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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 8)

O PRESÉPIO

Nossa mãe fazia o presépio, todos os anos, em dezembro. Começava plantando arroz, no dia de Santa Luzia (13 de dezembro), em latas de goiabada e marmelada, para colocar em torno da serra, sobre um piso de areia branca que cobria toda a sobra da mesa em que se armava o presépio e escondia as laterais das latas. Na antevéspera do dia 24, trazia para a sala da frente caixotes com o carvão de pedra, os bichos, as raízes invulgares, os cactos, e ainda, o burro, o galo, o carneiro, os três reis e a família sagrada, mais a estrela brilhante, que era amarrada com linha sobre a serra formada por blocos de borra de carvão de pedra, encobertos de raízes de formatos incomuns, cascas de madeira, cipós, orelhas e barba de madeira, flores exóticas, cogumelos. O dia 22 era para limpeza. Os dias 23 e 24 eram para armar o presépio. Tudo isso era feito por minha mãe. Ela afirmava que a pessoa que faz o presépio uma vez, tem que continuar fazendo todos os anos, enquanto viver. No dia 24, pela manhã, ela nos mandava para a serra que havia próxima ao povoado. Nós levávamos uma carrocinha puxada e empurrada a mão e nossa tarefa (os irmãos Geraldo, Lauro, Vicente, eu, Joaquim e Cassimiro) era trazer coisas apropriadas e bonitas para o presépio: arbustos, folhagens, flores, cogumelos, orelhas e barbas de madeira, cipós, lírios do campo, búzios, casas de marimbondo chocolateira e chapéu, pedras coradas, areia branca e colorida, ninhos de pássaros, enfim tudo que servisse para enfeitar a serra e a lapinha. Aliás, o presépio era mais conhecido pelo nome de lapinha.
Pela hora do almoço nós estávamos chegando com a carroça carregada, e cheios de novidades sobre o que havíamos visto lá na Serra. Exagerando a quantidade de rastros de onça nos caminhos e os rosnados que teria mos ouvido, de caititus e veados que havíamos encontrado, de emas e seriemas que perseguimos, de casas de marimbondos que desmanchamos, de formigas gigantes - da raça negra-mina e onça, que nos haviam ferroado, enquanto íamos descarregando a carroça, nos atropelando no relato uns nos outros, todos falando ao mesmo tempo e ajudando nossa mãe a terminar a montagem do presépio.
A partir das 21:00 horas começavam a chegar alguns vizinhos que vinham participar da reza. E enquanto se aguardava a chegada da meia-noite, servia-se fartamente café-com-leite e biscoitos de fofão, quebradinho, de goma, joão beó, biscoitos de fubá mimoso, brevidade, biscoito de toalha e outros.
À meia-noite, minha mãe trazia a imagem do Menino-Deus e as imagens de Maria e José, e do anjo anunciador, e os colocava na manjedoura, na lapinha. Antes já havia sido armada, sobre a lapinha, a estrela-guia, de longa cauda, feita de papelão e recoberta de papel prateado, bem como o burro, o galo, e os três reis magos, com suas oferendas: ouro, incenso e mirra.
Colocadas as imagens, todos nós ajoelhávamos e nossa mãe “tirava” os hinos, começando com o que anunciava o nascimento de Cristo.

Já nasceu o Menino-Deus
vinde cantar, vinde vós, pastores,
já nasceu o Menino-Deus,
celebremos os seus louvores.
___
Virgem soberana
que no céu estais
ouví nossos rogos,
bendita sejais.
___
Caminhemos, caminhemos,
pra lapinha de Belém,
visitar o Deus menino
que salvar o mundo vem.

A partir daí, todas às noites, às 19 horas, rezávamos e entoávamos cânticos natalinos, ajoelhados ante a lapinha.
No dia de reis, 6 de janeiro, ajudávamos nossa mãe a desmanchar o presépio, encaixotá-lo e guardar tudo para o ano seguinte.

INFÂNCIA

Fiz arapucas para apanhar codornas.
Fiz visgo de cozimento de leite de gameleira para pegar canários. Furei colméias de abelhas nativas. Recolhi filhotes de periquitos, jandaias e papagaios nos ninhos em ôcos de paus, onde às vezes as cobras chegavam antes de mim.
Nadei, remei, pesquei, cacei com bodoques de pau pereira.
Matei a sede e enganei a fome com mastigo de folhas mansas do campo.
Vivi a infância segundo as leis do mato. Era o modo comum de viver nos primeiros tempos do pequeno povoado.

EU ERA PARTE DA NATUREZA

Eu vivia com a natureza. Participava, acompanhava o que ocorria no tempo.
Caminhar, correr, não eram considerados exercícios. Era o ritmo da natureza, sem idéia de esforço, sem cansaço.
Como elemento natural, assim como uma árvore cujas folhas caem no outono e reverdecem na primavera, eu crescia no período das águas, que trazia a abundância de frutas.
Em maio e junho, meses do frio, sofria dores de dentes. Em agosto começavam os carrapatos, redoleiros e bichos de pé. Nas águas a gente andava na lama e nas enxurradas. Era o tempo das frieiras entre os dedos dos pés. Doíam, sangravam. Tratava-se com creolina. De uso veterinário. Vinham as dores de barriga e as brotoejas na safra das mangas. E mais dores de dentes, por causa dos resfriados, com tosse e nariz escorrendo.
A vida da gente era um folclore.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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