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Mensagem: DINDINHA CLEMENTINAHAROLDO LÍVIO Natal de 1941. Eu era apenas um garotinho de três anos e três meses de nascido. Esta é a impressão mais remota gravada em minha memória nascente, que começou nesse dia santo. Revejo, com imagem turva, a cena natalina em minha casa: meu avô materno, chamado pelos netos de Ioiô, segundo costume ancestral trazido do Ceará, muito atarefado com a montagem do presépio. Utilizava tesoura, pincel, grude, cordões, jornais velhos, borra de café, tintas, elásticos; e punha o presépio vivo funcionando, porque alguns bichos de brinquedo tinham movimento. De todo esse espetáculo fantástico, que para os netos maravilhados valia mais que uma viagem à Disneylândia (que ainda nem se falava em construir), ficou gravada, em minhas retinas, para a eternidade, a cena do rato que atravessava a pista correndo. Nem se pode, hoje, imaginar o encantamento produzido na alma de uma criança que mal despertava para a vida.Quatro meses depois, o avô foi fazer outro presépio, no céu, para os anjos, querubins e serafins. Lembro-me, muito bem, de Mamãe chorando muito e montando a cavalo, de silhão, para ir ao enterro do pai. Uma semana depois, ela voltou vestida de preto, ainda em prantos e deixando toda a família consternada. Dindinha, nossa empregada doméstica, cuidou de me comunicar que eu não tinha mais o avô. Explicou-me, tentando consolar-me da perda, que ele morreu porque a corda do coração caiu, e que nunca mais o veríamos. Esta sábia explicação deu-me uma noção vaga, muito superficial, do que seria a morte, que era uma novidade para mim, um infante de três anos e sete meses de nascido. Algum tempo mais tarde, quando me achava mais taludinho, Dindinha pegou-me pela mão e me levou para conhecer um velório. Ela achava que eu tinha de conhecer a realidade da vida e da morte, para amadurecer. Era noite escura, de chuva, e fomos à “sentinela”. Pela primeira vez, vi um defunto, com certo medo, evidentemente, agarrado à mão de minha guardiã. Enquanto algumas pessoas rezavam o padre-nosso, em voz alta, outras comentavam, entre sussurros, a causa do óbito. Lembro-me, ainda, de que o cadáver era de um rapaz que bebera estricnina, por desgosto, e que deixara uma carta de amor. Curioso, perguntei a Dindinha o que vinha a ser uma carta de amor. Sem me responder, fez um sinal para que esperasse um pouco e continuou concentrada na ladainha. “Regina patriarcarum! Virgo predicanda! Mater inviolata! Ora pro nobis!” Quando voltávamos para casa, na escuridão, ela, com muito tato, me disse, em resumo, que amor era um assunto de gente grande, complicado demais para ser revelado a um ser inocente. Arrematou justificando que, quando crescesse,o amor deixaria de ser um mistério. E botamos o pé na estrada... Passado tanto tempo, muito tempo, nunca me esqueci dela e ainda sinto sua sombra protetora me seguindo, velando por mim, cobrindo-me de carinho. A benção da senhora, Dindinha!
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