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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 6)

ARREDORES DE VÁRZEA

Várzea era um bom lugar para menino nascer e brincar. Não faltava onde se divertir. Nada havia de grandioso. Isso é verdade. Nada de mar, de grandes montanhas, de “canyons” e coisas desse gênero. Mas a gente tinha muito onde ir e brincar.
Havia o Córrego do Lameirão, na saída para Pirapora, a um quilômetro da rua. Para a pesca de pequenos dourados, matrinxãs e piaus, nas correntezas. Nos poços profundos moravam as traíras.
Na outra margem do Lameirão começava o Anda-Sol, um maciço florestal muito fechado, que nascia no barranco do córrego e prosseguia cobrindo toda a extensão entre a via férrea e o Rio das Velhas. Quando se entrava nessa mata não se via mais o sol. E quando se chegava ao fim o sol havia andado muito no céu. Dai o nome que os nativos lhe deram.
No Anda-Sol havia muita caça. Até onça. Mas nós caçávamos bichos de penas: jaós, jacús e lá um ou outro pequeno bicho de pêlo.
Com o passar do tempo a população transpôs o Córrego do Lameirão e o Anda-Sol tornou-se mais tarde populoso bairro da cidade.
No lado oposto, na entrada dos campos gerais, havia a Serra da Palma (Serrinha), onde meu pai matou uma bruta de uma anta. Tão grande que foi preciso uma carroça para trazê-la ao povoado.
Era lá que às vésperas do Natal eu e meus irmãos íamos, com uma carrocinha de mão, apanhar enfeites para o presépio que nossa mãe fazia todos os anos.
Essa serra hoje encontra-se desmatada e no assentado, ao alto, foram abertos poços tubulares e construída caixa d’água para serventia da cidade. E erigida uma bela réplica, de menor porte, do Cristo Redentor do Corcovado.
Vis-a-vis, transpondo-se a linha férrea no sentido do nascente, chega-se à Palma Velha, onde sobressaem uma vereda e um pântano cercado por pindaíbas e buritizeiros, moradia de jacarés e sucuris. Em torno da vereda e do pântano estendia-se, até alcançar a mata ciliar do Rio das Velhas, um varzedo pródigo na produção das cheirosas pinhas de janeiro. Ai localizava-se o antigo Porto da Palma.
Mas havia, principalmente, o Rio das Velhas, a um quilômetro da rua. Para as pescarias maiores, de barranco e em canoas e para o banho nos lajedos e na Praia das Maravilhas.
Ricos de frutos nativos eram os campos gerais. No correr do ano produziam pinhas, araticum-panãs, ananases, cajuzinhos do campo, pequi, murici, cagaita, mangaba, mama-de-cadela, grão de galo, bacupari, jenipapo, côcos macauba, ouricuri e buriti, entre outros. Havia muita caça de penas e de pêlo: emas, seriemas, codornas, perdizes, inhambús. No início das águas íamos à procura de ninhos de papagaios, periquitos e maritacas, para apanhar os filhotes e criá-los em casa.

CONVERSAS NA FAMÍLIA

Nas noites sem luar, o que havia de melhor era ouvir a velha mestra das histórias cantadas, “sia” Clara, contando e cantando a vida de reis, rainhas, princesas e príncipes. As histórias de “sia” Clara eram o cinema e a televisão de hoje. Quando ela vinha contar histórias em nossa casa, armava-se, com ajuda geral, todo um aparato para a grata finalidade.
Nossos pais também nos contavam muitas coisas.
Nossa mãe nos falava de sua gente de Montes Claros, da cidade, dos costumes, de sua vida. E nosso pai, embora menos comunicativo, também nos falava, de vez em quando, de passagens de sua vida em Contendas, sua terra natal e de suas andanças de tropeiro.
No geral havia em mim – hoje reconheço isso – uma certeza, não esperança, mas certeza, natural e espontânea, sem qualquer pensamento em contrário, de que eu cresceria e viria a ser um homem próspero e feliz.
Nesse tempo, meus pais e toda a família me achavam um menino muito esperto e desembaraçado. Representantes comerciais, que visitavam a serviço a venda de meu pai, gostavam de conversar comigo e alguns deles chegavam a pedir a meus pais que lhes permitisse levar-me com eles para conhecer suas famílias e suas cidades. Talvez por acharem que aquele povoado não fosse um bom lugar para criar filhos.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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