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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 20 de setembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 3)

COMO COMECEI A VER O MUNDO
Despertei para o conhecimento da vida com imagens próprias, que representavam minha compreensão nascente a respeito do mundo à minha volta.
Para começar, Deus, para mim, era azul. Era uma cor azul. Azul também era um sobrinho de minha mãe, filho de uma irmã dela. Minha mãe gostava muito desse sobrinho e ria muito quando contava suas diabruras. Para mim ele era azul.
De nossa casa via-se a estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, quase em frente. E o vasto pátio que a circundava.
Em um extremo e outro do pátio - na saída da linha férrea para Pirapora, a noroeste, e para Belo Horizonte, ao sul - havia uma guarita de madeira, pintada de azul. Era a Guarita da Chave, em frente à qual havia um mecanismo que o guarda-chaves operava, derivando as composições para o desvio ou deixando-as prosseguir na linha principal.
Em frente à nossa casa, um pouco à esquerda, quase no final do pátio da estação, erguia-se a guarita do lado sul.
Belo Horizonte, cidade da qual eu ouvia falar muito, era, em minha mente, uma guarita de madeira, de duas águas, pintada de azul.
O Governo era um cidadão moreno acobreado, alto e magro, vestido com um uniforme caque descorado, usando boné militar e dolman abotoado até o pescoço.
O DIABO
A figura do diabo, para mim, era de um mulato alto, de rosto largo, com grandes zigomas e nariz grosso, com um boné de casimira cinza amarronzada. Em mangas de camisa. Trabalhava em uma forja.
A GRIPE ESPANHOLA
A casa de meu pai - residência e venda - ficava na rua principal, quase de frente para a estação da Estrada de F erro Central do Brasil, inaugurada sete anos antes.
A casa ocupava a esquina onde nascia o beco de seu Tico, em direção ao rio, no qual residiam o sr. Antônio Ribeiro e o pedreiro Raimundo Oliveira, português, com companheira Maria Pretinha, pais do Praxedes, pescador, que entregava peixes na venda de meu pai.
A rua principal não era propriamente uma rua. Era uma larga estrada que começava na sede da Fazenda de José Evangelista e passava em frente às chácaras de Joaquim Lúcio Cardoso e de José de Melo e prosseguia por nossa casa, pelo beco do seu Tico, seguindo-se a loja e residência do português José Paculdino Ferreira. Até essa altura não havia construções do outro lado da rua. Havia uma cerca de arame, com postes de trilhos serrados, fechando o chamado pátio da Estação, sempre cheio de pilhas de dormentes, toras de madeira e lenha empilhada, pois se tomara praça madeireira.
Essa rua-estrada era simplesmente ´a rua´. Seguia estreitando-se à medida que avançava e mais adiante se entortava e tomava o nome de Rua do Caixa-Prego.
No ano seguinte ao de meu nascimento veio a Gripe Hespanhola (era assim que se escrevia, com H), que causou acima de 20 milhões de óbitos em todo o mundo. (Li algures que foram 50 milhões).
Todos em nossa casa adoeceram, menos meu pai, que cuidava de todos e ordenhava a vaca Raminha e distribuía o leite com os doentes de casa. E mandava o que sobrava para os vizinhos.
A minha tia Joaquina, esposa de meu tio Basílio, foi a primeira pessoa a levantar-se e andar pela casa.
Contava ela que estava parada, muito fraca, pensando nas muitas coisas que havia por fazer, quando sentiu alguém a puxar-lhe a saia. Baixou a vista e lá estava eu, com um ano e pouco de idade, olhando para cima, com os olhos pregados de remela, tentando vê-la e comunicar-me:
- Olha eu aqui ...
Eu é que fora, realmente, a primeira pessoa na casa a restabelecer-se da terrível epidemia.

O POVOADO

Antes
era a Serra do Cabral,
o Rio das Velhas
e os Campos Gerais
onde cantavam as seriemas

Depois
veio o apito do trem.
E a rua. Sem nome.
Simplesmente a rua.

E a Venda.

Ao fundo
a velha Caraíba,
teimosa testemunha que restou
do tempo em que cantavam as
seriemas.



(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes)
Cidade: Montes Claros/MG

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