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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: “TIO DIGAS”
Quando a gente escreve sobre pessoas que já nos deixaram a gente sempre retrata momentos nos quais convivemos com elas ou as lembranças delas, guardadas em nossa mente, ainda que só pelo simples fato de as termos presenciado fazendo ou dizendo algo que teve significação para nós.
Vou falar aqui de um homem que, de tão querido por minha geração, tornar-se-ia uma espécie de “tio” de todos nós, por sua paciência com os mais jovens e por sua imensa bondade, que sempre o levava a compartilhar seus sucessos, suas alegrias, suas tristezas e sua riqueza material com o semelhante. A primeira imagem que me vem à cabeça, quando me lembro dessa figura, é a dos momentos em que havia algum circo fazendo temporada em nossa aldeia. Ele sempre pagava as entradas de toda aquela meninada pobre que se aglomerava nas imediações das bilheterias, até pedindo, aos que estavam na fila, alguns trocados para inteirar a grana do ingresso, porque não tinham todo o dinheiro para pagá-los. Eu, que ganhava o ingresso de meu pai, vibrava, das arquibancadas, quando via entrarem, muitas vezes já ao apagar das luzes do picadeiro para as aberturas dos espetáculos, debaixo daquela imensa lona, normalmente por um comprido corredor, entre as arquibancadas, com piso de serragem, aquele bando de meninos pobres, provocando o maior rebuliço em hora imprópria, não por algazarra, mas pela alegria que expressavam por poderem participar de mais uma sessão circense. E quando perguntávamos de que modo haviam conseguido entrar, sempre respondiam, com largos sorrisos: — “tio” Digas pagou pra nós. E assistíamos aos espetáculos, emocionando-nos com os números de trapézio, dando estrondosas gargalhadas com as brincadeiras dos palhaços, tremendo de medo de algum bicho feroz que aparecia em cena, sem que ninguém fizesse qualquer tipo de discriminação contra aqueles afilhados, aqueles protegidos do bondoso “tio”. Isso sempre se repetia e chamava minha atenção, porque, tinha vontade de fazer o mesmo e não podia. Só me restava oferecer alguma bala doce que estivesse sobrando ou alguns grãos de pipoca àqueles meninos mais pobres do que eu, que recebiam, de bom grado, minhas insignificantes oferendas. Vi, muitas vezes, aquele homem bondoso o mesmo nas bilheterias dos cinemas, especialmente nas do Cine Cel. Ribeiro, próximo a seu escritório e a sua residência. Foi assim que entrei para o clube dos fãs de “tio Digas”. Anos depois, Edgar, seu filho, meu colega de colégio e fraterno amigo, me diria que seu pai agia daquela forma com as crianças pobres porque também fora uma delas, sem grana para entrar em circos e cinemas.
Conto em meu livro de memórias o momento em que D. Quita Pereira pagou a meu pai seiscentos e cinqüenta contos, em dinheiro vivo, dentro de um saquinho de papel, daqueles que os armazéns colocavam os produtos depois de pesados nas balanças, pela compra da Varginha, que depois se transformou na famosa Vila Ipê, o grande reduto da honrada família Pereira.
Nos meus doze anos fui colega de três filhos de “tio” Digas, no Colégio D. Bosco, em Cachoeira do Campo, no ano de 1957. Edgarzinho era meu protetor. Era da divisão dos maiores e, quando alguém queria fazer alguma covardia comigo, bastava eu dizer que era seu conterrâneo, para que o cara me respeitasse. Era fortão e bom de briga, embora não as procurasse. Ivan vivia estudando e rezando e era da minha divisão, os sub-médios. Ernane, o mais novo, era dos médios. Nossas amizades da juventude permaneceram incólumes. Perdemos Ernane, fora de hora, no esplendor de sua vida. Carlinhos eu já conheceria grandão, deputado estadual. Quase não convivi com Luis Eugênio. De Orlando, que também já partiu, fui professor, na Faculdade de Direito do Norte de Minas. D. Zulma, mãe deles, era muito amiga de minha mãe e de minha tia Consuelo. De vez em quando eu ia à casa de “tio Digas”, ali na Dr. Veloso, perto da Delegacia de Polícia. Aquele casarão era, para mim, uma monstruosidade, um palacete. Não tive o prazer de conhecer José e Cássia Maria, filhos do segundo casamento de “tio Digas” com D. Ozira.
Jovem, admirava a capacidade empreendedora daquele homem bondoso, que estudara no Liceu Mineiro e no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. E o vi montando indústrias, construindo fazendas, praticando o comércio, sempre alegre, promovendo e ajudando pessoas das mais variadas formas, até descobrir que ele havia nascido em Brasilinha, nome pelo qual sempre chamamos nossa querida Brasília de Minas, depois que JK construiu aquela Brasilhona, lá no planalto central, para onde ele iria, deputado federal, por duas vezes, representar nossa gente. Quis o destino, no entanto, levá-lo precocemente, num acidente, em abril de 1973, quando exercia o segundo mandato, com pouco mais de sessenta anos de idade.
Maduro, quando presidi o Cassimiro, descobri que ele doara os refletores ao clube, depois que o time de seu bairro, o Ipê, não mais disputaria o campeonato da cidade. “Tio Digas” tornou-se grande benemérito e torcedor do Cassimiro. Num jogo contra o Vila Nova, no chamado “Alçapão do Bonfim”, em que ganhávamos por três a dois e tentavam coagir nosso time, ele tomou o microfone da ZYD-7 e aprontou o maior berreiro, mostrando à torcida contrária que não tínhamos medo e que continuaríamos a lutar por aquela vitória com todas as nossas forças. E ganhamos, coisa rara de acontecer, naqueles tempos, lá dentro daquele temido alçapão. Gélson Dias é que sabe contar bem esse caso.
Contam uma estória dele com um guarda paulista, que nem sei se é verdade, mas que já ouvi de várias pessoas. “Tio Digas”, quando deputado federal pelo Norte de Minas, dirigindo em pleno trânsito paulista, entra na contramão, na rua famosa Augusta. O guarda o pára e pede a “carta”. Gozador e brincalhão, responde:
— Que carta qual é o quê, sô, eu nem te conheço. Como iria te escrever?
O guarda quis engrossar, mas ele retrucou:
— Olha aqui, moço, sou o deputado federal Edgar Martins Pereira e quem resolve estes problemas pra mim é meu assessor, Josué, lá na Valsa. Procura ele, pois tô com pressa. Té logo.
Arrancou, deixando o guarda com cara de tacho e queixo na mão.
Valsa era o nome de uma empresa da qual “Tio Digas” era sócio em Montes Claros e que era administrada por Josué, esposo de Valquíria, sobrinha dele. Josué e Valquíria, meus queridos ex-vizinhos de Montes Claros, na rua Irmã Beata, são os pais do grande político Gil Pereira.
Meu último contato com “tio Digas” foi dramático. Estamos, só ele e eu, tomando uma cerveja, e era o último dia da apuração da eleição em que Moacir Lopes e Crisantino Borém disputavam a Prefeitura. Ele, deputado federal, apoiara Moacir. A luta se feria voto a voto e só foi decidida na última urna a favor de Moacir. “Tio” Digas nunca perdia a esperança da vitória e me dizia que se Moacir perdesse aquela eleição se mudaria de Montes Claros. Eta sertanejo raçudo!
Essas são as minhas mais caras lembranças de Edgar Martins Pereira, nosso eterno e querido “tio Digas”, figuraça indelevelmente gravada nos corações norte-mineiros.

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