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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 4)O NASCIMENTO DE UM AGLOMERADO URBANO NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXTive a sorte de nascer pobre, na roça, e ali viver a infância. No começo era um diminuto grupo de pioneiros reunidos num espaço em que todos se conheciam, rodeados pelo mato. A rua era uma estrada de terra. A água era de cisterna, a luz de azeite de mamona e querosene. Não havia igreja, nem farmácia, nem médico. A escola pública, quando foi criada, anos mais tarde, ensinava apenas até o 2º ano. Chamava-se Escola Rural Mixta. Dela guardo meu diploma com carinho e respeito.Naquele tempo não havia rádio nem televisão. Todo o tempo estava disponível para o trabalho e o convívio com as pessoas e a natureza. Foi didático. Vim aprendendo a viver a partir das mais profundas e legítimas raízes. De baixo para cima, envolvido pela natureza. Sou batizado duas vezes. A primeira, três dias após meu nascimento, sob mal súbito, ante o risco maior, temido por minha mãe, de morrer pagão. Fui batizado pelo ferreiro do lugar, o senhor Bertolino Ponciano, homem de bem, temente a Deus, que lia a Bíblia. E a segunda vez pelo padre, tempos depois, quando o padre veio, na desobriga.O COMEÇOO povoado foi se formando aos poucos, ao lado da estação da ferrovia, em construção, numa região habitada por pequenos produtores rurais.PIONEIROSO AçougueiroCassimiro Jorge era o açougueiro. Não havia cortes especiais: era preço único. Ao freguês adulto ele mandava escolher. Se a mãe mandava uma criança fazer a compra ele mesmo escolhia a melhor carne disponível.A QuitandeiraDona Biló, esposa de “seu” Gaudêncio, fazia umas roscas morenas, redondas e graúdas, adoçadas com rapadura. Uma por um tostão. Eram boas demais. O Cisterneiro Neco Meirelles era o cisterneiro. Trabalhava sarilho abaixo, com uma pá cavadeira de mão e um enxadão de cabo curto, cavando a terra, 100 palmos ou mais, até chegar à água.O FerreiroBertolino Ponciano foi o primeiro ferreiro do lugar.A BenzedeiraEra a velha Regina, esposa do José Bruno, irmão de João Gravetinho. Tinha reza e benzedura para tudo. A mim curou-me de um cobreiro de entrepernas (cobrelo). Rezou e benzeu em cima. Foi o mesmo que tirar com a mão.O RaizeiroJoão Velho conhecia as plantas. Sabia para o que serviam as folhas, as cascas e as raízes. E fazia sabão da terra com frutos de tinguí cozinhados em decoada de barrela de cinza.A Parteira Sia Clara, uma velhinha magra e esperta, de sorriso simpático, era a parteira. Contava histórias cantadas. Que puseste, Juliana,neste cálice de vinhotenho a vista escurecidanão enxergo o caminho Bate o sino da Matrizquem será que hoje morreu?Minha mãe, foi Dom Jorgee quem matou ele fui eu.( Da história de Dom Jorge e Juliana )A Escola Mestra Júlia teria 80 anos ou mais. Cabelos brancos, enérgica, ensinava a ler, escrever e contar em aulas particulares diurnas para crianças e à noite para adultos. Com a cartilha em uma das mãos e a palmatória na outra. As 4 operações ela ensinava com a tabuada cantada: um mais um, dois; duas vezes dois, quatro; duas vezes quatro, oito; duas vezes oito, dezesseis, noves fora sete...Os alunos faziam as anotações em lousas portáteis de ardósia, de duas faces, enquadradas em madeira, com lápis da mesma pedra.“Seu” Trajano, o esposo, era curtidor de peles de animais silvestres, com tanino de cascas de barbatimão e angico. A Venda Meu pai era o vendeiro.Pequenos Serviços Militão não tinha emprego certo. Rachava lenha. Enterrava bichos mortos. Era feioso. Tinha os dentes grandes e salientes. E babava. Na quaresma o povo dizia ele virava lobisomem. Depois o tempo passou,o lugar virou cidadee tudo isso acabou.(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)
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