e tudo era feito com amizade e camaradagem.
Dez mil réis de doce, era doce que não acabava mais. E a simplicidade dos casamentos? A igreja não exigia, casava-se a qualquer hora, qualquer dia e em qualquer igreja. Os noivos é que mandavam e os padres cumpriam o seu sagrado dever honrando as palavras de Cristo:crescei-vos e multiplicai-vos. Em compensação, era o convidado mais importante da festa e se assentava à cabeceira.
Nenhuma taxa de aluguel de tapetes e passarela era exigida pela igreja. O altar era enfeitado com flores naturais, colhidas em casas dos parentes e amigos. Meses antes da festa controlavam, pela lua, a poda e no tempo certo as roseiras floriam com abundância. As rosas La France, Palmeron, Bola de Neve, Rosa Noiva e também os perfumados lírios e as angélicas, colhidos na chácara de Sá Toró Narciso, enchiam e perfumava a igreja.
Hoje, quando entramos numa igreja, decorada para um casamento, as flores são lindas, mas não sentimos aquele perfume. Por que será? Até as flores fazem greve, ou terão os agrotóxicos alguma culpa nisso?
A noiva com seu alvo véu e grinalda de flores de laranjeiras, muito linda, levando é certo, para o seu bem amado a sua pureza e virgindade, saía da igreja, após o casamento com um grande acompanhamento de convidados a pé, até a residência dos pais da noiva, onde uma enorme mesa de doces e salgados os esperava.
Embora casados (no católico e civil) a timidez os dominavam e os impedia de qualquer gesto avançado.
Durante a noite um baile animado, com orquestra, onde todos queriam dançar com a noiva, prolongava-se até alta madrugada. Os noivos ansiavam ficar a sós e se entregarem, finalmente, um ao outro, mas não podiam deixar os convidados, seria um escândalo e falta de consideração.
Já ao amanhecer, a noiva cansada, o noivo aflito se despediam. Os pais e os padrinhos acompanhavam os pombinhos até a sua nova residência. Era de praxe, e a mãe aproveitava a oportunidade e enchia-lhe a cabeça de recomendações, enquanto o pai pregava um sermão ao genro:
-Muito cuidado; nada de extravagância e modernismos, muita prudência... a menina é fraquinha... e inocente.
A lua-de-mel era mesmo uma grande e doce lua, em que, para a noiva tudo era desconhecido e novidade, e para o noivo tímido, grandes surpresas...
O véu e a grinalda de flores de laranjeira, lembrança daquele dia tão importante, eram guardados em uma caixa (com naftalina) para, no futuro, mostrar aos filhos e netos e contar-lhes todo o romance e o grande amor que os uniu e durou tanto tempo...
O véu e as flores de laranjeira eram realmente, um grande símbolo... e verdadeiro.
Cidade: Montes Claros/MG


32476
Por Ruth Tupinambá - 1/3/2008 11:12:42
Rua dos Maribondos

Ruth Tupinambá Graça

A Rua dos Marimbondos, como o próprio nome indica, era uma rua perigosa, dividida ao meio automaticamente. Sim, automaticamente, pois aquela divisão não fora feita por demarcação topográfica, nem por imposição da Câmara Municipal, nem tampouco pela Delegacia de Polícia. Foi pura e simplesmente por questão de acomodação e exigência do meio ambiente.
A Rua dos Marimbondos era torta, formando ao meio uma enorme barriga, que a tornava mais feia ainda.
o calçamento era péssimo, em toda sua extensão daquele pé-de-moleque caroçudo, em que dificilmente uma dama poderia se equilibrar, por menor que fosse o salto do seu sapato.
Do meio para baixo, começando na esquina da rua Armênio Veloso, até desembocar na Padre Teixeira, ela era mais suja, mais estreita e, de lado a lado, camarotes e botequins imundos e mal freqüentados enquanto que, do meio para cima, era mais larga, mais limpa, casas de melhor aparência, e ao invés dos camarotes e botequins, havia um cabaré, na esquina com Visconde de Ouro Preto (hoje Rua Lafetá) que era a tentação da rapaziada, que não tinha outra opção.
Assim, a sociedade freqüentava (escondido) a parte de cima (o cabaré) e a classe mais nobre, a parte de baixo (os camarotes, que eram de um só cômodo e uma única porta para rua).
Os freqüentadores da parte de baixo eram justamente boêmios, cachaceiros, malandros e as mulheres, do mais baixo nível social e econômico, mal vistas pela sociedade, condenadas, como se não fossem, também, filhas de Deus. Mas, com todos estes defeitos e inconveniências, esta rua era uma tentação e um grande divertimento para todos.
A curiosidade, muito natural em criança, me deixava intrigada e procurava (juntamente com as colegas) desvendar o mistério daquela tão cotada rua.
Apesar da nossa pouca idade, já percebíamos que as famílias se sentiam afrontadas e até humilhadas com a safadeza daquela marimbondeza rua, e coitado daquele que fosse visto perambulando por aquelas bandas...
Mas, como os adultos pouca atenção davam às crianças, milhares de vezes descíamos da escola, e longe da vigilância de nossas mães, desobedecendo-as totalmente, e como se nada nos interessasse, descíamos tranqüilamente. E justamente no quarteirão mais quente, já quase desembocando na Padre Teixeira (onde morávamos) ligávamos as antenas para não perder nada.
E como era divertido aquele pedaço de rua! Mulheres assentadas em tamboretes do lado de fora dos camarotes, fumando enormes cigarros de palha, um copo de pinga na mão, embriagadas, tagarelando com homens de má aparência, assíduos freqüentadores daqueles botequins, discutindo sobre jogo de bicho (naquele tempo era franco), contando seus sonhos, procurando palpites para fazer sua fezinha...
Usavam vestidos bastante decotados, onde os seios pontudos pareciam querer saltar fora e o enorme rachão das saias deixava à mostra coxas grossas, com sinais de varizes, retratos dos excessos, falta de cuidado e de assistência médica.
Muitas vezes, usavam quimonos de fazenda fina, onde a transparência mostrava as formas e o contorno dos largos quadris.
Passávamos ressabiadas, o coração batendo fortemente. A emoção de estarmos fazendo algo de errado nos excitava, mas a curiosidade de descobrir o porquê fantástico daquela rua e o mistério que envolvia aquelas mulheres mundanas (como eram chamadas) nos empolgavam.
Na nossa fantasia, esperávamos encontrar ali, naquele tão sujo pedaço de rua, mulheres lindas, bem vestidas e perfumadas, verdadeira tentação ao sexo forte; mas, decepcionadas, verificávamos que eram simplesmente mal vestidas, mal tratadas e sem nenhuma beleza.
Então, qual seria a causa de tamanha polêmica de nossas mães, enfim, da sociedade? Onde estava o perigo, que tantas vezes, em conversas, deixavam escapar?
Éramos ainda puras e inocentes, incapazes de perceber a força dos instintos sexuais e seus segredos, e também as conseqüências trágicas e muitas vezes fatais, da promiscuidade daqueles camarotes, sem higiene, onde a sífilis era a hóspede constante, naquele tempo sem cura, por falta de antibióticos e profilaxia.
De um relance, se não fôssemos tão jovens, poderíamos descobrir, em seus olhos tristes e de roxas olheiras, os sinais da doença e da embriaguez, sob a qual procuravam afogar suas mágoas e o desespero daquela miserável vida.
Doentes, viciadas, mal amadas e exploradas, elas o eram realmente.
Nos botequins daquele quarteirão de bêbados e malandros, a cachaça dava-lhes coragem e as discussões e cenas de ciúmes terminavam em brigas.
À noite, a ronda aparecia (naquele tempo existia na cidade meia dúzia de soldados) mas era difícil impor a ordem, sem piedade, e, era comum tiros e facadas, culminando, muitas vezes, com prisões e até mortes.
Entretanto, na parte de cima da mesma rua, a vida noturna era mais calma. Na pensão e no Cabaré da Lizarda (que era uma cafetina simpática) e Maria do Bico Doce, elas sabiam conquistar a freguesia e como manjar os coronéis, arrebanhando mulheres mais saudáveis e de melhor categoria e até bem bonitas, tornando a Rua dos Marimbondos, pelo menos na parte de cima, mais cobiçada pelos tímidos e bem nascidos rapazes da nossa sociedade.
Muitas e muitas vezes matei minha curiosidade e, fascinada, ao invés de descer a rua Justino Câmara, que era o meu caminho certo, dava aquela volta...
E, nestas andanças, inúmeras vezes eu via rapazes conhecidos, e também namorados de minhas irmãs mais velhas, ou de suas companheiras, que se esgueiravam por aquela rua (e o faziam como se estivessem cometendo um crime) olhando amedrontados, para um lado e outro, e de uma vez, se afundavam na cobiçada pensão da Lizarda, que os recebia com um sorriso, e a Maria do Bico Doce com sua diplomacia.
Minha chegada em casa com aquele segredo me deixava desconfiada, receando os pitos da mamãe, caso descobrisse a minha aventura. Minha língua coçava com vontade de contar o que vira, mas procurava disfarçar,
pois a mentalidade preconceituosa das famílias, naquele tempo, jamais perdoaria aquele deslize.
Mas minha irmã conhecia-me bastante e apertava- me:
- Anda, bota para fora o segredinho. Você passou por aquela rua? Qual a novidade?
Eu, que já não agüentava mais, soltava a bomba: - Vi seu namorado entrando naquela pensão das raparigas ...
Ela ficava sem graça e dizia-me:
- Que tem isto? É preciso me pedir licença? Homem é homem... e continuava cantarolando uma canção qualquer, disfarçando a decepção.
E assim, durante muito tempo, a rapaziada tapeava e também os coronéis inventavam desculpas para ficarem em paz com as esposas, e se esbaldavam no cabaré da Lizarda, na Rua dos Marimbondos, única opção da cidade.
Aos poucos, ela foi se descaracterizando através dos tempos. A Câmara Municipal, por bem, com uma simples lei, acabou com os minguados camarotes e o cobiçado cabaré, e aquelas mulheres foram escorraçadas da Rua dos Marimbondos. Foram levadas para outra zona, onde pudessem exercer sua profissão com mais liberdade, sem ferir a sensibilidade das famílias.
Outras administrações vieram e alargaram a estreita e feia rua, os botequins desapareceram, surgindo lanchonetes e bares mais higiênicos.
Hoje, vejo-a cheia de casas comerciais, agências bancárias, boutiques sofisticadas, mulheres lindas que passam rebolando, no afã das compras... carros de todos os tipos deslizam em toda sua extensão.
Virou rua séria, bem comportada, familiar, ostentando, com muito orgulho, o nome do nosso antigo e dedicado delegado da Polícia, coronel Altino de Freitas.
Quem diria fosse possível tamanha transformação? Quando a vejo hoje, tão importante me vem à lembrança aqueles vultos infelizes, como fantasmas que povoaram, durante muitos anos, a Rua dos Marimbondos, comercializando seus corpos cansados, entorpecidos pela cachaça, naquela boemia, amando e consolando bêbados infelizes, reprimidas pela sociedade, procurando no vício, na embriaguês, a força para suportarem as injustiças e desigualdades sociais.
Rua dos Marimbondos... faz tanto tempo! Você desapareceu - o tabu de uma sociedade antiga, preconceituosa, e o mistério e grande fantasia da minha infància...


32241
Por Ruth Tupinambá - 23/2/2008 09:32:06

Retrato da praça

Ruth Tupinambá Graça

A Praça Dr. Carlos foi, durante muito tempo, a sala de visita da nossa cidade. Os executivos daquela época (anos 20) tentaram transformá-la numa praça propriamente dita, ajardinada, fazendo jus ao busto do ilustre montes-clarense Dr. Carlos Versiani, inaugurada em fevereiro de 1920.
Aquela praça era apenas um largo e se chamava Largo de Cima, onde a grama crescia desordenadamente, os canteiros tinham somente flores agrestes, como boa noite, nas cores branca, lilás e roxa e a casadinha, em buquês vermelho, entre espinhos aguçados, floresciam, formando um bonito tapete colorido.
Urna cerca de arame farpado, grotescamente esticado, a contornava impedindo a invasão de animais vadios. Árvores enormes, centenárias, davam àquela praça um aspecto aprazível.
À tardinha, era para lá que as crianças, que ali residiam, se dirigiam organizando brincadeiras de chicotinho queimado, veadinho quer mel, boca de forno, correndo alegremente em volta dos canteiros, naquela sensação (que sentimos quando criança) de aventuras, coisas mal feitas e muitas vezes proibidas, fugindo à vigilância do João Pancinha, o único guarda da cidade e que, preguiçosamente, cochilava num dos bancos da praça, disfarçando seu sono sob os óculos escuros.
Mas esta praça simples era muito importante, porque ali se formara uma interessante cadeia de lojas. À sua volta, foram se agrupando as melhores casas comerciais, que por coincidência, pertenciam aos mais antigos moradores da praça, às mais antigas e tradicionais famílias de uma cidade que, sem recursos econômicos, longe da civilização, as lojas eram a única chance para se ganhar dinheiro.
As residências daquela praça possuíam, todas, ao lado, um cômodo de negócios (como diziam), cujos donos nelas sistematicamente moravam. Era muito mais cômodo e tranqüilo, atendendo os amigos e compadres a qualquer hora do dia e até à noite. Balconista era raro, o chefe de família com seus filhos davam conta da freguesia.
Era muito comum se assentar em cadeiras do lado de fora do balcão, com os amigos, para um dedo de prosa, enquanto a mulher e filhas escolhiam tecidos para os vestidos das próximas procissões de maio ou de agosto. Juntos, pitavam um cigarrinho de palha, experimentando o célebre fumo da mata.
Logo à entrada da praça, esquina da rua Coração de Jesus, hoje Governador Valadares, justamente onde está o edifício da Caixa Econômica Federal, ficava a residência do coronel Antônio dos Anjos. Uma casa colonial bem construída com sótão e sacadinhas de arabescos, em ferro, e vitrôs coloridos no alto das portas e janelas, tomava conta de meio quarteirão, tendo ao lado a loja, com grandes vitrines e balcão envernizado.
Coronel Antônio dos Anjos não era comerciante, e sim, grande político e fazendeiro. Era muito dinâmico e inteligente, homem de grande visão e progressista, muito trabalhou para o progresso da cidade, foi pioneiro nas pri¬meiras indústrias. Foi presidente da Câmara Municipal por muito tempo, dedicando-se de corpo e alma aos problemas administrativos de Montes Claros.
Enquanto isto, a loja ficava entregue ao Carlito e ao Benjamin, que a levaram displicentemente, e de muito boa fé, vendiam tudo fiado, tornando mínimos os lucros da loja. Mas o Coronel a conservava, dando ocupação aos filhos que não foram estudar fora.
Durante as férias, aparecia o Cyro dos Anjos, muito galanteador. Distraía-se ajudando os manos no balcão, namoriscando as freguesas que surgiam na loja, curiosas, para ver de perto o estudante da capital (coisa rara naquele tempo).
O bom e importante daquela loja eram as reuniões à tardinha. Depois das cinco, chegavam um a um, as figuras mais representativas da sociedade: juiz de Direito, promotor, delegado, advogados, médicos, coronéis, chefes de política local e num grande círculo, se sentavam em cadeiras colocadas no passeio em frente à loja.
A prosa se prolongava até tarde. Ali mesmo era servido um café forte e gostoso e os assuntos mais importantes eram ventilados; enquanto isto, a loja permanecia aberta.
Mais adiante, no mesmo quarteirão, ficava a loja do coronel Etelvino Teixeira de Carvalho, esquina da Rua 15, hoje Presidente Vargas. Uma loja simples, com largas portas, prateleiras e balcões toscos. Ali vendia-se de tudo. Cobertores coloridos, dobrados em leque, enfeitavam as portas e guarda-chuvas pendurados no teto, como a protegê-lo contra as goteiras. No passeio (porta da loja), bacias de ferro, artisticamente arrumadas, por tamanho, formavam pirâmides, assim como outras mercadorias e utensílios caseiros expostos ao chão logo à entrada e à vista do freguês.
Coronel Etelvino era negociante maneiroso, delicado, dava gosto entrar em sua loja, mas tinha fama de seguro, careiro e fiado, nem em sonhos. Seu único caixeiro era o José Alves, que atendia pacientemente a freguesia, enquanto coronel Etelvino contava os casos da guerra do Paraguai, cujas lembranças ele guardava, como relíquias, penduradas na parede de sua sala de visitas: uma bonita espada, boné e dragonas douradas, do seu uniforme da Guarda Nacional, a que pertencera.
Seu Etelvino e dona Estela recebiam poucas visitas, mas o caixeiro José Alves era freqüentador assíduo pois, com sua educação e ares de gentleman, conquistou a confiança dos patrões e o amor da sua filha Criselides, com quem se casou, continuando, com sucesso, à frente dos negócios, sob o olhar exigente do patrão e sogro.
Tudo mudou com o tempo. Hoje existe no mesmo lugar a Casa Alves, não mais do coronel Etelvino mas do próprio José Alves, uma loja diferente, moderna e alinhada. Ele continua com a mesma educação com que o conheci, anos atrás, procedimento tradicionalmente passado aos seus filhos que seguem a mesma linha do pai.
Em frente ao seu Etelvino, do outro lado da esquina, ficava a loja do seu Herculano Trindade (na Rua 15, hoje Presidente Vargas), onde se vendia de tudo e onde me encantava o colorido bonito das fazendas bem arrumadas nas prateleiras envidraçadas. Filhos e netos movimentavam-se, atendendo a freguesia, principalmente o Nenê e o Zeca Trindade, que mais tarde se revelaram ótimos negociantes graças à experiência, na infância, ao lado do exigente avô, que fiscalizava tudo com olhos espertos através dos óculos de arco de mental, sobre um fino e comprido nariz. Continuando o quarteirão do outro lado, na esquina ficava a Farmácia Americana, de seu Niquinho Oliveira (pai da senhora Ivone Silveira). Era o farmacêutico da época, com diploma e tudo mais, receitava e manipulava ao mesmo tempo. De temperamento alegre e comunicativo, ligava pouco para dinheiro e negócios. Não era comerciante mas poeta, um intelectual, e entre pílulas, drogas e porções, fazia sempre uma poesia que declamava, com entusiasmo, para os fregueses.
Mais adiante, a Casa Peres, do seu Chico Peres, uma casa colonial de janelas tipo guilhotina. Magro, de olhos vivos, na sua aparência calma e tranqüilo, era perspicaz, fiscalizava tudo, pondo seus filhos Cica, Levi, Rubens e ainda netos, para trabalhar na loja. Nada de caixeiro de fora e aos sábados (dia de maior movimento), até as filhas iam para oba1cão. Foi um grande comerciante que, na sua simplicidade, enriqueceu e sua família, ainda hoje, está usufruindo desta herança.
Mais adiante, na outra esquina com a rua Bocaiúva, hoje Dr. Santos, ficava a loja de seu ManoeI Higino. Era um velho miúdo, cego de um olho, mas enxergava por quatro, com sua esperteza. Era ranzinza e exigente, mas quando saía, seu único caixeiro espichava no balcão e roçava nos braços do morfeu. Naquele tempo não havia ladrões e a loja tinha pouco movimento ...
Saltando a Rua 15 ,descendo o outro lado da praça, ficava o Mercado Municipal, com sua bonita torre onde o relógio, incansável, durante muitos anos, marcou as horas da cidade, acordando as crianças para a escola e os homens para o trabalho. Era uma grande presença na praça, com armazéns dentro e fora, botequins, quitandas, e cafés (onde se vendia de tudo) e a monumental feira aos sábados, ocupando toda a frente e o fundo do mercado, com as mercadorias nas bruacas superlotadas de produtos da região. O mercado ocupava todo o quarteirão e era, sobretudo, o ponto “de reunião e de encontro de todos os montes-clarenses”. Todos os problemas eram ali resolvidos. Desde o jogo do bicho à política, ou acontecimentos sociais como casamentos, separações, mortes, adultério, perseguições políticas. Foi um golpe tremendo para a cidade sua demolição e um vazio insubstituível até hoje.
Abaixo do mercado, onde é hoje o Café do Zé Periquitinho, ficava a Casa Sapé, do coronel Carlos dos Santos (avô das irmãs Reis). Ele era um grande político e de grande inteligência e honestidade. Sua loja era muito sortida e requeria caixeiros, pois negociava por atacado. Bem relacionado, tomou parte ativa na política local, resolvendo os problemas da cidade com entusiasmo, chegando mais tarde a ser prefeito. Em sua loja nunca faltava o cafezinho para os amigos e correligionários.
Mais abaixo, na esquina da rua Governador Valadares, ficava a loja do João Salgado, que não era também comerciante, e sim fazendeiro. Sua loja era mais um ponto de reunião com os amigos.
Na parte de baixo, fechando a praça, não havia loja.
Morava a tradicional família Sarmento, ocupando todo o quarteirão onde é hoje o edifício Ciosa, até quase esquina com rua Altino de Freitas. Uma casa colonial grande e alegre, cheia de moças casadoras, inclusive a saudosa Dulce Sarmento, que com seu piano (coisa rara naquele tempo) alegrava e movimentava os saraus daquela casa freqüentada pela fina sociedade montes-clarense.
Na esquina da rua Altino de Freitas, onde é hoje a farmácia Dudu, ficava a do grande farmacêutico Fróes Neto (irmão de Dulce Sarmento). Era alegre, folgazão, contador de piadas e anedotas, enquanto seu único caixeiro, João de Paula, aviava as receitas e fabricava o deli¬cioso licor de pequi, o primeiro fabricado na cidade.
Assim eram os comerciantes da velha Montes Claros. As mercadorias não subiam de preço. Não precisavam de propaganda nem etiquetas para tapear o freguês. Com qualquer vintém, o pobre luxava e trazia sua mesa farta. Dormiam, tranqüilos, pois nem em sonhos o leão os aborrecia. Eram folgados e felizes, o que hoje é raro.
Está aí o retrato da praça de outros tempos, que nos deixaram saudades.
Os montes-clarenses saudosistas, que estão fora, quando aqui chegam procuram-na, em vão... Cyro dos Anjos que o diga!


31737
Por Ruth Tupinambá - 9/2/2008 08:09:06
Fuga do Nordestino

Ruth Tupinambá Graça

Tudo parado, parado e morto.
Sol em brasa, bota fogo nas matas
Fura o cipoal retorcido, emanharado,
Penetra no cerrado estorricado
Sapecando árvores finas, tortas e peladas.

Um lept, lept, lept... indeciso, fraco
Quase arrastado,
Quebra o silêncio funéreo...
Alpercatas grossas de couro cru,
Soltam pegadas fundas
No areião fumegante
Daquele chapadão deserto.

Alguém foge e foge sozinho...
De alforge e cabaça nas costas
Arrastando-se, a goela seca
Espectro da fome
Na lonjura das caatingas...

Nada sobrou da terra madrasta
Pro nordestino enjeitado e sem destino.
Da “rocinha” com o suor regada,
Nem um caroço vingou.

Não foi pouco a cadela,
“Bichinha” só faltava falar,
E o papagaio “tão prosa”
Que a fome matou.

Deixa pra trás a vaquinha,
Peito em muxibas,
Canela esticada,
Língua pra fora
Formiga pinicando,
Olhos abertos parados, sem vida.

Abandona o seu rancho
Olhos fitos no céu.
Num delírio febril,
Ele sonha com as chuvas.
Pingos grossos caindo,
A cabeça molhada
Bafo quente,
De terra encharcada.
A fumaça subindo
Da terra rachada.

Carcarás voando baixinho,
Olhos duros fitando pertinho,
Azas negras como leques soprando,
A morte arrepiando-lhe os cabelos.

Alquebrado, sem forças
Suas pernas fraquejam,
Seu corpo rasteja.
É apenas um verme
Sobre a terra sedenta.


31490
Por Ruth Tupinambá - 1/2/2008 09:33:58

Ouvindo o mar

Ruth Tupinambá Graça

Eu gosto de ouvir o mar
De senti-lo na sua grandiosidade.
Escutar o seu rugir forte
Na imensidão da noite,
Gemendo
Esfregando-se.
Debatendo-se
Orgulhoso, prepotente
Na sua gigantesca força.

Quisera ser assim tão forte,
Tão possessivo,
Sentir na carne a sensação da posse,
O coração seguro.
O seu corpo tal qual o mar
Gemendo
Numa entrega total feliz...

Com imensa tristeza
Eu sinto o contraste
O mar é forte, quase onipotente.
Eu sou frágil como as pequeninas naus
Com que o mar brinca e as quais joga sem cessar,
Só pelo prazer de machucar...

Olho o mar
Olho o céu
Olho as ondas incessantes, aguçadas,
Sempre se esquivando
E penso em você
Penso em nós...

O mar é feliz.
O sol aquece-o,
A areia abraça-o,
A lua beija-o
Sem cessar...

Entretanto, o mar geme
E eu choro...
O mar geme por excesso de carinho
Eu choro por falta de seus amores.


30624
Por Ruth Tupinambá - 5/1/2008 11:18:11
Saudosas Festas da Matriz

Ruth Tupinambá Graça

Durante o mês de maio era uma festa constante. Toda a população freqüentava as novenas e as coroações de Nossa Senhora eram animadas.
A praça da matriz (hoje Dr. Chaves) foi sempre a minha predileta. Ela me traz belas recordações da minha infância, adolescência e juventude. Jamais me esquecerei das “retretas”, aos domingo à noite, quando a banda Euterpe Montes-Clarense {infelizmente extinta} enchia o ar com o som melodioso dos seus reluzentes instrumentos, com os dobrados valsas, enquanto brincávamos alegres correndo em volta do Coreto. Foi nesta praça que eu morei há muitos anos e cresci vendo todas as comemorações religiosas na Matriz de Nossa Senhora e São José.
Os anjos, com seus vestidos de cetim, cheios de estrelinhas, e as asas de pena de garça, e seus cantos inocentes eram os símbolos do amor a Nossa Senhora.
Terminada a coroação todos os anjos convidados esperavam ansiosos os “cartuchos” (cheios de doces e balas) que os pais lhe ofereciam.
Do lado de fora o leilão já esperava os fieis. As enormes touceiras de cana, encostadas á porta da igreja, balançavam suas folhas como bandeiras desfraldadas, convidando a população.
Uma enorme mesa cheia de doces, biscoitos, frutas numa grande variedade, colocados em bandejas enfeitadas com papel crepom bem colorido. A celebre “ceia”, onde o lustroso peito de peru e o cheiro do tutu com lingüiça, bem temperados aguçavam o apetite de toda aquela gente que, em volta da mesa, davam os lances aos leilões, enquanto o leiloeiro calmamente fazia graças e pechinchavam cada vez mais, visando maior renda para a igreja.
Muitas vezes rapazes arrematavam bandejas de frutas ou balas e jogavam para a meninada que, de olhos compridos, “fuzilavam” tais guloseimas.
Como era divertida aquela disputa!
Tudo era alegria e festa naquelas novenas do mês de maio.
Para os namorados então, era a oportunidade para ver a amada e, no escurinho da praça, as mãos se cruzavam, se apertavam, enquanto os lábios passavam levemente pelas faces da namorada que se sentia feliz mas se afastava, evitando os olhares indiscretos.
Naquele tempo tudo era um escândalo. Tinha que ser muito discreto, se não coitada da moça, por um simples beijo, caia na “rua da amargura”, tachada de leviana.
No mês de março vinha a semana santa, Era a grande festa religiosa, a quaresma com sua “via-sacra”, cerimônias e as representações do sacrifício de Jesus, que muitas vezes, tiravam lágrimas dos olhos dos fiéis. As procissões do encontro e do enterro eram acompanhadas com muita seriedade, amor e fé cristã.
Eu ia com minha mãe, à noite, segurando uma pequenina vela que pingava uma cera quente nos meus sapatos, ouvindo o som horrível das “matracas” e a musica fúnebre, enquanto minha mãe rezava o terço e olhava piedosamente para Nossa Senhora das Dores, com uma lança trespassada em seu coração, acompanhando seu filho crucificado e morto.
Mais tarde (à meia noite) era a visita do Senhor Morto, para beijar seus pés e colocar esmola.
Muitas vezes acompanhei minha mãe (que saudade) e ela me recomendava: “beija os pés de Jesus com respeito, nada de risos”.
Eu colocava a moedinha que trazia apertada na mão. Como eu me emocionava! Naquele momento eu achava que tudo era verdadeiro que Jesus sofria com aquelas chagas abertas e os enormes cravos nos pés.
No dia seguinte era tudo alegria. Na praça estava o Judas enforcado para ser espancado, condenado pelo crime de traição.
Após a leitura do testamento do Judas todos os presentes com cabos de vassoura espancavam o Judas, enquanto outros botavam fogo no réu. A criançada vibrava participando daquela vingança.
No dia seguinte, Domingo de Ramos, os católicos enchiam a Matriz e o Padre falava com entusiasmo, os fiéis cantavam: Aleluia, Aleluia! Cristo ressuscitou! E os ramos verdes balançavam nas mãos daqueles católicos! Chegando em casa a mamãe me dizia: “Coloca os ramos no oratório, na sala”, onde uma imagem de Nossa Senhora, São José e um crucifixo de madeira eram testemunhas do nosso amor e nossa fé.


30326
Por Ruth Tupinambá - 22/12/2007 10:45:20
Menino de Rua

Ruth Tupinambá

Cabeça raspada,
Cheia de marcas
Retratos de brigas
Der pedras trocadas,
Pelas ruas correndo
Em busca do pão.

Olhos enormes,
Olhos tristes
Olhos de fome.
Espelhos da vida,
Espelhos da dor.

Das calças rasgadas
Joelhos ossudos
Canelas riscadas
Pés maltratados
Rachados se mostram.

O sol quente
Esquenta a cabeça.
A calçada dura
Indiferente
Chamusca os solados
Que pisam, repisam
Cansados de andar.

De lata na mão,
Encostado ao portão
Suplica somente,
Um pedaço de pão.
No catre duro
A mãe agoniza,
De farrapos coberta.

O irmão tão pequeno,
A barriga tão grande,
Onde os vermes se aninham,
E a fome rodando
O barraco sem luz...
De lata vazia
Não pode voltar.

A porta se abre
Se escancara
De dentro lhe vem
Um cheiro excitante,
De comida gostosa
De quem passa bem.

Fascinado se encosta,
Olhos esbugalhados
Extasiados contemplam
A mesa do rico,
E comida farta.

Uma voz de trovão
De maldade cheia,
Seu sonho desfaz...

-“Moleque atrevido
-Rua, bandido,
-Vou dar-te comida”.

O chicote zune
E volteia no ar,
Soltando assovios
Cortando as canelas
Ferindo os ouvidos.
O faminto corre
Mancando, mancando,
Com a lata fria
Agarrada a barriga
Eu ronca vazia.

O Sol queima,
A miséria maltrata,
O homem castiga.
A fome é o carrasco
Que corta, lentamente
A cabeça pelada,
Marcada, dorida.

Menino sem pai,
Menino sofrido
De olhar pura mágoa,
Rasgado e cansado,
Com a barriga a roncar
E a lata vazia...

Do mundo egoísta,
Não espere justiça,
Menino faminto,

Menino de rua,
Você não tem vez.


30211
Por Ruth Tupinambá - 15/12/2007 12:26:21
Inofensivos Doidos Mansos

Ruth Tupinambá Graça

Até os anos 40 ou talvez mais um pouco a nossa Montes Claros, Princesa do Sertão, era realmente uma princesa muito pacata, livre dos ladrões, assassinos e tarados, não se falava em seqüestros, estupros e violências.
Podíamos sair de casa á noite, dormir de portas abertas.
Os poetas cantores faziam serenatas altas horas, sem nenhuma preocupação de assaltos ou coisas semelhantes. As ruas mal iluminadas eram o ideal para os namorados aproveitarem o luar dando rédeas ás emoções do coração, não correndo o risco de serem violentados.
As crianças brincavam livremente nas Praças á noite, andavam sozinhas, os jovens freqüentavam Clubes livre dos assaltos.
Que saudade eu tenho daminha infância! Como eu tinha liberdade e como aproveitei bem aquele período tão bom da minha!
Sinto que o mesmo não acontece aos meus bisnetos, que hoje vivem presos em apartamentos como passarinhos engaiolados. Não existia perigo nenhum em nossa cidade.
Aparem apenas, de vez em quando, ‘Doidos Mansos’ inofensivos, que se descansarem, atormentados muitos vezes, pela criança que, maldosamente atiravam-lhes pedras arreliando só para vê dizerem palavrões.
Não causavam nenhum mal a nossa cidade e nem mesmo aquelas crianças malvadas.
À noite dormiam sob as marquises ou qualquer arvore, ao relento, deitados no chão duro, tendo como travesseiros, monte de papelão sujos catados nas ruas.
Se sentiam frio ou fome, ninguém se preocupava {falha do ser humano} e aqueles pobres permaneciam encolhidos, minguados como seu próprio destino, mergulhados em sua miséria de corpo e de espírito.
Embora desmemoriados (o cérebro é um enigma) e naturalmente acordados os “sonhos” vinham como uma recompensa divina, um presente do céu para amenizar-lhes o sofrimento. Alguns sonhavam que eram reis ou príncipes e como tais se compenetravam julgando que tudo à sua volta lhes pertencia, tinham visões.
Outros, entretanto, sentiam-se como soldados em guerra. Quantas vezes os viram marchando pelas ruas, com um porrete ao ombro, aflitos, atormentados, como se ouvissem o rebombar ensurdecedor dos canhões...
Havia ainda os que se julgavam poderosos, tinham até lar, família, filhos e riquezas... e
viviam a procurá-los, falando sozinhos, dando ordens como se fossem chefe de família e até sorriam absorvidos naquele mundo fantástico!
Outros mais audazes faziam discursos, em voz alta, pregando religião como se fossem padres ou pastores, enrolando a língua num “falso inglês”.
Os populares, muitas vezes, paravam par ouvi-los e até se distraiam á custa daqueles pobres desmemoriados. Não me lembro dos seus nomes, mas foram muitos que, quando criança, os vi percorrendo as ruas da nossa cidade, e fora destas alucinações, muitas vezes, apáticos encostados às portas de um boteco ou padaria, esperando pacientemente uma esmola.
Muita gente ainda se lembra destes pobres coitados, almas simples, sem maldades.
Ninguém sabia de onde vinham nem pra onde iam.
Até poucos anos, ainda perambulava pelas ruas o “Galinheiro”, um destes desmemoriados. Mal podia andar, falava muito e tudo que encontrava pelas ruas ia pendurando em volta do seu corpo, por todos os lados, parecia mais uma árvore de natal.
Ninguém sabia nem ele mesmo, o que faria com tanto penduricalho.
Hoje nossa cidade é civilizada e cheirosa. Raramente se vê um esmoler ou um destes malucos pelas ruas, e quando isto acontecer as autoridades responsáveis tomam as devidas providências.
Infelizmente ao contrario da tranqüilidade de outrora, a violência domina nossa cidade.
Ao invés dos Doidos Mansos, que em nada nos prejudicavam, os arados, estupradores, ladrões e assassinos tomaram conta da cidade, tirando nosso sossego.
A todo o momento surgem terríveis casos de violência, que nos amedronta, causando pavor a toda comunidade. Nem sempre as autoridades conseguem captura-los, continuam soltos e cada vez mais perigosos.
Enquanto isto, a população é que sofre e permanece presa, enclausurada por trás dos altos muros e as cercas elétricas que se multiplicam, dia a dia em nossa cidade.




Selecione o Cronista abaixo:
Avay Miranda
Iara Tribuzi
Iara Tribuzzi
Ivana Ferrante Rebello
Manoel Hygino
Afonso Cláudio
Alberto Sena
Augusto Vieira
Avay Miranda
Carmen Netto
Dário Cotrim
Dário Teixeira Cotrim
Davidson Caldeira
Edes Barbosa
Efemérides - Nelson Vianna
Enoque Alves
Flavio Pinto
Genival Tourinho
Gustavo Mameluque
Haroldo Lívio
Haroldo Santos
Haroldo Tourinho Filho
Hoje em Dia
Iara Tribuzzi
Isaías
Isaias Caldeira
Isaías Caldeira Brant
Isaías Caldeira Veloso
Ivana Rebello
João Carlos Sobreira
Jorge Silveira
José Ponciano Neto
José Prates
Luiz Cunha Ortiga
Luiz de Paula
Manoel Hygino
Marcelo Eduardo Freitas
Marden Carvalho
Maria Luiza Silveira Teles
Maria Ribeiro Pires
Mário Genival Tourinho
montesclaros.com
Oswaldo Antunes
Paulo Braga
Paulo Narciso
Petronio Braz
Raphael Reys
Raquel Chaves
Roberto Elísio
Ruth Tupinambá
Saulo
Ucho Ribeiro
Virginia de Paula
Waldyr Senna
Walter Abreu
Wanderlino Arruda
Web - Chorografia
Web Outros
Yvonne Silveira